Técnicas de processamento de sinais aplicadas a avaliação da qualidade de via Raphael Damasceno Marotta1, Lucas de Castro Valente 2 1 Engenharia da Malha MRS Logística S.A., Av. Brasil 2001, 36060-010, Juiz de Fora – MG Engenharia Material Rodante MRS Logística S.A., Av. Brasil 2001, 36060-010, Juiz de Fora – MG 2 e-mail: [email protected], [email protected] Resumo Este trabalho tem como objetivo apresentar metodologia para avaliação da qualidade da via permanente de maneira alternativa as convencionais através de técnicas utilizadas em processamento de sinais e das medições realizadas pelo carro controle. As formas mais comuns de monitoramento da geometria da via assim como os limites de segurança existentes e normas regulamentadoras apresentam referências apenas para o tratamento de defeitos pontuais ou exceções aos limites pré estabelecidos para determinados tipos de defeito e classe de via em que se opera. Essa abordagem é de extrema importância para garantir a segurança operacional e tem se mostrado muito efetiva para priorização da manutenção de via , porém muitas vezes em casos já conhecidos dentro da MRS os acidentes não estão associados às exceções da geometria e sim a interação harmônica entre os veículos que trafegam sobre a via e as características das imperfeições da geometria que não necessariamente irão extrapolar os limites estabelecidos como padrões de segurança para manutenção corretiva. Esse fenômeno se torna cada vez mais comuns em velocidades mais altas e tendo em vista a constante busca por se aumentar a eficiência operacional através do aumento da VMA na ferrovia esse tipo de análise tem sido cada vez mais difundida nas ferrovias do mundo. Outra aplicação importante desse tipo de análise é a possibilidade da mensuração de indicadores de qualidade de via através da análise do espectro gerado a partir das medições do carro controle. Para cada espectro está associado um nível de energia e quanto maior a essa energia pior é a qualidade da via no trecho. Para a construção desse espectro foi utilizada uma ferramenta conhecida como Transformada de Fourier janelada , muito comum em processamento de sinal que torna possível medir o nível de energia e comprimentos de onda presentes em cada trecho da via . Neste trabalho apresentaremos os resultados deste tipo de análise em trechos da malha da MRS e as aplicações futuras que poderemos dar a esse tipo de ferramenta. Palavras-Chaves: Geometria de Via,VMA, Dinâmica, Processamento de sinal 1. INTRODUÇÃO Existem hoje diferentes técnicas capazes de avaliar as condições de uma via férrea. A abordagem clássica é feita pela detecção das chamadas exceções de geometria , que se tratam basicamente dos defeitos medidos por carro controle ou manualmente que extrapolam os limites estabelecidos por norma. São utilizados também os Índices de Qualidade de Via e o Espectro de Densidade de Potência (PSD). A utilização do Espectro de Densidade de Potência para avaliação da qualidade da via permanente é relativamente nova nas ferrovias . Em sua ampla maioria a gestão da manutenção de superestrutura é feita através do Índice de Qualidade de Via (TQI) o qual se trata basicamente de uma função estatística do desvio padrão de cada defeito geométrico. Já a cada espectro de potência está associado um nível de energia que varia de acordo com a amplitude da imperfeição da geometria medida e consequentemente com a classe da via de cada trecho. Através de outras ferramentas como a Transformada de Fourier Janelada (STFT) , podemos identificar os comprimentos de onda das imperfeições na geometria da via em cada trecho e avaliar o comportamento harmônico de uma vagão que excitado por essas imperfeições que em alguns casos podem ser de mesma frequência que a sua natural (própria) podem potencializar o risco de descarrilamento. Este trabalho se propõe a apresentar as aplicações do Espectro de Densidade de Potência e STFT na avaliação da qualidade da via e alguns resultados obtidos utilizando essas ferramentas em análises de acidentes e aumentos de VMA na MRS. 2. FFT , STFT e PSD A via pode apresentar diversas formas de imperfeições devido a diferentes características dos componentes da superestrutura que irão determinar ao longo do tempo de que forma a degradação irá ocorrer e conseqüentemente qual característica a geometria irá assumir devido a esse comportamento. Quando tomadas em conjunto essas imperfeições podem assumir padrões complexos de formas de onda. Seria de grande ajuda se esses dados complexos pudessem ser divididos em componentes individuais que os originaram. Uma das ferramentas mais conhecidas para esse tipo de análise é a Transformada Rápida de Fourier ou FFT. Esta ferramenta permite encontrar eventos repetitivos em uma amostra de dados aproximando determinada função por uma soma de senos e cossenos. A transformada converte os dados de um domínio em outro domínio, sem perda de informação. No caso da geometria da via, os dois domínios são os domínios de espaço (amplitude x espaço) e domínio da freqüência (freqüência x espaço). Para realizar de forma rápida a Transformada de Fourier foi desenvolvido o arlgoritimo chamado FFT (Fast Fourier Transformed). Fig. 1 Trem de Minério da MRS Já para obter o Espectro de Densidade de Potência (PSD) basicamente o sinal deve ser transformado do domínio baseado no tempo para do domínio baseado na freqüência utilizando a FFT.Uma analogia similar pode ser imposta a geometria da via que é descrita no domínio do espaço.O processamento do sinal irá resultar em um espectro de número de onda que é normalmente chamado de freqüência espacial de uma onda. Neste novo domínio é possível identificar quais comprimentos de onda estão presentes na via. A densidade espectral descreve como a energia de um sinal será distribuída com freqüência. A densidade espectral do sinal será o quadrado da magnitude da Transformada de Fourier. Originalmente os cálculos do PSD em ferrovias eram utilizados para análises dinâmicas , porém notou-se que o PSD poderia ser um método adequado para avaliar a qualidade da via e sua degradação. No eixo y do PSD está representada a densidade do espectro e no eixo x a freqüência espacial.Um espectro baixo indica melhor qualidade da via e um espectro mais alto indica pior qualidade da via. Fig. 1 Níveis de energia do PSD para diferentes classes de via Fig. 2 Exemplo real de espectro de densidade de potência Como descrito acima , as duas técnicas apresentadas possuem aplicações tanto em análises dinâmicas quanto em classificação de qualidade de via , sendo utilizado de forma mais freqüente para análises dinâmicas através da STFT (Short Time Fourier Transformed) que analisa funções cujo espectro varia no tempo.A técnica consiste em uma análise espectral que depende do tempo. O intervalo de suporte da função é dividido em intervalos menores de forma que o espectro possa ser considerado constante em cada um deles, então uma variação da transformada de Fourier é aplicada em cada intervalo.Esse modelo é adequado para análise de longos trechos de via dentro dos quais se está interessado em identificar em algum ponto se existe determinada faixa de comprimento de onda que poderá excitar harmonicamente um veículo que trafegando em determinada faixa de velocidade encontre na via irregularidades que tenham a mesma freqüência de sua natural (própria) para determinado modo de vibrar. 3. AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA VIA E IDENTIFICAÇÃO DE IRREGULARIDADES NA GEOMETRIA PERNICIOSAS A DINÂMICA DO VAGÃO Através do software de simulação de dinâmica de veículos utilizado na MRS ( VAMPIRE) é possível obter o espectro de densidade de potência a partir dos dados de geometria registrados pelo carro controle (TrackSTAR) durante a inspeção.Do espectro de densidade de potência podem ser obtidas informações relevantes sobre as características do local. O nível da energia do espectro caracteriza a qualidade da via, pois está relacionado com a amplitude das irregularidades do trecho.Como classes superiores de via possuem limites mais restritivos para defeitos de geometria, o espectro deverá apresentar menor nível de energia nesse caso e a situação oposta deverá ocorrer para classes inferiores . Ao analisar o PSD também é possível identificar através da análise da forma do espetro possíveis problemas na geometria da via. Um espectro com padrão desejável deverá apresentar menor nível de energia a medida que se aumenta a freqüência . Em termos práticos deverá reduzir o valor da ordenada do gráfico a medida que caminhamos no sentido crescente da freqüência no eixo x . Nos casos em que ocorrer aumento significativo da energia a medida que nos deslocamos no gráfico no sentido de menor para a maior freqüência, possivelmente esse comportamento estará relacionado a problemas na geometria da via. A freqüência ou comprimento de onda dominante da via também podem ser identificados através do PSD, isso poderá ser feito através de uma análise simples do espectro identificando o máximo pico de energia. Este pico corresponderá ao comprimento de onda ou freqüência dominante dentro do sinal e caso esse comprimento de onda estabeleça para determinada faixa de velocidade uma freqüência de excitação para o veículo que seja a mesma que a sua natural para determinado modo de vibrar ,poderá então ocorrer o fenômeno de ressonância neste trecho.Para realizar essa análise é necessário previamente estabelecer a freqüência natural do modo de vibrar. Essa análise poderá ser feita através de ensaio prático ou através de simulação no próprio VAMPIRE .Alterações nos componentes do veículo poderão modificar essa freqüência e cada modelo de vagão apresentará um valor diferente para a mesma. Esse tipo de análise é melhor descrito no trabalho “Castro, L.; Valente, Damasceno, R.; Marotta, Análise do comportamento dinâmico de um vagão submetido a excitação harmônica por meio de simulação multicorpos , Anais Encontro de Ferrovias , Vitória, Brasil, Outubro 2015” do departamento de material rodante da MRS. É importante observar que esse tipo de fenômeno pode se tornar mais provável a medida que aumentamos nossa velocidade operacional, portanto esse tipo de análise se faz necessária em todos os aumentos de VMA para garantir a segurança operacional dos trens.Outro ponto importante é perceber que os comprimentos de onda característicos variam de acordo com o tipo de irregularidade da geometria que estamos analisando e que mesmo em velocidades não tão altas como 50 km/h o fenômeno de ressonância é possível devido a baixa freqüência característica de alguns tipos de irregularidades da via como a superelevação por exemplo.Para realizar análise dinâmica é necessário avaliar o nível energia para determinada faixa de freqüência (banda) ao longo de toda a via. Em termos práticos isso requer determinar o comprimento de onda dominante da via em intervalos menores ao longo de toda a extensão. Para modelar esse problema utilizamos como ferramenta a STFT, já que ela é capaz de analisar sinais não estacionários. A STFT torna possível identificar os níveis de energia de determinada banda ao longo de toda via e dessa forma podemos mapear as regiões onde há risco de ressonância do vagão.Os pontos de maior energia serão os pontos onde haverá maior probabilidade para excitação harmônica do veículo. 4. DESENVOLVIMENTO DA FERRAMENTA DE ANÁLISE DOS DADOS DE GEOMETRIA Utilizando o Matlab foi possível desenvolver uma ferramenta que fosse capaz de analisar de forma automática os dados de geometria registrados durante a inspeção do TrackSTAR e processá-los de forma a identificar os comprimentos de onda dentro de nossa faixa de interesse.Isso pode ser feito utilizando diretamente a função STFT que deve ter como parâmetros de entrada : (a) Comprimento do sinal - se refere ao comprimento total da via analisada (b) Tamanho da janela – se refere ao tamanho da janela que é o tamanho da subdivisão do sinal original em segmentos menores dentro dos quais será realizada analise do espectro. (c) Hop Size – Se refere ao tamanho do salto que a janela deve realizar ao percorrer o sinal. É recomendável que seja uma potência de 2. (d) Total de pontos – Se trata do total de pontos da amostra (e) Frequência de amostragem – O TrackSTAR utilizado na MRS está preparado para amostrar a geometria da via a cada pé o que nos fornece uma freqüência de amostragem de 1/0,3048 amostras por metro. Definidos os parâmetros de entrada, basta executar a STFT conforme exemplo abaixo : [ s, f , t ] = stft ( x, wlen, h, nfft , fs ) Além de executar a STFT também é necessário definir no início do código a faixa de freqüência de interesse da análise. A faixa de freqüência é definida a partir da análise modal definida no trabalho “Castro, L.; Valente, Damasceno, R.; Marotta, Análise do comportamento dinâmico de um vagão submetido a excitação harmônica por meio de simulação multicorpos , Anais Encontro de Ferrovias , Vitória, Brasil, Outubro 2015” e a partir dela são determinadas as bandas inferiores e superiores de freqüência.Feito isso é necessário que se associe a cada trecho de via o nível de energia identificado dentro da banda escolhida, pois quanto maior esse nível for , maior será a probabilidade de ocorrer o fenômeno de ressonância.Toda informação relativa a freqüência , nível de energia e posição quilométrica na via é representada pelo gráfico do espectro do sinal. As cores quentes indicam maior nível de energia no eixo Z e as cores frias a situação contrária. No eixo Y estão definidas as faixas de freqüência e no eixo X a posição quilométrica.Com o objetivo de tornar mais rápida a análise do espectro foi adicionada um gráfico de duas dimensões com a posição quilométrica no eixo X e nível de energia dentro da banda definida no início do código no eixo Y. Após esse processamento do sinal é possível identificar de forma rápida através da inspeção visual do gráfico se há possibilidade de ressonância em algum ponto da via. Outra possibilidade é armazenar automaticamente os locais onde foi identificada situação de risco a partir dos critérios definidos como desencadeadores de excitação harmônica. Fig. 3 Ferramenta de análise do espectro da via utilizando STFT Identificado o local de risco, será necessário realizar simulação através do VAMPIRE para confirmar se a ressonância irá ocorrer na prática. 5. RESULTADOS Para validação do método , analisou-se o espectro de uma parte do trecho do Vale do Paraíba onde se tem conhecimento do fenômeno de ressonância para rolagem de caixa de vagões GHS e onde houve em outubro de 2013 acidentes após aumento de VMA de 40 km/h para 50 km/h que teve como causa contributória a excitação harmônica do veículo.Tanto a análise por PSD de todos os subtrechos do Vale quanto a ferramenta de análise do espectro identificaram ao longo da via selecionada níveis de energia que caracterizaram a faixa de freqüência considerada como perniciosa ao movimento de rolagem de caixa do vagão GHS como sendo a predominante na região. Este resultado veio a confirmar a eficácia da ferramenta e importância de sua utilização em estudos de aumento de VMA. A ferramenta de análise descrita acima vem sendo utilizada em estudos em andamento na MRS Logística que visam aumentar a Velocidade Máxima Autorizada em uma parte da via onde circulam trens carregados de minério.Até o momento os resultados não indicam risco para o GDT e todos os seus modelos de truques presentes hoje na frota ativa da MRS. Fig. 4 Análise modal de rolagem de caixa para GDT Mesmo nos locais onde os níveis de energia se mostraram mais elevados a rolagem de caixa do veículo devido a excitação harmônica não foi suficiente para provocar alívios de roda superiores a 20% . Devido a esses resultados o aumento de VMA para 64 km/h não deverá ser responsável por provocar o fenômeno de ressonância no GDT e portanto não é considerado como um risco operacional sob essa ótica. No gráfico obtido através de simulação no VAMPIRE é possível identificar o fenômeno de ressonância pelo alívio simultâneo das rodas esquerdas dos eixos um e três e o mesmo comportamento pode ser observado para as rodas direitas desses eixos. Apesar de caracterizar o fenômeno de ressonância os valores de 20% de alívio não indicam risco operacional para o veículo. Para estudos envolvendo outras vias , outros modos de vibrar e outras faixas de velocidades a análise do espectro deverá ser feita novamente mudando a banda de interesse conforme descrito acima. 6. CONCLUSÕES A análise de excitação harmônica mostrou-se de grande importância para os estudos de aumento de VMA caracterizando mais um fator a ser considerado nesse tipo de situação. Os resultados obtidos pela ferramenta de análise do espectro da via associados aos resultados obtidos via simulação no VAMPIRE demonstraram a eficácia da ferramenta quando utilizada em conjunto com o software de simulação dinâmica e validaram o método de análise. Tendo em vista os resultados alcançados julga-se necessário tornar obrigatório esse tipo de análise para aumentar a VMA de uma via na MRS de forma segura. 7. AGRADECIMENTOS À MRS Logística S.A. pela oportunidade de desenvolvimento deste trabalho como parte de sua Estratégia de Manutenção de Via Permanente. Aos colegas e profissionais da Engenharia de Material Rodante que desenvolveram esse trabalho em parceria com a Engenharia da Malha. 8. REFERÊNCIAS [1] C. Esveld, Modern Railway Track, 2ª Edição, Capítulo 12, MRT-Productions, 2001 [2] Abdur R. B. Berawi, Improving Track Maintenance Using Power Spectrum Densitu (PSD), Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, 2013. Fig. 5 Alívio de rodas simulado pelo VAMPIRE [3] Alan V. Oppenheim, Discrete-Time Signal Processing, 3ª Edição, novembro 2009