Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais Jornadas Temáticas As Perspectivas da China no século XXI “A China e a Dimensão Energética da Ásia” Christian Lohbauer Novembro de 2002 2 Introdução1 Desde 1949 a República Popular da China tem presença constante nas análises da política internacional. No período do pós-Guerra Fria pode-se dizer que o país tornou-se referência obrigatória para qualquer reflexão sobre a distribuição do poder mundial. Com um crescimento econômico duradouro e uma estrutura política rígida, a China entra no século XXI como um modelo de Estado singular observado atentamente pelo mundo. O crescimento notável de 7,8% ao ano em média na última década provocou muitas mudanças fundamentais no país. Além de marcar a sagração de um capitalismo onde o Estado e o partido comunista defendem não só o proletariado e os camponeses mas também empresários e investidores, a China passou a enfrentar vários problemas comuns aos grandes países do mundo ocidental: a corrupção crescente, o aumento significativo da migração do campo para os grandes centros urbanos, a formação de oligarquias administrativas, militares e empresariais e o inevitável crescimento das diferenças entre ricos e pobres. Um aspecto menos discutido mas não menos importante que é também conseqüência do crescimento da China é o fim de sua auto-suficiência energética. Em 1993 o país passou a ser importador líquido de petróleo e a experiência de auto-suficiência exercida pelo Partido Comunista nas décadas passadas teve que ser substituída por um novo cálculo estratégico de inserção no mundo alterando as relações do país com todos os continentes. Pela primeira vez a China teve que lidar com a possibilidade de se tornar vulnerável como qualquer outra nação industrial no caso de alguma crise no mercado de petróleo. A busca por petróleo levou os chineses a explorar petróleo até na América Latina e na África além de contribuir para mudar significativamente as relações com os Estados Unidos 3 Ao se tornar um importador e verificar o grau de dependência de sua economia em relação aos recursos energéticos, os interesses da China se aproximaram dos de outros países ocidentais. Seguramente, ficou mais difícil se abster de uma votação do Conselho de Segurança das Nações Unidas em uma eventual crise no Oriente Médio, como foi feito em 1990 durante a crise do Kuwait. Embora a expectativa ocidental fosse a de que a China passasse a praticar uma política externa mais cooperativa para garantir o fornecimento seguro de petróleo para sua fome energética, os chineses adotaram outra estratégia. Iniciaram um processo de aproximações bilaterais com grandes produtores como Arábia Saudita, Irã, Iraque, Indonésia e Sudão. As implicações de tal estratégia são preocupantes. Segundo Amy Myers Jaffe e Steven Lewis, pesquisadores do Instituto James Baker III nos Estados Unidos, “quando o mercado de petróleo está em baixa, acordos bilaterais levam a demandas políticas em troca de fornecimento estável. Isto poderia significar pressão para fornecimento de armas de destruição em massa para países politicamente instáveis”.3 Se a China continuar a seguir uma política individualista em relação ao grupo dos grandes consumidores de petróleo, o resultado pode ser problemático para o mundo. A diplomacia bilateral da China pode inviabilizar iniciativas multinacionais para solução de conflitos ou de questões comerciais e mesmo afetar esforços contra a proliferação de tecnologia militar sensível. As iniciativas da indústria petrolífera chinesa no Iraque, Irã e Líbia são em si mesmas desafios às políticas de sanção econômica dos Estados Unidos. A política energética da China A auto-suficiência energética chinesa nas décadas anteriores a de 90, dava ao país a condição privilegiada de não se afetar com as crises mundiais do petróleo. O preço interno era fixado pelos planejadores do Estado e não tinham relação com o mercado externo. Ao contrário da União Soviética que utilizava suas exportações de petróleo e gás para adquirir moeda forte, inclusive se beneficiando das crises do petróleo dos anos 70, o pouco que a Emirados Árabes, Nigéria, Kuwait, Indonésia, Brasil, Líbia e Argélia) são responsáveis por 63 bilhões de barris ou 82% da produção. IEE/USP – Infoenergia – 14 junho 2002 (cálculos do autor). 3 Jaffe, Amy M.; Lewis, Steven W. “Beijing’s Oil Diplomacy”, Survival, vol.44, no.1, Spring 2002, pp; 115134 (115). 4 China exportou de petróleo não teve grande impacto nos ganhos em moeda estrangeira para a modernização econômica e militar. Nos últimos anos, como resultado do crescimento econômico sem precedentes, o consumo de petróleo cresceu muito mais rápido do que a capacidade de produção. Em 1990 o consumo chinês era de 2,1 milhões de barris por dia. Em 1997 já estava em 3,5 milhões e em 2001 passou para mais de 4,6 milhões4, tornando a China a terceira maior consumidora de petróleo após EUA e Japão. A China transformou-se em grande importador de petróleo. No primeiro semestre de 2001 o país importou 1,3 milhões de barris, quantidade que deve pelo menos dobrar em um período de 15 anos, dependendo do crescimento das províncias do leste e sudeste. Se mantidos os índices de crescimento atuais as estimativas de consumo para 2010 e 2020 podem chegar a aproximadamente 6 bilhões e 12 bilhões de barris, respectivamente, fazendo o consumo chinês equiparar-se ao dos Estados Unidos ultrapassando o japonês. Cálculos da CIA garantem que ao redor de 2015, 75% do petróleo do Oriente Médio estará destinado à Ásia. No mesmo ano, a CIA calcula que o consumo mundial estará em torno de 100 milhões de barris por dia. O aumento do consumo para 100 milhões de barris corresponde a atual produção de todos os países da OPEP. Mais de um terço deste aumento é creditado ao crescimento do consumo chinês5. D e m a n d a d e Im p o r ta ç ã o d e P e tr ó le o n a C h in a Ano 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2020 P r o d .d o m é s tic a 0 .0 2 4 0 .0 8 3 0 .2 3 2 0 .6 2 6 1 .5 7 9 2 .1 3 0 2 .4 8 2 2 .7 5 0 3 .0 8 1 3 .2 2 6 3 .3 1 1 3 .3 8 1 3 .5 8 7 Consum o 0 .0 5 1 0 .1 1 9 0 .2 7 9 0 .6 1 7 1 .3 7 4 1 .7 8 8 1 .8 2 8 2 .3 1 4 3 .1 9 8 4 .6 1 7 5 .7 2 6 5 .8 8 2 7 .9 5 9 F o n te :Y e a rb o o k o n C h in e s e C o m m u n is m 1 9 9 5 to 2 0 0 0 4 5 “The Quest for Energy to Grow”, Far Eastern Economic Review, June 20, 2002, pp. 14-18. “China summons up energy for further growth”, Nikkei Weekly, 03 September 2001. 5 9.000 8.000 7.000 6.000 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000 0 20 20 20 10 20 05 20 00 Prod.doméstica Consumo 19 95 19 93 Milhões de barris/dia Demanda de importação de petróleo na China Para alcançar o fornecimento necessário para seu desenvolvimento a China ampliou seus fornecedores saindo da esfera do extremo oriente e buscando novos fornecedores no Oriente Médio (particularmente no Irã, Iêmen e Omã), na África, Rússia e na Ásia Central. A empresa estatal China National Petroleum Corporation (CNPC) negociou seus principais contratos de exploração na Venezuela, Peru, Irã, Iraque, Sudão, Indonésia, Azerbaijão e Cazaquistão, garantindo controle sobre reservas estimadas em 2,7 bilhões de barris.6 O perigo da dependência do Oriente Médio No final da década de 90, a CNPC iniciou trabal 0 0 12 .4f 4422 T357.6495 3le sivo 0.94 ter aim 6 Iraque. Sua atuação junto da França e da Rússia na contenção do conflito durante o segundo semestre de 2002, reflete claramente seus interesses na manutenção da relativa estabilidade regional e na seqüência de seus contratos de exploração de petróleo. Com os sauditas há intenso trabalho para desenvolver projetos de investimento cruzado, onde a China permite aos sauditas fazer investimentos para construção de refinarias no país e sauditas permitem chineses a fazer a exploração conjunta em campos sauditas. Uma das grandes dificuldades da China é que suas instalações de refinação são antiquadas e pouco sofisticadas e estão adequadas apenas para a refinação de petróleo cru de alta-qualidade e não petróleo pesado (de baixa qualidade) como o oriundo da Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait. Para os chineses se beneficiarem de tantos acordos com países do Oriente Médio ainda é necessário investimento massivo no setor de refinação. Enquanto o investimento ainda não é suficiente, importações significativas são feitas dos Emirados Árabes, Iêmen e Omã que têm petróleo mais apto às suas refinarias. Tanto com sauditas quanto com Irã, os chineses têm realizado parte do pagamento das importações de petróleo com armamentos, principalmente equipamento balístico que os norte-americanos se recusam a fornecer. O dilema chinês é que as importações do Golfo Pérsico podem trazer novas vulnerabilidades ao país. Embora o país venha modernizando sua capacidade naval e marítima, ainda está longe de poder garantir a segurança de suas linhas marítimas no leste asiático, quanto mais no Golfo Pérsico. Em curto prazo a China ainda vai depender da proteção militar dos Estados Unidos para ter acesso ao petróleo da região o que reduz suas opções estratégicas e a possibilidade de fornecer equipamento bélico aos países da região indiscriminadamente. As tentativas de diversificação da China também ultrapassam as fronteiras da África e do sudeste asiático. No Sudão, país que enfrenta guerra civil entre população árabe islâmica e população negra pagã e cristã a mais de um quarto de século, os campos petrolíferos do centro e sul do país continuam a produzir. Em 2003 estima-se um aumento de 35% na produção, tão necessária para manter o esforço de guerra e a compra de armas8. Os chineses iniciaram contatos com os sudaneses para explorar petróleo no país em 1997 quando iniciaram exploração em partes do campo de Muglad. Em 1999, anunciaram a 7 Koyama, Ken. “Oil Market in China: Current Situation and Future Prospects”, The Institute of Energy Economics (IEEJ), Ministery of Economy Trade and Industry, Japan, 2001. 8 “A Merciless battle for Sudan’s Oil”, The Economist, August 31th, 2002, pp. 33-34. 7 produção de 150 mil barris por dia e finalizaram um oleoduto de 1500 km entre Heglid e Port Sudan. Em vários outros países africanos como Angola, Camarões, Argélia, Líbia, Gabão, Gana, Etiópia, Namíbia, Niger, Nigéria e Zimbabwe contatos militares e diplomáticos têm sido feitos nos últimos anos para incrementar as relações econômicas. Rússia e Ásia Central como alternativa A preocupação com a dependência de fornecimento do Oriente Médio, com a instabilidade política da região e com a dominação dos Estados Unidos das linhas marítimas, fez com que os chineses considerassem as fontes de energia do continente asiático central como importante alternativa. O maior dos contratos realizados até 2002 é um acordo de US$ 4,6 bilhões de dólares para comprar 60% da empresa petrolífera Aktobemunaigaz do Cazaquistão, com aquisições nas próximas duas décadas. O acordo permitiria transportar petróleo do Mar Cáspio até as refinarias chinesas em Xinjiang, embora o custo de tal projeto ainda seja considerado caro se comparado ao transporte marítimo via Golfo Pérsico e Oceano Índico. Ironicamente a China também enfrenta os mesmos problemas que os consórcios ocidentais na Ásia Central. A instabilidade resultante de conflitos étnicos dificulta a vinda de investidores interessados em construir a complexa infraestrutura necessária para transportar os recursos energéticos. O perigo de ataques a instalações petrolíferas pelos separatistas Uigures e nacionalistas islâmicos continua existindo e a repressão do regime chinês a comunidades islâmicas no país não contribui positivamente para aproximar a China da Ásia Central9 e dos países do Oriente Médio, principalmente no caso da Arábia Saudita, tradicional financiadora de movimentos islâmicos no estrangeiro. Outra possibilidade estudada pelos chineses para reduzir eventual dependência de fornecimento do Oriente Médio é retomar acordos com a Rússia. A Rússia praticamente renasceu como grande exportador de energia nos últimos anos e tem potencial para remodelar completamente o cenário da indústria de petróleo e gás mundial. Depois de uma década de ajustes, as exportações de petróleo e gás russos aumentaram pela primeira vez 9 Lohbauer, Christian. “Para Entender a Ásia Central”, Política Externa, vol. 10. Nº3, Dez/Jan/Fev 20012002, pp. 49-73 (69). 8 em relação a 1991. Rússia e países da Ásia Central têm exportações que devem chegar a 10 milhões de barris por dia em 2005 colocando-se ao lado da Arábia Saudita como maiores produtores de petróleo e abalando a dominação dos países pertencentes à OPEP no mercado mundial. O maior obstáculo para os chineses importarem petróleo e gás na Rússia é também a distância: as maiores jazidas da Sibéria Ocidental estão muito distantes dos centros urbanos e de concentração populacional chineses. Um estudo está a caminho para ligar os campos de gás de Kovikta com a China e a Coréia do Sul, assim como os depósitos de gás de Irkutsk na Sibéria oriental e os campos offshore da Ilha Sakalina. Os projetos de produção interna O aumento e diversificação da produção de energia doméstica na China tornou-se uma questão vital para o futuro do país. A produção de petróleo e gás onshore é dominada por duas grandes companhias semiprivatizadas, a CNPC e a Sinopec. Apenas pequenos campos petrolíferos foram deixados para a atividade de companhias ocidentais. As esperanças de sucesso na exploração dentro do país estão concentradas em três áreas. Na Bacia do Tarim, região ocidental junto ao deserto de Katlamakan, a ausência de investidores tem dificultado o desenvolvimento. Nas outras duas, a Petrochina, subsidiária internacional da CNPC, abriu a exploração de gás na Bacia de Bohai no nordeste chinês e na Bacia de Erdos, na região noroeste. Ainda não há contratos relevantes fechados. A exploração offshore está em expansão mas ainda atinge pouco menos de 10% do consumo interno. Uma empresa semiprivatizada estatal chinesa, a China National Offshore Oil and Gás Corporation (CNOOC), tem os direitos quase exclusivos para desenvolver campos de exploração. Apesar disso, empresas estrangeiras associadas têm contribuído substancialmente para novas descobertas tanto na Bacia de Bohai quanto no delta do Rio da Pérola, no sul da China, e na Baía de Beibu. Uma nova área descoberta pelo consórcio CNOOC/ENI-Chevron-Texaco no mar do sul da China já abriu dez novos campos de exploração, seis deles produzindo cerca de 140 mil barris por dia. Cerca de 40% da produção offshore de petróleo da China é vendida no exterior para ser refinada em Cingapura. O resto serve para abastecer as províncias do sul do país.10 10 Op. Cit. veja Nota 1, pp. 120. 9 A previsão para o aumento da produção offshore chinesa não é grande. Em conseqüência da ausência de capitais internos e de investidores externos para vários dos projetos, a produção offshore não deve aumentar muito até 2010. Também por esta razão o governo chinês está investindo fortemente em alternativas de produção energética. Durante décadas o carvão foi a maior fonte de energia da China (ainda continua sendo mas em processo lento de substituição por outras fontes) causando severa poluição às cidades e violentas chuvas ácidas que afetaram 40% do país. A partir de 1998 o governo decidiu investir no gás natural (GLP – Gás Liquefeito de Petróleo) que se tornou a maior alternativa contemplada pelos chineses para a utilização de um combustível limpo para aquecimento residencial, veículos e produção de energia. Há várias áreas de exploração de gás natural na Bacia de Erdos, Tarim, Sichuan e Junggar além do mar do sul da China. O mais novo empreendimento está na bacia de Xihu, exploração offshore nos arredores de Xangai. O mais audacioso projeto, no entanto, é mesmo o da construção de um gasoduto de mais de 4 mil quilômetros ligando a Bacia do Tarim a Xangai. O gasoduto já é considerado um dos projetos chave do décimo plano qüinqüenal entre 2001-2005. No momento, ainda não foi constituído um comitê de alto nível de membros do partido para coordenar o projeto, procedimento básico para qualquer grande projeto estrutural chinês a exemplo da barragem de Três Gargantas e a estação central geradora de eletricidade. O custo do gasoduto está avaliado em US$ 18 bilhões e apesar da dúvida sobre a viabilidade financeira do projeto a Petrochina assegura que em uma década o gasoduto deve começar a lucrar. A Shell demonstra ser a maior interessada no projeto já que tem interesse em transportar gás da Ásia Central e da Rússia até a Bacia do Tarim e com isso viabilizar o transporte de gás através do continente asiático11. As estimativas são de que o consumo de gás deve crescer na China entre 12% e 15% por ano na próxima década. Em 2015, 40% das necessidades de consumo de gás deverão ser importadas12. Diante de tal realidade o governo chinês fechou contrato de fornecimento de GLP de 25 anos no valor de US$ 12 bilhões com fornecedores de gás australiano (consórcio internacional) para chegar ao mais novo terminal de estoque de GLP chinês, na província de Guandong. O acordo de fornecimento de 3 milhões de toneladas de 11 12 “A Big Bet on Gas”, Busines Week, April 29, 2002, pp. 36-37. “The New Hot – Fuel in China”, Far Eastern Economic Review, September 14, 2000, pp.16. 10 GLP por ano entra em vigor em 2005 é o maior acordo comercial fechado pela China. Além disso, a CNOOP e a Sinopec já acertaram a exploração conjunta do campo de gás de Tangguh, na Indonésia, junto do consórcio Pentamina e British Petroleum. A ascensão do gás natural no consumo de energia da China não deverá de nenhuma maneira substituir o carvão como principal fonte de energia mas, levando-se em consideração que o consumo atual de GLP é na China é de apenas 3% do total e a estimativa para 2020 será de 10% a 12%, os projetos do gasoduto de Xinjiang e o gás australiano devem assegurar as necessidades chinesas nos próximos anos13. Consumo de Energia Primária na China 1996 2020 6% 5% 2% 11% 20% 19% 72% Petróleo Carvão Gás 65% Outros Fonte: United States Energy Information Administration A energia hidrelétrica também é um potencial a ser aproveitado pelos chineses na busca de solução para as necessidades de seu crescimento econômico. O país tem uma capacidade de geração de energia elétrica de 294 GW das quais 70 GW são de energia hidráulica e 222 GW de energia térmica (o Brasil, por exemplo, tem uma capacidade de 80 13 “Having a Gas in China”, Far Eastern Economic Review, August 22, 2002, pp. 16-17. 11 GW dos quais 63 são de energia hidráulica)14. Como vários outros países, a China também vem reformando sua estrutura de energia elétrica adotando o modelo de desregulamentação utilizada pelos britânicos na década de 80. Há planos para dividir geração de transmissão deixando algumas geradoras competir para fornecer energia. O problema ainda permanece sendo o modelo institucional de regulação e seu grau de independência. O Estado ainda é o administrador e o grau de interferência política ainda é um problema para a modernização do setor. A State Power Corporation (SPC) é a maior estatal chinesa e controla metade do fornecimento de energia elétrica do país. A outra metade é fornecida por “produtores independentes” que na verdade sofrem forte influência da SPC na indicação de pessoal e propriedade de ações (algumas têm capital aberto na bolsa de Hong Kong). A indústria de energia está sob influência de Li Peng um dos membros da linha dura do Partido Comunista que deve se afastar este ano da cúpula governamental mas não pretende perder influência sobre o setor. Seu filho e sua filha são altos executivos de duas “produtoras independentes” e seu filho é diretor da SPC. Atualmente o custo da energia na china é 30% mais alto do que nos Estados Unidos. Enquanto não houver uma reforma política no setor é pouco provável que o preço da energia caia ou que a produção seja mais eficiente15. Ao que se pode verificar, as reformas vão depender da pressão por mais energia para consumo nos grandes centros urbanos. Conclusão Em conseqüência de seu vigoroso e ininterrupto crescimento na última década a China tornou-se um importador líquido de petróleo e gás. O esforço nacional para suprir as necessidades energéticas passou a fazer parte essencial do planejamento do Estado chinês. Várias são as tentativas de desenvolver novas fontes de energia renovável e descobrir novas fontes energéticas dentro do país. A estratégia da indústria de petróleo e gás da China tem sido muito clara: desenvolver grandes projetos de exploração onshore e offshore em todo o território nacional além de partir para uma política agressiva de conquista de fornecedores por todo o mundo. Por três razões os chineses buscam diversificar ao máximo seu 14 15 IEE/USP – Infoenergia – 14 junho 2002. “Power Politics”, The Economist, June 8th 2002, pp. 59-60. 12 fornecimento externo de energia: conscientes da concentração das reservas mundiais e da instabilidade da região, eles procuram evitar a dependência do fornecimento do Oriente Médio; cientes de que os recursos disponíveis, em sua maior parte, já estão ocupados pelos grandes consórcios multinacionais ocidentais e que não serão disponibilizados às empresas chinesas facilmente, partiram para os países e regiões onde os norte-americanos não têm acesso fácil ou menos interesse, caso de vários países africanos e de países como Irã e Líbia; finalmente, para não dependerem do fornecimento marítimo iniciaram uma aproximação significativa com Rússia e Repúblicas da Ásia Central para garantir fornecimento terrestre. Embora não se possa menosprezar a capacidade de trabalho dos chineses, há vários fatores que poderão atrapalhar o esforço chinês em garantir fornecimento e autonomia na produção energética. O primeiro deles é a pequena inclinação do país em partir para uma política de cooperação com as companhias de energia internacionais. Não há dúvida que a entrada da China na OMC contribui para a cooperação com outros países para controvérsias comerciais e disputas por mercados. No entanto, o fato não é o bastante para que a China deixe de seguir uma estratégia individual para obter recursos para seu desenvolvimento. Há também outros fatores relevantes que podem ser obstáculo ao desafio energético chinês como a escassez conjuntural de capital internacional para investimentos, a escassez de capital nas grandes companhias chinesas, os obstáculos fiscais do governo central e o desafio dos governos das províncias em custear as demissões da privatização dos serviços sociais. A atuação política da China de uma forma geral, se move entre a cooperação e os benefícios que dela resultam e o confronto, que de uma certa forma também traz benefícios. A competição pelos mercados e pelo fornecimento de energia dificulta a cooperação. Por outro lado, os mercados internacionais de energia poderão estar super ou sub-abastecidos dependendo da união ou não de forças entre os grandes países consumidores em uma estrutura de cooperação. O cenário de cooperação contribuiria para reter o temor de uma China alinhada a regimes instáveis por dependência do fornecimento de energia. A tradição e a história da potência chinesa não garantem que seja esse o caminho a ser seguido. 13 Bibliografia Jaffe, Amy M.; Lewis, Steven W. “Beijing’s Oil Diplomacy”, Survival, vol.44, no.1, Spring 2002, pp; 115-134 (115). Koyama, Ken. “Oil Market in China: Current Situation and Future Prospects”, The Institute of Energy Economics (IEEJ), Ministery of Economy Trade and Industry, Japan, 2001. Lohbauer, Christian. “Para entender a Ásia Central”, Política Externa, vol.10, nº 3, Dez/Jan/Fev 2001-2002, pp. 49-72. “The Quest for Energy to Grow”, Far Eastern Economic Review, June 20, 2002, pp. 14-18. “China summons up energy for further growth”, Nikkei Weekly, 03 September 2001. “A Merciless battle for Sudan’s Oil”, The Economist, August 31th, 2002, pp. 33-34. “A Big Bet on Gas”, Busines Week, April 29, 2002, pp. 36-37. “The New Hot – Fuel in China”, Far Eastern Economic Review, September 14, 2000, pp.16. “Having a Gas in China”, Far Eastern Economic Review, August 22, 2002, pp. 16-17. IEE/USP – Infoenergia – 14 junho 2002. “Power Politics”, The Economist, June 8th 2002, pp. 59-60. ***