Tema # 9 A Experiência dos Produtores de Etanol
“A Energia da Cana-de-Açúcar”
Artigo basedo em Textos do Livro (UNICA 2005)
Organizado por Isaias Macedo
Apresentado por Laura Tetti
1.
Ocupação do Solo: novas áreas de produção e biodiversidade
1.1.
Introdução
O crescimento da cultura da cana (e mais ainda da agricultura brasileira, como um
todo) levanta questões sobre a disponibilidade e limitações de áreas adequadas; as
áreas e locais utilizados nos últimos anos e as tendências para os próximos anos; e
o conhecimento da bio-diversidade no Brasil, nos principais biomas, como contexto
para possíveis implicações e cuidados.
Em 2004 as áreas de preservação e conservação ambientais no Brasil atingiam 95 M
ha, cerca de 11% do território brasileiro; toda a área de produção agrícola do Brasil
correspondia a ~60 M ha.
Práticas de conservação da biodiversidade incluem preservar amostras importantes
de biodiversidade para o futuro, prospectar de modo não intrusivo a biodiversidade
ainda não explorada, e promover o uso da terra e recursos naturais de modo
ambientalmente correto.
A Convenção sobre a Diversidade Biológica, proposta no Rio (1992), busca garantir a
conservação e o uso sustentável da biodiversidade. De fato, implica em um equilíbrio
entre a exploração sustentável e a preservação dos recursos de biodiversidade. A
definição de objetivos muito diferentes neste único conceito causa ainda dificuldades
na implementação. De um modo geral o entendimento é que “nós temos o dever de
preservar este patrimonio para as futuras gerações”. A Convenção provê uma base
legal que era inexistente na maioria dos países, e continua inexistente em muitos. A
Convenção nunca foi ratificada, por exemplo, pelos Estados Unidos; também em
muitos casos a preparação de um Inventário Biológico não foi feita ainda, ou é muito
incompleta.
Os passos para a implementação, pelos países, da Convenção (e da Agenda 21,
neste tópico) incluem o inventário e monitoramento de recursos importantes de
biodiversidade; a criação de reservas; a criação de bancos de sementes,
germoplasma e zoológicos; o estabelecimento de Avaliações de Impacto Ambiental
cobrindo atividades que poderiam afetar a biodiversidade. Nos últimos anos estamos
assistindo ao surgimento de uma “ciência” de medida e consevação de
biodiversidade1.
Nos parágrafos seguintes tratamos do uso do solo agrícola do Brasil, sua evolução, e
a posição da agricultura; e, com certa ênfase, da “fronteira agrícola” atual, o Cerrado.
Tratamos da realidade da biodiversidade vegetal no Brasil: o conhecimento atual, a
69
situação nos principais biomas; e a conservação. Finalmente, consideramos neste
contexto a cultura da cana, especificamente; as áreas de cultivo, localização e sua
expansão, recente e prevista. Não se tratou do impacto da cultura da cana na fauna,
porque é sem dúvida de muito menor interesse; uma avaliação da Embrapa2 (para
cana de açúcar) classifica quase todos os impactos sobre mamíferos, aves, anfíbios e
invertebrados como 2 e 1 (baixo ou nenhum impacto); e 3 (médio impacto) sobre os
répteis.
1.2.
Uso do solo agrícola no Brasil
O Brasil tem uma extensão territorial de 850 M ha, entre +5 e -33 graus de latitude; 34 e -73 graus de longitude. A topografia é caracterizada por extensas regiões planas
e serras, com altitude máxima de 3000 m. Apresenta uma grande fração do território
em condições de sustentar economicamente produção agrícola, com preservação das
enormes áreas de florestas com diferentes biomas.
A cobertura vegetal do Brasil foi mapeada pela EMBRAPA3 em 2002, com base em
dados diários do sensor Vegetation do satélite Spot IV. O estudo foi desenvolvido no
âmbito do programa Global Land Cover 2000 - GLC 2000 através de uma iniciativa
coordenada pelo Institute for Environment and Sustainability - IES. A Tabela 1
apresenta a distribuição do uso do solo.
Tabela 1 – Distribuição da cobertura vegetal do Brasil (2002)
Área
Área (M ha)
Distrib.
Agricultura e pastagem
297
35%
Florestas
464
55%
Campos e savanas
73
9%
Cidades, rios e outros
17
2%
Total
851
100%
Segundo o IBGE4, as áreas de culturas anuais e permanentes evoluiram
regionalmente como mostra a Tabela 2:
Tabela 2 – Áreas de cultivo no Brasil, milhões ha
Região
1994
2004
Variação
N-NE
16,0
14,4
-10,0%
S-SE
28,8
30,9
7,3%
CO
8,0
15,1
88,7%
Brasil
52,8
60,4
14,4%
Enquanto as áreas de cultivo nas regiões N-NE e S-SE tiveram pequena variação, é
claro que a fronteira agrícola está no Centro-Oeste, onde a área de produção foi
duplicada em dez anos.
As áreas de cultivo agrícola totalizam hoje 60 M ha (sendo cerca de 21 M ha com soja
e 12 M ha com milho). As áreas de “pastagens” correspondem a cerca de 227 M ha
incluindo uma parcela com certo nível de degradação; áreas de florestas (incluindo a
produção comercial de madeira) totalizam 464 M ha. Uma estimativa da EMBRAPA 5
(analisando a situação da expansão de soja) indica que existem ainda
70
aproximadamente 100 milhões de hectares aptos à expansão da agricultura de
espécies de ciclo anual. Adicionalmente estima-se uma liberação potencial de área
equivalente a 20 milhões de hectares proveniente da elevação do nível tecnológico na
pecuária. A revista VEJA6, com a ajuda de técnicos do Ministério da Agricultura e do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que cerca de 30% do
território é ocupado por lavouras e criações, restando 106 milhões de hectares, uma
das maiores reservas agrícolas do planeta, com terras férteis, praticamente toda
localizada em regiões de cerrado.
Uma descrição simplificada da evolução do uso do solo nas últimas décadas pode ser
vista na Figura 1:
Figura 1 – Evolução do uso do solo agrícola no Brasil 7
Estas informações da FAO - Food and Agriculture Organization of The United Nations
para o Brasil indicam que a expansão de área para agropecuária nas últimas décadas
coincidiu com a redução de áreas de pastagens degradadas, campos sujos etc. e não
com áreas de floresta. Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –
IPEA 8, analisando o grande crescimento da área de plantio de soja no país, confirma
que o avanço da área desta cultura se deu basicamente ocupando pastagens
degradadas e não “áreas virgens”.
Um caso especialmente importante é o da utilização dos Cerrados. Os três
parágrafos seguintes resumem observações de relatórios da Embrapa 9, em 2000.
O Cerrado é um ecossistema brasileiro que ocupa 204 M ha (24% do território);
contém a segunda maior biodiversidade da América do Sul (com ~ 6500 espécies de
plantas, trezentas espécies de vertebrados e mil gêneros de fungos), e as nascentes
de cinco grandes bacias hidrográficas. Praticamente ignorado até 1960, hoje possui
destaque na agricultura e pecuária nacionais. Após a construção de Brasília, já na
década de 70, uma economia agropecuária mais avançada tecnologicamente passou
a substituir a agricultura itinerante, o extrativismo e a pecuária extensiva. Já em 2000
o Cerrado era responsável por 41% dos bovinos do país e 46% da safra brasileira de
soja, milho, arroz e café; e era ocupado por 50 M ha de pastagens cultivadas, 12 M ha
de culturas anuais e 2 M ha de culturas perenes. Foi decisiva neste desenvolvimento
a atuação da Embrapa Cerrados, desde 1975. Hoje os Cerrados continuam a ser a
71
fronteira agrícola natural das regiões Sul e Sudeste do país, com enorme potencial a
desenvolver.
O Cerrado apresenta uma vegetação de savanas entremeada de matas de galeria,
com várias “gradações” entre Campo Limpo a Matas de Galeria. Os solos são
altamente intemperizados, profundos, bem drenados, com baixa fertilidade natural e
forte acidez; mas há abundância de calcário nas regiões de Cerrado, e a topografia
favorece a mecanização.
Os principais sistemas produtivos em 2000 incluíam:
A pecuária (corte), com pastagens cultivadas (~50 M ha, em 2000; estágios
variáveis de degradação)
Produção agrícola: grãos (arroz, feijão, milho e soja), café e mandioca são as
mais importantes, com participação expressiva na produção brasileira. Também
o reflorestamento (anos 70) e fruticultura, em expansão hoje.
Os Cerrados estão localizados em áreas extensas, não contínuas, mostradas na
Figura 2. É importante considerar esta localização juntamente com a dos principais
biomas florestais do país (Floresta amazônica, Mata Atlântica e Pantanal), Figura 5,
para os quais há restrições ambientais severas ao uso do solo, observadas na análise
dos EIA – RIMA para qualquer empreendimento.
A expansão de cana de açúcar nas áreas originalmente ocupadas por cerrados foi
pequena; e na maioria dos casos parece ter ocorrido com substituição de outras
coberturas que já haviam substituído o cerrado (em geral, pastagens). As tendências
atuais parecem indicar a continuidade desta situação: expansão da cultura da cana no
Oeste de São Paulo, substituindo áreas de pastagens. Na Tabela 2 vê-se que a área
total adicionada para cana de açúcar entre 1993 e 2003 em todos os Estados onde
havia extensas regiões de Cerrados (Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais) atingiu apenas cerca de 300 mil ha (a expansão da área de cana, no Centro
Sul, foi de 1,4 M ha no mesmo período; e a expansão de toda a área de cultura na
região, entre 1994 e 2004, foi de 7 M ha). No entanto, como é possível que a cana
venha a ter papel crescente para o desenvolvimento agro-industrial destas regiões,
será necessário considerar os aspectos específicos da sustentabilidade do seu cultivo
nestas áreas; evidentemente, isto se aplica também a todas as outras culturas
consideradas (algumas, como a soja, já usadas em larga escala) para os Cerrados. É
preciso notar ainda que as ocupações de áreas de Cerrado ou, alternativamente, de
áreas originalmente dos Cerrados, mas atualmente em uso para pastagens, por
exemplo, podem ter conseqüências muito diversas (por vezes opostas) para fatores
como a qualidade do solo, erosão, e outros.
Análises desta fase inicial de ocupação dos cerrados são feitas hoje incluindo as
óticas de preservação ambiental, e da busca de sistemas de produção rentáveis e
socialmente justos. Muito maior atenção deverá ser voltada para a combinação de
sistemas irrigados com uso de defensivos e fertilizantes; as práticas inadequadas de
preparo e conservação do solo; o manejo ineficiente da água; e para os efeitos
adicionados pela grande e rápida urbanização, com sistemas deficientes de
tratamento de dejetos.
72
Figura 2 – Áreas onde são localizados Cerrados 10
1.3.
Biodiversidade vegetal no Brasil: conhecimento, situação nos principais
Biomas; conservação
Brasil, um país megadiverso
O Brasil é considerado o país com a maior diversidade biológica do mundo, pois
detém grande parte da Floresta Amazônica, a maior área verde do planeta, e a
Floresta Atlântica e Cerrado, ecossistemas considerados hotspots em função da
ameaça e da grande diversidade de espécies endêmicas associadas11. O Brasil tem
uma das floras mais ricas do planeta, estimada em 50.000 a 60.000 espécies de
angiospermas (plantas com flores).
No Brasil, o principal esforço para a definição de prioridades de conservação da
biodiversidade (hotspots e wilderness areas), foi desenvolvido no escopo do projeto
de "Ações Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade dos Biomas
Brasileiros"12. O projeto coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente foi desenvolvido
em colaboração com a Conservation International, Funatura, Fundação Biodiversitas.
No período entre 1995 e 2000 foram realizados workshops para discutir e definir
prioridades de conservação para o Cerrado e Pantanal, Zona Costeira e Marinha,
Floresta Amazônica, Floresta Atlântica e Campos Sulinos, e Caatinga. Mais de mil
especialistas (em ecologia, botânica, zoologia e disciplinas afins) contribuíram para a
definição de prioridades de conservação dos principais biomas do Brasil. Foram
preparados mapas-base para a inclusão de dados de distribuição de áreas naturais,
áreas de conservação existentes, subdivisões físicas e políticas, estatísticas
demográficas e econômicas, e os dados de fauna e flora coligidos por especialistas. A
definição de prioridades foi baseada no conhecimento e na avaliação dos
especialistas consultados. Como a iniciativa não levou em consideração cenários
futuros incluindo o impacto da expansão agrícola e a vulnerabilidade a mudanças
climáticas, é importante revisar as prioridades de conservação através da
incorporação de avanços metodológicos, visando a construção de novos cenários de
73
impacto e vulnerabilidade13 .
Situação atual e ameaças aos Biomas brasileiros
Da área original ocupada pelos diferentes biomas no Brasil (Tabela 3) restam
proporções variáveis, nem sempre conhecidas, dada a imprecisão das estimativas
existentes. As áreas protegidas na forma de unidades de conservação são também
variáveis entre biomas, traduzindo esforços desproporcionais na busca de
representatividade no Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Tabela 3 – Biomas brasileiros: área original, cobertura atual e porcentagem contida
em unidades de conservação.
Bioma
Cobertura original
(% do país) (1)
Cobertura atual
Áreas protegidas
(% do original) (2) (% do original) (3)
Amazônia
Cerrado
Mata
Atlântica
Caatinga
Campos
Sulinos
Pantanal
49,29
23,92
13,04
85
20
7
(4)
4,83
1,71
0,72
9,92
2,02
32
(4)
1,98 (4)
0,69
0,27
1,76
?
0,57
(1) http://www.ibge.gov.br
(2) http://ebape.fgv.br
(3) http;//www.ibama.gov.br
(4) áreas em que o ecossistema pode ser considerado íntegro.
Além das discrepâncias regionais no estado de conservação, as causas e o ritmo de
degradação dos diferentes biomas brasileiros são historicamente distintas.
A Mata Atlântica foi o primeiro bioma a ser devastado, em um processo lento de
exploração madeireira e substituição pela agropecuária ao longo de toda a costa
brasileira. Atualmente restam remanescentes significativos apenas nas escarpas
íngremes da Serra do Mar, que cobrem menos de 8% da área original. A área hoje
ocupada pela cana-de-açúcar encontra-se, na sua quase totalidade, sobre terrenos
originalmente cobertos por esse bioma. O processo de ocupação agrícola da Mata
Atlântica precedeu qualquer preocupação conservacionista, de modo que não foram
preservadas áreas representativas da biodiversidade original do bioma e nem foram
poupadas áreas e encostas ou margens de rios, hoje protegidas por lei. Para essas
regiões, hoje, a adequação do uso do solo à legislação ambiental implicará,
necessariamente, plantios de restauração de florestas.
O Cerrado foi poupado da ocupação agrícola até épocas muito recentes. Pecuária
extensiva e exploração de lenha e carvão foram, até pouco tempo atrás, as únicas
atividades econômicas importantes no imenso território de domínio do Cerrado. Estas
atividades, apesar de causar impacto adverso, não implicaram redução significativa da
área ocupada pelo bioma. Nas últimas décadas, porém, com o avanço tecnológico da
74
agropecuária, o cerrado vem tendo sua área reduzida a uma taxa acelerada, estimada
em 3% ao ano, sendo que pelo menos 50% do cerrado original já totalmente
destruído14. Extensas áreas foram muito modificadas pelas gramíneas invasoras
africanas e incêndios muito freqüentes, restando íntegros apenas cerca de 20% da
área original15. A expansão agrícola sobre o cerrado, em sendo recente, vem sendo
feita sem minimamente respeitar as leis ambientais vigentes. Desde 1965, com a
instituição do Código Florestal, deveria ter sido preservada a vegetação de cerrado
em pelo menos 20% da área de cada propriedade (50% na Amazônia), além das
áreas de preservação permanente (topos de morros, encostas e margens de corpos
de água). Mesmo no estado de São Paulo, onde o cerrado ocupa hoje menos de 1%
do território, ainda se registram casos de desmatamento para expansão da
agropecuária, com 26% de redução da área ocupada pelo bioma no estado a partir de
1990 (dados do Instituto Florestal).
Diferentemente da Mata Atlântica, porém, para grande parte da região de domínio do
Cerrado ainda é possível planejar a ocupação de forma sustentável, conciliando
exploração agropecuária e conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos.
Atenção especial precisa ser dirigida a algumas regiões de GO, MS e MT, nas quais
se encontram as nascentes dos rios que vertem para o Pantanal, cuja ocupação
agrícola, se mal planejada, pode comprometer a estabilidade de todo o ecossistema
pantaneiro. Da mesma forma, as regiões de recarga do Aqüifero Guarani na região
sudeste, geralmente ocupadas pelo cerrado, precisam ser preservadas.
Os outros biomas brasileiros, não tão rápida ou intensamente devastados, mas nem
por isso menos importantes, também têm sido objeto de preocupações
conservacionistas. Porém, não merecem destaque no contexto da expansão da
cultura canavieira, uma vez que, neste momento, não são regiões potenciais para
expansão desta atividade agrícola.
Construção de cenários de impacto e vulnerabilidade
Conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com preservação ambiental não é uma
tarefa trivial. Cada vez mais o desenvolvimento e implementação de estratégias
adequadas para o desenvolvimento sustentável será baseado na gestão do
conhecimento, com a incorporação dos recentes desenvolvimentos em tecnologia de
informação e comunicação. É crescente a demanda por respostas rápidas visando à
solução de problemas associados à ocorrência e distribuição de espécies biológicas,
como estudos de impacto associados à liberação de organismos transgênicos no
ambiente e a adoção de medidas de contenção e controle de espécies invasoras e
pragas agrícolas. Abordagens sistêmicas de apoio à tomada de decisão informada,
dependerão cada vez mais do acesso e integração de dados disponíveis em fontes
distribuídas de informação e da utilização de ferramentas computacionais avançadas
para a análise e visualização espacial dos dados, e a construção de cenários de
impacto e vulnerabilidade.
O Instituto Virtual da Biodiversidade, associado ao Programa Biota FAPESP 16
incorpora os avanços recentes na área de informática para biodiversidade . Esta
iniciativa integra dados de mais de 50 projetos de pesquisa (fauna, flora e microbiota)
através de sistemas de informação interoperáveis, incluindo o SinBiota17 e
speciesLink18, desenvolvidos com a adoção de padrões e protocolos
75
internacionalmente aceitos, e software livre de protocolos abertos. O SinBiota apóia a
integração, síntese e visualização espacial de dados de observações de campo. O
SinBiota é um sistema centralizado, que integra dinamicamente via Internet, dados
dos projetos associados ao programa, com dados de fontes externas de informação
(nacionais e internacionais). O uso da ficha padrão de registro de dados e a geocodificação (latitude e longitude) do local de coleta são compulsórios para os projetos
associados ao programa. A base cartográfica digital do Estado de São Paulo, com
camadas ambientais associadas, incluindo bacias hidrográficas, cobertura vegetal,
rodovias, divisas municipais e áreas de conservação, compõem o Atlas Biota. A rede
speciesLink integra dados primários de espécimes de coleções biológicas distribuídas,
em tempo real, utiliza ferramentas computacionais para a correção e visualização de
mais de 500 mil registros de coleções associadas ao sistema.
A informação geo-referenciada é de fundamental importância para a definição de
estratégias de conservação e uso sustentável da biodiversidade. No entanto, existem
ainda grandes lacunas de conhecimento sobre a distribuição de espécies nos
principais biomas do Brasil. O uso de ferramentas computacionais para a modelagem
de distribuição de espécies permite direcionar pesquisas de campo e identificar áreas
de maior riqueza biológica, assim como delimitar áreas ricas em espécies ameaçadas
ou endêmicas. Permite também identificar espécies que poderiam ser utilizadas em
trabalhos de recuperação ambiental, e avaliar o potencial de ameaça de espécies
invasoras ou avaliar o impacto das mudanças climáticas na biodiversidade. Os
métodos mais utilizados para modelagem preditiva de espécies são baseados no
conceito de nicho ecológico das espécies. Esses métodos combinam dados de
ocorrência da espécie com as características ambientais do ponto de ocorrência,
buscando, através de algoritmos, definir locais com características ambientais
similares. A modelagem do nicho define as limitações ecológicas nas dimensões nas
quais o modelo é desenvolvido, assim, a distribuição de uma espécie pode ser
projetada em espaço geográfico para predizer onde as espécies são capazes ou não
de manter populações viáveis19. Visando avaliar o impacto de mudanças climáticas
sobre 162 espécies arbóreas do Cerrado Brasileiro, Siqueira & Peterson20 utilizaram
metodologias de modelagem preditiva para gerar mapas de distribuição geográfica
baseados no conceito de nicho ecológico destas espécies. A análise mostra uma
perda da área de distribuição potencial maior que 50% para essencialmente todas as
espécies analisadas, num período de 50 anos. Estes resultados mostram a
necessidade urgente de formulação e aplicação de políticas consistentes de
conservação e uso sustentável da biodiversidade do cerrado, juntamente com
aprimoramento de técnicas de manejo e de monitoramento, levando-se em conta o
impacto de mudanças climáticas e expansão da agropecuária e a vulnerabilidade da
biodiversidade a estas mudanças. Se este cenário se confirmar, os hotspots de
diversidade de espécies arbóreas do cerrado hoje localizados no planalto central do
país, estarão migrando para o sul, e se sobrepondo em paisagens degradadas do
cerrado do estado de São Paulo, de uso predominantemente agrícola. É importante
rever ações de conservação, com um foco no Sudoeste de Minas Gerais, Mato
Grosso do Sul e São Paulo visando assegurar a ampliação das áreas protegidas de
conservação e o estabelecimento de corredores ecológicos e restauração de matas
ciliares integrando as áreas de alta prioridade.
76
1.4.
Áreas de expansão do cultivo da cana
Luiz Antonio Dias Paes
Centro de Tecnologia Canavieira
A área com cana-de-açúcar no Brasil em 1955 atingia 1,0 milhão de hectares,
alcançando 1,5 milhão em 1962 21. Este valor permaneceu praticamente constante
nos dez anos seguintes 22. O período de maior crescimento da área cultivada ocorreu
a partir da segunda metade da década de setenta com o implantação do Pró-álcool
em 1976. Houve estabilização a partir da safra 1987/1988 em torno de 4,2 milhões de
hectares colhidos no Brasil (Figura 3). Outra etapa de crescimento foi observada
durante os períodos 1994/1995 a 1997/1998 (motivada pela exportação de açúcar) e
após pequeno período de estabilização, novo ciclo de expansão vem ocorrendo nas
últimas safras, atingindo 5,3 milhões de hectares na safra 2003/2004, sendo 4,2
milhões (79%) na região centro-sul.
A expansão ocorreu na região centro-sul do país nos últimos 25 anos, permanecendo
praticamente constante a área de cana da região norte-nordeste, com valores
próximos a 1,0 milhão de hectares.
Figura 3 – Evolução da área colhida no Brasil; Centro-Sul, Norte-Nordeste e São Paulo.
Área colhida (1000 ha)
6.000
5.000
Brasil
4.000
3.000
2.000
Centro-Sul
São Paulo
Norte
Nordeste
1.000
0
Fonte: IBGE
A Figura 4 mostra a área de colheita de cana na região centro-sul na safra 04/05,
mapeada por sensoriamento remoto pelo Centro de Tecnologia Copersucar – CTC e
Instituto de Pesquisas Espaciais - INPE. A Figura 5 apresenta esta mesma área e a
posição dos principais biomas do Brasil (Floresta Amazônica, Mata Atlântica e
Pantanal), mostrando que as áreas de maior concentração de cana-de-açúcar estão
distantes destas unidades de vegetação.
77
Figura 4 – Mapeamento de cana da região centro-sul do Brasil – Safra 04/05.
Figura 5 – Áreas de cana na região Centro-Sul e dos principais biomas no Brasil.
Floresta Amazônica
Pantanal
Cana-de-Açúcar
Mata Atlântica
Fontes: IBGE (Vegetação) e CTC (Cana)
78
Nas últimas 10 safras (1993/1994 a 2003/2004) a área de cana no Centro-Sul
aumentou em 1,4 milhões de hectares (49%) distribuida de acordo com a Tabela 4. O
Estado de São Paulo foi o principal responsável por este crescimento (64% do total).
Com as diferenças regionais de produtividade, a região Centro Sul produziu em 2004
cerca de 85% da cana do Brasil, em 219 unidades. É importante notar que de 1992/93
até 2003/04 a produção de cana na região Centro Sul aumentou de 176,2 para 281,5
M t (cerca de 60%); mas o aumento deu-se quase totalmente (94%) nas próprias
unidades já existentes em 1992, com apenas 6% em novas unidades. Portanto, a
grande expansão até agora não envolveu, de fato novas fronteiras agrícolas de modo
significativo.
Tabela 4 – Variação da área de cana colhida nos estados da região Centro-Sul nas
últimas 10 safras.
Estado
São Paulo
Paraná
Mato Grosso
Goiás
Mato Grosso do Sul
Minas Gerais
Espírito Santo
Rio de Janeiro
Outros
Centro-Sul
Fonte: IBGE 23
1993
1.895.750
190.169
69.829
95.981
62.103
260.685
33.851
166.856
48.607
2.823.831
2003 Variação
2.776.232
64%
369.836
13%
190.391
9%
164.861
5%
125.002
5%
304.119
3%
58.039
2%
161.839
0%
49.438
0%
4.199.757
100%
A grande importância da produção em São Paulo e a sua taxa de crescimento levam a
considerar o contexto deste crescimento, na sua relação com a ocupação do solo. A
Tabela 5 é muito significativa, neste sentido.
Tabela 5 – Evolução das áreas de lavouras em São Paulo, 1990 – 2004 4
Ano
Área total de lavouras
Cana
Café
Laranja
Outras
1990
2004
6,27
1,81
0,57
0,72
3,17
6,05
2,80
0,22
0,58
2,46
Vê-se que a área total de lavouras tem-se mantido praticamente constante, durante
um período de grande crescimento da cana, desde 1990. O que tem ocorrido é a
substituição de culturas. Neste caso específico, a cana tem substituido principalmente
áreas ocupadas com laranja e outras culturas, além de ocupar áreas de pastagens.
De fato, isto é bem conhecido, o sistema é muito dinâmico, responde aos preços
(internacionais, nos casos de laranja e café) e culturas são mudadas (e revertidas, em
alguns casos) em poucos anos.
79
Desta forma, uma análise da expansão da cana para os próximos anos deve
considerar, para avaliar impactos advindos da mudança de ocupação do solo, que
culturas seriam substituidas. As tendências são mostradas a seguir.
Para o Estado Estado de São Paulo, o Centro de Tecnologia Canavieira vem
mapeando por sensoriamento remoto o crescimento da área de cana no nas últimas 6
safras (1999 a 2004), com imagens do Landsat. A Figura 6 apresenta este
mapeamento bem como a evolução da área de colheita no período. A área de maior
expansão ocorre no oeste do estado, região tradicional de pecuária, onde a cana
passa a ocupar principalmente áreas de pastagens.
De um modo geral, a tendência observada é o crescimento da área de produção de
cana nas áreas atuais de produção no Centro Sul, com ênfase no Oeste de S. Paulo,
nas regiões limítrofes com Mato Grosso, e em algumas áreas no estado de Goiás.
Figura 6 – Mapeamento da área de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo nas
safras 99/00 e 04/05 e aumento de área no período.
80
Áreas de florestas já ocuparam 82% do território do Estado de São Paulo, na época
da descoberta do Brasil 24; sofreram constantes reduções desde o início da
colonização do país, no século 16. A evolução das áreas de lavoura de café foi uma
das maiores causas. Na última década entretanto esta tendência se inverteu; o último
inventário florestal registrou um acréscimo de 3,8% da área de vegetação natural. A
Figura 7 apresenta a área de vegetação natural remanescente no Estado, mostrando
que os últimos períodos de expansão da cana no estado (a partir de 1994), coincidem
com o período de recuperação das áreas de florestas. Em parte, o início de
recomposição de matas ciliares auxiliou neste processo (ver item 5.4). Esta tendencia
pode ser acentuada.
Figura 7 – Área de vegetação natural remanescente no Estado de São Paulo 25
Área (mil km2)
80
72,6
60
43,9
40
33,3
34,6
1990-1992
2000-2001
20
1962-1963
1971-1973
Fonte: Instituto Florestal
O grande ganho de produtividade decorrente de desenvolvimentos tecnológicos na
produção de cana foi responsável não somente pelo aumento da competividade do
setor mas também pela redução da necessidade de ocupação de áreas agrícolas para
incremento da produção. A Figura 8 mostra que se não houvesse ganho de
81
produtividade seria necessário utilizar uma área 2,0 milhões de hectares maior do que
aquela usada na safra 2003/2004 para produzir a mesma quantidade de cana.
Figura 8 – Área de Produção Real e Área Poupada pela Introdução de Tecnologia
7.000
80
70
TCH
6.000
Área
Poupada
5.000
4.000
3.000
60
50
40
Área Real
Produtvidade (t/ha)
Área Total (1000 ha)
8.000
30
20
19
77
19
79
19
81
19
83
19
85
19
87
19
89
19
91
19
93
19
95
19
97
19
99
20
01
20
03
2.000
Safras Agrícolas
1.5.
Resumo e Conclusões
•
Com 850 M ha, o Brasil tem uma grande fração do território em condições de
sustentar economicamente produção agrícola, mantendo grandes áreas de
florestas com diferentes biomas. A agricultura utiliza hoje apenas 7% (a metade
com soja e milho); pastagens utilizam cerca 35%, e florestas 55%. A expansão
agrícola nos últimos 40 anos deu-se principalmente sobre áreas de pastagens
degradadas e “campos sujos”, e não nas áreas de florestas. A área ocupada
pela cana de açúcar hoje é de apenas 0,6% do território, e as áreas aptas
(hoje) para expansão deste tipo de cultura são de 12% pelo menos.
•
O Cerrado (24% do território) passou a ser utilizado extensamente para agropecuária nestes ultimos 40 anos. Até hoje a expansão da cana de açúcar em
áreas ocupadas por cerrados foi muito pequena; ela tem ocorrido com
substituição de outras coberturas que já haviam substituído o cerrado (em
geral, pastagens).
•
A expansão da cana de açúcar nos últimos 25 anos deu-se essencialmente no
Centro-Sul do Brasil, em áreas muito distantes dos biomas atuais da Floresta
Amazônica, Mata Atlântica e Pantanal. Entre 1992 e 2003, no Centro-Sul, a
expansão deu-se quase totalmente (94%) nas unidades existentes; novas
fronteiras agrícolas foram muito pouco envolvidas. Em São Paulo o
crescimento ocorreu com a substituição de outras culturas e pastagens.
•
Para os próximos anos, o crescimento deverá ocorrer no Centro Sul com
ênfase no Oeste de S. Paulo, nas regiões limítrofes com Mato Grosso, e em
algumas áreas no estado de Goiás.
•
O Brasil concentra a maior diversidade biológica do mundo (entre a Floresta
82
Amazônica, a Floresta Atlântica e o Cerrado), e uma flora estimada em 50.000
a 60.000 espécies de angiospermas. As prioridades de conservação da
biodiversidade foram definidas principalmente entre 1995 e 2000, com a
contribuição de centenas de especialistas; as áreas protegidas para os seis
principais biomas foram estabelecidas dentro do Sistema Nacional de Unidades
de Conservação. Esta importante iniciativa deverá passar por revisões,
incorporando avanços metodológicos e considerando a expansão agrícola e a
vulnerabilidade a mudanças climáticas.
•
Desde a descoberta do Brasil, a Mata Atlântica foi o primeiro bioma a ser
parcialmente substituido pela exploração madeireira e agropecuária ao longo
de toda a costa brasileira; entre muitas outras, a cultura da cana de açúcar
(Centro-Sul e Nordeste) hoje está em áreas originalmente neste bioma. O
processo foi muito anterior a qualquer preocupação conservacionista, e a
preservação implica também na restauração de áreas protegidas por lei (matas
ciliares, encostas).
•
A ocupação agrícola do Cerrado é muito recente, incluindo áreas ocupadas por
pecuária e exploração de lenha e carvão. Seu crescimento deve ser planejado
considerando a conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos,
principalmente em áreas sensíveis (nascentes dos rios que vertem para o
Pantanal, e as regiões de recarga do Aqüifero Guarani).
•
Conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com preservação ambiental
exige informação atualizada e ferramentas adequadas de análise do impacto e
vulnerabilidade; programas como o do IVB (São Paulo) e avanços no
levantamento de dados geo-referenciados (em curso) são de grande
importância neste contexto.
1
Tarlock, D.; Biodiversity and Endangered Species, em “Stumbling Toward Sustainability,
Environmental Law Institute, Washington DC, 2002
2
Agroecologia da cana de açúcar, EMBRAPA, 2003; www.cana.cnpm.embrapa.br (nov 2003)
3
EMBRAPA- Mapa da Cobertura Vegetal do Brasil http://www.cobveget.cnpm.embrapa.br/resulta
4
IBGE – Levantamento sistemático da produção agrícola para 2003-2004; http://www.sidra.ibge.gov.br,
27/07/04
5
Castiglioni, V. B. R. EMBRAPA; em “Avaliação da Expansão da produção de etanol no Brasil”, CGEENAE, Brasilia, 2004
6
Revista Veja, Agricultura - O tamanho do Brasil que põe a mesa, Edição 1843, 3 de março de 2004
7
FAO - Food and Agriculture Organization of The United Nations. http://faostat.fao.org/faostat
8
Jornal O Estado de São Paulo, Caderno Economia, p. 4, 11 de janeiro de 2005.
9
Informação enviada por A. Bressan, M. Agricultura; a partir de relatórios da Embrapa, 2000
10
Informação da Embrapa, 2004
11
Mittermeyer, R. A., Myers, N. & Mittermeyer, C. G. 1999. Hotspots Earth’s biologically richest and
most endangered terrestrial ecoregions. New York: CEMEX, Conservation International.
12
http://www.mma.gov.br/biodiversidade/probio/sub.html
13
Canhos, V.P.C, Siqueira, M.F. & Canhos, D.A.L. 2004. Mudanças Climáticas Globais: conseqüências
para a biodiversidade. Nota Técnica elaborada para o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Contrato No 083/2004
14
Felfili, J.M.; Haridasan, M.; Mendonça, R.C.; Filgueiras, T.S. & Silva Junior, M.C. 1994. Projeto
Biogeografia do bioma cerrado: vegetação e solos. Cadernos de Geociências, Rio de Janeiro, 12:75165.
15
http://www.ibama.gov.br/
83
16
http://www.biota.org.br
http://sinbiota.cria.org.br/atlas
18
http://splink.cria.org.br
19
Peterson, A. T. 2001. Predicting species' geographic distributions based on ecological niche
modeling. Condor
103:599-605.
20
Siqueira, M. F. & Peterson, A. T. 2003. Consequences of global climate change for geographic
distributions of cerrado tree species. Biota Neotropica 3(2).
http://www.biotaneotropica.org.br/v3n2/pt/download?article+BN00803022003+item
21
Junqueira, A.A.B. & Dantas, B., A cana-de-açúcar no Brasil. In: Cultura e Adubação da Cana-deAçúcar. Ed. Instit. Brasil. de Potassa, 27-60, 1964.
22
Fernandes, A.C. – Produção e Produtividades da Cana-de-Açúcar no Brasil, Centro de Tecnologia
Copersucar, Relatório Interno
23
IBGE – Anuários Estatísticos - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
24
Zorzetto, R. et alli, A Floresta Renasce, Revista Pesquisa Fapesp, n. 91, p. 48-52, set. 2003.
25
Revista Pesquisa Fapesp, n. 91, p. 48-52, set. 2003 Encarte do Instituto Florestal
17
2.
Erosão na cultura da cana de açúcar: situação e perspectivas
O processo erosivo é a maior causa da degradação das terras agrícolas. A aplicação
de técnicas de conservação de solo visa mitigar a perda de solo; um projeto de
utilização agrícola de terras deve considerar o tipo de solo (textura, tipos de horizontes
diagnóstico, taxa de infiltração de água), declividade, regime de chuvas e a cultura a
ser instalada. A cultura da cana de açúcar é praticada no Brasil há séculos, em muitos
casos na mesma área, tendo sido obtido conhecimento suficiente para definir os
cuidados necessários para a preservação do solo.
A cana-de-açúcar no Brasil é reconhecidamente uma cultura conservacionista. Bertoni
et al. demonstraram que a perda de solo sob soja é cerca de 62% maior do que
quando se utiliza cana-de-açúcar; e com mamona cerca de 235% maior (Tabela 6).
Cultura anual
Mamona
Feijão
Mandioca
Amendoim
Arroz
Algodão
Soja
Batatinha
Cana-de-Acúcar
Milho
Milho + Feijão
Batata-doce
Perdas
Solo
Água
t/ha/ano % Chuva
41,5
12,0
38,1
11,2
33,9
11,4
26,7
9,2
25,1
11,2
24,8
9,7
20,1
6,9
18,4
6,6
12,4
4,2
12,0
5,2
10,1
4,6
6,6
4,2
Tabela 6 — Perdas de solo e de água em culturas anuais e semi-perenes
Como média geral dos manejos aplicados, pode-se considerar que no Brasil a cultura
de cana-de-açúcar, em comparação com a produção de grãos na mesma área, evita
84
que sejam erodidas anualmente cerca de 74,8 milhões de toneladas de solo (grãos:
perda média de 24,5 t /ha.ano).
Avaliações de perdas de solo por erosão separadas por um período de onze anos 9
concluídos em 2004, comparando uma mesma área com plantio de cana-de-açúcar
na região de Catanduva-SP num Argissolo Vermelho Amarelo, eutrófico, textura
arenosa/média (PVA-25), mostraram que entre o levantamento inicial e o realizado
em 2004 não houve alterações significativas na espessura dos horizontes do perfil e
nem na composição físico-química do solo da área. (Tabelas 7 e 8).
Tabela 7 — Análises físico-químicas das 4 trincheiras (2004)
Profundidade
Trincheira no.
Talhão
1
22
2
27
3
22
4
27
(cm)
0-25
25-50
90-110
0-25
25-50
90-110
0-25
25-50
90-110
0-25
25-50
90-110
Horizonte
Diagnóstico
Ap
Ap/B1
B2
Ap
Ap/B1
B2
Ap
Ap/B1
B2
Ap
Ap/B1
B2
Argila
Mat.Org
(g/kg)
(g/dm3)
102
183
324
101
268
325
110
198
250
118
160
381
11
6
4
9
6
4
11
6
2
9
4
2
S.Bases
CTC
(mmolc/dm3) (mmolc/dm3)
35
30
22
27
23
28
27
25
21
46
30
36
48
43
37
40
38
43
45
43
37
59
44
52
V
(%)
73,1
70,0
60,6
67,4
61,6
64,8
60,0
57,4
56,3
78,0
67,4
69,4
Tabela 8 — Análises físico-químicas iniciais (1993)
Profundidade
Ponto no.
148
150
155
156
(cm)
0-21
21-50
90-110
0-20
20-50
90-110
0-17
17-50
90-110
0-16
16-50
90-110
Horizonte
Diagnóstico
Ap
Ap/B1
B2
Ap
Ap/B1
B2
Ap
Ap/B1
B2
Ap
Ap/B1
B2
Argila
Mat.Org
(g/kg)
(g/dm3)
140
140
290
120
160
330
150
140
330
120
180
320
13,1
11,6
9,3
13,4
11,6
9,3
10,2
10,5
7,8
12,8
7,4
7,9
S.Bases
CTC
(mmolc/dm3) (mmolc/dm3)
28,1
28,4
26,4
24,2
22,7
30,6
19,3
24,0
34,5
18,4
13,8
30,0
38,8
41,1
43,7
36,6
34,2
41,0
32,3
39,4
43,5
38,4
31,6
42,1
V
(%)
72,0
69,0
60,0
66,0
66,0
75,0
60,0
61,0
79,0
48,0
44,0
71,0
Para os teores de argila (g/kg) do horizonte Ap as variações estão dentro da classe
textural muito arenosa; sua espessura permite enquadrá-lo como Argissolo com
variação de horizonte Ap de 30 cm a 60 cm. Esta espessura nunca foi inferior a 35
cm, indicando que os processos erosivos sob cultivo com cana-de-açúcar foram
eficientemente minimizados, preservando a parte física do solo.
A Soma de Bases (Ca + Mg + K) indica a adequação do manejo de conservação
efetuado na área, sendo mantida ou em alguns casos elevada, mostrando que não há
degradação química da área. Reafirmando esta tendência, a Capacidade de Troca
Catiônica (ctc) do solo atual é sensivelmente maior que a encontrada nos dados
históricos.
A Saturação por Bases (V%) de um solo demonstra quanto da sua Capacidade de
Troca Catiônica (ctc) está saturada por Cátions (Ca + Mg + K = Soma de Bases) de
interesse para o desenvolvimento e produção das plantas. Houve manutenção dos
valores de V%, mostrando que o manejo de conservação de solos tem minimizado os
impactos ambientais.
85
A evolução tecnológica do cultivo da cana-de-açúcar tem permitido em algumas áreas
o manejo de colheita sem a queima da palha. Esta técnica deixa sobre o solo
consideráveis quantidades de palha, cerca de 10 a 15 toneladas de matéria seca por
ha.ano; isto permite por ocasião da renovação do canavial a introdução de práticas de
preparo de solo reduzido. O uso crescente das duas tecnologias (colheita sem queima
e preparo reduzido) deverá nos próximos anos melhorar o nível de conservação de
solos sob plantio com cana-de-açúcar, pois a palha protege o solo (Tabela 9) 14, 17
contra o impacto direto das gotas de chuva e o preparo reduzido contribui para uma
menor mobilização do solo, como ocorre no plantio direto em cereais.
Tabela 9
Efeito do manejo dos restos culturais sobre as perdas por erosão
Sistemas de Manejo
Palha queimada
Palha enterrada
Palha na superfície
Perdas
Solo
Água
(t/ha)
% chuva
20,2
8,0
13,8
5,8
6,5
2,5
Média de 1300 mm de chuva e declives entre 8,5 e 12%.
Resumo e Conclusões
•
A cultura da cana de açúcar tem se expandido em áreas mais pobres (principalmente
“cerrados fortemente antropizados”, na sua maioria pastagens extensivas). Ela concorre
para a recuperação destes solos, adicionando matéria orgânica e fertilização químicoorgânica, contribuindo para melhorar o seu condicionamento físico-químico, e
incorporando solos à área agriculturável brasileira.
•
A cultura da cana no Brasil é reconhecida hoje por apresentar relativamente pequena
perda de solo por erosão (na comparação som soja e milho, por exemplo); esta situação
continua melhorando com o aumento da colheita sem queima, e com técnicas de preparo
reduzido, levando as perdas a valores muito baixos, comparáveis aos do plantio direto em
culturas anuais.
3.
Cana de Açúcar e uso de Agroquímicos
•
A preocupação com o impacto do uso de defensivos agrícolas está presente em
várias instâncias da Agenda 21, que prevê ações específicas de controle. O uso de
novas tecnologias baseado em modificações genéticas de plantas é uma
promessa (redução de defensivos), mas leva a cuidados adicionais. Idealmente
seriam usados controles biológicos e, na medida do possível, técnicas da
agricultura “orgânica”.
•
A legislação brasileira, incluindo normas e controles desde a produção até o uso e
disposição dos materiais, cobre todas as áreas importantes.
86
•
O consumo de pesticidas na cultura da cana é inferior aos das lavouras de citros,
milho, café e soja; o uso de inseticidas é baixo, e o de fungicidas é praticamente
nulo.
•
Entre as principais pragas da cana, os controles da broca (praga mais importante)
e da cigarrinha são biológicos; a broca tem o maior programa de controle biológico
no país. Formigas, besouros e cupins têm controle químico; tem sido possível
reduzir muito os defensivos, com aplicações seletivas.
•
Doenças da cana são combatidas com a seleção de variedades resistentes, em
grandes programas de melhoramento genético. Este procedimento tem sido
suficiente para resolver, com a substituição de variedades, ocorrências de grandes
proporções como o vírus do mosaico (1920), o carvão e ferrugem (anos 80) e o
SCYLV (anos 90).
•
Modificações genéticas (em fase de testes de campo) produziram plantas
resistentes a herbicidas, ao carvão, ao vírus do mosaico, ao SCYLV e à broca da
cana.
•
Os métodos de controle das ervas daninhas têm sido freqüentemente modificados
em função de avanços em tecnologias (culturais e mecânicas, ou químicas). No
Brasil a cana ainda utiliza mais herbicidas que o café ou milho, e menos que a
citricultura; é equivalente à soja.
•
Há forte tendência para o aumento das áreas com colheita de cana crua, com
palha remanescente no solo. Hoje não parece ser possível eliminar totalmente os
herbicidas nestes casos, como se esperava, inclusive pelo surgimento de pragas
até então incomuns.
4.
Cana de Açúcar e Recursos Hídricos
•
Embora o Brasil tenha a maior disponibilidade de água do mundo, com 14% das
águas de superfície, e o equivalente ao deflúvio anual em aqüíferos subterrâneos,
o uso de irrigação agrícola é muito pequeno (~3,3 M ha, contra 227 M ha no
mundo).
•
A cana de açúcar no Brasil praticamente não é irrigada, a não ser em pequenas
áreas (irrigação suplementar). Métodos eficientes (gotejamento sub-superficial e
outros) estão em avaliação.
•
Os níveis de captação e lançamento de água para uso industrial têm sido
reduzidos substancialmente nos últimos anos; de cerca de 5 m3 / t cana captados
(em 1990, e em 1997) atingiu-se 1,83 m3 / t cana em 2004 (amostragens em São
Paulo). O nível de re-utilização é alto (o uso total era de 21 m3 / t cana, 1997) e a
eficiência do tratamento para lançamento estava acima de 98%.
•
Parece ser possível atingir valores próximos de 1 m3 / t cana (captação) e
lançamento zero, com otimização da re-utilização e uso da água residual em fertiirrigação.
•
Em geral os problemas ambientais com a qualidade da água decorrentes de
irrigação (arraste de nutrientes e defensivos, erosão) e uso industrial não são
87
encontrados em São Paulo; a Embrapa classifica a cana, neste aspecto, no Nível 1
(nenhum impacto na qualidade da água).
•
As APP relativas às matas ciliares atingem 8,1% da área da cana em São Paulo;
destes, 3,4% têm mata natural e 0,8% foram reflorestados. A implementação de
programas de recomposição das matas ciliares, além da proteção às nascentes e
cursos de água, pode promover a reposição da biodiversidade vegetal no longo
prazo.
Item 1.3. escrito por:
Vanderlei Perez Canhos
Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA), Campinas, SP
Giselda Durigan
Floresta Estadual de Assis, Instituto Florestal, Assis, SP
Marinez Ferreira de Siqueira
Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA), Campinas, SP
Item 1.4. escrito por:
Luiz Antonio Dias Paes
Centro de Tecnologia Canavieira
Item 2. escrito por:
Jorge Luis Donzelli
Centro de Tecnologia Canavieira
Escrito e organizado por:
Isaias Macedo
.
88
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Tema # 9 A Experiência dos Produtores de Etanol “A Energia da