A capitalização dos produtores e a demanda de crédito
Julio Kyosen Nakatani*
Matheus Alberto Cônsoli*
Os produtores das grandes culturas agrícolas do mundo inteiro sempre dependeram da
ajuda de crédito para dar continuidade ao cultivo. No entanto, com a apreciação dos preços
das commodities nos últimos anos, começamos a presenciar algumas mudanças deste
cenário aqui no Brasil.
Nossas análises recentes, considerando custos, preços e margens do produtor de grãos nos
últimos 10 anos mostram que a necessidade de crédito de um produtor “padrão” (não
considera eventuais dívidas passadas) reduziu, mas a demanda por crédito ainda existe e é
fundamental no negócio de distribuição de insumos.
A partir de 2007, a rentabilidade da soja e milho começou a dar margens de lucro para o
produtor, inclusive apresentou valores bem elevados em 2011 e 2012. Esse aumento de
rentabilidade possibilitou que os produtores pagassem as suas contas de financiamento e
ainda tivessem uma margem de sobra, ou seja, iniciou-se o processo de capitalização. Se os
preços pagos pela produção aumentarem ainda mais do que o preço de compra dos
insumos, pode-se ter uma mudança no quadro atual entre a indústria de insumos,
distribuidores, produtores e as tradings.
A capitalização do produtor pode diminuir a necessidade de financiamentos diretos e
indiretos, que tradicionalmente são o crédito bancário e trocas de produtos por parte da
produção futura. Com maior quantidade de recursos financeiros próprios disponíveis, os
produtores podem procurar à compra de insumos a vista (ao menos para parte da sua
demanda), requisitando maiores descontos e diminuindo o custo de produção.
No cenário atual, a necessidade de financiamento ainda não diminuiu. Partindo do
pressuposto que o produtor tradicional ainda prefere investir, como no caso de compra de
terras ao invés de comprar insumos a curto prazo, mesmo com a valorização crescente de
terras, a compra de terras ainda é viável pela mesma razão da capitalização dos produtores.
Da mesma maneira que a o preço da saca de soja e milho aumentaram mais do que o custo,
este mesmo preço aumentou mais do que a valorização das terras. Como as terras
disponíveis para a agricultura tem um limite, logo os produtores capitalizados vão buscar
outra maneira de investir seu dinheiro, caso essa tendência se mantenha.
Nesse sentido, a indústria de insumos e distribuidores podem aproveitar esta oportunidade
para desenvolver novas opções para que os produtores continuem “fiéis” as suas marcas.
Caso a indústria permaneça com os mesmos produtos e serviços, a diferença entre as
empresas pode se tornar menos aparente e iniciar uma briga por preços, afetando toda a
rentabilidade deste elo e seus distribuidores.
Mas, caso sejam apresentados novas formas de financiamento, comercialização, serviços e
atendimento, com o preço adequado, indústrias e distribuidores podem aumentar ainda
mais a sua carteira de clientes ou elevar ainda mais o seu faturamento com os produtores
que começaram a buscar formas de investir seus recursos.
Com relação às tradings, que estão interessadas na originação de grãos, estas podem
aproveitar esta oportunidade para melhorar seu relacionamento com o produtor. Seja
oferecendo novas soluções de financiamento para o produtor, ou mesmo iniciando um
relacionamento direto com os produtores para troca com pacotes de insumos.
Para o distribuidor, que estará no centro de todas estas mudanças causadas pela
capitalização do produtor, os impactos poderão ser maiores do que para os outros agentes.
De imediato, a negociação com produtores capitalizados será mais complicada, pois ocorrerá
mudança no balanço de poder. O poder de barganha do produtor aumentará e o agente que
se relacionada diretamente com ele, o distribuidor, deve estar preparado para lidar com este
produtor de forma diferente.
E, mesmo com a capitalização, é muito complicado que um produtor seja autossuficiente na
demanda por assistência técnica, compra à vista de todos os insumos necessários a
produção e até mesmo para obtenção de informações de mercado.
O distribuidor pode aproveitar esta mudança para suprir estas continuas necessidades dos
produtores e oferecer novas alternativas aos produtores que procurarão investir em outras
linhas de frente. Quer seja na diversificação de seus negócios, no aumento da produção e
até mesmo na integração vertical da cadeia. Da mesma forma que o distribuidor pode sofrer
por estar no centro desta mudança causada pela capitalização, ele pode aproveitar para
articular e buscar novas oportunidades com todos os agentes da cadeia.
Entretanto, mesmo com o aumento recente nos preços das commodities, vale ressaltar que
os custos de produção (mesmo em menor proporção) também aumentaram, assim como
outros custos, como capital, arrendamento/terras e combustíveis. Outro fator importante é
que estamos em um negócio cíclico e não podemos supor aumentos de preços contínuos.
O que deve ser considerado, principalmente para os distribuidores é o monitoramento
dessas tendências e ajustes das estratégias de atuação.
Como sabemos que parte da margem da distribuição está exatamente na oferta de crédito,
um cenário com produtores com maior grau de capitalização, pode mudar a base de
competitividade e diferencial no negócio de distribuição. Fiquem atentos e bons negócios!
* O autor é sócio da Markestrat Uni.Business, atua em projetos em agronegócios e
distribuição de insumos agropecuários. Para informações visite www.unibusiness.org
* Julio Kyosen Nakatani - Mestre em Administração de Organizações pela FEARP/USP com foco em cadeias de suprimentos. Engenheiro agrônomo formado
pela Universidade Federal de Goiás. Participou de projetos nas áreas de: canais de
distribuição e suprimentos da produção agrícola, planejamentos estratégicos
setoriais, estratégias de acesso a mercado, mapeamento e quantificação de cadeias,
planos de negócios e desenvolvimento de novos produtos para as grandes culturas
agrícolas.
* Matheus Alberto Consoli - Especialista em Estratégias de Negócios, Gestão de
Cadeias de Suprimentos, Distribuição e Marketing, Vendas e Avaliação de
Investimentos. Doutor pela EESC/USP. Mestre em Administração pela FEA/USP.
Administrador de Empresas pela FEA-RP/USP. Professor de MBA’s na
FUNDACE, FIA, FAAP, PECEGE/ESALQ, entre outros.
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