12jun 2015 A Situação dos Produtores Integrados na Avicultura e Suinocultura Brasileira Por Victor M. Ayres* O principal problema enfrentado pelos produtores integrados, na relação contratual com a agroindústria, refere-se ao modelo de remuneração adotado pela integradora. Em seguida, vem a dificuldade de negociação em relação às questões vinculadas ao dia-a-dia do sistema de integração. Iniciaremos nossa discussão pelo modelo de remuneração utilizado pelos principais sistemas de integração, depois entraremos no ambiente das negociações entre as partes. *Victor Miguel Ayres é engenheiro agrônomo e Assessor técnico da Comissão Nacional de Aves e Suínos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) Dentro dos diversos modelos de remuneração, a maior parte das indústrias adota a meritocracia como diretriz para balizar o retorno financeiro de seus integrados. Mas como funciona este modelo meritocrático? Para o melhor entendimento, vou apresentar o mercado da suinocultura independente1 e, posteriormente, compará-lo com o dos integrados. Na produção independente, o retorno financeiro da atividade é atrelado essencialmente a dois critérios: custos de produção e cotação do quilo/arroba de suíno vivo. Quanto à cotação do suíno vivo no mercado spot2, o suinocultor pouco pode fazer para interferir neste mercado. Este é autorregulado pela lei de oferta e demanda. Ou seja, quanto mais aquecida a demanda e/ou restrita a oferta de animais, maiores serão os preços, ou vice-versa. Neste contexto, vale ressaltar que o mesmo critério de mercado vale para os preços da alimentação animal, que representa cerca 70% dos custos. Atrelado às cotações das commodities milho e soja, também não existe espaço para o suinocultor ou avicultor interferir neste mercado. Em contrapartida, existem, de fato, formas para gerir seus custos de produção e torná-lo competitivo. Nos custos de produção, os principais fatores que interferem na competitividade entre produtores são: a tecnologia adotada, o manejo das granjas e a escala de produção. Referente à tecnologia, a genética do rebanho e a modernização das instalações, máquinas e equipamentos são requisitos fundamentais para o bom desempenho das granjas. Já em relação ao manejo, tanto a adoção de boas práticas de produção quanto o gerenciamento empresarial da propriedade são vitais para otimizar o uso da tecnologia e, dessa forma, reduzir gastos. Por último, mas não menos importante, a escala de produção afeta de forma significativa na diluição dos custos fixos e amortização dos investimentos. São aqueles produtores que vendem seus suínos no mercado spot e recebem de acordo com as variações diárias das cotações do quilo/arroba de suíno vivo. 1 2 Mercado spot é o mercado onde as negociações de compra e venda são realizadas em cima de um preço imediato do mercado, através de bolsas de mercadorias ou mecanismo similar. Uma forma fácil de compreender o tripé “tecnologia – manejo – escala” na evolução da suinocultura moderna seria através do conceito chamado de “Technological Treadmill”, descrito por Willard Cochrane em 1958. Segundo Cochrane, os produtores que adotam mais cedo as novas tecnologias auferem lucros maiores durante um determinado período, pois seus custos de produção ficam inferiores aos de seus concorrentes. Posteriormente, este ganho tecnológico é visualizado pelos outros produtores, que logo o adotam e, com isso, a produção total sobe, os preços caem (aumento da oferta) e aquele lucro maior já não se sustenta, mesmo com seus baixos custos de produção. Concomitantemente, aqueles produtores que ficaram para trás e não implantaram nova tecnologia não conseguem se sustentar na atividade e, com isso, saem do mercado, abrindo espaço para os produtores mais eficientes. Neste momento, observa-se no mercado um ganho de escala por aqueles eficientes, o que eleva o grau de competitividade do setor para outro patamar, em função dos melhores índices produtivos. Paralelamente, as margens financeiras ficam mais apertadas e exigem dos produtores novas tecnologias que aumentem a produtividade e também exigem a expansão das granjas que, consequentemente, eleva a uma escala mínima para tornar a atividade viável. A partir disso, novas tecnologias devem ser criadas para possibilitar maiores rentabilidades e rearranjar o mercado, de forma cíclica. Por isto, o conceito criado por Cochrane é chamado em português de “esteira tecnológica”. O conceito estabelece a necessidade de modernizações e ganhos de produtividade recorrentes ao passar dos anos, prevê a exclusão do mercado daqueles que não os promovem e exige, cada vez maior, profissionalismo dos produtores situados naquela cadeia. Neste enfoque, o grande beneficiário é o consumidor final, que contará com alimentos mais baratos e de melhor qualidade. A figura abaixo ilustra o nível de adoção de uma nova tecnologia pelos produtores de uma cadeia produtiva aleatória. Figura 01. Matriz nível de adoção da inovação tecnológica Fonte: Elaborado pelo autor Ao compararmos com os produtores integrados, na necessidade de sempre buscar melhores tecnologias, manejo mais adequado e aumento de escala, o modelo de integração não difere do mercado independente. O que diferem são as regras que conduzem cada mercado. No caso da integração, a remuneração se baseia em um “preço padrão”, também chamado de “meta”, preestabelecido unilateralmente pela integradora. O critério mais conhecido para estipular a meta é formado a partir da média dos indicadores de eficiência (conversão alimentar, mortalidade, desmamados/fêmea/ano, etc.) dos produtores que compõem uma mesma unidade integradora, em um determinado município. Agora, entra 2 a meritocracia nos cálculos, pela qual os produtores mais eficientes auferem bons resultados, enquanto produtores abaixo da meta obtêm prejuízos. No entanto, no dia a dia dos sistemas de integração, a complexidade das fórmulas de remuneração, a falta de transparência das informações e o desequilíbrio do poder de barganha entre as partes geram um leque de possibilidades para que algumas indústrias balizem os indicadores e resultados em benefício próprio. Isto justifica a alta desconfiança por parte dos integrados em relação às “regras do jogo” estabelecidas pela integradora. Logo, ao compararmos com o mercado independente, enquanto a concorrência entre produtores independentes de uma região (ou país) gera redução dos custos e aumento da oferta, proporcionando ganhos de escala e benefícios ao consumidor final, observamos no sistema de integração produtores pertencentes à mesma unidade competindo entre si e, com isso, geram redução de despesas, principalmente para a integradora – responsável por custos como ração, animais e medicamentos – ao mesmo tempo em que aumenta a meta, pela lógica do modelo de remuneração utilizado, o que também proporciona menores gastos da indústria para remunerar seus integrados. Neste último contexto, fica evidente que o maior beneficiário da evolução dos parâmetros tecnológico é o integrador, pois, além de haver redução de gastos, o integrador detém o poder de determinação acerca das decisões de mercado. Isto significa que, entre outras decisões, o integrador acaba controlando a escala de produção (quantidade alojada de animais) de seus integrados, sempre levando em consideração sua capacidade de abate, o escoamento de seus produtos e a conjuntura circunstancial do mercado. Denota-se que os produtores que quiserem aumentar seu plantel (alojar densidade maior de animais), expandir seus galpões ou adquirir novos galpões ficam a mercê dos interesses da integradora. Existem diversos casos de avicultores nesta situação. São muito comuns os casos na avicultura em que o projeto de viabilidade financeira apresenta um determinado número de ciclos por ano, com uma determinada quantidade de animais a serem alojados. Só que, na prática, muitas vezes estes números não são honrados pela integradora, o que compromete o rendimento esperado pelo avicultor. Situação que não ocorre com a mesma frequência na suinocultura. A justificativa do diferencial na avicultura integrada é devido ao curto período de maturação do retorno dos investimentos. Isto significa que, devido ao curto ciclo de vida dos frangos de corte, a indústria tem maior capacidade de adaptar sua oferta à dinâmica do mercado e, consequentemente, reduzir os impactos em épocas de crise. Já a suinocultura possui um período de maturação que levaria mais de ano para repor a redução massiva do plantel, o que impossibilita a indústria de buscar este mecanismo, pois no período pós-crise ela poderia comprometer sua oferta e perder mercado para um concorrente. Dessa forma, a grande maioria das integradoras também compra no mercado independente, pois em épocas de baixa, ela simplesmente deixa de comprar animais terminados do mercado spot. Esta é uma das causas que fazem com que as crises na suinocultura independente sejam mais fortes que em outros setores. Voltando à análise do modelo de remuneração adotado pelos sistemas de integração, merece destaque a proposta apresentada pela Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Paraná (FAEP), em fórum nacional das entidades representativas dos integrados e dos integradores na avicultura. Conforme a FAEP, incluir outras diretrizes como cotação do produto no mercado, participação nos resultados da cadeia e preestabelecimento de margens ao atual modelo de remuneração, que hoje leva em conta basicamente os custos de produção e a meritocracia, pode ser o início de uma mudança para aumentar o equilíbrio e a sinergia entre os dois elos da cadeia. Neste sentido, os avicultores paranaenses vêm pleiteando a criação do “CONSEAVES”, a exemplo do CONSELEITE, que é um conselho paritário entre produtores e indústria com a finalidade de balizar os preços de referência para a remuneração dos integrantes da cadeia, zelar pelo bom funcionamento da cadeia, discutir as diretrizes do setor e, por último, promover a conciliação de conflitos 3 surgidos entre as partes. Contudo, infelizmente o pleito não tem surtido muito efeito e aceitação da indústria. O sentimento do produtor integrado é que o atual modelo de remuneração se esgotou, tendo total sentido a proposta da FAEP para tornar a relação mais justa e equitativa. Entretanto, os integrados não podem mais continuar levando para a mesa de negociação com a integradora o argumento do “justo”. Difícil de conceber, mas a realidade é que a base de uma negociação se faz através do “ganha-ganha” para os dois lados. Sobretudo, quando a contraparte que está em uma situação favorável não enxerga lucro no objeto negociado, ela não entrará em acordo. Apenas a apresentação de um modelo que quantifique e comprove o aumento do retorno financeiro à integradora seria voluntariamente aceito. Contudo, isto somente seria possível se a integradora abrisse seus atuais dados financeiros, para que o setor integrado pudesse avaliá-lo e compará-lo a uma nova proposta. Este assunto foi levantado pela Confederação da Agricultura e Abastecimento do Brasil (CNA), no fórum das entidades representativas, mas ainda não foi apreciado pela integradora. De qualquer forma, espera-se maior maturidade da indústria perante a proposta, em um futuro próximo, visto o exemplo de outros setores como o lácteo, sucroenergético e citrícola, os quais os elos trabalharam para desenvolver conselhos paritários entre produtores e indústria: CONSELEITE, CONSECANA e CONSECITRUS. Nesta ocasião, muitos que não possuem familiaridade com os sistemas de integração se perguntam: “Se os produtores não gostam das regras impostas pela integradora, por que não abandonam a atividade ou rescindem seus contratos? E por que a integradora não verticaliza sua produção ao invés de manter tantos conflitos na contratação de produtores integrados?”. Para responder a primeira pergunta, merece apontar que existem sim vantagens para um produtor se tornar integrado. Prioritariamente, ter um contrato de garantia de comercialização com a indústria torna este produtor um baixo risco para o agente financeiro (banco) e, consequentemente, o acesso a boas linhas de crédito é facilitado. Ambos os setores de aves e suínos apresentam os menores índices de inadimplência nos bancos, isto ocorre por parte da indústria ser avalista do financiamento de seus integrados. Outro ponto importante é a redução dos riscos de mercado do integrado na comercialização de seus produtos. Em contrapartida, a especificidade dos ativos que englobam um sistema produtivo é alta. Isto significa que as instalações, máquinas e equipamentos de uma granja de terminação de frangos ou uma unidade produtora de leitões (UPL), por exemplo, são tão específicas para a atividade que não podem ser adaptadas para qualquer outra função sem haver um alto custo, e isto faz com que os produtores fiquem na atividade, mesmo os que querem sair. Isto ocorre principalmente durante o período de quitação do financiamento bancária, que possui o prazo de pagamento de 10 anos, em média. Situação esta que difere da produção de culturas anuais, pois no solo que se planta soja, por exemplo, pode-se plantar milho, feijão ou algodão, desprendendo o agricultor da mesma atividade a partir do momento em que se torne pouco atrativa. Respondendo à segunda pergunta, para uma indústria se verticalizar totalmente, isto exigiria uma altíssima imobilização de capital em terras e outros bens (instalações, máquinas e equipamentos), o que tornaria esta opção muito custosa e desinteressante à integradora. Além disso, o fator “motivação” repassado aos integrados através do modelo meritocrático torna o sistema produtivo mais eficiente, pois o integrado tem muito mais a perder que um mero funcionário de uma indústria se não produzir com eficiência. Dessa forma, esta opção pode ser riscada das negociações quando levantadas pela integradora. Ficou claro que o produtor integrado é o elo mais fraco da relação contratual. Entretanto, o objetivo deste artigo não é fazer com que pensem que o integrado seja uma vítima. Vale 4 destacar que em diversos outros setores do agronegócio o produtor também tem dificuldades de negociar a venda de seu produto, o que gera grandes conflitos entre vendedor e comprador no estabelecimento de preços e, em muitos casos, quem sai perdendo é o produtor. Contudo, na integração, o que torna a indústria uma grande negociadora é seu alto poder econômico, seus elevados investimentos em profissionais muito bem treinados e a impossibilidade do integrado de abandonar a atividade, anteriormente salientado. Pode-se dizer que o problema fatal nas negociações entre um produtor integrado com sua integradora é o desequilíbrio da capacidade de negociação e a desigualdade do poder econômico, entre as partes envolvidas. Obviamente, um negociador profissional se sobressairá nas negociações e, por mais que existam casos de integrados bons negociadores, estes não terão poder econômico suficiente para barganhar em seu favor, considerando o que cada uma das partes representa economicamente dentro do sistema. Entretanto, existe espaço para o produtor equilibrar o poder econômico nas negociações e não é através da aprovação da lei da integração, como muitos pensam. Os projetos de lei para regulamentar o setor podem de fato aumentar a transparência na relação, dividir riscos inerentes à atividade e criar obrigações mínimas para cada uma das partes, mas não irá retirar a vantagem econômica e negocial que a integradora possui. Isto posto, cabe aos integrados de uma mesma unidade se unirem, seja nas suas federações de agricultura e pecuária estaduais, através de seus sindicatos rurais, ou em associações específicas e, dessa forma, somarem suas representatividades econômicas para a defesa do mesmo interesse. Isto equilibrará de certa forma o poder econômico entre as partes, ao trazerem para as negociações com a indústria situações de maior peso, que poderiam causar dificuldades à integradora se não atender às exigências dos integrados. Vale destacar que esta é a mesma manobra utilizada por muitas integradoras nas negociações. Posteriormente, com a criação de bancos de dados dos sistemas de integração e a construção de estudos e análises econômicas bem fundadas, as entidades regionais e estaduais devem aperfeiçoar sua capacidade de negociação ao compartilharem suas realidades nas discussões em âmbito nacional como, por exemplo, nas reuniões da Comissão Nacional de Aves e Suínos. Dessa forma, entidades pouco evoluídas receberão dados relevantes e aprenderão estratégias de negociação à partir dos cases de sucesso de entidades desenvolvidas, que já possuem representatividade forte, estrutura de acompanhamento dos sistemas e profissionais bem capacitados. Como dito pelo escritor Antoine de Saint-Exupéry: “Na vida, não existem soluções. Existem forças em marcha: é preciso criá-las e, então, a elas seguem-se as soluções.” Neste cenário, o associativismo é o caminho para o sucesso.. 5