UM NOVO OLHAR PARA O PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES NO BRASIL
KEIJI KANASHIRO
Especialista em transportes e logística
O desafio de enfrentar a escassez de recursos para investimentos públicos e a
necessidade de equilíbrio fiscal do Estado brasileiro fazem mister lançar um novo olhar para o
planejamento de transportes no Brasil.
O desenvolvimento de pesquisas, estudos e projetos que promovam a integração dos
sistemas de transportes; para desonerar o escoamento da produção no menor tempo e com o
menor custo. A meta é ganhar eficiência, realizando mais com menos e investindo em ações
que custam pouco e apresentam resultados em pouco tempo.
Outra das questões é garantir recursos, vinculados ou não, para os investimentos em
transportes. A exemplo do que ocorria antes da Constituição Federal de 1988, quando ainda
vigia o Fundo Rodoviário Nacional, os estados conseguiram por meio de fundos dessa natureza
recuperar rodovias e construir sistemas de integração de transportes capazes de reduzir
consideravelmente o custo da distribuição de insumos e do escoamento da produção.
Isso sem falar que os investimentos na infra-estrutura de transportes são recuperáveis
em médio prazo apenas com a redução do Custo Brasil, representado pelo consumo de energia
para transportar produtos por rotas muito dispendiosas.
Outra questão de igual importância é o resgate da dívida social nas regiões onde se
localizam os bolsões de pobreza e fome no País, tendo ciência do papel da infra-estrutura para
gerar empregos e melhorar a distribuição de renda das comunidades. A preocupação maior foi
melhorar a acessibilidade e incentivar a inserção dessas regiões, firmando pólos de
desenvolvimento regional.
Na gestão, não podemos prescindir de incorporar todas as ferramentas técnogícas
disponíveis, para dar mais eficácia e eficiência ao planejamento, operação e controle da infraestrutura de transportes.
Para saber o que fazer é preciso conhecer a realidade e ter apontado os caminhos para
se atingir os cenários que se pretende. Por isso, a importância de retomar o planejamento, sob
bases participativas, incluindo no debate todos os setores interessados, dos usuários e
concessionários aos grandes empreiteiros de obras públicas.
Essa interação torna possível diagnosticar obras e ações necessárias e montar
realisticamente um portfólio de prioridades. O diálogo tem um papel fundamental, pois mais
importante do que um bom planejamento é a forma como se faz. Por meio dele, erra-se menos
e caso haja erros, a responsabilidade é compartida.
O Brasil precisa urgentemente resgatar a forma de planejar em longo prazo, centrada
nos interesses maiores da Nação. Ao mesmo tempo, honrar os compromissos firmados com a
sociedade, traçando uma política de transportes federal onde prevaleça à inclusão e a definição
clara das funções dos diversos atores intervenientes no processo, sejam eles do setor público
ou privado.
No início do ano de 1999, alguns meses após termos assumidos a área de transportes
do Governo de Estado de Mato Grosso do Sul, fomos convocados pelo Ministério de
Planejamento, Orçamento e Gestão para uma reunião junto com o setor privado do estado,
para discussão do PPA 2000-2003, denominado Programa Avança Brasil.
No bojo da proposta de PPA estava o entendimento de que as ações elencadas
iniciavam a execução de um projeto nacional de desenvolvimento de longo prazo, desenhado
pelos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Também se depreendia que para
alcançar o desenvolvimento sustentável seriam imprescindíveis investimentos na área social,
em infra-estrutura econômica, na conservação do meio ambiente e na difusão da informação e
do conhecimento.
O ineditismo estava em derrubar as fronteiras geopolíticas do país e definir projetos não
mais voltados para cada unidade da Federação em particular, mas numa ótica nacional. Os
empreendimentos assinalados teriam compartilhamento de responsabilidades entre Governo
federal, estados, municípios, iniciativa privada e sociedade civil organizada.
A teoria não se configurou em prática, uma vez que o produto final apresentado foi
concebido com evidentes lacunas de informação e fruto de um processo burocrático, com
baixíssima participação social.
Após processar uma gama de informações sobre infra-estrutura e demandas por bens e
serviços, seguiu-se um processo de validação de resultados a partir de discussões públicas
com a participação de Ministérios e Entidades Vinculadas, bem como nas capitais dos Estados,
governos estaduais e setores da sociedade civil. Entretanto, a metodologia utilizada para
validação distanciou-se da concepção de um debate social.
Nos seminários de validação nos estados, foram entregues tomos do trabalho para que
os participantes opinassem sobre o que foi consolidado. A participação da sociedade foi apenas
pró-forma, ratificadora de um estudo concebido em gabinete, tomando como base elementos
frios e não necessariamente antenados à realidade do ano de concepção (1998/1999).
Outro ponto de crítica foi à predominância maciça do planejamento quase que
unicamente a partir das demandas econômicas, preterindo demandas sociais, sobretudo no
tocante ao transporte. Apesar de objetivar a promoção de desenvolvimento econômico e social,
dentro de uma visão nacional, o estudo coloca em segundo plano as necessidades de
acessibilidade das pessoas, preferindo concentrar o planejamento no atendimento e promoção
de acesso da produção aos pontos de exportação e aos mercados consumidores.
O Estudo dos Eixos certamente representou um avanço na concepção de planejamento
estratégico, porém os produtos apresentaram-se de validade limitada. O portfólio de
investimentos forneceu um horizonte interminável de obras de infra-estrutura e de ações
visando a um projeto nacional de desenvolvimento que poderá se completar em um horizonte
infinito, ao se levar em conta à realidade do país.
Foram propostos R$ 317 bilhões de reais em investimentos, o que pareceu não
considerar a situação orçamentária do Governo federal, que em função do compromisso com os
organismos financiadores internacionais, impõe fortes restrições, contingenciamentos e cortes
em investimentos, sobretudo para o setor de infra-estrutura.
Para se ter uma idéia, o investimento em infra-estrutura que na década de 70 chegou a
representar 2% do Produto Interno Bruto, hoje é dez vezes menor.
PPA 2004 - 2007
No início de 2003, mais precisamente no dia 07 de fevereiro, alguns dias após assumirmos a
Secretaria-Executiva do Ministério dos Transportes, em uma reunião do Fórum Nacional dos
Secretários Estaduais de Transportes, sugerimos uma metodologia participativa para elaborar o
Plano Plurianual 2004-2007, lastreado em experiência acumulada na elaboração do Plano
Diretor de Transportes do Estado de Mato Grosso do Sul e do CODESUL (fórum que congrega
os estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Um processo
de orientação estratégica de ações governamentais no setor transportes, tendo como enfoques:
Os principais aspectos do planejamento participativo são a inclusão dos estados no processo e
a ampla interlocução com os setores que demandam e utilizam a infra-estrutura de transportes
no país. Nos Estados, equipes de trabalho foram constituídas para aplicar uma pesquisa
estratégica. Os estados foram responsáveis por fornecer uma gama de informações que
englobam situação atual dos modais de transporte, projetos e programas existentes, produção
agropecuária, armazenagem, movimentação de cargas, industrialização e operação de
transporte. A busca não se restringiu aos bancos de dados governamentais e se estendeu, em
forma de consulta, aos diversos setores econômicos diretamente envolvidos na questão do
transporte. Além das informações contextuais e econômicas, a proposta participativa deu aos
estados condições de opinar, sugerir e apontar projetos prioritários. Com isso, foi sendo
traçado um diagnóstico econômico do setor transportes que contribuiu para apontar projetos e
obras prioritárias em cada estado, pontos críticos e dados de infra-estrutura e de demanda de
transportes que pudessem subsidiar a definição das obras para compor o PPA 2004-2007.
Os resultados fornecidos pelas equipes estaduais foram sendo processados e
analisados criticamente pelo Ministério, servindo ainda para realizar simulações que revelaram
a situação atual e a previsão de cenários futuros para o transporte em todo o Brasil.
A fase seguinte do planejamento participativo buscou travar uma firme interlocução com
os setores que demandam transportes e os usuários da infra-estrutura, buscando a visão
desses segmentos para consolidar um planejamento consistente e sintonizado às demandas do
país. Foi montada uma agenda de reuniões regionais que objetivaram levar a discussão aos
estados e fomentar o debate, ouvindo os setores econômicos e coletando, in loco, opiniões e
dados técnicos a serem utilizados na análise de demandas mapeadas durante o processo de
planejamento participativo.
As reuniões mostraram-se extremamente produtivas, configurando verdadeiros fóruns
de participação empresarial, onde os setores da Agricultura, Comércio Exterior, Comércio,
Indústria, Transportes e Turismo puderam integrar-se ao processo de planejar a infra-estrutura
de transportes no país. A partir desse trabalho foram lançadas as bases de um processo
permanente de participação dos estados e setores econômicos na formulação do planejamento.
Cabe aqui registrar a importante participação da CNI – Confederação Nacional da Indústria, da
CNA – Confederação Nacional da Agricultura e da CNT – Confederação Nacional dos
Transportes, no apoio neste processo de planejamento participativo, feito pela primeira vez no
país.
Além de apontar as necessidades de investimentos na região, o debate revelou a
importância de se priorizar ações que contemplem interesses nacionais, como a interligação
com os países sul-americanos, a estruturação de um sistema de transportes onde prepondere o
equilíbrio entre os modais e a qualificação dos eixos estruturantes. Ficou evidente nesse
processo a convergência de opiniões entre os setores públicos e privado e a necessidade do
permanente diálogo e troca de informações que produzirão, ao final, as soluções necessárias
para alavancar o Brasil.
Com base nos levantamentos estratégicos e nos resultados das rodadas empresariais,
acrescidas as diretrizes de transporte e fontes de informação subsidiárias, o Ministério dos
Transportes consolidou o conjunto de projetos e obras do PPA 2004-2007. Não se trata de um
instrumento hermético, mas de um produto final fruto de discussões e análises críticas, formado
a partir de uma base científica e amparado pelo intercâmbio de informações, opiniões, gargalos
e soluções.
Todo o esforço visa a prover o país da infra-estrutura de transportes capaz de fazer
frente aos desafios econômicos e sociais, dentro de uma visão de compartilhamento de
responsabilidades. Soma-se a isso a preocupação em promover as ações necessárias à
integração sul-americana, ao desenvolvimento da multimodalidade, ao incremento na logística e
à complementaridade da atuação das instâncias do poder público (federal, estadual e
municipal).
A experiência desenvolvida para o PPA dos Transportes constituiu a semente da nova
forma de Planejar o Brasil, cujo processo e as conquistas dele decorrentes, sobretudo o
fortalecimento da integração com a sociedade, têm igual importância aos resultados traduzidos
no Plano Plurianual para o próximo quadriênio.
Esta ação abriu os caminhos para consolidar o Ministério dos Transportes como órgão
provedor dos interesses maiores do País, estando a serviço da Agropecuária, da Indústria, do
Comércio Exterior, do Comércio, dos Transportes e do Turismo. Não mais um Ministério de
Obras, mas um verdadeiro Ministério dos Transportes que tem como principal cliente: a Nação
brasileira. Estavam criadas as linhas mestras do Plano Diretor de Transportes do Brasil, com
uma matriz de origem e destino de cargas e um portfólio de investimentos públicos e privados
em infra-estrutura de transportes, com grau de priorização.
Outra questão é ordenar papéis entre diversos órgãos do setor de transportes e sua
articulação com áreas estratégicas de governo, aplicando a concepção de transversalidade nas
relações governamentais e de interação permanente com os setores produtivos.
O tratamento adequado também deve ser dado aos óbices que se interpõe entre o
desenvolvimento e a infra-estrutura, sobretudo a visão distorcida de que transportes e meio
ambiente são conflitantes. Nesse sentido, novamente o caminho que se aponta é o do diálogo
produtivo e de enfrentamento com bases legais e técnicas da mistificação que existe quanto à
questão ambiental.
Mas o diferencial deve ser o olhar social na produção dos transportes. Ou seja, inverter
a lógica tradicional: a bandeira social passar a pautar a bandeira econômica. Os investimentos
em transportes (leia-se em infra-estrutura) devem ser pensados não mais como meros
investimentos (obras), mas a partir de seu impacto social e econômico. Isso requererá uma
ruptura histórica com um passado de obras, determinadas pela geopolítica, e o início da visão
de transportes como serviço, possibilitando integração e desenvolvimento produtivo.
Além disso, as limitações orçamentárias vão requerer criatividade que possibilite
encontrar alternativas para problemas sociais derivados do transporte e também os
econômicos, visto as demandas fazerem parte de um processo dinâmico onde a infra-estrutura
é determinante.
A missão é espinhosa e é preciso enxergar a ação pública além dos números e
perceber que o espetáculo do crescimento depende muito mais do "por que fazer", do "como
fazer" e do "onde fazer" do que das especulações sobre "quando" e "quanto".
Mais do que problemas orçamentários, há problemas de gestão dos recursos públicos.
Ainda mais importante do que ter dinheiro, é saber gastá-lo adequadamente e em projetos que
tragam soluções para transformar o Brasil.
Se no passado recente, os investimentos em infra-estrutura de transportes, estavam
condicionados às folgas do superávit primário ou da capacidade de geração de receitas de
determinados projetos, para serem viabilizados como permissão ou concessão através do setor
privado, hoje o quadro é mais promissor.
Em maio de 2003, em Ixtapa – México, o Brasil assumia para o biênio 2003/2004 a
coordenação da ITHO – Iniciativa de Transportes do Hemisfério Ocidental, fórum que reunia os
Ministros de Transportes das Américas. Participaram deste evento, que tive a honra e o
privilégio de coordenar, além de 21 ministros de transportes das Américas, representantes de
instituições internacionais de financiamento, como BID, BIRD, CAF etc. e instituições
vinculadas a ONU e OEA do setor de transportes. Por uma iniciativa da delegação brasileira,
conseguimos aprovar no documento final, uma moção que a coordenação da ITHO iria propor
ao FMI uma revisão nas regras que restringiam os investimentos em infra-estrutura, sob pena
de bloquear o desenvolvimento dos paises emergentes das América. Na verdade, com relação
a esta questão havia praticamente unanimidade da maioria dos países representados. O mais
difícil, foi sem dúvida explicar aos representantes dos Estados Unidos e Canadá, que também
assinaram o documento, o que era superávit primário. Hoje, o Brasil já conseguiu que estas
regras fossem flexibilizadas pelo FMI.
INICIATIVA DE TRANSPORTES DO HEMISFÉRIO OCIDENTAL – ITHO
REUNIÃO DE MINISTROS DOS TRANSPORTES DO HEMISFÉRIO OCIDENTAL
IXTAPA-ZIHUATANEJO, MÉXICO
8 a 9 de maio de 2003
DECLARAÇÃO MINISTERIAL CONJUNTA
INICIATIVAS PARA ENCORAJAR O DESENVOLVIMENTO DA INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES
Reconhecemos que investimentos oportunos, apropriados e sustentados em infra-estrutura de transportes são um prérequisito essencial para o desenvolvimento e o crescimento econômico no âmbito do comércio e procuraremos trabalhar
em nível sub-regional e hemisférico para planejarmos em conjunto, de modo a atender às nossas necessidades de infraestrutura a longo prazo.
Apoiamos as iniciativas visando promover, o máximo possível, a integração da infra-estrutura de transportes regional,
maximizando a utilização da infra-estrutura existente, bem como projetos com viabilidade econômica, social e política, e
que sirvam de suporte para o comércio e os transportes.
Reconhecendo o papel essencial desempenhado pelas IFIs no financiamento da infra-estrutura de transportes da região,
solicitamos que essas instituições continuem desenvolvendo mecanismos de financiamento inovadores, eficientes e
adequados, que correspondam às necessidades de transportes dos Estados Membros da ITHO. Instruímos o Comitê
Executivo da ITHO a construir sobre os aspectos comuns entre seus próprios objetivos e os das IFIs e apoiar o máximo
possível as grandes iniciativas de infra-estrutura dessas instituições nas Américas.
Recomendamos, ainda, ao Comitê Executivo que faça gestões junto ao Fundo Monetário Internacional - FMI, no sentido de
se rediscutir a forma como os recursos destinados à manutenção e à melhoria da infra-estrutura de transportes estão
contabilizados na formação do superávit primário.
Um outro avanço foi sem dúvida, a aprovação da Lei das Parcerias Público Privada. A
implantação dos projetos de infra-estrutura, que até então estavam limitados em função das
restrições impostas pela Lei de Licitações e/ou da Lei de Concessões, a partir das novas regras
podem acontecer. O desafio será o de selecionar os projetos estratégicos, analisando sob a
ótica do impacto econômico e social que eles representam, neste ciclo de desenvolvimento que
o país atravessa; a relação de custo benefício de cada projeto; a capacidade de geração de
receita; o interesse do setor privado em função das taxas de retorno dos investimentos; e sua
inserção nas metas de longo prazo. Em seguida, através de uma matriz de consistência,
poderemos em escala de prioridade, definir quais projetos poderão ser implementados pelo
setor privado; quais poderão ser através de concessões ou permissões; quais poderão ser
viabilizados através das Parcerias Público Privada; e finalmente quais terão que ser
implantados com recursos públicos.
Eu costumo dizer que o Brasil só não “quebrou”, porque é um país muito rico e nosso povo
muito criativo. Na adversidade, sempre conseguimos soluções criativas para atingirmos nossos
objetivos. Um grande exemplo está no desenvolvimento do agro-negócio, que tem quebrado
recordes de produção e exportação, apesar das limitações da nossa infra-estrutura e os altos
custos logísticos. O Brasil se transformou nas últimas décadas, num grande exportador de
“commodities”. Basicamente minérios e granéis agrícolas, que tem contribuído em grande parte
para o superávit da balança comercial. Se na questão dos minérios, principalmente em função
dos investimentos feitos pela C.V.R.D., a questão da logística está parcialmente resolvida, na
questão dos granéis agrícolas há muito que fazer, com alto risco deste processo de crescimento
ser interrompido, se algumas ações não acontecerem no curto prazo.
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