CONCEPÇÕES E ENSINO DAS ESTRATÉGIAS DE LEITURA EM LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS: LÍNGUA PORTUGUESA Irando Alves Martins Neto Renata Junqueira de Souza FCT/UNESP, Pós-graduação em Educação, CAPES 7- Pesquisa, Leitura, Escrita e Educação Comunicação Resumo: A pesquisa de mestrado intitulada “Estratégias de leitura: relações entre as concepções do material Linguagens, códigos e suas tecnologias: língua portuguesa e a prática docente”, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação da FCT/UNESP, tem como objetivo compreender a relação entre a prática docente e a teoria adotada por um dos materiais utilizados nas escolas estaduais do Ensino Fundamental II e Ensino Médio do Estado de São Paulo. Para tanto, foi necessário investigar qual a vertente teórica que sustenta as estratégias de leitura presentes no material como também identificar e caracterizar quais estratégias são propostas. Posteriormente, pretendemos evidenciar em qual perspectiva teórica o professor se fundamenta para o ensino de estratégias de leitura. Utilizamos como metodologia o estudo de caso e como instrumentos de coleta de dados a análise documental, a entrevista e a observação. Trazemos, aqui, resultados parciais obtidos a partir de análise documental e entrevista. Tais resultados apontam para uma escolha teórica, no que se refere às estratégias de leitura, inconsistente, sem uma base teórica sólida. Por outro lado, o material contempla diversas estratégias semelhantes às elencadas por estudiosos do tema, ainda que aparentemente de modo inconsciente e de metodologia de aplicação divergente. Palavras-chave: Estratégias de leitura. Material didático. Ensino. Introdução Muitos estudos acerca do ensino da leitura (Anderson e Pearson, 1984; Harvey e Goudvis, 2007; Kopke Filho, 2001; Solé, 1998, entre outros), embasados principalmente na Psicolinguística, defendem a compreensão textual como resultado de uma série de conhecimentos prévios e de estratégias de leitura. Entendendo a linguagem como processo de interação, tais autores afirmam que o leitor, além de identificar palavras, utiliza estratégias, procedimentos que os ajudam a construir sentidos por intermédio de aquilo que sabe e que lê. Nesse sentido, consideram que as estratégias devem ser ensinadas na escola, para que os educandos sejam capazes de utilizá-las adequadamente ao realizar a leitura de diferentes textos. Algumas das estratégias elencadas, nomeadas e conceituadas por pesquisadores aparecem, em geral de maneira implícita, em um material didático desenvolvido pelo Estado de São Paulo para o ensino de língua materna, qual seja Linguagem, códigos e suas tecnologias: língua portuguesa (2013). Todavia, o material não explicita a base teórica utilizada para o ensino de tais estratégias e nem tampouco as define, limitando-se a nomear algumas delas e deixando tantas outras ocultas nas instruções do Caderno do Professor. Diante deste cenário, identificamos a seguinte problemática: sem a explicitação da vertente teórica, o professor consegue intervir, de forma pontual, na aprendizagem dos alunos em relação ao ensino das estratégias de leitura? A partir de tal problemática, nos surgiram também questões como: o material é relevante no quesito estratégias de leitura? O material tem valor para o professor quanto ao ensino das estratégias? É necessária uma teorização das estratégias de leitura presentes no material para posterior formação docente? Para responder a essas (e talvez a outras) questões, consideramos necessário compreender as relações entre a prática de um professor e o material acima citado, delimitandonos ao 6.º ano do Ensino Fundamental II por uma questão temporal. Tal compreensão torna-se possível a partir da realização de quatro ações: 1.ª - investigar qual a vertente teórica que sustenta as estratégias de leitura presentes no material; 2.ª - identificar e caracterizar as estratégias de leitura propostas pelo material; 3.ª – evidenciar em qual perspectiva teórica o professor se fundamenta para o ensino das estratégias de leitura; e 4.ª - investigar se o professor tem consciência da teoria que sustenta sua prática docente no que concerne às estratégias. As duas últimas ações – cujos instrumentos de coleta de dados são a observação de aula e a entrevista com o professor, respectivamente – ainda não foram realizadas. Portanto, trazemos, neste trabalho, alguns resultados obtidos mediante as duas primeiras ações, cuja coleta de dados ocorreu por meio de análise documental do material e entrevista semiestruturada com um de seus elaboradores. Nesse primeiro momento, pretendíamos responder às questões: qual a vertente teórica adotada pelo material no que concerne às estratégias de leitura? Quais estratégias de leitura são contempladas pelo material? Os dados coletados foram compreendidos de maneira crítica a partir de fundamentos teórico-filosóficos que incluem a leitura como um processo dialógico e dialético de interação, de modo que o homem transforma a linguagem e essa nova linguagem o transforma em um novo homem, como também os sujeitos se transformam e transformam o mundo nas relações sociais mediadas pela linguagem, sendo que esse novo mundo os transforma em novos sujeitos, infinitamente. Desse modo, nada mais coerente do que compreender a realidade estudada considerando o materialismo histórico-dialético. Assim, nosso corpus foi analisado como um todo e, depois, fomos às partes, para, então, voltarmos ao todo, na tentativa de ver o caos inicial, a aparência, de maneira esclarecida. Ver a sua essência. Além desta introdução, este texto conta com outras duas partes que apresentam alguns dos resultados obtidos pelos pesquisadores e as considerações finais. Em “Linguagens, códigos e suas tecnologias: língua portuguesa e o ensino da leitura: a aparência”, apresentamos um panorama geral da perspectiva teórica assumida pelo material em relação à linguagem e ao ensino da leitura, bem como apontamos o objetivo principal de sua elaboração. Já em “Linguagens, códigos e suas tecnologias: língua portuguesa e o ensino da leitura: a essência”, discutimos, com foco nas estratégias de compreensão, como se concretiza a proposta do ensino de leitura nas atividades elaboradas pelo material. Para finalizar, nas considerações finais, retomamos o conteúdo central do texto, buscando refletir sobre a qualidade do material em relação ao ensino da leitura. 1. Linguagens, códigos e suas tecnologias: língua portuguesa e o ensino da leitura: a aparência Em agosto de 2007, a Secretaria do Estado de São Paulo criou o Programa São Paulo Faz Escola, cujo objetivo principal foi implementar um currículo único em toda sua rede de ensino básico a partir do Ensino Fundamental II 1, na tentativa de disponibilizar as mesmas aprendizagens a todos os alunos de rede pública. Com isso, foi elaborado um Currículo a cada área do conhecimento contemplada pela escola. A disciplina de Língua Portuguesa, como também Artes, Educação Física e Língua Estrangeira Moderna, foi organizada dentro da área “Linguagens, códigos e suas tecnologias”. O Currículo (2011), que traz informações metodológicas sobre o trabalho com os conteúdos escolares, com base nos conceitos explicitados principalmente pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), é complementado com o Caderno do Professor (2013) e o Caderno do Aluno (2013), a serem utilizados em sala de aula. Cada ano escolar conta com quatro Cadernos do Professor e quatro Cadernos do Aluno, um para cada bimestre. Todo Caderno tem em média cinco unidades, as quais são denominadas “Situações de Aprendizagem”. Os Cadernos do Aluno trazem atividades de leitura, análise de textos, análise linguística, análise de gêneros e estudo de tipologias. Traz, ainda, atividades de “Lição de casa” 1 Concomitantemente, foi criado o Programa Ler e Escrever, destinado ao Ensino Fundamental I e com o mesmo objetivo de implantar uma base curricular comum. e dicas de estudo. Já os Cadernos do Professor servem para auxiliar o trabalho do docente no ensino dos conteúdos disciplinares específicos e na aprendizagem dos alunos. Esses conteúdos são acompanhados de orientações para a gestão da aprendizagem em sala de aula. Há também sugestões de métodos e estratégias de trabalho para as aulas. Quanto ao posicionamento teórico em relação à linguagem, quando perguntamos a um dos elaboradores em qual concepção de texto o material se embasa, obtivemos a seguinte resposta: ... olha eu acho que a grande referência que a gente tem É o Bakhtin né? Ele a/ aparece ali muito forte e: A PARTIR dele os outros autores que entram são autores que na verdade já COMENTAM o trabalho do do Bakhtin mas eu acho que a grande referência que a gente utilizou ali foi o do Bakhtin Para Bakhtin (2011, p. 262), a língua “efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo”. Continua o filósofo russo (2011, p. 263): “evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”. E são esses enunciados que o pensador russo nomeia de “gêneros do discurso”, os quais se compõem, necessariamente, por seu “conteúdo temático”, seu “estilo de linguagem” e sua “construção composicional”. Segundo o Currículo (2011, p. 34), o gênero é um “evento linguístico social que organiza os textos a partir de características sociossemióticas: conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição estrutural”. Desse modo, o material afirma que “o nível de letramento é determinado pela variedade de gêneros textuais com os quais a criança ou o adulto conseguem interagir” (SÃO PAULO, 2011, p. 33). Assim, o material aborda uma gama de gêneros textuais, preocupando-se com aspectos como: suporte, intencionalidade, função social, organização estrutural. Em um total de 57 2 textos, os Cadernos do 6.º ano contemplam: filme 2 A contagem dos gêneros foi feita levando em conta o texto enquanto um todo significativo, uma unidade de sentido. Há dois fragmentos, por exemplo, retirados do mesmo romance, mas eles não se completam, visto que um trecho não tem relação com o outro da maneira como foi disponibilizado no material. Há cinco fragmentos de “textos” didaticamente construídos, no entanto, que seguem uma linearidade de sentido, isto é, são coerentes. Sendo assim, em uma perspectiva mais estrutural da língua, o total de textos pode variar de 57 para 60, sendo 3 do gênero romance e 21 didaticamente construídos. Ademais, além desses 57 (ou 60, se o leitor preferir) textos, há sugestões de outros títulos nos Cadernos do Professor, mas que não estão presentes no material. (01), fábula (02), crônica (08), conto (08), romance (04), letra de música (03), foto (14), “textos” didaticamente construídos (17). Koch (2012, p. 119) aponta que “os gêneros são formados por sequências diferenciadas denominadas tipos textuais. Portanto, devemos ter em vista que a noção de gênero não se confunde com a noção de tipo”. De acordo com Marcuschi (2010, p. 23), “usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas)”. Tanto Koch (2012) como Marcuschi (2010) apresentam cinco tipos textuais: narração, descrição, argumentação, exposição e injunção. Sobre o tema, o Currículo (2011, p. 33) afirma que “por tipologia textual entende-se uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição. Enquanto os gêneros textuais são ilimitados, os tipos textuais abrangem cinco categorias principais: narrar, relatar, prescrever, expor e argumentar”. Quanto à organização metodológica, o material trabalha com agrupamentos tipológicos. No 6.º ano, por exemplo, sugere um trabalho com a tipologia narrar. Desse modo, todos os gêneros selecionados ao referido ano escolar são predominantemente do tipo narrativo. No primeiro bimestre, o foco é no tipo e, no segundo, nas características dos gêneros vistos no bimestre anterior. Já nos 3.º e 4.º bimestres, a proposta é englobar “a tipologia e os gêneros estudados, inserindo-os em uma perspectiva discursiva” (SÃO PAULO, 2011, p. 39). Desse modo, o material acredita que é possível “articular três aspectos fundamentais nos estudos de língua contemporâneos: os agrupamentos tipológicos, os gêneros e os discursos” (idem). Notamos, dessa forma, que o material estudado considera os estudos atuais da linguagem, que são fundamentados em uma concepção dialógica, dialética e interacional. Como consequência, defende o ensino da leitura pautado em gêneros e tipos textuais e em uma perspectiva discursiva. Ademais, o material propõe o ensino de estratégias de leitura, não esclarecendo, todavia, o que isso significa, como aprofundaremos a seguir. 2. Linguagem, códigos e suas tecnologias: língua portuguesa e o ensino da leitura: a essência Há um consenso, hoje, sobre a importância do ensino de estratégias de leitura. Solé (1998) as define como um procedimento, isto é, um conjunto de ações ordenadas a fim de alcançar uma meta. Para a autora, ao lermos, “[...] usamos nossa capacidade de pensamento estratégico, que embora não funcione como ‘receita’ para ordenar a ação, possibilita avançar seu curso em função de critérios de eficácia” (SOLÉ; 1998, p. 73). Kopke Filho (2001) apresenta vinte estratégias de leitura, dividindo-as em três momentos: antes, durante e depois da leitura. Antes da leitura, o leitor pode: 1- examinar ligeiramente o texto; 2- examinar a estrutura do texto, procurando ler cabeçalhos, títulos, subtítulos etc.; 3- após breve exame, levantar hipóteses acerca do conteúdo do material a ser lido; e 4- pensar a respeito da finalidade ou necessidade de realizar a leitura. Depois da leitura, leitores estratégicos: 5- sublinham ideias ou palavras principais; 6- tomam notas; 7- criam imagens mentais de conceitos ou fatos descritos; 8- relacionam as informações do texto com suas crenças ou conhecimentos do assunto; 9- pensam acerca de implicações ou consequências do que o texto está dizendo; 10- param e refletem se compreendem bem ou não o que estão lendo; 11- releem palavra, frase ou parágrafo quando não os compreendem; 12- quando não compreendem uma palavra, frase ou parágrafo, voltam a ler partes que o precederam; 13— quando não compreendem uma palavra, frase ou parágrafo, dão continuidade à leitura; e 14quando não compreendem uma palavra, frase ou parágrafo, consultam uma fonte externa. Após a leitura, as estratégias são: 15- fazer uma releitura do texto; 16- voltar ao texto e reler os pontos mais significativos; 17- procurar recordar pontos fundamentais do assunto sem retomar o texto; 18- avaliar quando entendeu o texto e voltar àquelas partes sobre cuja compreensão não se sente seguro; 19- verificar que hipóteses acerca do conteúdo do texto foram ou não confirmadas; e 20procurar fazer uma paráfrase ou resumo da matéria lida. Solé (1998) também defende o ensino das estratégias em atividades de antes, durante e depois da leitura. Antes da leitura, a autora sugere que o professor, além de motivar os alunos, estabeleça os objetivos de leitura, ative o conhecimento prévio, ajude-os a formular previsões e incentive-os a promover perguntas sobre o texto. Durante a leitura, Solé (1998) aponta para a necessidade de formular previsões sobre o texto a ser lido e perguntas sobre o que foi lido, esclarecer possíveis dúvidas (certificando-se de que o texto foi compreendido e tomando decisões sobre o que podemos fazer quando identificamos determinado obstáculo) e resumir as ideias do texto (expondo sucintamente o que foi lido, ou seja, recapitulando informações). A autora elenca três estratégias para depois da leitura: identificação da ideia principal, elaboração de resumo e formulação e resposta a perguntas. Harvey e Goudvis (2007) apresentam sete estratégias de leitura, quais sejam: conhecimento prévio, conexões, inferência, visualização, perguntas ao texto, sumarização e síntese. O conhecimento prévio é uma estratégia essencial, pois todas as outras exigem a ativação do repertório do leitor. As conexões subdividem-se em conexão texto-leitor (relações que o leitor faz entre o texto e suas experiências pessoais), conexão texto-texto (quando aquele que lê associa o material impresso com leituras anteriores) e conexão texto-mundo (que diz respeito à comparação do que se lê com aspectos mundanos). A inferência refere-se às conclusões tiradas a partir de pistas do texto e do conhecimento prévio do leitor. Visualizar significa usar os sentidos para preencher os vazios do material de leitura. Perguntas ao texto é quando o leitor indaga o que lê, de modo a buscar respostas a tais questionamentos. A estratégia de sumarização diz respeito à identificação das ideias centrais de um texto, à separação de o que é detalhe e o que é importante. Já a síntese é, além de determinar o que é importante, acrescentar as interpretações do leitor. Harvey e Goudvis (2007), Solé (1998) e Kopke (2001) defendem o ensino das estratégias em uma abordagem metacognitiva, ou seja, é preciso ensinar os alunos a conhecer o próprio conhecimento, a saber os procedimentos que bons leitores utilizam ao construir significados e conseguir ter autocontrole de tais conhecimentos. Sobre o tema, a parte do Currículo dedicada à disciplina de Língua Portuguesa não aprofunda a questão, limitando-se a afirmar que “é importante pensar [...] como o texto solicita uma ou outra estratégia de leitura” (SÃO PAULO, 2011, p. 43-44). Já os Cadernos do Professor (2013) do 6.º ano trazem conteúdos como: “levantamento e checagem de hipótese”, “inferência”, “resumo”, “articulação de informações do texto a conhecimentos prévios” e “estratégias de leitura”. Além disso, as instruções dadas ao docente para a intervenção nas atividades de leitura trazem, implicitamente, outras estratégias, sobre as quais discorreremos mais adiante neste texto. No entanto, ao trazer o termo estratégias de leitura, notamos que o material não se restringe a procedimentos de leitura, a técnicas que leitores utilizam ao ler para ajudá-los a compreender determinado texto. A “Situação de Aprendizagem 1” do volume 3 do Caderno do Professor, por exemplo, apresenta como um de seus conteúdos as estratégias de leitura, mas, buscando compreender quais estratégias seriam ensinadas, não identificamos nenhuma das apresentadas pelos principais estudiosos sobre o tema. A partir da entrevista com um dos elaboradores e análise mais profunda do material, evidenciamos três categorias no que se refere às estratégias de leitura propostas: 1- estratégias de ensino de leitura; 2- estratégias de incentivo à leitura; e 3-estratégias de compreensão. Neste trabalho, focamos na terceira categoria. As estratégias de compreensão concernem a procedimentos de leitura necessários para que o leitor chegue à construção de sentidos. Tais estratégias assemelham-se àquelas apresentadas por Kopke Filho (2011), Solé (1998), Harvey e Goudvis (2007), dentre outros. Percebemos que o material aborda tal ensino em três níveis: 1- estratégias para compreender a tipologia; 2- estratégias para compreender o gênero; e 3- estratégias para compreender o texto. A fim de que os educandos compreendam a tipologia narrativa, os Cadernos do Professor do 6.º ano sugerem, por meio de suas instruções, que o docente faça com que os estudantes: 1- comparem diferentes textos; 2- resumam histórias; 3- sintetizem os elementos da narrativa; identifiquem elementos da narrativa; 4- comparem trechos do mesmo texto; 5- criem imagens mentais; 6- ativem seus conhecimentos prévios; 7- selecionem informações explícitas; e 8- estabeleçam relações entre o tipo narrar e experiências pessoais. Quanto à compreensão dos gêneros textuais, os alunos precisam: 1- ativar seus conhecimentos prévios; 2- comparar diferentes textos; 3- sintetizar as características de determinados gêneros; 4- levantar hipóteses; 5- confrontar diferentes impressões e interpretações sobre as características discursivas de determinado gênero; e 6- selecionar informações explícitas. Para compreender o texto, o material pede que o docente intervenha nas atividades de leitura de forma que os educandos: 1- infiram sentidos; 2- sintetizem; 3- resolvam dúvidas de entendimento superficial; 4- criem imagens mentais; comparem diferentes textos; 5estabeleçam relações entre o texto lido e experiências pessoais; 6- resumam; 7- dramatizem o texto lido; e 8- levantem hipóteses. Nesse processo de didatização do ensino da leitura, notamos que o desenvolvimento das estratégias para compreender o tipo e o gênero textual ocorre de três formas: 1- as atividades que visam que os alunos compreendam determinado gênero ou tipo textual é um fim e não um meio, de modo que o objetivo final é fazer com que o aluno compreenda a estrutura e o funcionamento do texto, desconsiderando, todavia, seu caráter interacional, o discurso subjacente; 2- as atividades que têm como finalidade principal ensinar conceitos e características de determinado gênero e tipo textual podem servir também para a compreensão do conteúdo discursivo do texto, a depender da capacidade de o docente perceber a relação entre estrutura e função de determinado tipo ou gênero e o propósito comunicativo do texto, fazendo um trabalho de mediação para que os educandos também notem tais associações; 3- as atividades trazem, explicitamente nos Cadernos do Professor, a relação entre tipo-discurso, gênero-discurso ou tipo-gênero-discurso. Vale destacar que, segundo um de seus elaboradores, o material considera as estratégias por nós elencadas como habilidades de leitura, muito embora afirme estar em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os quais apontam: A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas (BRASIL, 1998, p. 69-70, grifo nosso). Neste trabalho, porque o espaço não nos permite, não tratamos da diferença entre habilidades e estratégias de leitura. No entanto, é possível perceber certa inconsistência teórica nesse sentido, o que pode contribuir para uma prática também sem referência teórica. Além disso, o material não sugere, em geral, que o professor ensine os alunos a utilizar as estratégias conscientemente, a ter autocontrole dos procedimentos de leitura, limitando-se a acreditar que o aluno conseguirá usá-las apenas porque a atividade elaborada exige determinada estratégia para que seja respondida corretamente. Considerações finais Buscamos, neste trabalho, responder a duas das questões problematizadas na pesquisa de mestrado intitulada “Estratégias de leitura: relações entre as concepções do material Linguagens, códigos e suas tecnologias: língua portuguesa e a prática docente”: qual a vertente teórica adotada pelo material Linguagens, códigos e suas tecnologias: língua portuguesa? Quais estratégias de leitura são contempladas? Para tanto, apresentamos um panorama geral dos conceitos de linguagem e leitura adotados pelo corpus de análise, mostrando que ele caracteriza a leitura como uma atividade social, sistematizando o ensino de textos a partir de gêneros discursivos e tipologias. Vimos que o material contempla várias estratégias de leitura como: ativação do conhecimento prévio, inferência, síntese, resumo, elaboração de imagens mentais, levantamento de hipóteses, associação do texto com suas experiências etc. No entanto, não traz conceitos de tais estratégias (ou habilidades), mas apenas instruções ao professor, o qual pode não identificálas e, consequentemente, pode não intervir, de maneira pontual, nas atividades de leitura propostas. Além disso, notamos que não há uma teoria sólida que corrobore o ensino das estratégias contempladas, o que torna inviável ao docente preparar aulas próprias utilizando as estratégias presentes no material. Ademais, o ensino das estratégias de leitura a partir da compreensão de gêneros e tipos, quando isolado do discurso, pode engendrar uma prática estruturalista, desconsiderando o caráter dialógico da linguagem que o próprio material defende. Assim, os conceitos de linguagem, gênero do discurso, tipologia e letramento nos quais o Currículo afirma se embasar podem se descaracterizar caso a prática do professor não tenha uma relação harmônica com as concepções do material, o que só poderemos verificar ao final da pesquisa, após coleta de dados por meio de observação de aula e entrevista com o professor. Referências ANDERSON, R. C.; PEARSON, D. A schema-theoretic view of basic processes in reading. In: PEARSON, D.; BARR, R.; KAMIL, M. L.; MOSENTHAL, P. Handbook of reading research. White Plains: Longman, 1984. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. 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Caderno do aluno: língua portuguesa, ensino fundamental – 5ª série, volume 1/ Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; equipe, Débora Mallet Pezarim de Angelo, Elaine Aparecida de Aguiar, João Henrique Nogueira Mateos, José Luiz Marques López Landeira. São Paulo: SEE, 2013. SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Currículo do Estado de São Paulo: Linguagens, códigos e suas tecnologias / Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; coordenação de área, Alice Vieira. – 2. ed. – São Paulo: SE, 2011. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Caderno do professor: língua portuguesa, ensino fundamental – 5ª série, volume 1/ Secretaria da Educação; coordenação geral, Maria Inês Fini; equipe, Débora Mallet Pezarim de Angelo, Elaine Aparecida de Aguiar, João Henrique Nogueira Mateos, José Luiz Marques López Landeira. São Paulo: SEE, 2013. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Tradução de Cláudia Schilling. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.