A AUTO-AVALIAÇÃO E A PROMOÇÃO DO ENVOLVIMENTO DOS ALUNOS NAS AULAS DE LÍNGUA INGLESA NA 1ª ETAPA DO CICLO III1 Cláudia Vitoriano e Silva2 Maria Cristina Faria Dalacorte Ferreira3 Introdução No ensino-aprendizagem em geral e de línguas, o processo de avaliar pressupõe uma coerência com a abordagem de ensino adotada. Segundo Doll (2000), a avaliação não pode ser vista sem referência ao modelo pedagógico da qual faz parte. Luckesi (1994, p. 28) afirma que “a avaliação educacional, em geral, e a avaliação da aprendizagem escolar, em particular, são meios e não fins em si mesmas, estando assim delimitadas pela teoria e pala prática que a circunstancializam”. O interesse crescente no envolvimento do aluno no processo ensino-aprendizagem tem conduzido professores na busca de formas de avaliar que possibilitem a participação mais consciente e responsável do aluno. A implantação dos Ciclos de Formação nas escolas municipais de Goiânia a partir de 1998 motivou entre os envolvidos no processo ensino-aprendizagem (professores, alunos e pais), vários aspectos, sendo a avaliação o que gerou mais dúvidas e questionamentos. Como professora e participante deste processo, observava que, por um lado, os professores pareciam perdidos diante dessa nova proposta de organização escolar, visto que sua formação sobre os Ciclos de Formação se dava paralelamente a sua implantação. Por outro lado, os alunos apresentavam comportamentos e atitudes em sala de aula que se confundiam com a atitude natural de adolescentes e com os reflexos da implantação dos Ciclos de Formação. O valor dado à avaliação refletiu também na prática dos professores, não sendo diferente comigo. Tinha várias dúvidas sobre como trabalhar segundo essa nova proposta educacional. Durante dois anos, trabalhei tentando adequar minhas aulas a essa proposta, e foi com essa motivação que decidi investigar de que forma poderia envolver os alunos no processo avaliativo, que mudanças na atitude e no comportamento desses alunos em relação à aprendizagem poderiam 1 Texto resultante da Dissertação de Mestrado, com título homônimo, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Goiás sob a orientação da Profa. Dra. Maria Cristina Faria Dalacorte, defendida em 2004. 2 Professora da Rede Municipal de Ensino de Goiânia e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Goiás. 3 Professora Associada I na Faculdade de Letras, da UFG. Possui graduação em Letras pela Universidade Católica de Goiás (1986), mestrado em Letras (Inglês e Literatura Correspondente) pela Universidade Federal de Santa Catarina (1991) e doutorado em Estudos Lingüísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais (1999). 1 surgir, e ao mesmo tempo utilizar uma forma de avaliação mais coerente com a proposta de Ciclos de Formação. Portanto, este estudo teve como objetivo investigar como a prática da auto-avaliação pode influenciar no envolvimento de alunos do ensino fundamental de língua inglesa. Para realizar tal investigação, traçamos os seguintes objetivos específicos: - Investigar as influências da auto-avaliação na participação e no envolvimento dos alunos nas atividades de língua inglesa. - Verificar, através de formas alternativas de avaliação, mudanças no processo de aprendizagem de língua inglesa. - Identificar as influências prováveis da auto-avaliação na prática de ensino do professor. Nesse sentido, este estudo foi norteado pelas seguintes perguntas de pesquisa: - Há influências da auto-avaliação na atitude do aluno em relação a sua aprendizagem? - O resultado da avaliação feita pelo aluno pode ser considerado confiável? - A avaliação feita pelo aluno pode influenciar a prática pedagógica do professor? Em caso afirmativo, de que maneira? A seguir é apresentado o referencial teórico seguido para a realização desta pesquisa. 1. Referencial Teórico O ensino centrado no aprendiz, segundo Nunan, (1998) e Tudor (2001)., a avaliação alternativa, segundo Pierce e O´Malley (1996) e Huerta-Macías (2002) e a teoria atribucional de Weiner (1985) foram o referencial teórico que será brevemente apresentado nos itens a seguir. 1.1 O Ensino Centrado no Aprendiz A partir dos anos 60, uma característica marcante nas pesquisas práticas e teóricas no ensino de línguas passou a ser a busca por um meio de priorizar as necessidades dos alunos e conseqüentemente tornar o ensino mais centrado no aprendiz (NUNAN, 1998; TUDOR, 2001). Segundo Tudor (2001), isso se deu em parte pela insatisfação com métodos mais tradicionais e em parte pelo desejo de dar ao aluno um papel maior, mais ativo e participativo no 2 processo ensino-aprendizagem. Tal busca não foi fruto de uma única escola de pensamento, mas de várias perspectivas de ensino de língua diferentes dentre as quais são destacadas quatro tendências formativas (ensino de língua humanista; ensino de língua comunicativo; pesquisas sobre estratégias de aprendizagem e individualização) e três perspectivas sobre o ensino centrado no aprendiz (ensino centrado no aprendiz como princípio para organização de atividades; autonomia do aluno e currículo centrado no aluno). O ensino centrado no aprendiz, segundo Tudor (2001) e Nunan (1998) tem como aspectos relevantes para o processo ensino-aprendizagem, o papel assumido pelo aluno e a maneira pela qual ele pode ser orientado a assumir tal papel. 1.2 A Avaliação Alternativa A avaliação autêntica, também chamada de alternativa, surge nos Estados Unidos, nos anos 90, em resposta à insatisfação generalizada com os testes padronizados de múltipla escolha e às preocupações com o desenvolvimento de práticas avaliativas que incluam o acompanhamento do processo ensino-aprendizagem (NEVES, 2002), como parecem sugerir os autores mencionados a seguir: Kohinen (1999), Pierce e O’Malley (1992), Huerta-Macías (2002). Apesar de pesquisas mostrarem haver um grande interesse na avaliação alternativa no ensino de Línguas Estrangeiras (doravante LE), este interesse não se aplica a alunos que não falam o inglês como língua materna ou que estão em um contexto em que outra língua diferente do inglês é falada, como é o caso de alunos americanos (PIERCE e O’MALLEY, 1996). Huerta-Macías (2002, p.339) considera importantes alguns aspectos da avaliação alternativa em relação aos testes tradicionais, como, por exemplo, o fato de não interromper as atividades de sala de aula, refletindo o currículo implantando, e fornecer informações a respeito do desempenho de cada aluno individualmente. O uso da avaliação alternativa exige tempo e organização do professor para planejá-la e executá-la. Por ser uma prática nova, poucos professores tiveram a oportunidade de planejar, criar e usar esses procedimentos de avaliação (PIERCE e O’MALLEY, 1996). Neste enfoque da avaliação em sala de aula, a literatura se divide entre aqueles que defendem a avaliação alternativa e aqueles que apostam nos testes a partir do respaldo da validade e/ou confiabilidade. Segundo Kohinen (1999), na prática, esses dois modelos de avaliação (tradicional e alternativo) não são mutuamente excludentes, ao contrário, devem ser vistos como complementares dependendo do propósito da avaliação, já que são baseados em diferentes filosofias de ensino, aprendizagem e avaliação, e são direcionados a necessidades e objetivos educacionais diferentes. 3 Nesse sentido, concordamos com o autor, visto que os resultados de algumas formas de avaliação alternativas podem ser muito subjetivos, se considerados isoladamente. Existem várias formas de avaliação alternativa que muitos professores utilizam, às vezes, de maneira informal. Dentre os instrumentos utilizados na avaliação alternativa podemos destacar: o portfolio4, os diários/registros de aprendizagem, a auto-avaliação, as entrevistas, a observação do professor, as gravações em vídeo de apresentações, as amostras de trabalhos, os projetos, a avaliação em pares, dentre outros (NEVES, 2002; HUERTA-MACÍAS, 2002). Destacaremos apenas os três primeiros itens por terem sido os utilizados nesta pesquisa. No contexto educacional, Moya e O’Malley (1994) fazem a distinção entre portfolio e avaliação com portfolio. Portfolio é definido como uma coleção de trabalhos, experiências, exibições e auto-avaliação, e avaliação com portfolio, o procedimento usado para planejar, coletar e analisar múltiplas fontes de dados mantidas no portfolio. Burke (1999) descreve três estágios na implantação da avaliação com portfolio: a coleção, a seleção e a reflexão. Dos três, a reflexão é apontada por diferentes autores (PIERCE e O’MALLEY, 1992; MOYA e O’MALLEY, 1994; GENEESE e UPSHUR, 1996; BURKE, 1999) como o coração e a alma do portfolio. No processo de coleção, os alunos são incentivados a guardar todas as atividades desenvolvidas em sala de aula, que podem ser: redações, provas, tarefas de casa, relatórios, figuras, projetos, diários de aprendizagem, auto-avaliações. Como ressalta Burke (1999, p.63), “os alunos devem ter mais do que simplesmente folhas e tarefas de casa em seus portfolios”. KOHINEN (1999) acrescenta que o portfolio pode combinar várias formas de avaliação alternativa. A promoção da reflexão é um dos grandes benefícios do uso de portfolios (PIERCE e O’MALLEY, 1992; MOYA e O’MALLEY, 1994; GENEESE e UPSHUR, 1996; BURKE, 1999), que pode funcionar como elemento fundamental no envolvimento dos alunos no processo ensinoaprendizagem. Portanto, esta é a fase mais importante da avaliação com portfolio. Em um modelo de avaliação mais tradicional, a responsabilidade pelo processo avaliativo encontra-se exclusivamente nas mãos do professor, havendo poucas oportunidades para que o aluno tenha controle ou assuma alguma responsabilidade. Geneese e Upshur (1996, p.105) ressaltam que “o portfolio faz dos alunos agentes de reflexão e decisão, e dá a eles o controle de sua própria aprendizagem”. Porém, estes autores afirmam que isto não acontece automaticamente, dependendo, sim, da postura crítica do professor em usar o portfolio como um processo de avaliação colaborativa. 4 O substantivo portfolio provém etimologicamente do inglês e significa ‘pasta para carregar papéis’. Este termo é um empréstimo do Italiano ‘portafoglio’, por sua vez, criado a partir da composição do verbo latim portāre ‘portar, trazer, transportar’ e folium ‘folha’. Dicionários consultados: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Ed. Objetiva 1a ed. 2001 e MacMillan English Dictionary for Advanced Learners of American English, MacMillan 1a ed. 2002. 4 Os diários dialogados são considerados como um dos componentes valiosos para desenvolver a competência lingüístico-comunicativa, descritos como comunicações escritas que o professor e o aluno trocam periodicamente (MORITA, 2001). Através dos diários, os alunos podem expressar opiniões a respeito das aulas, das atividades, das atitudes de outros alunos e do professor, para isto, precisarão no início de orientação através de perguntas, tópicos etc (GENEESE e UPSHUR, 1996). O registro de experiências de aprendizagem pode favorecer um maior envolvimento do aluno no processo ensino-aprendizagem e torná-lo mais responsável pelo estabelecimento de objetivos a serem alcançados (GENEESE e UPSHUR, 1996). No ensino de LE os diários são utilizados também com o objetivo de desenvolver a habilidade escrita do aluno informalmente, além de colaborar com a auto-avaliação e poder ser incluído no portfolio. No Brasil, podemos destacar os trabalhos de Miccoli (1987), Riolfi (1991) e Szenezi (1991) com diários dialogados, cujos resultados apontam o desenvolvimento da competência lingüística proporcionada pelo uso da língua fluentemente, dentro de um contexto, bem como o pensamento crítico do aprendiz em relação a seu papel como escritor. 1.3 A Teoria Atribucional Toda aprendizagem pressupõe algum tipo de motivação e, no que diz respeito à motivação, para aprender conteúdos curriculares, um número de medidas educacionais são necessárias, desde a escolha dos conteúdos às formas de avaliação (BZUNECK, 2001). Segundo Martini e Boruchovitch (2001), a motivação para a aprendizagem sofre forte influência da interpretação feita pelos próprios alunos sobre as causas de seu sucesso ou fracasso. De acordo com a teoria atribucional de Weiner (1985), essas interpretações são denominadas atribuições de causalidade. Dentre as causas identificadas por alunos para explicar o fracasso em tarefas acadêmicas são destacadas por Weiner (1985) as seguintes: inteligência/capacidade, esforço, dificuldade na tarefa, sorte, influência do professor, influência de outras pessoas, temperamento e cansaço. Segundo a classificação de Weiner (1985), as causas são divididas de acordo com suas propriedades básicas denominadas dimensões de causalidade que são as seguintes: localização (causa interna ou externa), controlabilidade (controlável ou incontrolável) e estabilidade (estável ou instável). Dessa forma, causas como inteligência/capacidade são comumente classificadas como causa interna, incontrolável e estável; esforço como uma causa interna, controlável e instável; dificuldade da tarefa e sorte como causas externas, incontroláveis e instáveis. 5 Segundo Martini e Boruchovitch (2001) ressaltam que, no que diz respeito à dimensão de controlabilidade, se um resultado é interpretado pelo aluno como estável há a expectativa de que aconteçam resultados similares em tarefas semelhantes. Porém, se for instável os mesmo resultados não são esperados no futuro. Quanto à localização, se o sucesso do aluno for atribuído a uma causa interna, poderá influenciar as reações emocionais do aluno positivamente. Entretanto, o mesmo não acontecerá se o fracasso tiver a atribuição de uma causa interna. Assim, a interpretação feita pelos alunos sobre as causas de seu sucesso ou fracasso exerce uma forte influência na motivação para a aprendizagem. A promoção da reflexão, através da autoavaliação e de outras formas de avaliação alternativa, pode conduzi-los a uma tomada de consciência a respeito do papel que têm no processo ensino/aprendizagem. Foram explicitados os conceitos chaves que fundamentam este estudo. São eles os termos: abordagem centrada no aprendiz, avaliação alternativa e a teoria atribucional. Essa base teórica é o ponto de partida para a análise e a discussão dos dados deste estudo. 2. Metodologia Quanto à metodologia, este estudo se caracteriza como uma pesquisa-ação, que é um método de pesquisa de base antropológica, caracterizado por Allwright e Bailey (1991) como participante, auto-reflexiva e colaborativa, que envolve ação e observação com o objetivo de solucionar um problema ou mudar uma situação. Segundo Crookes (1993), o termo pesquisa-ação implica o envolvimento dos professores na atividade de pesquisa, porém o mais importante é que as perguntas de pesquisa surgem dos próprios problemas e interesses do professor. Nunan (1993) ressalta que a pesquisa-ação consiste em três elementos básicos que a qualificam como pesquisa: a pergunta, os dados e a análise, e a interpretação dos dados. Porém, o autor afirma que o que a distingue dos outros métodos de pesquisa é o fato de incorporar um elemento de intervenção e mudança. Da mesma forma, Thiollent (2002, p. 14) adota uma definição que considera essencial a ação em busca de uma solução por parte das pessoas ou grupos envolvidos no problema sob observação: “Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. 6 A opção por esse método de pesquisa se deu pela necessidade de analisar o meu próprio trabalho, buscando resultados aplicáveis a situações do contexto da sala de aula e, dessa forma, aproximando teoria e prática. 3. Coleta e Análise dos dados Esta pesquisa foi realizada em uma escola municipal de Goiânia5 situada em um bairro da periferia da cidade. A clientela atendida pela escola é composta por alunos residentes no bairro e em bairros vizinhos. No turno matutino6, no qual trabalho, funcionam oito turmas do ciclo III, compostas com aproximadamente 40 alunos, assim distribuídos: 03 classes da 1a etapa, 03 classes da 2a etapa e 2 classes da 3a etapa. No turno matutino, existem também turmas do ciclo I e, no turno vespertino, turmas de ciclo I e II. Os dados foram coletados em uma turma da primeira etapa do Ciclo III. Essa turma era composta por 37 alunos, e todos participaram da pesquisa. Porém, como o volume de material era muito grande optamos por analisar os dados apenas dos alunos que haviam participado de todas as etapas da pesquisa. Assim sendo, participaram deste estudo 15 alunos, e para preservar suas identidades solicitamos que escolhessem pseudônimos. A coleta dos dados ocorreu no período de agosto a dezembro de 2002 e utilizamos os seguintes instrumentos: entrevistas, grammar quiz, ficha de auto-avaliação, portfólio, diários dos alunos e notas de campos (ver anexo). Para a análise, optei pelo tratamento qualitativo, visto que a maior parte dos dados é proveniente de respostas a perguntas abertas ou comentários e reflexões espontâneas por parte dos alunos, porém, com alguns dados quantitativos relevantes para as respostas às perguntas de pesquisa. A seguir, descreveremos o procedimento de análise de cada um dos instrumentos de coleta de dados citados. 3.1 Entrevista As entrevistas7 com os alunos foram gravadas em áudio, na própria escola, após a organização do primeiro portfólio. Os alunos foram voluntários para as entrevistas perfazendo um 5 Na rede municipal de ensino de Goiânia, os Ciclos de Formação são organizados em três (Ciclo I, Ciclo II e Ciclo III) com 03 agrupamentos cada. 6 Dados referentes ao ano de 2002 em que foi realizada a pesquisa. 7 Ainda que tentando manter a coloquialidade das falas, as entrevistas são transcritas de acordo com a norma culta da língua escrita. 7 total de 15 dos 37 da turma. Buscamos através da entrevista traçar um diagnóstico dos alunos em relação à sua opinião quanto à proposta de aprovação automática e de que maneira este processo afetou sua atuação em sala de aula. Perguntamos: Entrevista-Pergunta 2: O que você acha da aprovação automática? De não ser reprovado? Os resultados nos mostraram que 60% dos alunos consideram a aprovação automática positiva, 20% negativa e 20% parcialmente positiva e parcialmente negativa. Vejamos a seguir o depoimento resultante da entrevista: Ivan: Uái... bom... porque reprovar é um ano a menos, né? Daí vai ter que repetir tudo de novo. A visão negativa sobre a reprovação fica evidente na declaração do aluno Ivan. Isso ocorre porque, na maioria das vezes, a escola não oferece uma alternativa para o aluno que reprova, fazendo-o repetir a experiência na qual fracassou. Isso fica claro quando o aluno se refere à reprovação como um ano a menos. Nesse contexto, a aprovação automática retira a ameaça da reprovação e possibilita o aluno ir a diante. No depoimento abaixo, a aluna demonstra alívio proporcionado pela aprovação automática, visto que o medo de ser reprovado, às vezes, pode ser responsável pelo fracasso nos testes escritos. Um outro aspecto é a possibilidade de mais tempo para aprender o conteúdo. Patrícia Eu acho bom, né? Porque tem alguns alunos que não sabem, né? Aí eles vão ter 2... 3... anos pra aprender. No comentário a seguir, a aluna ressalta o lado negativo da prática da aprovação automática, enfatizando também o desestímulo ao esforço que ela pode significar para alguns alunos: Cristina: Eu acho que às vezes é ruim... porque tem aluno que é ruim... aqui mesmo na sala tem o (nome do aluno) que é ruim e ele vai passar só por passar, porque não pode reprovar, mas ele tinha que bombar porque ele não sabe nada... Fica evidente a consciência que alguns alunos têm de que a aprovação automática pode mascarar a realidade da aprendizagem através de resultados falsos, pois percebem as dificuldades que os colegas têm e que não serão sanadas, assim como o desinteresse. A seguir temos o depoimento de um aluno que considera a aprovação automática parcialmente positiva e parcialmente negativa: 8 Ricardo: Por um lado é bom e por outro é ruim. É bom porque a gente não bomba... aí a gente gosta, né? Só que a gente vai pra outra série e não dá conta da outra série. Como vimos, a aprovação automática trouxe esse conflito para os alunos tendo, de um lado, o alívio pela ausência de reprovação e, de outro, a possibilidade de seguir para etapa posterior e esse conflito exerce influência na atitude dos alunos em relação ao envolvimento nas atividades. Assim, buscamos diagnosticar através da entrevista como esta proposta havia afetado a atuação dos alunos em sala de aula. Perguntamos: Entrevista-Pergunta 3: Isso mudou alguma coisa para você?Na maneira de estudar, de se comportar na aula? Verificamos que 45% dos alunos afirmaram que não e 55% afirmaram que sim. A aprovação e a reprovação sempre tiveram um caráter de prêmio ou castigo, associadas ao esforço empregado pelos alunos nas atividades durante o ano escolar. Vejamos os recortes a seguir: Sandro: Mudou, porque eu acho que eu não vou reprovar. Eu sei que eu não vou reprovar... aí tem vez que eu estudo...tem vez que eu não estudo... Ricardo: Pra mim não mudou não, professora. Nadinha... eu estudo do mesmo jeito...nunca deixei de estudar como eu estudava. O exemplo do aluno Sandro ilustra a minha preocupação em relação ao envolvimento e motivação dos alunos após a implantação desta proposta já que, revela que a eliminação da reprovação provocou mudanças em sua atitude, pois, se antes ele estudava para não ser reprovado, agora não tem mais essa necessidade, e ele estuda quando quer, não existem pressões externas que possam influenciar sua decisão. Já Ricardo afirma não ter mudado de atitude em relação aos seus estudos por causa da aprovação automática no ciclo. Essas opiniões ilustram o perfil dos alunos quando a pesquisa começou a ser realizada, revelando preocupação por parte de uns e alívio por parte de outros. 3.2 Grammar Quiz Esta atividade constava de situações descritas em português para que os alunos respondessem em inglês. O principal objetivo desta atividade foi coletar informações a respeito das habilidades dos alunos nos itens estudados em cada período e auxiliá-los na auto-avaliação. Essas informações foram analisadas buscando verificar se havia coincidências entre as produções dos 9 alunos e a auto-avaliação. Os dados obtidos acerca das habilidades dos alunos contribuíram para o planejamento das aulas. Foram duas atividades de Grammar Quiz, uma em setembro e a outra em dezembro. 3.3 Ficha de auto-avaliação No mesmo dia da atividade Grammar Quiz os alunos completaram a ficha de auto- avaliação. As fichas foram elaboradas com base nos itens do Grammar Quiz. Os alunos avaliaram os itens propostos seguindo os critérios: Bom, Regular e Preciso Melhorar. O procedimento para a análise das fichas de auto-avaliação foi o mesmo utilizado na análise dos diários. Buscamos identificar até que ponto as avaliações dos alunos estavam compatíveis com as reflexões presentes nos diários. Comparamos as auto-avaliações com as atividades Grammar Quiz para validar os resultados das mesmas (BAILEY, 1998). Através das respostas aos questionários pudemos verificar informações não obtidas por meio dos outros instrumentos de coleta. Analisamos as fichas dos 15 alunos, somando um total de 75 itens avaliados e os resultados nos mostram que no Primeiro Grammar Quiz o total de acertos foi 23 já no Segundo Grammar Quiz 45. Confrontando os resultados do Primeiro Grammar Quiz com os resultados da ficha de auto-avaliação feita pelos alunos, verificamos que a atribuição dos critérios: Bom, Regular e Preciso Melhorar se deu de maneira equilibrada, sendo que o primeiro critério foi mencionado 25 vezes, o segundo 26 e o terceiro 24. Esses dados revelam que os alunos não superestimaram suas capacidades, atribuindo apenas o critério Bom, nem tão pouco as subestimaram com o critério Preciso Melhorar. No que se refere à coerência entre o que produziram e como avaliaram sua produção, percebemos pelos dados, que os alunos realizaram esta atividade de forma consciente, pois a avaliação dos alunos se aproximou da avaliação da professora, sendo que 40 itens de um total de 75 foram avaliados de forma semelhante por ambos. Conforme dito anteriormente, o número de acertos no Segundo Grammar Quiz foi 45, e ao confrontarmos os resultados com os da segunda auto-avaliação verificamos que os alunos estão mais positivos com relação ao seu desempenho, pois o critério Bom foi atribuído 51 vezes, já o Preciso Melhorar apenas 10. Outro aspecto revelado pelos dados diz respeito à avaliação da professora confrontada com a dos alunos e que apontam que a quantidade de itens avaliados com os mesmos critérios pela professora e pelos alunos é superior ao da primeira auto-avaliação. 10 3.4 Portfólio Um outro instrumento de coleta de dados foi o portfólio. Os alunos guardaram as atividades feitas em sala de aula durante o período de dois meses, posteriormente selecionaram as atividades para ilustrar seu crescimento como aprendiz. Foram dois portfólios, um no final de setembro e outro no final de dezembro, e em cada período foram desenvolvidas seis atividades. O principal objetivo do portfólio foi promover o envolvimento dos alunos nas atividades de sala a partir da auto-avaliação dos trabalhos desenvolvidos. Analisamos os dados dos portfolios quantitativamente na medida em que refletiam no desempenho qualitativo dos alunos a partir das reflexões dos mesmos. Observamos mudanças no envolvimento dos alunos nas atividades em sala de aula. No segundo portfólio três alunos apresentaram um número inferior de atividades, comparando como o primeiro portfólio, e três mantiveram o mesmo número de atividades no segundo portfólio. Os demais apresentaram melhora quantitativa, como foi o caso da aluna Diana, que não teve atividades para apresentar no primeiro portfólio, visto que ela não tinha desenvolvido nenhuma tarefa, e, no segundo apresentou todas as atividades realizadas no período. Essa melhora qualitativa resultou também uma melhora qualitativa, pois, conforme dito anteriormente, os alunos deveriam selecionar as atividades que simbolizassem o desempenho deles. A quantidade de itens selecionados para o segundo portfólio revela que a qualidade de tais trabalhos, na avaliação dos próprios alunos, está superior às selecionadas para o primeiro. 3.5 Diários Os diários foram utilizados com o objetivo de obter informações a respeito das reflexões, opiniões e sentimentos relativos ao processo de ensino/aprendizagem. Analisei as reflexões dos alunos em busca de evidências a respeito das dificuldades de aprendizagem percebidas por eles, bem como as estratégias de aprendizagem utilizadas. Além disso, as críticas dos alunos a respeito das aulas motivaram mudanças ao longo do processo. Na avaliação feita pelos alunos no questionário da segunda auto-avaliação constatamos alguns elementos comuns em seus relatos em relação aos benefícios do uso dos diários, sendo essa atividade recebida de forma positiva por parte dos alunos. Dentre os pontos positivos deste procedimento foi possível destacar três mais citados: promoção da interação, críticas e opiniões sobre as aulas, e reflexões sobre atitudes enquanto aluno. 11 Exemplos: Cristina: Hoje na aula de inglês eu gostei de ter aprendido as partes do corpo, mas em casa vou estudar mais um pouco, porque não consegui aprender tudo rápido, então estudarei mais um pouco. (Diário 03/09/2002) Diana: Alguns alunos conversam muito e também atrapalham quem quer fazer, eu acho que eu converso porque as minhas colegas tiram a minha atenção, mas eu também sou errada. (Diário 17/09/2002) Hugo: Hoje eu pude me avaliar. Eu até achei bom, mas eu prefiro a professora dando nota. (Diário 08/10/2002) Pelos depoimentos percebemos que, através dos diários, os alunos refletiam não só a respeito de pontos positivos como fazer a tarefa, mas também sobre não fazer as tarefas e as conversas durante as aulas. Pela declaração de Hugo percebemos que alguns alunos convivem com as influências de um ensino mais tradicional, que tem o professor como autoridade máxima e deve controlar os alunos em sala de aula em todos os aspectos. Este fato nos faz refletir se o sistema de ciclos promoveu mudanças nos papéis tradicionais na escola, como, por exemplo, a interação aluno/professor. Barcelos8 (1995) salienta a existência de uma crença pelos alunos de que o bom professor é aquele que impõe e cobra disciplina. Com base nestes dados e nas notas de campo, respondemos às perguntas de pesquisa que são apresentadas no item a seguir. 4. Resposta às perguntas de pesquisa Conforme foi apresentado na introdução deste artigo, o objetivo deste estudo foi analisar as influências da auto-avaliação na participação e no envolvimento dos alunos nas atividades de língua inglesa. Para tanto, traçamos algumas perguntas que buscamos responder, a partir da discussão dos resultados obtidos através da análise dos dados, que foi feita com base nas teorias apresentadas neste trabalho. Com relação à primeira pergunta, Há influências da auto-avaliação na atitude do aluno em relação a sua aprendizagem?, os resultados por nós obtidos revelam que a prática da auto-avaliação influenciou a atitude dos alunos, tanto no que se refere ao seu envolvimento no processo ensino8 Segundo Barcelos (1995), o conceito de crenças no ensino-aprendizagem de línguas está relacionado à cultura de aprender línguas e refere-se ao “conhecimento intuitivo implícito (ou explícito) dos aprendizes constituído de crenças, mitos, pressupostos culturais e idéias sobre como aprender línguas. Esse conhecimento compatível com sua idade e nível sócio-econômico é baseado na sua experiência educacional anterior, leituras prévias e contatos com pessoas influentes”. (p.40) 12 aprendizagem, como nos mostrou o resultado dos portfólios através do número de atividades, quanto ao seu desempenho nos conteúdos curriculares, como vimos no número de acertos obtidos pelos alunos com as atividades do Grammar Quiz e da ficha de auto-avaliação. A confiabilidade da avaliação feita pelo aluno é questionada em dois aspectos principais (BAILY, 1998; TUDOR, 2001). O primeiro diz respeito à capacidade do aprendiz em julgar suas habilidades lingüísticas, e o segundo a aspectos culturais que podem levar os alunos a se autoavaliarem de forma extrema, ou seja, muito positivamente ou muito negativamente. Este fato motivou a segunda pergunta, O resultado da avaliação feita pelo aluno pode ser considerado confiável? E, ao analisarmos os resultados obtidos nas atividades de auto-avaliação, percebemos que a avaliação feita pelos alunos não evidenciou superestima ou subestima de suas capacidades, e a coerência entre a avaliação feita pelos alunos e pela professora também é evidência da capacidade dos alunos para realizarem a auto-avaliação de forma coerente. Entretanto, percebemos a necessidade de uma outra etapa nesse processo da auto-avaliação para que o professor e o aluno possam conversar a respeito de resultados não semelhantes. Finalmente, respondemos de forma afirmativa à terceira pergunta, A avaliação feita pelo aluno pode influenciar a prática pedagógica do professor? Em caso afirmativo, de que maneira?, pois através das notas de campos e das reflexões dos alunos pudemos identificar as dificuldades dos alunos nos conteúdos e com isso dar um direcionamento mais significativo às aulas no sentido de sanar tais dificuldades. Considerações Finais A realização desta investigação teve como motivação a busca por uma alternativa de avaliação condizente com a proposta dos Ciclos de Formação. Os resultados obtidos com alunos de uma escola que adota tal proposta nos revelaram que a auto-avaliação pode promover o envolvimento dos alunos e influenciar seu desempenho na matéria. Entretanto, é importante ressaltar que tal fato ocorreu, em grande parte, devido à promoção da reflexão, assim sendo, a preparação dos alunos para a auto-avaliação é indispensável para a realização de tal tarefa. Acreditamos que nosso estudo trouxe esclarecimentos a respeito da auto-avaliação no que diz respeito ao contexto de realização, pois percebemos na bibliografia consultada que pesquisas utilizando a auto-avaliação são comuns em instituições de ensino superior (NEVES, 2002; RIOLFI, 1991) ou em cursos de idiomas (LOPES, 2002; FIDALGO, 2003), o mesmo não acontecendo em escolas públicas de ensino fundamental, assim como acreditamos na sua relevância para professores 13 e educadores interessados na qualidade do ensino público e sensíveis às dificuldades de concretização do ensino de LE neste contexto. No decorrer da atividade de pesquisa, percebemos que as descobertas de algumas respostas, às vezes, nos conduzem a novas perguntas, principalmente quando buscamos transformações em nossa prática pedagógica. O ensino de línguas nas escolas públicas tem gerado muitos questionamentos por parte de professores e pesquisadores. O nosso estudo não teve a pretensão de responder a todas as perguntas existentes, mas esperamos poder contribuir para a realização de outras pesquisas sobre práticas avaliativas gerando novas perguntas sobre o tema. Referências Bibliográficas ALLWRIGHT, D.; BAILEY, K. M. Focus on the language classroom. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. BAILEY, K. M. Learning about Language Assessment, Monterey: Heinle & Heinle Publishers, 1998. BARCELOS, A. M. F. A cultura de aprender língua estrangeira (inglês) de aluno de Letras, 1995. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) – Unicamp, Campinas. BURKE, K. The meaninful School: how to assess authentic learning, 3rd ed. Illinois: Skylight, 1999. CROOKES, G. Action Reserch for Second Language Teachers: going beyond teacher research, Applied Linguistcs, v. 14, n. 2, p. 130-144, June, 1993. DOLL, J. Avaliação na Pós-modernidade. In: Paiva, M. da G. G; BRUGALLI, M. Avaliação: novas tendências, novos paradigmas. 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