Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 O discurso de Silas Malafaia na formação do empreendedor cristão1 Wesley Silva BANDEIRA2 RESUMO Um dos pastores que mais exerce influência no meio cristão nesses últimos anos no Brasil é o Pastor Silas Malafaia, com suas polêmicas sempre voltadas a convicções que expressam o imaginário de boa parte dos evangélicos tem sua influência garantida no cenário nacional, inclusive no meio político. O estudo do EI (Empreendedorismo Individual) até o presente momento tem sido abordado pelos estudiosos do trabalho como sendo a nova tendência do modo de produção econômico, existindo inúmeras discussões se isso vem ser positivo ou negativo para o trabalhador (HARVEY, 2006), porém, existe pouca referência da temática ao campo religioso. O fato é que o EI parece ser uma tendência no mundo do trabalho, a individualidade e emancipação parecem certas, sendo assim; não é difícil encontrar microempresas precárias, cujo único funcionário é o próprio empreendedor. Nosso objetivo nesse trabalho é procurar entender qual a relação do discurso de líderes religiosos com essa temática, e em especial a relação do discurso de Silas Malafaia no programa “Vitória em Cristo” para formação do EI. PALAVRAS-CHAVE: Silas Malafaia; Discurso; Empreendedorismo; Reestruturação Produtiva. Introdução Silas Malafaia nasceu em 14 de Setembro de 1958 3, estreou na TV em Maio de 1982, com o programa Renascer que ocupava somente 15 minutos na TV, alcançou destaque e visibilidade ao longo dos anos com o programa “Vitória em Cristo”, atualmente seu programa é dublado para mais de 200 países de língua Inglesa.4 1 Trabalho apresentado na VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesical (Eclesiocom), realizada em São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013. 2 Bolsista Capes/UMESP-SP - Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo 3 Site pesquisado; http://pt.wikipedia.org/wiki/Silas_Malafaia, pesquisado em 12/04/2013 às 9h02. 4 Site pesquisado; http://www.vitoriaemcristo.org/, pesquisado em 12/04/2013 às 13h14. 1 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 Em que ponto a contribuição de seu discurso seria relevante na formação dos empreendedores brasileiros, ou até que ponto a religiosidade cristã seria relevante para algum aspecto da vida humana? Não seria mais uma simples e infeliz coincidência de que a religiosidade de modo geral esteja de acordo com as transformações da sociedade do espetáculo? Pressupomos que não. A Fé tem mais que simples contribuições introspectivas aos homens, e mesmo que não seja único fator de transformação social é forte elemento colaborativo a essas transformações. Isso está em Weber na “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (2004), e continua tendo relevância em nossos dias. Ao olharmos para o atual capitalismo destacamos o elemento da “crise”, onde a mesma parece ter fortes ligações com as oscilações tendenciais do atual cristianismo que aflora na sociedade (MARTINO, 2003). Ela sempre foi um elemento do sistema capitalista, alguns diriam que é elemento estrutural do capital, que sem a constante crise não seria possível ordenação do sistema produtivo. A questão de crise e religiosidade se intensifica na década de 70 no Ocidente, havendo mudanças no modo produtivo onde as formas de acumulação continuam ocorrendo com simultânea mudança no campo da fé adaptando/transformando a sociedade e os meios de produção. Não é por acaso que a sociedade capitalista ao focar cada vez mais sua “sobrevivência” ao puro ato do consumo, é acompanhada pela religião no consumo de signos religiosos como dos elementos dados pela publicidade midiática. (CUNHA, 2007). A religiosidade não é somente elemento que adere a lógica do mercado, como também elemento contribuinte para os negócios (SOUZA, 1986; TRASFERETTI, 2007; LIMA, 2007), e é nessa perspectiva que o caso de Silas Malafaia será abordado nesse artigo, na perspectiva de constante contribuição de sua mensagem ao mundo “business”. Seria a religiosidade tão importante assim a ponto de fazer com que um elemento estrutural do modo produtivo tenha sucesso ou não? Ricardo Antunes (2002) vai dizer que essa reestruturação produtiva tem sucesso devido à apologia aos aparelhos ideológicos ao individualismo (ANTUNES, 2002, p. 48). 2 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 Embora a religião não seja o único meio pelo qual o culto ao subjetivismo propaga o individualismo, é elemento fundamental para isso, coexistindo aspectos publicitários e relações comerciais que também trabalham para esse fenômeno. Não se nega que sua importância para a incorporação dessa subjetividade seja relevante. Não ligamos o Pastor Silas Malafaia diretamente ao movimento neopentecostal, por vários motivos, o primeiro deles é que o mesmo é originário da Igreja Assembleia de Deus – igreja denominada de “pentecostal clássica” – e também pelo enfoque na forma de abordar a “prosperidade”; enquanto que a teologia da prosperidade é marcada propriamente pela “conquista do fiel pela fé aos bens de consumo”, atualmente o enfoque dos pastores midiáticos tem sido mais no desenvolvimento do “esforço individual” para saída de problemas financeiros, nesse caso o discurso de Malafaia é exemplar. Sua mensagem tem tanto sucesso como aceitação que tem sido apontado como um dos pastores midiáticos “mais lucrativos” desses últimos anos, chegando a vender “... 1 milhão de DVD’s e CD’s de pregação de conteúdo motivacional” (TRANSFERETTI & LIMA apud PEREIRA; LINHARES, 2006), e apontado pela revista Forbes como o terceiro pastor mais rico do Brasil com um patrimônio avaliado em US$ 150 milhões, argumentação contestada pelo religioso que segundo ele irá “ferrar” a revista na justiça americana por divulgação de notícias difamatórias e inverídicas5. 1. Silas Malafaia e a Sociedade do Espetáculo Partimos do pressuposto que o Pastor Silas Malafaia é um “guardião da ortodoxia bíblica” com metodologias que beiram ao “fundamentalismo”, é “conservador” em suas mensagens, como também um “pastor midiático”, exercendo influência no campo “social e político”. Entender a sociedade que possibilita esses acúmulos de definições em um único personagem é o ponto chave de nossa análise. Em mensagens ministradas em grandes eventos, pela TV e em literatura publicada, percebe-se um mix de “teologia pentecostal clássica” e “dicas de crescimento 5 Pesquisado em http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2013/01/silas-malafaia no dia 19/05/2013 às 9h13. 3 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 empresarial para o mercado de trabalho”, essa nova forma de “anunciar o evangelho” tem ganhado cada vez mais força com o passar dos anos em seu discurso. Sabendo que todos falam a partir de um lugar, onde o contexto histórico é o ponto fundamental para melhor compreensão do sujeito histórico, analisamos aqui seu caso, pois com ele não é diferente: O ano de sua inauguração na TV (1982) revela a tendência do processo econômico que ganharia forças no mundo ocidental, a começar pelo ganhador do prêmio Nobel de economia daquele ano; Dr. George J. Stigler, que visava compreender mais a fundo as consequências da regulamentação do Estado em relação às empresas.6 As transformações sociais não se limitam ao campo produtivo e econômico, sendo que momentos de constantes transformações culturais são também perceptíveis na década de 80, o crescimento tecnológico empregado em novas mídias, e a apropriação dessa ferramenta para divulgação de mensagens religiosas é um marco nesse processo (ASSMANN, 1986). No caso das religiões e as mídias, existe um momento de adequação por parte das Igrejas eletrônicas em aprendizado ao “fazer televisão”: preocupação com transmissão da mensagem religiosa (que tipo de mensagem religiosa transmitir?), adequação ao cenário televisivo: de que modo que esse último poderia ser feito sem a perda e superficialidade da primeira? Dilemas também enfrentados pelo líder religioso aqui analisado. O cenário político do Brasil enquanto sua estréia também é relevante, o Brasil enfrentava o fim da ditadura militar, e, portanto momentos de incertezas. A censura resultante do AI-5 chegava ao fim em 19787, deixando marcas profundas na consciência dos brasileiros, devido sua truculência e violência contra a democracia. Não a registros de que isso tenha afetado sua maneira de pregar, talvez por sua “coragem” ou interesses que não se ligavam ao campo político, e, portanto não causava ameaças aos rumos do país. Caso sua posição fosse de “protesto” seria logo abafado, 6 Pesquisado em Library of Economics and Liberty; http://www.econlib.org/library/Enc/bios/Stigler.html às 08:28 do dia 30/04/2013. 7 Oficialmente a ditadura militar no Brasil durou de abril de 1964 a maro de 1985, dentre esse período vários Atos Institucionais foram impostos, dentre os quais o mais perverso ao direito de expressão foi do de número 5, (19681978), o famoso AI-5 dava plenos poderes ao Presidente da Republica, o que legitimava ações de truculência contra o direito de expressão. 4 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 tanto por inviabilidade de marketing quanto por pouca força política. Isso mostra que suas causas são defendidas sempre na existência de uma força social que legitime seu discurso. Ele aparece de maneira modesta na TV acompanhando essas mudanças econômicas, preocupado inicialmente mais com a “pregação do evangelho” que se envolver com as crises sociais. Nos primeiros anos de sua história na TV percebe mensagens ligadas mais a espiritualidade e combates à heresias dentro da igreja, nada que passe os portões eclesiásticos para a vida cotidiana. É com o “passar dos anos”, “crescimento no ibope”, “aquisição de credibilidade”, e “percepção do poder midiático”, que começa haver em seu discurso maiores opiniões pessoais com relação à vida secular, que não somente assuntos ligados ao sagrado. São mais de 30 anos ininterruptos na TV (o que mostra sua facilidade em lidar com tendências da cultura midiática), sempre defendendo de maneira polêmica suas convicções, agradando seu público e desagradando outros. Essa constante adaptação às mudanças das mídias não é para qualquer um, enquanto outros pastores midiáticos ficaram pelo caminho, Silas Malafaia segue com bastante fôlego. Não faltam versículos bíblicos em sua memória para “vencer” qualquer discussão sobre qualquer assunto. Talvez seja essa a característica mais relevante de sua popularidade, em dar voz àqueles que comungam com suas ideias, mas não tem como dizer por não terem acesso a grande mídia. Esse público assiste suas pregações, compra seus livros e DVD’s, animam-se quando ele aparece na TV debatendo com Padres, Políticos ou Travestis, se posicionam contra o Pastor quando esse afirma algo que está fora de suas experiências religiosas, mas de maneira geral “lhe aplaudem por dizer o que pensa, e lhe critica quando diz sem pensar”. Essa relação de dialogo de seu público à sua mensagem nos causa curiosidades na compreensão dos códigos de linguagem decodificada pelo telespectador. Michel de Certeau (2002) contribui muito a nossa reflexão, nos fazendo atentar para existência de uma rede de significados quase imperceptíveis na sociedade, que são as “táticas dos fracos” onde a interpretação de que a organização da vida vinda 5 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 de cima para baixo, e a dominação ideológica dos fortes sobre o mais fraco, na vida cotidiana não ocorre sem uma ressignificação social. O pensamento de que a mídia é sempre controlada por uma pequena elite deve ser pensada na perspectiva de que os “consumidores” desses bens simbólicos são também seres ativos que dão significado a sua existência, dialogando sempre com os códigos simbólicos, transformando-os em outras coisas. Como diz Certeau; “Essas ‘maneiras de fazer’ constituem as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural.” (CERTEAU, 2002, p. 41). Existe sim uma produção de significados simbólicos dados pelos “poderosos”, mas a utilização dessa produção simbólica no cotidiano adquire outra forma de ser, que não necessariamente aquela que fora projetada outrora pelos “fortes”. (CERTEAU, 2002, p. 96) Esse modo de ser do “homem comum” nos faz pensar até que ponto a mensagem religiosa defendida por Silas Malafaia de fato representa toda a massa evangélica – como ele afirma – e nos faz atentar também que; na vida cotidiana até que ponto é possível que os sujeitos aceitem a mensagem do líder religioso, e como ocorre essa ressignificação do conteúdo de sua mensagem? Considerando, portanto essa ressignificação, (e aqui já penso no modelo “encoding and decoding” de Stuart Hall), pressupomos que em certo momento esse líder religioso tem conseguido transmitir sua mensagem se fazendo entendido, não somente pela massa evangélica, mas também por àqueles que não professam uma fé, mas aceita parte de seu discurso, o que mostra sua habilidade de tocar o foro íntimo dos sujeitos que consomem seu produto. Uma figura imponente e decidida que defende valores ortodoxos baseadas em um livro sagrado acaba se tornando porto seguro em uma sociedade líquida como a contemporânea. Ele se apresenta como pai, que diz “não” para o bem, alguém em quem “confiar”, pois o mesmo tem “credibilidade” ao falar ante uma sociedade em constante transformação. Pressupondo então que seu estereótipo de pregador televisivo está de acordo com uma sociedade do espetáculo, e considerando as várias formas de recepção dos 6 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 códigos simbólicos, percebemos que os pontos tocados por ele com relação ao proceder diante da economia, ganham também as mesmas proporções. Essa junção de um pensamento evangélico ligado ao mercado ganha proporções mais sérias quando analisado pelo que o Professor Jung Mo Sung chama de Deus mercado, pois em questões religiosas a secularização deixa de ser a maior tendência para ser a idolatria, que segundo o pensamento de Jung é uma idolatria voltada ao “mercado”. E como abordamos no início, o discurso de Malafaia contribui para formação do Empreendedor Individual, antes, portanto, de fazermos considerações mais pontuadas sobre essa afirmação, analisemos agora em rápida síntese o mundo do trabalho que apresenta o EI como tendência. 2. Empreendedorismo como Tendência no Mundo do Trabalho Para afirmar que o discurso de Silas Malafaia contribui para formação do empreendedor, deve-se olhar atentamente ao desenvolvimento econômico de produção, para detectar tendências no mundo do trabalho. Para isso, atentarmos à década de 70 e é a partir desse momento que transformações começam a ocorrer no mundo capitalista que invariavelmente influencia a economia brasileira como também a religiosidade que será manifestada no país. Falando estritamente em questões econômicas temos que atentar para o fato de que; o modo de produção ocidental baseava-se no Fordismo, não por acaso o método empregado traz o nome de uma empresa automobilística, pois foi nesse setor que os métodos de Taylor (1856-1915) foi empregado em 1914 por Henry Ford (1863-1947) de modo tão eficiente que foi copiado pelos outros diversos setores de produção (HARVEY, 1992). Dentre as inúmeras características desse modo de produção temos (I) Indústrias com alta racionalidade produtiva, (II) Produção em Massa, (III) Enfoque no consumo em massa, (IV) Esteira no setor produtivo, (V) Divisão do trabalho, dentre outros elementos que mostram a utilização de um modelo de produção conhecida como Fordismo. 7 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 Essa forma de produção durou com maior eficiência desde o fim do pós-guerra até a década de 70, Hobsbawm chamou esse período de “décadas douradas” (HOBSBAWM, 1995). Alguns elementos ocorrem com na economia e na sociedade para que essa forma de produção entre em crise. Entre os muitos fatores que contribuíram para a crise do Fordismo, encontra-se a crise do petróleo, ocasionada pelo embargo econômico dos Países membros da Organização dos Exportadores de Petróleo (OPEP) e Golfo Pérsico para os Estados Unidos e países da Europa em1973, o crescimento ocidental entra em crise, resultando em uma forte recessão e consequentemente problemas sociais vêm à tona. A crise do método produtivo era consequentemente a crise do capitalismo, devido o fato de outra possibilidade econômica se estabelecer. Surge no Japão saída do capital ante as novas problemáticas, dentre essas saídas está o empreendedorismo e a busca por novos nichos de mercado, o Brasil se apresenta como amplo espaço para desenvolvimento de uma economia que pouca atenção tinha dado a esse país – denominado pelos entendidos de país de terceiro mundo. O Toyotismo - também conhecido como “Acumulação flexível” - se torna o modo hegemônico de produção nas décadas posteriores, não rompendo com o capitalismo, mas transformando-o, e readequando novos valores e exigências, ou seja, aparece no cenário político e econômico a teoria de Taiichi Ohno (1912-1990) da empresa Toyota no Japão que com seu método Just-in-time flexibiliza os meios de produção, resultando maior eficiência na produtividade como também no consumo, onde o “consumo determina a produção”. Essa teoria vai ser disseminada pelo mundo, e com esse novo método de produção será possível fazer funcionar novamente a máquina econômica, que enfrenta crises a partir da década de 70 (ANTUNES, 2002). O Brasil acompanha essas transformações, e presenciando mudanças também em seu contexto social (isso é perceptível não somente no aspecto financeiro, mas também no cultural), possibilita o surgimento de uma religiosidade bem específica, baseada na produtividade, no consumo e na valorização do individuo em oposição ao coletivo. Óbvio que se tratando de questões de reestruturação produtivas e econômicas não seja tão simples e sistemático assim as mudanças no mundo do trabalho, esses 8 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 elementos econômicos apontados aqui, são somente para mostrar que a voz desse pastor não está ecoando no vácuo, ao dizer que o fiel deve ter livre iniciativa com relação ao mercado. É esse discurso que veremos no próximo tópico. 3. O Discurso de Silas Malafaia na Formação do EI A diferenciação de Silas Malafaia para os discursos da teologia da prosperidade da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) na representação de seu líder Edir Macedo, é que a IURD claramente vem trabalhando com o mercado econômico e sua tendência a anos, em Malafaia isso não aparece tão claramente, pois sua preocupação inicial não é com esse setor e sim em defender seus pressupostos teológicos, mas não é difícil encontrarmos tendência do mercado econômico em seu discurso. Observa-se influencia da teologia da prosperidade nas Igrejas pentecostais clássicas (DA SILVA, 2012, 222), e mesmo que haja recusa dos pastores pentecostais em serem comparados à Igrejas neopentecostais, não é difícil perceber que há uma neopentecostalização dessas instituições, é possível perceber alterações do discurso de Malafaia que vai tendo cada vez mas proximidade com as igrejas de terceira onda pentecostal. Ele não somente assimila muito bem a tendência do sistema capitalista, como encontra respaldo bíblico para legitimação do sistema, orientando o fiel a como sobreviver na contemporaneidade não somente no mercado de trabalho como também no ato diário de consumo e vida familiar. É um processo de sacralização do mundo, onde os setores outrora concebidos como profanos, se tornam espaço da manifestação do sagrado (ELIADE, 1972). Não se trata de “intencionalidade maquiavélica” no discurso de qualquer pastor, mas sim um movimento mercadológico acompanhado por aqueles que têm vez e voz para dizer o que pensam sobre essas mudanças sociais, e tentativas de viver um evangelho que dê conta das demandas do “Deus-mercado” (JUNG, 2008). Embora seja ele um pastor de origens pentecostais, sua “performance” na TV diferencia-se muito do que os pentecostais estão acostumados a ver em suas igrejas, a entonação de voz, a organização da mensagem, o público na qual ele se dirige, não são 9 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 os mesmos encontrados em uma igreja pentecostal clássica, não é difícil ver até mesmo criticas do Pr. Malafaia a essa forma de ser pentecostal. Deixando de lado as questões plásticas, nos preocupando mais com o sentido do discurso, vemos que suas mensagens são endereçadas a um tipo específico de fiel, dentre as centenas de mensagens que o mesmo disponibiliza percebemos que os símbolos bíblicos são usados como exemplos para “ter vitória” diante das dificuldades apresentadas pelo mercado. Seu enfoque mais a uma espiritualidade racional que propriamente sentimental também é elemento básico de seu sucesso. Por exemplo, na mensagem “Vencendo o Leão, Urso e o Gigante” ministrada em Foz do Iguaçu8, o personagem bíblico Davi por vezes se mescla a um empreendedor que agindo com coragem, utilizando suas habilidades e sendo estratégico vence os elementos adversos que se opõem contra ele, podendo chegar ao sucesso que era ser Rei, e da mesma forma o fiel deveria usar esses princípios que Davi usou na sua vida cotidiana para conseguir a bênção. Segundo o próprio pastor Malafaia, sua preocupação não é com que as pessoas sejam emocionadas (como é característico dos pentecostais clássicos), mas sim que esse fiel tenha subsídios para enfrentar as problemáticas da segunda-feira, tanto no trabalho, como na família. Isso não é qualquer coisa, pois esse foco de mensagem é extremamente motivacional para não desistir diante dos problemas que a “vida” apresenta ao empreendedor e ao fiel em geral. Sua contribuição não está somente no caráter motivacional, como ocorrem com os grandes palestrantes e consultores empresariais, com as passagens bíblicas ele faz a transposição de cenário de uma vida rudimentar e arcaica como era no tempo bíblico, para um cenário de concorrência e modernização, como é típico de nossa atual sociedade. Sua mensagem fala a um tipo específico de fiel, o microempresário de classe média que busca a ascensão social, por isso seus conselhos sempre bem práticos. Percebe-se que essa forma de se fazer teologia não é endereçada a teólogos e clérigos, mas à massa que o houve toda semana a mais de trinta anos. 8 Pesquisado em: http://www.youtube.com/watch?v=Ewp-6KLEhSw&hd=1 em 05/08/2013 às 07:57 10 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 A visão que o Pr. Silas tem da bíblia fazendo esse mix de mensagens do mercado capitalista e mensagens da teologia clássica, tem como feed back indivíduos que afirmam ser essa sim a verdadeira interpretação correta da bíblia, e que as dicas para enfrentamento do mercado de trabalho é realmente o que Jesus ensinou, e que por uma sabedoria divina fora decodificada pelo Pr. Malafaia, como pelos outros líderes que compartilham da mesma lógica teológica ensinada por ele. Essa junção entre dicas empresariais e mensagens bíblicas tem sido usadas também por grandes palestrantes do mercado, autores que pouco ou nada tem a ver com a religião, é o caso dos consultores empresariais Luiz Kignel & René Werner, que trabalham exclusivamente com empresas familiares, no livro “...e Deus criou a empresa familiar” (2007), eles utilizam a mesma metodologia de análise que Silas Malafaia, usando textos bíblicos para falar sobre o mercado. A diferença entre esses dois empresários e o Pastor é que os empresários fundamentaram mais suas argumentações teológicas que o próprio pastor, e falam abertamente que seu texto é endereçado a empresários, suas preocupações em utilizar as mensagens bíblicas se da pelo fato de que o brasileiro tem como pressuposto cultural de que se os métodos funcionaram com os “homens de Deus”, pode funcionar também para ele. A literatura publicada por Malafaia ao longo dos anos tem um público alvo específico, não são estudiosos de teologia, nem tampouco possíveis conversos ao cristianismo, mas pessoas que confessam a fé cristã, ou mesmo que não vá a uma igreja exerce sua fé de alguma forma com os aparelhos midiáticos, atitudes que se tornam cada vez mais comuns entre os evangélicos. A editora “Central Gospel”, da qual ele também é presidente acompanhando a lógica do mercado cristão, apresenta inúmeros autores, dentre estes está o próprio Malafaia que geralmente publica “livros pequenos”, com mais ou menos 64 paginas, letras grandes e bem espaçadas – o que facilita a leitura do fiel que não gosta de ler – os capítulos são geralmente curtos e que podem ser lidos em qualquer lugar, esse formato tem a ver com o perfil de leitor que o mesmo quer alcançar. São empresários e trabalhadores que tem pouco tempo para leituras e que estão atrás de dicas práticas para seu sucesso pessoal, e que ao mesmo tempo esteja preocupada com questões religiosas. 11 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 Na literatura fica mais claro que a preocupação do autor é dar dicas para que o fiel exerça seu cotidiano de modo eficiente, como por exemplo, no livro “As marcas dos chamados por Deus” (2012), tem um subtítulo com o nome “Exemplos bíblicos de pessoas produtivas” ela está no capítulo 1º, “Deus chama pessoas bem-dispostas e produtivas”, somente pelo título e subtítulo pode se perceber que a preocupação é usar os personagens bíblicos para orientar o fiel no atual sistema de “forma produtiva”, o que o mesmo quer abordar é a atitude do herói bíblico, e não seu contexto histórico e social, como fariam os teólogos mais ortodoxos para entender o real motivo de suas ações. A tradução bíblica geralmente usada pelo Pr. Silas Malafaia é a NTLH (Nova Tradução da Linguagem de Hoje), que facilita grandemente a compreensão do leitor que geralmente não está familiarizado com a hermenêutica bíblica. Selecionamos algumas frases de seus livros que mostre sua preocupação com a contribuição que a bíblia pode dar ao empresário religioso: Ao atentarmos para o fato de que Elias encontrou Eliseu lavrando a terra com 12 juntas de bois quando foi chamá-lo para servi-lo, em obediência ao que Deus lhe ordenara (I Reis 19:16), concluiremos que a primeira característica das pessoas comissionadas pelo Senhor é a boa disposição para o trabalho e a produtividade. Você já viu na bíblia a história de alguém preguiçoso que tenha sido chamado pelo Altíssimo para realizar algo em nome dele? Claro que não [...]” (Grifo nosso) (MALAFAIA, 2012, p. 12) Segundo ele, a “boa disposição para o trabalho e a produtividade” é o fator pelo qual Eliseu foi chamado por Deus, fazendo aplicação dessas mensagens se vê que será chamado por Deus também aqueles que tiverem essa disposição, não basta somente utilizar o trabalho físico de maneira compulsória, a produtividade, o resultado desse trabalho conta tanto quanto a disponibilidade para o trabalho. Isso fica mais característico no exceto abaixo: A produtividade pessoal tem um significado mais amplo do que o mero esforço e a boa utilização do tempo. É claro que isso é importantíssimo para a produtividade pessoal, mas ser diligente e produtivo não se resume simplesmente a cumprir uma agenda de compromissos e executar uma lista de tarefa. Tem a ver também com eficiência e eficácia; com fazer algo bem, num tempo razoável, sem 12 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 desperdício ou prejuízo, atingindo todos os fins a que se propôs. [...] (MALAFAIA, 2012, p.12). Procurar no autor elementos onde o mesmo diz isso de forma clara não será possível, mas é nas entrelinhas dos discursos religiosos que se esconde a coexistência de uma mensagem dúbia, tanto para propagar suas convicções religiosas, como para ordenar um sistema capitalista que esteja de acordo com a livre iniciativa privada e ao sucesso financeiro, que segundo ele é o desejo de Deus para os homens. No discurso de Silas Malafaia essas características de união da atual tendência do mercado para com a sua mensagem está mais expressa quando ele defende os seguintes pontos analisados a seguir: 1. Incentivo a Livre Iniciativa (Empreendedorismo): não é difícil encontrarmos exemplos do Pastor Malafaia dizendo que o fiel não pode ficar de braços cruzados diante das adversidades da vida, sempre que na vida ocorrer alguma situação adversa, deve-se levantar e buscar novas saídas, essa ideia além de ser um forte elemento de autoajuda, incentiva o fiel a ser um empreendedor buscando no mercado novas saídas para seus problemas; 2. Disposição ao Trabalho e Produtividade: no atual mercado de trabalho, a ideia de trabalhador como Gorila domesticado como era no Fordismo já não existe mais, agora mais que trabalhador o fiel deve ser também produtivo, isso significa que sempre deve usar a criatividade e a racionalidade na operação do trabalho para alcançar maior produtividade. O que vai estar de acordo com nosso próximo tópico; 3. Utilização da Inteligência e Criatividade para o trabalho: como a tendência do mercado de trabalho contemporâneo são os “terceiros setores”9, a inteligência e criatividade são elementos que determinam a sobrevivência do empreendimento no mercado de trabalho, caso o fiel não empregue essa inteligência e criatividade em sua vida de trabalho pode acabar ficando pelo caminho; 4. Saber utilizar o tempo de modo produtivo: acompanhando a lógica ainda das empresas do terceiro setor, o tempo é fundamental para a competitividade, pois deixar o tempo e a oportunidade passar, pode ser o mesmo que deixar a benção de Deus escapar pelas mãos; 9 Terceiro Setor vem a ser empresas terceirizadas ou prestadoras de serviços que não são o fim em si mesmas, mas que trabalham em cooperação para a empresa mãe. 13 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 5. Disponibilidade ao aprendizado; Em um mundo de constante transformação aqueles que não se atualizarem constantemente ficaram para trás no alcance de novas condições de trabalho, por isso o constante incentivo do pastor para que os fieis estudem e se aperfeiçoem naquilo que fazem, pois tanto Deus quanto o mercado o recompensará. E por ultimo e não menos importante temos; 6. Superação das adversidades pela fé: A fé constitui não somente um elemento para receber a salvação da parte de Deus, mas também um subsídio para superação das adversidades, o que é típico de todo empreendedor. Considerações Finais O que podemos pressupor é que essas dicas de mercado, e busca constante pela livre iniciativa, não é algo que esteja fora da vivencia pessoal do pastor, ao analisar suas diversas dificuldades ao longo dos 30 anos para manter sua programação no ar, e constantes debates que poderiam ter derrotado qualquer outro, ele se manteve firme buscando sempre saídas criativas para se manter vivo no mercado. Malafaia crê no que afirma, isso não é ponto em cheque, a questão é que: sua crença, teologia e Igreja podem ser a legitimação inconsciente de “...uma sociedade baseada na dominação e na opressão” (SUNG, 2008, p. 72), pois esse estilo de vida por ele proposto, sacralizada técnicas perversas do capital, legitimando a exploração, onde grupos industriais reestruturam-se para continuar seu processo de acumulação. Estudos realizados pela Omint 10 mostram que são várias as doenças comuns a empreendedores, tais como Ansiedade, Insônia e Colesterol Alto, além de perdas irreparáveis de conquistas historicamente adquiridas pela filiação direta a uma grande empresa (FORRESTER, 1997). Não seria o caso de fazer novas propostas econômicas vendo um sistema que não produza vítimas, mas sim detectar a real natureza capitalista fazendo pensar a atual saída para o desemprego e para as dificuldades da vida de modo que seja pelo viés da vítima, e não na mostra de símbolos religiosos que são intocáveis, quando na verdade acompanham a lógica produtiva do sistema. 10 Órgão corporativo que foca na saúde dos empresários e executivos brasileiros. 14 Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013 REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? 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