Programas e políticas de saúde a favor do Aleitamento Materno (AM), uma breve revisão dos últimos vinte anos
Luciano Borges Santiago: Doutor em Pediatria, Professor Adjunto da Disciplina de Pediatria da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM) – Uberaba / MG. Presidente do Comitê de Aleitamento Materno da SMP. Membro do Comitê de Nutrição da SMP.
Os programas implantados no Brasil na década de oitenta foram embasados nas propostas da OMS/UNICEF (1980)1 e se apresentaram como: acompanhamento seqüencial no pré‐natal e formação de grupos de gestantes, alojamento conjunto, estímulo à amamentação nas maternidades, controle sucessivo do lactente,
divulgação na comunidade das vantagens do leite humano, treinamento de pessoal para atuar junto às mães, reformulação dos conceitos ensinados nos cursos de profissionalização, controle estatal das formas de
propaganda da indústria alimentícia, construção de creches e respeito às leis de proteção à nutriz. Em 1992 o MS elaborou e regulamentou a Norma Brasileira para a Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL), que seguindo o modelo internacional proposto pela OMS, vem combater as práticas não éticas de marketing de substitutos do leite materno, mamadeiras e chupetas (Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição‐INAN / MS, 1992)2. A rede IBFAN, que iniciou suas atividades no Brasil em 1983, contribuiu para a elaboração da NBCAL /1992 e vem trabalhando para aplicar a norma através da difusão da mesma entre os profissionais de saúde, capacitação de técnicos de vigilância sanitária e acompanhamento de práticas de mercadização. Foi também
colaboradora da OMS/UNICEF na criação do Código Internacional de Mercadização de substitutos do leite materno, criando o Centro Internacional de Documentação do Código (ICDC). Sokol (1999)3, assessora jurídica da rede IBFAN, apresentou em seu livro uma “lei modelo” para servir de instrumento aos governos na transformação do Código Internacional de Mercadização em legislação de modo a ser acompanhada e efetivada no plano nacional. Rea & Toma (2000)4 ressaltaram que somente leis são insuficientes para conter abusos e denunciaram práticas promocionais dos produtores de substitutos de leite materno ferindo a NBCAL, tendo como alvo principal os pediatras, que por vezes acabam enfrentando conflitos de interesses, indicando que a proteção do AM passa por políticas públicas que contemplem essas questões. A discussão ética deveria, segundo os mesmos autores, preceder ou no mínimo caminhar junto de qualquer elaboração e implementação de políticas neste sentido, tendo como exemplo a Associação Médica Americana, que estabeleceu regras com relação ao presenteio entre indústrias e médicos (Council on Ethical and Judicial Affairs, 1991). A WABA é uma ONG, que com o apoio do UNICEF e outras instituições, idealizou a Semana Mundial da Amamentação (SMAM), que é comemorada desde 1992 em cerca de 120 países, inclusive o Brasil, onde acontece o efetivo apoio, entre outros, do MS através do PNIAM / INAN, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, Sociedades de Classe (Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, Mastologia e Nutrição), Bancos de Leite
Humano, Hospitais Amigos da Criança, Grupos de Mães, outras ONG como o Grupo Origem, rede IBFAN, La Leche Internacional e Pastoral da Criança, segmentos da sociedade como a imprensa e algumas empresas, todos sensíveis ao resgate da cultura da amamentação. Os Bancos de Leite Humano surgiram no Brasil em 1943 no então Instituto Nacional de Puericultura, hoje Instituto Fernandes Figueira (IFF) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). O principal objetivo na época era coletar e distribuir leite humano para casos especiais como prematuridade e outros (Almeida, 1999)5. Atualmente o Brasil possui a maior rede de bancos de leite do mundo, sendo 151 unidades em 22 estados que beneficiaram, só no ano de 2000, mais de 80.000 crianças prematuras e de baixo peso, tendo sido coletados mais de 90 mil litros de leite humano, com aproximadamente 60.000 doadoras cadastradas no território nacional. O paradigma e os objetivos dos dias de hoje são: promover o AM, execução de atividades
de coleta, processamento e controle de qualidade de colostro, leite de transição e maduro, distribuindo o produto final sob prescrição médica ou de nutricionista (Novak et al., 2002)6. O teste alternativo para detecção de coliformes em leite humano ordenhado (Novak & Almeida, 2002)7 e a boa estruturação da rede
Nacional de Bancos de Leite Humano (RNBLH), colocou o Brasil em destaque internacional, lembrando que o
custo deste novo teste é 1/7 do valor do Teste do Número Mais Provável, considerado como “padrão‐ouro” (Giugliani, 2002)8.
Outro importante programa inovador que tem sido implantado em todo mundo é o método canguru ou Kangaroo Mother Care (baseado no contato “pele a pele” e sustentado na premissa de que todo neonato não poderia ser privado desta sensação de contato íntimo com sua mãe após o nascimento), usado em prematuros, para melhorar os índices de AM (Anderson, 1991)9. No Brasil a aceitabilidade do programa e sua eficácia foram avaliadas por Lima et al. (2000)10 na cidade de Recife (PE). Os autores recomendaram‐no para serviços com recursos limitados e como uma alternativa apropriada ao tratamento convencional, lembrando que a implementação do mesmo depende de treinamento da equipe de saúde, do apoio da instituição e de seguimento ambulatorial adequado. Em meio a todas essas transformações, no ano de 1996, já existiam no Brasil 64 hospitais com o título de Hospital Amigo da Criança (HAC), frutos da IHAC, que foi nacionalmente implantada em 1992 e coordenada pelo PNIAM (Lamounier, 1996)11. Para se tornarem HAC, os estabelecimentos precisam ser submetidos a avaliações, tendo como base o cumprimento de cada um dos “Dez Passos” para o sucesso do AM. Em 1998 já havia 103 HAC, sendo a maioria (68,1%) localizados no nordeste brasileiro (Lamounier, 1998)12, lembrando que esses hospitais têm remuneração diferenciada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), aumentando de forma considerável seus rendimentos com partos, consultas obstétricas e pediátricas de puericultura. A IHAC despertou interesse em todo o mundo, chegando até a República da China Popular, onde em 1997, membros de enfermagem de uma universidade local se esforçavam para implantar a iniciativa em uma maternidade no nordeste daquele país (Chamberlain, 1997)13, enquanto no sudeste da Pennsylvania (USA), Kovach (1997)14 detectou apenas 37 % dos hospitais locais com implantação plena dos dez passos para o sucesso do AM. Saadeh & Akre (1996)15 mostraram as bases científicas para os “Dez Passos” da IHAC à luz de experiências acumuladas em trabalhos e demonstraram a importância crucial destes princípios para o sucesso da instalação e manutenção do AM. Jones & Green (1993)16 referiram que a WHO e o UNICEF solicitaram o apoio das enfermeiras, que são reconhecidamente promotoras e advogadas da saúde intra‐hospitalar, para que haja uma facilitação na implementação da IHAC. Lamounier & Leão (1998)17 refletiram sobre as estratégias e experiências utilizadas para aumentar a prática do AME até o sexto mês de vida, reforçando a necessidade de se mobilizar toda a equipe de saúde para se obter resultados adequados. Vidal et al. (2001)18 testaram dois tipos de treinamentos para enfermeiras e médicos, sendo um grupo com acompanhamento de 5 dias intensivos e outro à distância, por 5 semanas com o mesmo manual, e não encontraram diferença nos resultados entre ambos, sugerindo que estes dois tipos de treinamentos, estão muito sujeitos aos interesses de quem os faz. Depois da estratégia IHAC, surgiu em 2001 uma proposta de “Centro de Saúde Amigo da Criança”, que consiste na mobilização de todos os trabalhadores de centros de saúde a fim de estabelecer rotinas e condutas visando prevenir o desmame precoce e desta forma tornando o local como referência em AM (Lana & Lamounier, 2001)19. Neste artigo foram propostos os “17 passos para o sucesso do AM no centro de
saúde” e foi admitido um programa chamado, por analogia, Iniciativa Centro de Saúde Amigo da Criança (ICSAC). Conforme descrito anteriormente, a SMAM, idealizada pela WABA e atualmente comemorada na primeira semana de outubro, é de grande importância na divulgação das vantagens e importância do AM. Em 1999, com o tema “Amamentar: educar para a vida”, a SMAM trouxe à discussão a necessidade de se incluir o AM como matéria de ensino em escolas, principalmente em Faculdades de Medicina, pois o médico generalista ou especialista (pediatra e ginecologista‐obstetra) influencia muito em como as mães devem alimentar seus filhos (Fidler & Costello, 1995)20. Desta forma, os médicos precisam de educação continuada sobre alimentação infantil, manejo do AM e uma grande atenção sobre práticas promocionais de companhias que trazem influências negativas ao AM. Nos últimos anos têm surgido muitas equipes multiprofissionais de apoio e incentivo à amamentação, como o GAMA (grupo de apoio materno à amamentação) do Hospital Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (HE‐FMTM) – Uberaba/MG, que é formado pelo médico pediatra, assistente social, enfermeira, psicóloga e odontóloga, que tem demonstrado altos índices de sucesso na manutenção do AME no primeiro semestre de vida (Santiago et al., 1997)21. Nestas equipes de AM, o pediatra tem importante função individual e na interação com outros profissionais (Lawrence & Howard, 2001)22, sendo que Lee et al. (2002)23 perceberam que as nutrizes ficavam mais satisfeitas e confiantes com os conselhos providos pelos pediatras do que por enfermeiras. O governo brasileiro vem adotando através do SUS e da Secretaria de Políticas de Saúde (Ministério da Saúde, 1999)24, medidas racionalizadoras e renovadoras como a descentralização da gestão e a estratégia de substituir um modelo centrado na assistência hospitalar em outro que tome como eixo a atenção primária à saúde da família (Programa de Saúde da Família ‐PSF), onde as ações preventivas de doenças e de promoção da saúde constituem ênfase principal. As equipes de PSF são compostas de um médico de família ou generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde (MS, 1997)25; embora excluam o pediatra deste processo, em um universo onde 40,1% da população é composta por crianças e adolescentes26, pressupõe‐se nesse modelo que o AM se constitua numa das prioridades de suas ações. Referências: 1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE / UNICEF. Reunião Conjunta OMS/UNICEF sobre alimentação de lactentes e crianças na primeira infância. Declaração, recomendações e relação dos participantes.Genebra: UNICEF, 1980. 2. INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO / MINISTÉRIO DA SAÚDE. Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes. Brasília,1998. Revista como Resolução do CNS / 31 / 92 de 12 /
10 / 1992. 3. SOKOL, E.J. Em defesa da amamentação. Manual para implementar o código Internacional de Mercadização de substitutos do leite materno. São Paulo, IBFAN Brasil, 1999. 284 p. 4. REA, M.F.; TOMA, T.S. Proteção do leite materno e ética. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.34, n.4, 2000. 5. ALMEIDA,J.A.G. Amamentação . Um híbrido natureza‐ cultura. Rio de Janeiro: FIOCRUZ,1999. p. 27‐28. 6. NOVAK, F.R.; ALMEIDA, J.A.G. Teste alternativo para detecção de coliformes em leite humano ordenhado. J.Pediatr,, v.78, n.3, p.193‐196, 2002. 7. NOVAK, F.R.; ALMEIDA, J.A.G.; SANTOS, M.J.S.; WANKE, B. Contaminação do leite humano ordenhado por fungos miceliais. J.Pediatr., v.78, n.3, p.197‐201, 2002. 8. GIUGLIANI, E.R.J. Rede Nacional de Bancos de Leite Humano do Brasil: tecnologia para exportar. J.Pediatr. Editorial. v.78, n.3 , p.183‐184, 2002. 9. ANDERSON, G.C. Current Knowledge about skin‐to‐skin (kangaroo) care for preterm infants. J. Perinatol. , v.11, p.215‐225, 1991. 10. LIMA, G.; QUINTERO‐ROMERO, S.; CATTANEO, A. Feasibility, acceptability and cost of kangaroo mother care in Recife, Brazil. Ann.Trop.Paediatr. , v.20, p.22‐26, 2000. 11. LAMOUNIER,J.A. Promoção e incentivo ao aleitamento materno: Iniciativa Hospital Amigo da Criança. J.Pediatr. ,,v.72, n.6, p.363‐367, 1996. 12. LAMOUNIER, J.A. Experience of the Baby Friendly Hospital initiative.Rev.Assoc.Med.Bras., v.44, n.4, p.319‐324, 1998. 13. CHAMBERLAIN,M. A Baby‐Friendly Hospital initiative in northern China. Nurs Ethics,v.4, n.6, p.511‐518, 1997. 14. KOVACH, A.C. Hospital breastfeeding policies in the Philadelphia area: a comparision with the ten steps to successful breastfeeding. Birth, v.24, n.1, p.41‐48, 1997. 15. SAADEH, R.; AKRE, J. Ten steps to successful breastfeeding: a summary of the rationale and scientific evidence. Birth, v.23, n.3 , p.154‐160, 1996. 16. JONES, F.; GREEN, M. Baby friendly care. Can Nurse, v.89, n.9, p.36‐39, 1993. 17. LAMOUNIER, J.A.; LEÃO, E. Estratégias para aumentar a prática da amamentação.J.Pediatr.. Editorial. Rio de Janeiro, v.74, n.5, p.355‐356, 1998. 18. VIDAL, S.A.; RONFANI, L.; MOTA SILVEIRA , S.da; MELLO, M.J.; SANTOS, E.R.dos; BUZZETTI, R.; CATTANEO,
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da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial. Brasília, 1997. 36 p. 26. IBGE. Censo Demográfico 2000: Primeiros Resultados da Amostra. Disponível em . Acesso em: 11 mar. 2003. 
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