O COOPERATIVISMO EDUCACIONAL DO ESTADO DE GOIÁS: ORIGENS E
CONTRADIÇÕES
Marcelo Augusto de Lacerda Borges – UFU/PPGED/GPTES
Resumo
Na sociogênese do cooperativismo como forma alternativa de produção ao capitalismo,
no século XIX, as cooperativas de trabalhadores dividiam aqueles que consideravam sua
potencialidade revolucionária, daqueles que depositavam em sua realização um caráter
reformista. No início do século XXI, o debate é ressignificado: as experiências socialistas
do modelo soviético sucumbiram, a perversidade da produção regida pelo capital
persevera, o operariado não superou revolucionariamente o modelo capitalista e a crise do
modelo salarial fordista trouxe na torrente dos acontecimentos, o enfraquecimento do
poder sindical, o desmantelamento dos direitos sociais e trabalhistas, a precarização do
trabalho e a elevação das taxas de desemprego. Nesse quadro histórico, emoldurado pela
lógica da reestruturação produtiva, o presente trabalho busca apresentar parcialmente o
resultado de pesquisa sobre as origens e contradições do cooperativismo educacional no
estado de Goiás, diante das transformações operadas pela ordem capitalista
contemporânea, ressaltando as interfaces entre o trabalho e a educação.
Palavras-chave: Cooperativismo; Reestruturação; Educação.
O COOPERATIVISMO EDUCACIONAL DO ESTADO DE GOIÁS: ORIGENS E
CONTRADIÇÕES
1. Introdução: a reestruturação produtiva e o cooperativismo.
Nos últimos anos têm tomado corpo inúmeras reflexões centradas nos impactos das
transformações provocadas pelo processo acelerado de reestruturação das forças
produtivas1. Na década de 80, grande parte da literatura produzida nos campos da
1
Em linhas gerais, o termo-conceito ―reestruturação das forças produtivas‖ foi utilizado para compreender,
a partir dos anos 70, as modificações técnico-produtivas nas economias capitalistas avançadas - com
consequências de ordem estrutural - que buscaram reorganizar as forças produtivas diante de um contexto
de alto custo social da produção capitalista. De acordo com Bihr (1998), esgota-se o regime de acumulação
do capital que havia servido de base material para o compromisso fordista e quatro fatores concorreriam
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sociologia do trabalho e demais campos que refletiam criticamente sobre o mundo do
trabalho, apontava-se um quadro histórico de ―rearticulação‖ das forças produtivas que
postulavam alterações estruturais no modo de produção capitalista. A crise mundial
iniciada nos anos 1970 e a inflexão neoliberal que se seguiu, a partir do início da década
seguinte, produziram alterações profundas no mundo do trabalho, elevando as taxas de
desemprego nos países centrais e periféricos, provocando mutações no mundo trabalho2 e
nas suas formas de resistência política. No campo dos movimentos sociais, ocorreu um
refluxo dos projetos socialistas e um enfraquecimento das formas de luta partidária e
sindical, como expressão da redução objetiva da classe operária tradicional,
desarticulando o complexo de conquistas de direitos sociais e trabalhistas que foram
acumulados historicamente no enfrentamento das lutas operárias, no século XX. Segundo
Harvey,
A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo,
evidentemente retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da
‗estagflação‘ e pôs em movimento um conjunto de processos que
solaparam o compromisso fordista. Em consequência, as décadas de 70
e 80 foram um conturbado período de reestruturação econômica e de
reajustamento social e político (2002, p.140).
De modo sucinto, as análises sobre os impactos no mundo do trabalho convergem
para as seguintes transformações provocadas pela ―reestruturação produtiva‖: 1)
substituição da lógica da produção massificada, altamente padronizada, pela lógica da
produção flexível, voltada às exigências do mercado; 2) tendência à focalização da
produção, o que redundaria na terceirização de partes do processo produtivo e na difusão
de empresas menores, ―artesanais‖; e 3) busca constante da melhoria do processo
produtivo por meio do incentivo ao saber operário como forma de ―envolvimento
subjetivo‖ da classe trabalhadora. Propondo-se a fazer uma crônica desse processo, Castel
(1998) enfatiza a ruptura que o fenômeno da reestruturação produtiva representou, a
partir da realidade francesa,
decisivamente: a diminuição dos ganhos de produtividade dos Estados Unidos até o Japão; a elevação da
composição orgânica do capital (relação entre a massa de trabalho morto e de trabalho vivo que este
mobiliza); a saturação da norma social de consumo (automóveis e eletrodomésticos) levando a contração
das vendas e o desenvolvimento do trabalho improdutivo (bancos, seguros comercialização etc.) limitando
a valorização de capitais.
2
Segundo Antunes: ―A década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas
transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de
representação sindical e política. Foram tão intensas as transformações, que se pode afirmar mesmo que a
classe que vive do trabalho sofreu a mais aguda crise deste século‖ (1999, p.8).
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a importância destruidora da precarização do trabalho, representada pela
iminente perda da hegemonia do trabalho por tempo indeterminado,
tendo em vista que os fluxos das contratações indicam atualmente que
por ano mais de 2/3 delas são feitas sob as formas ‗atípicas‘ de emprego
(1998, p. 514).
Na percepção de Harvey (2002) sobre tal dinâmica, por exemplo, o mercado de
trabalho, passou por uma radical transformação, os patrões tiraram proveito do
enfraquecimento do poder sindical e da extensa mão de obra excedente para impor
regimes de contrato flexíveis. Como efeito, a transformação do mundo do trabalho trouxe
novas formas de recrutamento e contratação, como as terceirizações, subcontratações e
incentivos dos modelos produtivos familiares, artesanais, modelos cooperativistas de
produção, representando uma forma alternativa de realocação da força de trabalho no
interior das modificações produzidas pela nova ordem produtiva. É nessa medida que a
reestruturação produtiva pode ser colocada aqui, diante do cooperativismo, quando
invoca novas contratualidades e novos arranjos da força de trabalho no cerne da lógica
social excludente da ordem do capital.
No período pós-45, o modelo de acumulação fordista já demonstrava
precocemente um rastro de conflitos estratégicos internos que foram agudizados no fim
da década de 60, pelos seguintes indicativos: a) a queda da taxa de lucro causada pelo
aumento do custo da força de trabalho – conquistada pelos ganhos salariais no período
pós-guerra – em especial na década de 60 pelas lutas em torno do controle social da
produção; b) o esgotamento do padrão acumulativo por conta da retração do consumo e a
necessidade de retomar as taxas de lucro na medida em que o custo social da produção
elevara-se no rol de garantias trabalhistas e sociais tecidas pelo keynesianismo. Desse
modo, o Estado de bem-estar social, até meados da década de 80 nos países de
capitalismo central, é suprimido pela retomada estratégica da ampliação do capital, onde
sua modalidade de fabricar políticas públicas e sociais abrangentes será questionada pelas
novas ações do capitalismo enxuto e flexível.
O eixo central dessa nova agenda político-social contemplava, entre outros
pontos: 1) a privatização do que havia sido mantido pelo controle estatal; 2) a redução
drástica e mesmo extinção do capital produtivo estatal; 3) o desenvolvimento de uma
legislação fortemente desregulamentadora das condições de trabalho e; 4) o
desmantelamento dos direitos trabalhistas e sociais conquistados ao longo da luta
operária no século XX. Nesse cenário, o final do século XX, principalmente a partir dos
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anos 70, é palco de uma nova retomada do movimento cooperativista. As transformações
tecnológicas com a introdução de máquinas e técnicas de gestão que poupam força de
trabalho, a flexibilização da produção associada ao desmonte de políticas sociais, fizeram
com que as cooperativas voltassem a ser vistas como alternativa ao desemprego. A
consequência mais negativa para o mundo do trabalho é dada pela destruição,
precarização e eliminação de postos de trabalho. Na assertiva de Mészáros, há,
[...] mais de 40 milhões de desempregados nos países industrialmente
mais desenvolvidos. Deste número, a Europa conta com mais de 20
milhões e a Alemanha — outrora elogiada por produzir o ―milagre
alemão‖ — ultrapassou a marca dos 5 milhões. Em um país como a
Índia — reverenciado pelos organismos econômicos tradicionais por
suas realizações na direção do desenvolvimento — há não menos do
que 336 milhões de pessoas desempregadas e outras milhões sob
condições inadequadas de trabalho, cujos dados não foram registrados.
(2002, p.49).
A diminuição dos postos de trabalho efetivos e estáveis não só está vinculada a
um processo mais amplo de precariedade, mas também à afirmação de atividades
flexibilizadas e intermitentes, em um contexto de reorganização das formas de
contratação que libera o potencial do excedente da mão de obra como nova modalidade
de acumulação, procurando deslocar os custos sociais da produção por meio de
subcontratações ou – aqui está o interesse específico da abordagem pretendida –
desviando os vínculos formais de trabalho para empresas autogestionárias (cooperativas)
com o intuito de baratear a produção, dando origem ao cooperativismo integrado à lógica
funcional do capital. Daí, a torrente de críticas que recaem sobre o cooperativismo como
ambiente propício à supressão dos direitos trabalhistas e esquematicamente formado no
âmbito dos interesses empresariais de reprodução do capital, configurando por estratégia
as cooperfraudes3 ou coopergatos.
2. A reemergência do cooperativismo no Brasil.
No conjunto heterogêneo da literatura dedicada às relações existentes entre a
empreitada neoliberal e a ressurgência do cooperativismo no Brasil, nas últimas décadas,
3
Segundo Lima, as cooperfraudes ou coopergatos, ―são cooperativas organizadas por empresas, ou por
sugestão destas, para rebaixamento de custos empresariais na gestão da força de trabalho, evitando
impostos e obrigações sociais. Essas cooperativas podem se constituir como empresas de intermediação na
contratação de força de trabalho ou serem organizadas para a terceirização da produção. Elas são
fraudulentas quando utilizam trabalhadores como cooperados sem se constituírem formalmente como
cooperativas‖ (2011, p. 88).
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sublinha-se com veemência a intimidade dos nexos entre o desemprego tecnológico e a
retomada substancial dos empreendimentos cooperativistas. Nesse conjunto, destacam-se
autores, tais como, Lima (2007), ao afirmar que a multiplicação das cooperativas resulta
do processo de reestruturação econômica, visando a redução dos custos empresariais;
Gaiger (2004), ao ressaltar que o cenário macroeconômico das últimas décadas criou a
redefinição do padrão de acumulação capitalista, engendrando novas formas de produção,
no caso, as cooperativas de trabalhadores; Santos (2002), no viés teórico de que na
ascensão do neoliberalismo, todo o mundo político, ativista e acadêmico tem recorrido à
tradição cooperativista; Pinto (2006), ao destacar que o crescimento progressivo do
desemprego estrutural sinalizou a busca de formas variadas de prover trabalho e renda;
Wellen (2012), ao descrever que grande parte dos empreendimentos cooperativistas
floresceram do contexto de crise econômica e social das últimas décadas do século
passado; e Leite (2012), indicando que é possível considerar que a expansão do
cooperativismo contemporâneo tem a ver com o processo de globalização e de
reestruturação econômica, que se iniciou em âmbito mundial nos anos de 1970.
Se observarmos esse movimento, nas décadas citadas, a economia brasileira
encaminhava suas estruturas no contexto internacional da globalização, modernizando o
complexo industrial por meio da revolução tecnológica e inaugurando uma vastíssima
corrente de excluídos do mundo do trabalho. O fechamento de fábricas e as tentativas de
recuperação – por meio da adoção do modelo cooperativista – diante da crise foram
também concretamente documentados por autores, como Holzmann (2001), que retratou
o caso da fábrica de fogões Wallig, no Rio Grande do Sul, em 1984, quando suspendeu
suas atividades e, a partir da organização dos seus trabalhadores, constituiu duas
cooperativas: uma mecânica e outra de fundição; e Nascimento (2003), em outra situação
de emergência da modalidade cooperativista por recuperação fabril, tomando por
experiência a Tecelagem Mandacaru, em João Pessoa, Paraíba, que faliu em 1990, por
problemas de comercialização, equipamentos obsoletos e ausência de ―cultura solidária‖
entre os trabalhadores. Ainda no certame de autores, Verago (2011), descreveu a crise
econômico-social emprenhada pelas forças neoliberais que motivou a ocupação das
fábricas por trabalhadores no Brasil e na Argentina, implementando o controle operário
da produção nas unidades fabris. Como exemplo concreto de tal processualidade, segue a
tabela que expõe os momentos concretos da ampliação dos empreendimentos
cooperativistas no Brasil.
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Tabela 1 – Quantidade de empreendimentos solidários por ano
1951 a
1971 a
1981 a
1991 a
2001 a
1970
1980
1990
2000
2007
65
139
264
1.903
8.554
10.653
21.578
Crescimento
113,85%
89,93%
620,83%
349,50%
24,54%
16.289,23%
1900 a 1950
TOTAL
Fonte: Anuário do Cooperativismo Nacional (2007); Secretaria Nacional de Economia Solidária
(SENAES). Elaboração própria.
Historicamente, no sentido do esclarecimento dos dados presentes na tabela, nos
anos 1990, com a abertura das exportações e a adoção do eixo de políticas neoliberais no
governo Collor, o parque industrial brasileiro sofreu profundas transformações no intento
de reorganizar a produção para enfrentar a lógica concorrencial internacional. Muitas
fábricas foram fechadas, setores econômicos foram desnacionalizados, empresas públicas
foram privatizadas e o desemprego avançou como efeito mais direto das transformações
produtivas empreendidas pelo receituário neoliberal.
Nesse ambiente histórico, é iniciado o atual movimento de associativismo do
trabalho e da produção que foi aclamado sob a descrição teórica mais recente da
―economia solidária‖4, como reflexo das transformações impostas pelos novos padrões
produtivos e organizacionais. Assim, a partir do início da década de 1990 as inovações
tecnológicas e organizacionais passaram a difundir-se para o conjunto da economia,
basicamente em razão da recessão conjugada à abertura indiscriminada das importações,
ambas dilatadas pelo governo Collor. As empresas, por sua vez, para reagirem à crise e à
maior concorrência, fizeram uso das inovações tecnológicas de base microeletrônica com
o objetivo de aumentar a produtividade e reduzirem seus custos de produção. Com
relação aos impactos de tal processo na formatação do cooperativismo desse momento,
Lima entende que,
no Brasil, as cooperativas de trabalho adquirem visibilidade nos anos
1980 a partir dos movimentos de recuperação de fábricas falidas em
4
De acordo com Laville (2011), a noção conceitual de ―economia solidária‖ surge a partir dos anos 1970,
na América do Sul e na Europa, remetendo a iniciativas oriundas principalmente do movimento de
retomada das empresas pelos assalariados sob a forma de cooperativas autogestionárias. Atualmente, o
termo agrupa outras experiências de autogestão, como as cooperativas rurais, o desenvolvimento de
incubadoras tecnológicas de cooperativas populares nas universidades, a criação de instituições de
poupança e de crédito solidário e associações de serviços comunitários na saúde, educação e habitação.
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diversas regiões [...] o crescente número de fábricas em situação
falimentar provocado pela abertura dos mercados, resultaram na
conversão das fábricas em cooperativas (2004, p.75).
Desse modo, ocorre uma eclosão da modalidade cooperativa como artifício da
reorganização das forças produtivas, envolvendo uma série de novos agentes
institucionais. A contradição deste orquestramento realiza-se na medida em que, por um
lado, é um movimento que resulta de uma pressão ativa do trabalhador diante da redução
objetiva dos postos de trabalho formalmente vinculados à sociedade salarial e, por outro
lado, é uma arregimentação do próprio capital rearticulando as formas de inserção dos
excluídos no mercado de trabalho. Por isso, comenta Pochmann, que
a expansão das formas de inserção da População Economicamente
Ativa (PEA) referentes às ocupações com baixa produtividade e
precárias condições de trabalho marca o contexto mais amplo da crise
do emprego no Brasil a partir das duas últimas décadas do século XX.
A maior parte das vagas abertas no mercado de trabalho não tem sido de
assalariados, mas de ocupações sem remuneração, por conta própria,
autônomo, trabalho independente, de cooperativa, entre outras (2006, p.
61).
A crise social instalada pela dita ―modernização produtiva‖ alavancou as formas
de resistência em busca de novos postos de trabalho no curso da nova dinâmica
excludente do mercado. Nessa medida, o Estado foi incapaz de responder às novas
demandas pelo processo próprio de enxugamento estratégico que o circunscrevia, o
incremento da tragédia social do desemprego tecnológico aliada ao afastamento do
Estado em relação à ―questão social‖ criou uma espécie de hiato coletivo, como ausência
de forças político-sociais que pudessem mediar a problemática da crise social como
expressão da crise do trabalho provocada pelas forças modernizantes da globalização e da
reestruturação produtiva. De modo mais enfático, pode-se afirmar que no Brasil,
principalmente nos anos de 1990, com a ―desresponsabilização‖ do Estado, da abertura
do mercado à livre concorrência, da consequente falência e fechamento de unidades
produtivas, do desemprego massivo, da precarização do mundo do trabalho, terceirização
e subcontratação das relações de trabalho, as cooperativas multiplicaram-se sobre a
possibilidade de geração de emprego e renda. Segundo Gohn,
As alterações ocorridas no cenário econômico e da participação social
nos anos 90, no Brasil, levaram à reelaboração dos olhares sobre a
temática da exclusão social. Diante da crise econômica e da contenção
do Estado na sua capacidade de produzir políticas de integração social,
percebemos as organizações não-governamentais e as cooperativas
como alternativas fabricadas pelos excluídos (2003, p. 14).
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Assim, a época de maior efervescência da modalidade cooperativa de organização
coincide com o contexto histórico das altas taxas de desemprego. Vejamos, na tabela a
seguir, como os empreendimentos cooperativistas relatam as motivações objetivas de
suas origens como modalidades de autogestão.
Tabela 2 – O que motivou a criação das cooperativas
Local
Uma alternativa
ao desemprego
Obtenção de
maiores ganhos
na cooperativa
Uma fonte
complementar
de renda
AC – Acre
AL – Alagoas
AM – Amazonas
AP – Amapá
BA – Bahia
CE - Ceará
DF – Distrito Federal
ES – Espírito Santo
GO – Goiás
MA – Maranhão
MG – Minas Gerais
MS – Mato Grosso do Sul
MT – Mato Grosso
PA – Pará
PB – Paraíba
PE – Pernambuco
PI – Piauí
PR – Paraná
RJ – Rio de Janeiro
RN – Rio Grande do Norte
RO – Rondônia
RR – Roraima
RS – Rio Grande do Sul
SC – Santa Catarina
SE – Sergipe
SP – São Paulo
TO - Tocantins
128
237
263
230
654
420
138
225
387
361
692
131
236
747
180
623
475
361
179
415
127
53
598
180
57
800
209
192
119
97
103
486
522
96
351
695
253
518
53
282
737
150
318
242
378
85
409
135
29
943
395
57
675
151
141
168
144
224
511
566
142
289
579
295
716
171
390
792
212
440
474
466
191
352
130
46
870
468
48
596
203
Total
9.107
8.473
9.627
Fonte: OCB - Dados do Segundo Mapeamento Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários
(EES) da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), 2013. Elaboração própria.
Nesse itinerário de expansão dos empreendimentos solidários, o cooperativismo
passou a ser visto como espelho crítico das práticas neoliberais, como ocorre em maior
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escala, com as organizações mundiais que articulam formas alternativas de produção. Por
exemplo, no primeiro FSM (Fórum Social Mundial) realizado em 2001, o tema da
Economia Solidária apareceu como eixo temático das discussões e, em 2002, foi definido
como eixo dos trabalhos e elemento estruturante dos debates. Na passagem 2002-2003, a
disputa eleitoral que resultou na condução de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência da
República, os atores sociais que estavam no movimento pró-cooperativismo e que
vinham desenhando suas posturas nos fóruns, resolveram realizar a primeira plenária
nacional para discutir os rumos do cooperativismo na agenda das políticas do governo
federal. E será dessa organização que resultará a criação da Secretaria Nacional de
Economia Solidária no Ministério do Trabalho e do Emprego.
Em junho de 2003, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei do presidente
Lula, criando no Ministério do Trabalho e do Emprego a SENAES (Secretaria Nacional
de Economia Solidária), reconhecendo dessa forma que o Estado brasileiro consolidava
ali, um processo de transformação das suas atividades, atuando como agência de fomento
às políticas públicas de emprego como resposta à crise social que vem assolando o país
desde a década de 19805.. Assim, teremos a formulação de uma perspectiva do Estado
como agente de intermédio da problemática social através do incentivo à associação
através de grupos autogestionários, desenhando uma tendência de afastamento histórico
do Estado como provedor direto das questões sociais. Mais recentemente, tal tendência se
oficializou a partir do Programa de Governo (2007/2010) do Presidente Luis Inácio Lula
da Silva, ao apresentar suas metas políticas no subnível temático ―Trabalho e Emprego‖,
ao propor o “incremento do crédito e o fomento aos micro-empreendimentos
cooperativistas e outras práticas de economia solidária‖.
Essa ‗onda solidária‘ é resultante da investida de vários movimentos sociais,
organizações não governamentais, categorias representativas de classes e gêneros,
entidades sindicais e outros que buscam novas formas de superação da crise do capital e
do trabalho, do desemprego, dos altos custos de vida nas cidades e no campo, forjando
estratégias de ação política e auto-organização do trabalho. Nesse panorama político,
econômico e social é que o cooperativismo no estado de Goiás está inserido e, mais
especialmente, o seu ramo educacional, como será discutido adiante.
5
De acordo com Antunes, a respeito dos impactos sociais da reestruturação produtiva no Brasil, ―foi,
então, na década de 1980, que ocorreram os primeiros impulsos do nosso processo de reestruturação
produtiva [...] significando uma mudança dos padrões organizacionais e tecnológicos, gerando novas
formas de organização social do trabalho‖ (2005, p. 17).
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3. O cooperativismo educacional no estado de Goiás.
As origens e a expansão das cooperativas educacionais6 no estado de Goiás devem ser
avaliadas a partir das mesmas conjecturas que gestaram a ampliação dos
empreendimentos cooperativistas no Brasil nas décadas previamente comentadas, quais
sejam, partindo dos apontamentos teóricos de Montaño e Duriguetto (2011): a lógica
premente da reestruturação das forças produtivas, a ―desresponsabilização‖ do Estado
diante dos impactos sociais fabricados pela nova lógica acumulativa e a fragmentação das
lutas sociais, ramificando e ―setorializando‖ as demandas sociais por meio de agentes
institucionais deslocados do núcleo decisório do Estado (como as organizações não
governamentais, o terceiro setor e as organizações da sociedade civil de interesse público
e as cooperativas, por exemplo).
Nessa perspectiva, a eclosão das organizações cooperativistas no estado de Goiás
coincide com a trama histórica da reorganização da produção e do mundo do trabalho,
exprimindo regionalmente a mesma operacionalidade macroeconômica visualizada no
movimento de reordenação da lógica acumulativa do capital, na economia brasileira. A
título de materialidade do movimento descrito, verifica-se o gráfico a seguir.
Gráfico 1 – Número de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) por ano de
início das atividades – Goiás/2014.
6
Seguindo a definição da OCB-GO/SESCOOP-GO (2014), entende-se por cooperativas educacionais,
as cooperativas de profissionais em educação, de alunos, de pais de alunos, de empreendedores
educacionais e de atividades afins. Este ramo é composto por cooperativas de professores, que se
organizam como profissionais autônomos para prestarem serviços educacionais, por cooperativas de
alunos de escola agrícola que, além de contribuírem para o sustento da própria escola, às vezes produzem
excedentes para o mercado, mas tem como objetivo principal a formação cooperativista dos seus
membros, por cooperativas de pais de alunos, que têm por objetivo propiciar melhor educação aos filhos,
administrando uma escola e contratando professores, e por cooperativas de atividades afins.
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11
500
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
até 1990
1990-2000
2001-2014
Fonte: SENAES/TEM – SIES/2014
Elaboração: Instituto Mauro Borges/Segplan/Gerência de Estudos Socioeconômicos e Especiais – 2014.
Embora as primeiras experiências do cooperativismo no estado de Goiás possam
ser rastreadas no final dos anos 1960, iniciando suas atividades em outro contexto
econômico, social e político, nota-se que a expressiva ascendência das organizações
cooperativistas está concentrada a partir dos anos 1990, corroborando para as leituras
contextuais antes apresentadas. Do total de empreendimentos econômicos solidários no
estado de Goiás, 95% tiveram suas atividades inauguradas para adiante dos anos 1990.
No que diz respeito, mais particularmente à constituição das cooperativas
educacionais no estado de Goiás, as mesmas foram criadas mediante o contexto que
emoldurava o ambiente educacional brasileiro naquele período, referencialmente,
segundo Oliveira:
o cooperativismo educacional surgiu no estado de Goiás, em 1987,
como alternativa para resolver o problema educacional, originado na
constante insatisfação em relação à qualidade do ensino na escola
pública, e dos elevados preços cobrados pelas escolas particulares
(1994, p. 68).
No entalhe dessas razões históricas surgiram no estado de Goiás, por exemplo, as
cooperativas educacionais de Itumbiara, em 1987, de Rio Verde, em 1988, de Acreúna,
Goiás, Pontalina e Quirinópolis, em 1989, de Edéia, em 1990 e de Jaraguá e Goiânia, em
1991. De modo geral, as cooperativas educacionais no estado de Goiás originaram-se a
partir da articulação de pais, professores e setores diversos do movimento cooperativista
goiano, principalmente pelo envolvimento desses agentes em outros ramos da atividade
cooperativista, acreditando na possibilidade – seguindo o mote dos seus discursos
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originários – de uma nova oferta educacional perante o impasse instituído pela educação
pública de baixa qualidade e pelas altas mensalidades praticadas nas escolas particulares.
Ainda, seguindo os estudos de Oliveira (1994), além do contexto econômicosocial de origem supracitado, as cooperativas educacionais no estado de Goiás emergiram
a partir de uma ordenação ideológico-pedagógica profundamente eivada pelos
sentimentos da cooperação democrática, da necessária descentralização das decisões na
escola, da autonomia dos processos avaliativos, da aproximação entre o saber e o fazer,
da crítica ao autoritarismo presente na escola e da solidariedade entre os agentes na
relação ensino/aprendizagem, são todos valores ideológicos e de lutas que ungiam os
experimentos coletivos desse tipo, naquele período, na sociedade brasileira. No panorama
das influências valorativas e ideológicas que nortearam as cooperativas goianas
ressaltam-se,
ainda,
os
princípios
assumidamente
herdados
das
experiências
cooperativistas historicamente mais sólidas associadas à ACI (Aliança Cooperativa
Internacional)7, como é o caso da CEI (Cooperativa de Ensino de Itumbiara), pioneira na
organização do ramo educacional em Goiás e no Brasil. Como efeito, todo o ideário
formalmente ali presente acabou refletindo na sistemática da ordenação pedagógica e
administrativa das cooperativas que se estruturavam a partir dos conselhos de gestão
democrática, da divisão equitativa dos custos e aquisições na escola, da práxis
pedagógica horizontalizada, da formulação autônoma dos currículos e conteúdos
programáticos, da oferta da educação solidária para os membros e da urgente
coletivização das condições de produção do cotidiano escolar.
7
A ACI - Aliança Cooperativa Internacional, organismo máximo do cooperativismo mundial, é uma
entidade cooperativista, não governamental, fundada em Londres, em agosto de 1895, responsável por
estabelecer os princípios que regem o funcionamento de toda e qualquer cooperativa no mundo, resumidos
nas sete proposições a seguir: 1) Associação voluntária e aberta: ou seja, podem associar-se às
cooperativas todos aqueles que apresentem condições de utilizar seus serviços; 2) Controle democrático
dos membros: significa participação ativa e direta de homens e mulheres associados, quer no
estabelecimento de diretrizes políticas, quer na tomada de decisões.; 3) Participação econômica dos
membros: ou seja, controle democrático da cooperativa e igual contribuição ao capital, sendo que uma parte
do capital social constitui propriedade comum da cooperativa; 4) Autonomia e independência: decorrem do
entendimento de que a cooperativa é uma associação de ajuda mútua de pessoas que se unem
voluntariamente para atender suas necessidades nas áreas econômica, social e cultural; 5) Educação,
treinamento e informação: dos associados, dos representantes eleitos, dos executivos e empregados da
cooperativa para que eles possam, efetivamente, contribuir para o seu desenvolvimento; 6) Cooperação
entre cooperativas: o trabalho conjunto e/ou a interação das cooperativas, em níveis local, regional e
internacional, fortalecem o movimento cooperativo; 7) Preocupação com a comunidade: ou seja, os
membros das cooperativas devem aprovar políticas especiais com o objetivo fundamental de contribuir para
o desenvolvimento sustentável de suas respectivas comunidades.
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Atualmente, na contabilidade oficial da OCB-GO (Organização das Cooperativas
Brasileiras no Estado de Goiás) apresentada no último Censo do Cooperativismo Goiano
(2012), o estado de Goiás conta com dez empreendimentos no ramo educacional: a
COOPECIGO (Cooperativa de Ensino de Goiás), na cidade de Goiás; a COENJA
(Cooperativa de Ensino de Jaraguá), na cidade de Jaraguá; a CEP (Cooperativa de Ensino
de Pontalina), na cidade de Pontalina; a CEQ (Cooperativa de Ensino de Quirinópolis), na
cidade de Quirinópolis; a COOPEN (Cooperativa de Ensino de Rio Verde), na cidade de
Rio Verde; a COOEDUCARTE (Cooperativa de Trabalhadores em Educação, Cultura e
Arte), na cidade de Goiás; a COOPERE (Cooperativa de Trabalho na Área de Ensino
Renascer Cachoeira Dourada), na cidade de Cachoeira Dourada; a CEDEL (Cooperativa
Educacional de Edéia), na cidade de Edéia; a COPAI (Cooperativa Educacional de Pais
de Inhumas), na cidade de Inhumas; e a COOPEC (Cooperativa Educacional de Pais e
Professores de Crixás), na cidade de Crixás. Destacam-se aqui, as cinco maiores
cooperativas do ramo educacional do Estado, que são: a COOPEN, com 2.210
cooperados, a COOPAI, com 680 cooperados, a COOPECIGO, com 637 cooperados, a
CEP, com 323 cooperados e a CEDEL, com 242 cooperados. No cômputo das
proporcionalidades, as mesmas totalizam 93,79% do ramo educacional no estado de
Goiás, concentrando grande parte das ações e representações do cooperativismo
educacional em Goiás.
Porém, numa análise mais depurada e crítica dos dados oficiais fornecidos pela
OCB-GO a respeito da relevante expansão das cooperativas educacionais, nas últimas
duas décadas em Goiás, as suas premissas valorativas e organizacionais da igualdade
participativa entre os membros e da distribuição equitativa das funções e benefícios se
contradizem e se ideologizam no sentido marxiano em que, se falsificam quando
desvelados diante da concretude social.
Numa primeira dimensão da referida contradição, sob o recorte do gênero8, por
exemplo, 2.682 cooperados são homens, enquanto 1.681 cooperados são mulheres,
8
Em 1995, a ACI listou uma série de compromissos institucionais em relação à inserção das mulheres no
cooperativismo latino-americano, criando o Programa de Ação Regional para as Mulheres da América
Latina e do Caribe, com algumas áreas estratégicas de preocupação: Equidade de Gênero; Desenvolvimento
econômico e social, levando em consideração a participação equitativa das mulheres nas decisões, nas
responsabilidades e nos benefícios do desenvolvimento; Igualdade de participação das mulheres nas
tomadas de decisões, no poder, na vida privada e pública; Acompanhamento efetivo por parte das
organizações e instituições cooperativistas.
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contrariando a composição estatística nacional das cooperativas do ramo educacional,
segundo o Diagnóstico do Ramo Educacional (2014), divulgado pela OCB, que são de
51% de mulheres e 49% de homens. Ainda, no aspecto da direção institucional, nos
conselhos administrativos e fiscais das cooperativas educacionais em Goiás, a presença
de homens é de 70% e de mulheres 30%, sendo que em 2010 nenhuma mulher ocupava
sequer um cargo diretivo em todas as cooperativas de Goiás. Com relação ao número de
empregados (as), o quadro de homens é de 74 contratados, as mulheres são 225
contratadas. Em termos práticos, a menor presença das mulheres na condição de
cooperadas – o que lhes facultaria o direito ao voto e à participação ativa nas assembleias
– e dirigentes, juntamente à sua maior presença no quadro de empregadas, sonega os
princípio da equidade/paridade e do controle democrático entre os membros, princípios
estes que foram deontologicamente proclamados na sua carta inaugural de valores e,
ainda, faz reproduzir a mesma lógica excludente do mercado de trabalho, espelhando as
desigualdades presentes na divisão sexual do trabalho, típicas da contemporaneidade
pungente da forma social capitalista de produção.
Numa segunda dimensão, a premissa da contradição novamente é revelada quando
se coloca a questão dos níveis de participação dos cooperados nas assembleias gerais das
cooperativas. Sabe-se que as decisões e normativas administrativas das cooperativas são
conduzidas através da reunião dos seus membros nas assembleias ordinárias ou
extraordinárias, onde o envolvimento dos partícipes é algo criteriosamente considerado
para a construção de uma vivência coletiva essencialmente descentralizada, democrática e
igualitária. O propósito estruturante da prática cooperativista, pelo menos formalmente, é
contrariar a lógica privatista dos bens econômicos e das tomadas de decisão na definição
da produção e da gestão do trabalho, instruída pelo desenvolvimento de uma ―cultura
solidária‖. Nas palavras de Namorado (2009), a participação política dos trabalhadores
nas assembleias ―está inscrita no código genético das cooperativas, formando o seu tecido
conjuntivo social desde o século XIX‖. No entanto, os dados do Censo do
Cooperativismo Goiano (2012) sobre a participação dos cooperados remetem à outra
perspectiva, como é possível visualizar no gráfico abaixo.
Gráfico 2 – Percentual de participação dos cooperados nas assembleias ordinárias,
nas cooperativas educacionais, no estado de Goiás, no período de 2009 a 2012.
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10000
9000
8000
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
Número de cooperados
Participação nas assembleias
ordinárias
2009
2010
2011
2012
Fonte: Censo do Cooperativismo Goiano – OCB-GO/SESCOOP-GO/2012.
Decorre daí, a ínfima participação do quadro total de cooperados nas
assembleias, fertilizando a prática centralizadora das decisões e uma constrição dos
agentes coletivos na atuação do cotidiano escolar, fomentando a concentração objetiva
das atividades dirigentes e reduzindo o escopo de um senso democrático na condução
das cooperativas educacionais.
Numa terceira e última dimensão, cita-se aqui – no propósito de revelar outra
antítese institucional – mais um princípio nuclear na fundação do ideário cooperativista,
segundo a ACI, que é a autonomia/independência, decorrendo do entendimento de que
―a cooperativa é uma associação de ajuda mútua de pessoas que se unem
voluntariamente para atender suas necessidades nas áreas econômica, social e cultural,
controlando elas mesmas o funcionamento de sua organização‖. Nesse caso, é
peremptória a organização didático-pedagógica da COOPEN (Cooperativa de Ensino de
Rio Verde), que está associada ao sistema educacional SEB-COC (Sistema de Ensino
Brasileiro – Colégio Oswaldo Cruz) que, por sua vez, foi adquirida, em 2010, pelo
grupo britânico Pearson, uma das agências que atua na atual regência mundializada da
monopolização da educação através da aquisição/processos de fusão com outras
instituições ligadas ao ―mercado da educação‖, com vistas à mercantilização
globalizada da educação. Nesse aspecto, o princípio da autonomia/independência
gestionária da cooperativa educacional em questão, é fortemente descompensada pelo
entrosamento da cooperativa com a lógica determinante do capital, desfalcando a
promessa ideológica da autorregulação do empreendimento cooperativista no conjunto
das atividades educacionais.
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4. Conclusões.
As cooperativas educacionais se constituem a partir de uma realidade material
substancialmente marcada pela premência da rearticulação das forças produtivas,
expressando uma das facetas da reconfiguração do mundo do trabalho e da educação
nas últimas décadas. No caso das cooperativas educacionais do estado de Goiás, suas
gêneses, embora distintas nas suas localidades, foram significativamente orientadas
pelos princípios clássicos e essenciais do movimento cooperativo, institucionalizado por
uma seriação de valores organizacionais que apregoam genericamente a autonomia, a
democracia e a gestão solidária por parte dos trabalhadores.
Porém, a realidade objetiva do fenômeno transforma o ideário cooperativista em
mero formalismo sem substância, na medida em que as cooperativas educacionais
propagam elementos típicos da sistemática produtivista capitalista. O enfrentamento
entre o real e o formal, entre a mística da igualdade entre os agentes na cooperativa e a
concretude das suas práticas sociais, expõe as contradições do cooperativismo
educacional em Goiás e faz reforçar o sentido conceitual da ―ideologia‖ como
fabricação ilusória vinculada às condições materiais de produção da vida coletiva.
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