III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA AUTOR DO TEXTO: Fernanda de Lazari Cardoso; Marisa Alves Lacerda; Luciana da Silva Oliveira Fortalecendo as escolas na rede de proteção à criança e ao adolescente RESUMO: o projeto “Fortalecendo as escolas na rede de proteção à criança e ao adolescente”, desenvolvido pelo Programa Pólos de Cidadania, programa de Extensão e Pesquisa da Faculdade de Direito, busca fortalecer os profissionais da educação, e as escolas públicas municipais como um todo, destacando seu importante papel no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes. As ações, desenvolvidas desde 2008, são pautadas na formação continuada dos profissionais, no diálogo permanente e na troca de experiências entre os diferentes atores e campos do conhecimento, valorizando os saberes locais tanto quanto os saberes acadêmicos e científicos e buscando, assim, a potencialização das possibilidades oferecidas no próprio município, com vistas a dar efetividade às ações e torná-las sustentáveis e permanentes ao longo do tempo. A primeira etapa de formação de profissionais da rede de proteção nos referidos municípios, bem como de entrevistas qualitativas com atores chave dessa rede – profissionais das Secretarias de Educação, Saúde e Assistência Social, e membros dos Conselhos Tutelares e Segurança Pública - têm apontado, por um lado, a necessidade de ações voltadas para a discussão do tema da „violência contra crianças e adolescentes‟ e da „proteção integral‟ não somente junto aos profissionais da educação, mas também dentro das outras instituições que lidam, de diferentes formas, com a proteção integral à criança e ao adolescente. Isso especialmente sob a perspectiva do trabalho em redes, pautado no (re) conhecimento mútuo das instituições, de seus atores e dos limites de sua atuação. Por outro lado, a atuação do „Fortalecendo as escolas‟ vem contribuindo não somente para o fortalecimento de diferentes atores da rede, mas também com a identificação de diversas possibilidades de atuação junto aos municípios parceiros, tornando o enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes um tema permanente em suas pautas. Introdução Além de constituir fenômeno complexo e multifacetado, a violência contra crianças e adolescentes se manifesta em diferentes arenas da vida – doméstica, comunitária, pública, institucional – assumindo diferentes formas – física, psíquica ou simbólica. Isso faz com que seu enfrentamento demande esforços sociais e políticas públicas nos diferentes âmbitos da vida social, dentre os quais se destaca, aqui, o âmbito educacional constituído pela escola. Por refletir as contradições e características da sociedade na qual está inserida, a escola constitui local de reprodução dos diversos tipos de violência que acontecem no cotidiano. De forma paralela, suas especificidades institucionais acabam por fomentar múltiplos e variados tipos de violência, o que torna a escola autora e vítima de processos violentos. Diante disso, o projeto “Fortalecendo as escolas na rede de proteção à criança e ao adolescente”, desenvolvido pelo Programa Pólos de Cidadania, programa de Extensão e Pesquisa da Faculdade de Direito, busca fortalecer os profissionais da educação e as escolas públicas municipais, destacando seu importante papel no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes. O Programa Pólos de Cidadania busca sanar o hiato existente entre a teoria e a prática, objetivando novas formas de inserção efetiva do ensino das Ciências Sociais Aplicadas, ou melhor, das práticas pedagógicas do Direito na crescente complexidade social brasileira. O Pólos é um Programa não só interdisciplinar (que tem envolvido várias outras unidades da própria Universidade) como interinstitucional, com conexões externas de grande multiplicidade. Sua metodologia é diferenciada e consolida-se no relacionamento permanente entre investigações e atuação social. A característica marcante desta metodologia é a busca constante pelo diálogo e pelo envolvimento ativo da própria comunidade/público-alvo na busca de soluções aos problemas e dificuldades que se colocam. Desde 2004, o Pólos desenvolve projetos voltados para o enfrentamento às diversas formas de violência contra crianças e adolescentes, dentre os quais se destacam: 1) os projetos “18 de Maio” e, posteriormente, “Mosaico”, voltados para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil em municípios do Vale do Jequitinhonha, por meio da inclusão produtiva; 2) a participação na etapa diagnóstica da expansão do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil – PAIR/MG, nos municípios de Teófilo Otoni, Itaobim e Uberaba e, o que mais nos interessa nessa proposta, 3) as ações desenvolvidas desde 2008 pelo Pólos, com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e das Secretarias de Educação dos municípios envolvidos, no escopo do Programa Federal Escola que Protege, do Ministério da Educação. Neste projeto, desenvolvem-se ações de capacitação continuada de profissionais da educação básica e da rede de proteção à criança e ao adolescente, de produção de material didático e paradidático relacionado à proteção infanto-juvenil, de mobilização e planejamento de ações voltadas para o enfrentamento às diversas formas de violência contra esse público e de apoio, acompanhamento, monitoramento e avaliação permanente destas ações junto aos municípios parceiros que são, até o momento, Teófilo Otoni, Betim, Contagem, Nova Lima, Santa Luzia, Sabará, Igarapé, Itaobim, Padre Paraíso, Ponto dos Volantes e Itambacuri. Tais ações visam a promover o maior envolvimento das escolas municipais de educação básica com a proteção integral aos direitos da criança e do adolescente, fortalecendo seus laços com a rede de enfrentamento e prevenção à violência infantojuvenil, por meio de capacitação que atingirá, ao final, cerca de 1500 profissionais, sendo 80% da educação e 20% de representantes da rede de proteção dos municípios envolvidos. Espera-se que, após as formações, os profissionais estejam aptos a abordar o tema da violência contra crianças e adolescentes em seus diversos aspectos e interrelações com outras questões e temáticas importantes, com ênfase especial para o trabalho sob a perspectiva de redes sociais. O objetivo geral do referido projeto é promover o maior envolvimento das escolas municipais e estaduais de educação básica com a proteção integral aos direitos da criança e do adolescente, fortalecendo seus laços com a rede de enfrentamento e prevenção à violência infanto-juvenil e criando condições para a adequada inserção, no âmbito escolar, dos debates sobre a proteção às crianças e aos adolescentes. Para tanto, serão realizadas capacitações para profissionais da educação e representantes da rede de proteção de municípios do Vale do Jequitinhonha e da região metropolitana de Belo Horizonte, monitoradas e acompanhas ações realizadas em municípios já parceiros do Pólos e produzido e reproduzido material didático e paradidático voltado para a promoção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes, no contexto escola. 2 Justificativa Nos municípios foco da presente intervenção, a exemplo do observado para o restante da região metropolitana, tem-se observado o aumento de situações de violência envolvendo crianças e adolescentes. É o que demonstra o estudo realizado pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) junto às escolas municipais, estaduais e particulares da região metropolitana de Belo Horizonte. Este estudo demonstrou que, dentre as violências e incidentes mencionados como sendo de ocorrência freqüente, se sobressaem situações relacionadas ao uso e tráfico de drogas e a assaltos e furtos (CRISP, 2005). Para o Brasil, dados demonstram o aumento do número de denúncias sobre abuso e exploração sexual infanto-juvenil. Entre 1997 e 2003 foram denunciados 4.076 casos, dos quais cerca de 6,5% em Minas Gerais. Dados mais recentes demonstram que a cada ano cerca de 6,6 milhões de brasileiros com idade inferior a 14 anos são vítimas de algum tipo de agressão no ambiente familiar (Sociedade Internacional de Prevenção a Abuso e Negligência na Infância, 2007). Por ser um fenômeno complexo, multifacetado e com efeitos nos diferentes âmbitos da vida do indivíduo, o enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes demanda esforços sociais e políticas públicas nos diferentes âmbitos da vida social, dentre os quais se destaca, aqui, o âmbito da escola. Refletindo as contradições e características da sociedade na qual está inserida, a escola constitui local de reprodução dos diversos tipos de violência que acontecem no cotidiano. De forma paralela, suas especificidades institucionais acabam por fomentar múltiplos e variados tipos de violência, o que torna a escola autora e vítima de processos violentos. Histórica e ideologicamente, a escola segue como o elo fundamental da rede de proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes. Constitui espaço privilegiado de socialização, de promoção do encontro, do diálogo e do aprendizado da cidadania que garanta a inclusão social, a constituição de indivíduos autônomos, críticos, participativos e portadores de direitos e deveres. Constitui, por isso, espaço privilegiado para a produção, reprodução e transformação de visões do mundo, para o aprendizado de papéis e conceitos sociais (GUARESCCHI, 1993). O fortalecimento da escola enquanto agente de mudança da situação de crianças e adolescentes passa pela formação permanente dos diferentes profissionais que nela atuam, com vistas a potencializar sua ação transformadora junto aos alunos, proporcionando, também, uma reflexão acerca de sua função no processo educativo e do papel de sua atuação para a mudança da situação de crianças e adolescentes. Tal necessidade justifica a importância do projeto ora apresentado, que vem fortalecer as ações voltadas para a proteção de crianças e adolescentes e para o enfrentamento às violências intentadas contra esse grupo nos municípios foco das ações, cobrindo lacunas na disponibilização de materiais, no preparo dos profissionais da educação para lidar com o tema da violência contra crianças e adolescentes e na sua interlocução com outras instituições que compõem a rede de proteção à criança e ao adolescente, conforme apontado pelos próprios profissionais durante a execução do Escola que Protege, pela UFMG, em municípios mineiros. A escolha dos municípios de Teófilo Otoni, Betim, Contagem, Nova Lima, Santa Luzia, Sabará, Igarapé, Itaobim, Padre Paraíso, Ponto dos Volantes e Itambacuri se deu pelo significativo contingente de crianças e adolescentes – vítimas potenciais dos tipos de violência aqui trabalhados - neles existente, vis-à-vis o tamanho da população dessas localidades. Soma-se aí que uma parcela significativa da população destes municípios vive em condições socioeconômicas precárias, com baixos níveis de desenvolvimento humano e escassas condições de acesso à geração de emprego e renda para os adultos, o que, acredita-se, seja fator potencializador de violações de direitos e da ocorrência de violências sob suas diversas formas, inclusive contra crianças e adolescentes (IBGE, 2007, site da Prefeitura de Belo Horizonte). 3 Metodologia aplicada no desenvolvimento do projeto Toda a execução do “FORTALECENDO AS ESCOLAS” foi norteada pela proposta do trabalho em redes sociais. Partiu-se do princípio de que, sendo a violência contra crianças e adolescentes um fenômeno multicausal, multifacetado e historicamente determinado, seu enfrentamento exige, necessariamente, estratégias dinâmicas, intersetoriais e interdisciplinares que considerem, além disso, a diversidade geográfica, humana, social e econômica concernente a cada município. Assim, o processo de concepção e execução das ações se deu sempre de forma dialógica, respeitando-se as especificidades dos municípios parceiros, no que tange à disponibilidade de tempo e espaço, ao contexto da violência e à sua dinâmica e distribuição espacial e considerando o saber, a prática e a reflexão que cada um dos participantes dos processos de formação e capacitação possuía previamente. A metodologia empregada estruturou-se na mobilização, articulação e capacitação/ formação de educadores. Buscou-se, em todo o processo, instrumentalizar membros dos próprios municípios em temáticas atinentes à garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz principal o estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Dessa forma, dando maior autonomia aos municípios, tentou-se garantir maior efetividade e continuidade das ações iniciadas com o “FORTALECENDO AS ESCOLAS”. Na execução do projeto, primou-se pelo fomento ao diálogo entre os atores mais diretamente envolvidos com questões relacionadas à criança e ao adolescente, buscando, primeiramente, atingir indiretamente um público mais amplo. No primeiro momento, visando à mobilização e articulação, foram estabelecidos, por telefone, os contatos com os gestores municipais de educação em cada um dos cinco municípios. A partir desse contato, foram agendadas reuniões, para discussão da proposta de atuação com os mesmos, objetivando a sua sensibilização e adesão. Por se tratar de uma proposta de ação intersetorial – ainda que com foco nas escolas - estimulou-se que fossem convidados também membros da assistência social, saúde, esporte, lazer e cultura. Considerações Finais Várias lições foram apreendidas ao longo da execução do “FORTALECENDO AS ESCOLAS”. A primeira delas é que existe, ainda, um longo caminho a ser trilhado no enfrentamento e prevenção à violência contra crianças e adolescentes, caminho este que deve ser percorrido com cuidado, por se tratar de um fenômeno complexo, resultante de um conjunto de fatores de ordem social, econômica, cultural e política. Outra importante lição apreendida foi a de que o avanço no enfrentamento e prevenção à violência infanto-juvenil passa, necessariamente, pela criação de espaços para sensibilização, discussão e divulgação, o que constitui, ainda, um obstáculo para o avanço em muitas localidades. O caminho percorrido demonstra que a mudança do quadro atual requer ações intersetoriais, interdisciplinares e integradas, envolvendo os diferentes grupos, organizações, instituições e contingentes populacionais e contemplando os distintos campos do saber, de maneira a evitar que visões estigmatizadas e preconceituosas sejam reforçadas. Isso porque a violência contra crianças e adolescentes se faz presente em todos os locais e grupos sociais, ainda que assumindo diferentes configurações, causas e efeitos. Ao colocar em evidência o papel da escola dentro da rede de proteção à criança e ao adolescente, evidenciou-se, no decorrer das capacitações e discussões de equipe, a necessidade de fortalecimento das escolas públicas municipais enquanto atores-chave dentro da rede. Assumir a premência da escola significa, também, reconhecer a importância dos educadores enquanto agentes essenciais de mudança da situação de crianças e adolescentes. Esse reconhecimento passa pela concordância acerca da necessidade de processos permanentes de formação dos diferentes profissionais que nela atuam, com vistas a potencializar sua ação transformadora junto aos alunos, por meio da ampliação de sua visão de mundo e compreensão de seu papel em todo o processo. Acredita-se que o “FORTALECENDO AS ESCOLAS” vem contribuindo de forma satisfatória para o avanço da discussão acerca do enfrentamento à violência infantojuvenil e, mais que isso, para o fortalecimento das escolas públicas municipais. Referências Bibliográficas BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2001. 405 p. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n 8.069, de 13 de Julho de 1990. 4.ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2003. 119p. CRISP - Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública. Pesquisa Violência nas Escolas, 2005. FALEIROS, V. P.; FALEIROS, E. S. Escola que protege: enfrentando a Violência contra crianças e Adolescentes. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007, 94 p. GUARESCHI, N. M. de F. A criança e a representação social de poder e autoridade: negação da infância e a afirmação da vida adulta. In: SPINK, M. J. (org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1993, pp. 212-233, 311 p. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2007. Guia de cidades. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em 28/01/2009. MINAYO, M. C. S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. In: FALEIROS, V. P; FALEIROS, E. S. Escola que protege: enfrentando a Violência contra crianças e Adolescentes. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2007, 94 p. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de Extensão. Instituto da Criança e do Adolescente. Criança e adolescente: prioridade absoluta. Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2007, 426 p. SOCIEDADE INTERNACIONAL DE PREVENÇÃO A ABUSO E NEGLIGÊNCIA NA INFÂNCIA. Informes. In: Matraca, da Agência Brasileira de Notícias – ANDI. São Luis/MA: 02/07 a 07/07/2007. Edição 135.