15
INTRODUÇÃO
Este trabalho visa detectar presenças e ausências de aspectos culturais, sociais e
econômicos do Vale do Jequitinhonha na imprensa mineira, analisando o conteúdo e a forma
das informações veiculadas pelo jornal Estado de Minas. Aqui, destaca-se a premência de se
fazer um levantamento acerca das informações publicadas sobre a região, examinando se a
imagem que o Estado de Minas leva aos mineiros e, por extensão, aos demais estados
brasileiros, uma vez que o jornal circula em outras unidades da federação, condiz com a
realidade1.
A importância atribuída a este levantamento deve-se ao fato de acreditarmos que a
cobertura jornalística contribui para a representação2 social do Vale do Jequitinhonha. Pois,
através da seleção e apresentação de determinados fatos e acontecimentos em detrimento de
outros, segundo critérios de noticiabilidade, os chamados valores/notícia (WOLF, 2001), os
meios de comunicação informam sobre aquilo que julgam merecer o status de notícia, dando
visibilidade a determinados elementos constitutivos da realidade. Assim, na medida em que
determinados fatos/acontecimentos não ganham visibilidade nas páginas dos jornais, eles
estão sujeitos a cair no ostracismo ou sequer existir diante dos olhos da sociedade. E ainda,
tais publicações constituem-se num acúmulo de material sobre a região, podendo ser tomadas
como documento de investigação por pesquisadores.
O interesse em investigar aspectos do Vale do Jequitinhonha na imprensa está
relacionado à minha inserção no contexto sociocultural da região. Inicialmente, remete-se às
minhas origens, Turmalina, no Alto Jequitinhonha, local onde nasci e vivenciei minha
infância e adolescência. Deve-se também ao contato permanente estabelecido com o
artesanato da região, por ser filha de uma bordadeira, Maria Cordeiro do Nascimento, que se
dedica aos trabalhos em ponto cruz sobre tecidos de algodão. Esta, a exemplo de tantas outras
mulheres da região que se dedicam aos bordados como atividade assessória, de forma a
complementar sua renda, ou como atividade principal, assegurando o sustento de famílias
inteiras.
Mas, tal interesse surgiu, sobretudo, por acreditar que há ainda muito a conhecer sobre
o Vale do Jequitinhonha, saber mais sobre pequenas cidades desconhecidas pela população
1
Neste trabalho, a realidade é entendida em contraposição à representação. Na acepção de Guy Debord, a
realidade é mediada por imagens, através de representações, que configuram o próprio espetáculo. (DEBORD,
1997)
2
“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma
imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação.” (Ibidem, p.
13)
16
brasileira até mesmo pelo nome. Ainda, sempre que entrava em contato com informações cuja
origem era externa ao Vale do Jequitinhonha, observava uma enunciação recorrente de
problemas agudos relacionados ao quadro natural e social da região.
Problemas relacionados ao quadro natural são inegáveis que os tenha vivenciado.
Lembro-me com muita clareza da hostilidade causada pela seca em 1998, quando a população
passou por sérios problemas de abastecimento de água. Nesta ocasião, os moradores ficaram
dependentes do fornecimento pelos caminhões-pipa da prefeitura, compravam galões de
motoristas que iam buscar água em locais distantes, ou ainda enfrentavam filas enormes junto
a uma nascente, para garantir o mínimo necessário desse recurso imprescindível à
sobrevivência.
Entretanto, no que se refere aos problemas de ordem social, fome, miséria e/ou
pobreza, nunca os senti tão próximos da realidade a qual vivenciava. Não se trata de negar a
existência deles ou minimizá-los. Mas o fato é que não sentia a manifestação deles com tanta
evidência no meu entorno o quanto eram enfatizados. Isto sempre me aguçou a conhecer
outros lugares do Vale e expandir minha percepção acerca da região.
Acrescentando-se a isso, num discurso recorrente, quando não se abordava a região
sobre as calamidades vividas pela população, propagava-se um rico artesanato. Mas, na minha
concepção fazia-se e faz-se sob uma abordagem limitada, uma vez que atribuir à riqueza
artesanal da região apenas às paneleiras e a outros artesãos que têm no barro a sua principal
matéria-prima, negligencia injustamente tantos outros artistas do Vale que exprimem
artesanalmente a sua arte, como os escultores, as bordadeiras, as tecelãs e os balaieiros.
Sempre fui uma admiradora da música e das apresentações folclóricas do Vale do
Jequitinhonha. Desfrutei de todas as oportunidades das quais dispunha para assistir aos
eventos culturais da região, podendo destacar, a participação no 23º FESTIVALE (Festival de
Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha), no ano de 2004, em Salinas (MG). Este evento foi
marcante, pois, além de entrar em contato com outros lugares, pude perceber que a cultura da
região se manifesta de uma forma muito expressiva e diversa do que comumente se difunde.
Deste modo, intentando conhecer um pouco mais sobre esta região tão estigmatizada,
decidi me debruçar sobre as páginas do maior veículo de comunicação impressa de Minas
Gerais na tentativa de identificar de forma sistemática, o que está presente no jornal acerca da
região, e o que está ausente, buscando compreender as motivações dessas presenças
/ausências, principalmente no que diz respeito à veiculação na imprensa, pano de fundo desta
abordagem.
17
Constituído por municípios com características distintas, o Vale do Jequitinhonha
revela-se uma região bem heterogênea. Contudo, tal diversidade nem sempre se faz presente
nas matérias jornalísticas veiculadas sobre a região. Acreditamos que exista uma tendência
por parte da imprensa em negligenciar a diversidade do Vale do Jequitinhonha, através da
difusão de informações que predominantemente salientam suas mazelas, reforçando assim,
uma representação social negativa acerca da região, fato este que tem implicações.
Pesquisador da temática há dezoito anos, o sociólogo João Valdir Alves de Souza
afirma que “nos últimos anos tem crescido sistematicamente o interesse de pesquisadores pela
região, ao que parece, em função do generalizado discurso segundo o qual o Vale ostenta
indicadores sociais e econômicos comparáveis aos piores do mundo” (SOUZA3, 2005). De
acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2000, o
Vale do Jequitinhonha apresentou Índice de Desenvolvimento Humano4 (IDH) médio de
0,659, enquanto o IDH do Estado de Minas Gerais foi 0,773. O município com o menor
índice no Estado foi Setubinha, situado no Vale do Jequitinhonha, com IDHM (IDH
Municipal) igual a 0,568.
Indicadores sociais e econômicos5 são comumente noticiados pela imprensa como se
por si só representassem homogeneamente todos os municípios que compõem a região. Os
problemas locais, propensamente, são veiculados alijando as peculiaridades e diferenciações
regionais.
A diversidade da região remonta às suas origens históricas e revela-se também nas
manifestações culturais6, que variam desde grupos folclóricos, conjuntos arquitetônicos e
históricos, a artesanatos variados. Acrescentando-se à riqueza cultural, o Vale do
Jequitinhonha apresenta belas paisagens naturais, que extrapolam a terra árida e a escassez da
vegetação.
3
Neste trabalho, todas as citações referenciadas por SOUZA não apresentam paginação, embora todos os artigos
em questão já tenham sido publicados. Entretanto, se tratam de bibliografia cedida por e-mail pelo pesquisador
João Valdir Alves de Souza à autora desta pesquisa. Os arquivos enviados constituem-se nos originais
encaminhados para publicação, e não na publicação em si, paginada.
4
O IDH é um índice criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), no início da década de 90, composto
por quatro indicadores: taxa de alfabetização, número médio de anos de estudo, renda familiar média per capita
e expectativa de vida. Varia de zero a um e com base neste valor as populações são classificadas quanto ao seu
estágio de desenvolvimento humano: baixo, quando o IDH é inferior a 0,5; médio, entre 0,5 e 0,8; e alto, acima
de 0,8.
5
No decorrer deste trabalho citamos alguns destes indicadores a título de exemplo. Mas ressaltamos que estes
podem apresentar variações em conformidade com a divisão regional adotada, questão esta que abordamos
adiante.
6
As manifestações culturais aqui são compreendidas segundo a noção de Cultura Popular expressa por Marilena
Chauí. Um conjunto disperso de práticas, representações e formas de consciências que possuem lógica própria,
mesmo que se efetue dentro da cultura dominante, ainda que seja como forma de resistir a ela. (CHAUÍ, 1994,
p. 24-25)
18
A cultura regional, além de revelar os traços e modos de vida do povo, e fortalecer a
identidade local, contribui para fomentar a economia da região. Seja pela venda do artesanato
que se constitui na principal fonte de renda para muitas famílias, seja pelos festivais e
encontros de cultura popular7 que atraem diversos visitantes para as cidades da região,
gerando postos de empregos diretos e indiretos.
Deste modo, o Vale do Jequitinhonha não se limita ao estereótipo miserável da
carência social. Existem sérios problemas de ordem social e econômica, como apontam os
indicadores. Mas, por outro lado, também existe uma rica cultura, que se manifesta de várias
formas entre os seus moradores. Reunido, o povo da região forma um contingente
populacional de aproximadamente um milhão de pessoas, que embora delimitadas pela
mesma circunscrição regional, apresentam peculiaridades entre si. Existem diferenças locais,
que longe de estabelecer uma distinção valorativa ou pejorativa entre as pessoas e as cidades,
acabam por conferir à região uma grande diversidade sociocultural8 que se revela nos modos e
fazeres distintos da população.
Não se trata de exaltar práticas culturais, nem tampouco ignorar diagnósticos ou
indicadores que revelem dados preocupantes. A presente pesquisa ressalta a necessidade de se
conferir visibilidade aos diversos aspectos da região, guardando as devidas proporções e
fazendo as devidas diferenciações, para que não se incorra numa pasteurização regional que
sucumbe perspectivas e que acabe por negligenciar a realidade do Vale do Jequitinhonha.
As publicações da imprensa a respeito do Vale do Jequitinhonha constituem-se,
juntamente com outros documentos, fontes secundárias de pesquisa sobre a região. Ligadas à
difusão do conhecimento histórico, “as fontes secundárias são textos postos no mercado de
bens culturais para consumo de diferentes categorias de sujeitos: outros pesquisadores,
professores, estudantes, curiosos de modo geral.” (SOUZA, 2003)
SOUZA (2005) classifica as fontes secundárias sobre o Vale do Jequitinhonha quanto
ao espaço, ao tempo e à origem. Com relação à origem, o autor destaca que “tem havido o
predomínio quase absoluto de manifestações da imprensa”. Contudo, nem sempre tais
manifestações são sustentadas em um conhecimento sistemático sobre a região, o que, de
certa forma, tem contribuído para difundir a imagem do Jequitinhonha como “bolsão de
pobreza”, “região problema”, “vale da miséria”, “ferida de subdesenvolvimento”.
7
Marilena Chauí (1994), abordando aspectos da cultura popular no Brasil, logo na introdução do seu trabalho já
pontua que a expressão Cultura Popular é de difícil definição. A autora adota uma perspectiva que enfatiza a
“dimensão cultura popular como prática local e temporalmente determinada, como atividade dispersa no interior
da cultura dominante, como mescla de conformismo e resistência” (CHAUÍ, 1994, p. 43)
8
Consideramos a diversidade sociocultural enquanto os múltiplos aspectos sociais e culturais que a região
apresenta.
19
Referindo-se a tendência dos meios de comunicação de massa a gerir e despertar a
emoção, e aludindo-se às categorias do espetáculo, definidas pelo francês Guy Debord (1997),
segundo as quais, “o espetáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade,
como parte da sociedade e como instrumento de unificação” 9, SOUZA (2005) afirma que as
manifestações da imprensa “se caracterizam pelo forte apelo ao emocional e levam a uma
mobilização voltada para o caráter assistencialista, principalmente, por época de
aprofundamento das hostilidades do quadro natural (enchentes ou secas)”.
Embora predomine tais manifestações da imprensa, SOUZA (2005) atesta que são
várias as origens da produção de conhecimento sobre o Vale do Jequitinhonha, destacando
também: diagnósticos governamentais, produção local e trabalhos acadêmicos. Entretanto, ele
ressalta que estas manifestações encerram um paradoxo.
Sobre os diagnósticos institucionais, o autor fala de um paradoxo da “inoperância”; da
produção local, um paradoxo do “saudosismo”; da produção acadêmica, um paradoxo do
“distanciamento”; e da imprensa, fonte da presente pesquisa, SOUZA (2005) aponta o
paradoxo do “denuncismo”. De acordo com a sua abordagem, a imprensa “alerta para os
graves problemas que afligem a população local, mas, ao mesmo tempo, reforça as
representações negativas sobre a região”. Para o autor:
Essa visão foi construída algumas décadas atrás quando o propósito era
denunciar os graves problemas gerados por um modelo de desenvolvimento
concentrador de riquezas em determinadas regiões do país em detrimento de
outras. Repetidas à exaustão, essas denúncias cristalizam representações
que consistem em mostrar o povo do Jequitinhonha como uma horda que
vive na pré-história, arrancando batata com estaca ou se esvaindo de fome
pelo tórrido semi-árido. A questão central aqui é: a que e a quem serve
continuar reproduzindo a idéia de “vale da miséria”? (SOUZA, 2005).
Indo de encontro aos pressupostos deste estudo, pode-se observar que a imprensa,
enquanto fonte de conhecimento sobre o Vale do Jequitinhonha, apresenta uma lacuna na
cobertura jornalística da região, na medida em que destaca apenas determinados aspectos de
uma vasta realidade. Vera Lúcia Felício Pereira, em sua obra baseada na narrativa popular de
moradores do Vale do Jequitinhonha, afirma que
9
Guy Debord explica que como parte da sociedade, o espetáculo “é expressamente o setor que concentra todo
olhar e toda consciência. Pelo fato de esse setor estar separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa
consciência; a unificação que realiza é tão somente a linguagem oficial da separação generalizada” (DEBORD,
1997, p.14).
20
A riqueza cultural dos grupos populacionais da região, menos conhecida
pela importância de suas manifestações de arte do que pelas suas
dificuldades e problemas, revela-se num cabedal de conhecimentos
acumulados ao longo de seu processo histórico de colonização e formação
econômico-social (PEREIRA, 1996, p. 13).
A respeito da história do Vale do Jequitinhonha, relatando as primeiras entradas pelo
litoral nas expedições em buscas dos propalados recursos minerais na época da colonização,
JARDIM (1998, p. 125) atesta que “os rios foram as vias mais naturais, os meios mais
praticáveis para se alcançar o sertão: o Rio São Francisco, o Rio Pardo, o Rio Jequitinhonha,
o Rio Doce, o Rio Mucuri, e outros”. A decadência do ouro e do diamante reservou à
população da região um duplo movimento (PEREIRA, 1996): a passagem para a economia de
subsistência, ou a dispersão em direção às terras nas margens dos rios Jequitinhonha e
Araçuaí, visando desenvolver a pecuária extensiva. Mas o que prevaleceu, em função de
diversos fatores condicionantes, foi a agricultura de subsistência.
Nessa época, a atividade artesanal desponta assumindo importante papel de
complementação de renda para a população. Embora o artesanato10 da região tenha se
originado no declínio do ciclo minerador, oriundo de uma necessidade econômica, segundo
relatório da extinta Companhia de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha - CODEVALE
(1986, p. 95), deve-se considerar também o lado artístico que “demonstra as habilidades, dá
vazão às emoções - alegrias, tristezas, contrariedades - e revela o próprio comportamento do
artesão perante a vida e a realidade que o cerca”.
Além do artesanato, o Vale do Jequitinhonha apresenta várias outras manifestações
culturais. De acordo com um levantamento realizado em meados dos anos 80 pela
CODEVALE, abrangendo 32 municípios, foram identificadas 21 manifestações culturais mais
presentes na região, sendo nove de caráter religioso e doze folclóricas. Dentre as
manifestações, foram identificadas como as mais presentes na região: Folia de Reis, Festa do
Divino, Nossa Senhora do Rosário, São Sebastião, Pastorinhas, Marujadas e Congado. “Não
obstante sua pobreza sócio-econômica, o Vale do Jequitinhonha detém uma rica tradição de
cultura popular, manifesta, especialmente, através de festas religiosas e folclóricas e do
artesanato.” (CODEVALE, 1986, p. 94)
O Vale do Jequitinhonha apresenta dicotomias históricas (PEREIRA, 1996) que o
compõe de forma contrastante. Por um lado, a aridez do seu clima, a carência social que
10
Segundo definição de Saul Martins, o “artesanato é o regime de trabalho doméstico que reúne os diferentes
processos manuais de criação de objetos usuais e artísticos ou suscetíveis de sê-lo, com emprego de material
disponível”. (MARTINS, 1973, p. 62)
21
acomete parte da sua população, juntamente com problemas em áreas essenciais como saúde,
saneamento e educação. Por outro, a riqueza dos recursos minerais demasiadamente
explorados no passado, o rico patrimônio histórico, a cultura popular, caracterizada pelo
artesanato diversificado e variadas manifestações e festas populares.
Deste modo, se estes contrastantes aspectos que compõem a região não são noticiados,
eles acabam não chegando ao conhecimento das pessoas de um modo geral. Na sociedade
moderna, ou mais precisamente, na sociedade do espetáculo, nos termos de Guy Debord, só é
sabido o que é visto. De acordo com a abordagem de DEBORD (1997), os meios de
comunicação de massa, dentre eles aqui se destaca os jornais, integram o espetáculo como
“aspecto restrito”, “manifestação superficial mais esmagadora”, uma vez que “a
administração desta sociedade e todo o contato entre os homens já não se podem exercer
senão por intermédio deste poder de comunicação instantâneo”.
Tendo em vista que os meios de comunicação enunciam o visível e considerando a
integração exercida por eles no dia-a-dia das pessoas, analisamos as edições do jornal Estado
de Minas publicadas nos meses de julho e agosto de 2008. O recorte cronológico em torno
destes meses foi decorrente da realização de diversos eventos culturais neste período no Vale
do Jequitinhonha, sobretudo, pela realização do principal evento de cultura popular da região,
o FESTIVALE (Festival de Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha), realizado entre os
dias 27 de julho e 2 de agosto. O FESTIVALE é um evento de grande expressão na região,
que neste ano realizou a sua 26ª edição, na cidade de Capelinha. A cada edição o festival
acontece numa cidade diferente do Vale do Jequitinhonha, constituindo-se num momento de
intercâmbio cultural entre as diversas cidades, reunindo as várias manifestações culturais da
região.
Assim, selecionamos como recorte cronológico, os meses de realização deste festival,
contemplando possíveis notícias sobre a preparação do evento e também sobre a sua possível
repercussão. Acrescentando-se que tais meses integram o chamado “período de secas”, que
anualmente acomete a região de maio a outubro, acentuando ainda mais os problemas de
escassez e abastecimento vivenciados pela população. Desta forma, pudemos verificar tantos
os aspectos que privilegiam o prisma cultural, como o socioeconômico.
A proposta de analisar o jornal Estado de Minas nesta pesquisa foi em razão deste ser
um tradicional veículo de Minas Gerais, que completou 80 anos em 2008 e como parte das
comemorações está promovendo vários eventos culturais e tem publicado, mensalmente,
edições comemorativas. Ademais, este veículo apresenta o pretensioso slogan “O grande
jornal dos mineiros”, que pretendemos problematizar neste estudo.
22
A seleção deste jornal como fonte desta pesquisa apresenta uma proposição oposta ao
apontado por Maíra Leite Botelho no seu trabalho monográfico, no qual analisa a cultura
popular da região segundo a abordagem de um jornal do próprio Vale do Jequitinhonha. Ela
afirma que inicialmente o Estado de Minas havia lhe surgido como possibilidade, “mas
permanecia a sensação de pesquisar o óbvio, partir da hipótese de que as notícias eternizam a
imagem do Vale sob o estereótipo de ‘Vale da miséria’, ‘região problema, e outras definições
do gênero” (BOTELHO, 2005, p. 43).
Deste modo, contrário ao afirmado por BOTELHO, acreditamos que o simples fato de
não tomarmos o jornal como fonte de pesquisa, e adotarmos uma postura passiva, furtandonos de levantar discussões sobre a imagem veiculada pela grande imprensa acerca da região,
contribui, mesmo que de forma latente, para a perseverança de uma imagem negativa que
negligencia a diversidade do Vale do Jequitinhonha.
Outra discussão ainda pode ser levantada acerca da fonte utilizada na presente
pesquisa. O jornalismo não se restringe apenas aos caracteres tipográficos que se encontram
no papel jornal circulante. A atividade jornalística envolve um longo processo, do qual as
páginas impressas que chegam até o leitor constituem-se apenas no produto gráfico final. Os
jornais, e, especificamente, o Estado de Minas, são fontes de estudos que possuem
materialidade e conteúdo (LUCA, 2006). E, para além do que se faz presente nas suas
páginas, deve-se analisar o seu entorno de produção, não apenas para apontar o quê e como
foi divulgado sobre a região, mas, principalmente, analisar o quê não foi e o por quê.
Julgamos necessário compreender de forma sistemática as ausências que um veículo de
grande circulação como o Estado de Minas pode apresentar acerca do Vale do Jequitinhonha,
para não incorrermos numa condenação imprudente que comumente acontece quando a
grande imprensa é colocada no centro das discussões.
Tendo em vista que o Estado de Minas é um jornal diário, em que os desdobramentos
sobre um determinado fato repercutem num curto prazo, o presente trabalho obteve uma visão
geral e contínua da cobertura jornalística da região no período, desenvolvendo esta pesquisa
nas seguintes etapas:
Levantamento bibliográfico;
Coleta de informações junto à redação do Estado de Minas a respeito da atuação do
jornal na região, compreendendo o número de exemplares vendidos e o
desenvolvimento do processo de cobertura11 jornalística;
11
Segundo o Dicionário de Comunicação, cobertura é o “trabalho de apuração de um fato no local de sua
ocorrência, para transformá-lo em notícia”. (BARBOSA & RABAÇA, 1995, p. 138-139)
23
Levantamento dos dados técnicos do jornal, envolvendo formato, número de páginas,
público e circulação;
Levantamento das informações. Nesta etapa, consideramos todas as edições do
período, inclusive aquelas nas quais não apresentaram nenhuma informação sobre o
Vale do Jequitinhonha, a fim de detectar também as ausências. Os dados referentes às
notícias sobre a região foram organizados em gráficos para identificação quantitativa e
periódica das publicações;
Análise morfológica das informações, compreendendo a apresentação do conteúdo no
jornal. Assim, identificamos os elementos que compõem a estrutura gráfica: títulos,
textos e iconografia. Nos títulos consideramos as manchetes e os títulos principais.
Nos textos dimensionamos o tamanho do espaço ocupado na mancha gráfica do jornal,
bem como a disposição nas páginas, considerando-se, também, a policromia de
determinadas páginas. A iconografia abrangeu fotografias, infográficos e charges;
Análise do conteúdo dos textos. Nesta etapa foram identificados os elementos
informativos destacados nos textos. Consideramos também, para identificação dos
temas segundo os quais o conteúdo publicado se inseriu de acordo com a abordagem
do Estado de Minas, o caderno ou suplemento no qual as informações foram
apresentadas, uma vez que o Estado de Minas é editado por cadernos e suplementos.
Além dos temas, identificamos os municípios citados nas publicações;
Análise dos resultados. Nesta etapa os dados obtidos foram compreendidos como
reveladores da presença/ausência de aspectos do Vale do Jequitinhonha na imprensa
mineira, e confrontados com o quê não foi apresentado pelo jornal Estado de Minas,
ou mais precisamente, com o quê poderia ser publicado a respeito da região,
considerando os critérios de noticiabilidade que norteiam a prática jornalística e,
levantando assim, uma breve discussão sobre os valores/notícia.
Os resultados deste trabalho são apresentados a seguir. No Capítulo I, fazemos uma
caracterização geral do Vale do Jequitinhonha, contextualizando a sua inserção no processo
histórico de Minas Gerais, abordando alguns pontos acerca da sua regionalização e
sublinhando os seus aspectos diversos e contrastantes, dando relevo à riqueza cultural. No
Capítulo II, apresentamos o jornal Estado de Minas, suas principais características e a sua
trajetória ao longo das oito décadas de circulação. O Capítulo III revela as presenças e as
ausências do Vale do Jequitinhonha no Estado de Minas e do Estado de Minas no Vale do
24
Jequitinhonha, abordando a circulação e a atuação do jornal na região, e apresentando os
dados obtidos na análise das edições.
No Capítulo IV, levantamos uma breve discussão teórica sobre os valores/notícia,
problematizamos a seleção das notícias e as suas implicações, e também confrontamos os
resultados obtidos na análise das edições com possíveis notícias que poderiam ter sido pauta
no jornal Estado de Minas sobre o Vale do Jequitinhonha. E ainda, cotejamos o trabalho com
iconografia da região, retirada de sites e fotografias de acervo pessoal, a fim de fazer ver um
pouco da riqueza cultural.
Embora saibamos dos limites deste trabalho monográfico frente ao manancial de
riquezas emanadas do artesanato e das demais manifestações culturais da região, que trazem
no seu bojo estratégias de ressignificação, práticas e imaginários que delineiam a identidade
regional, e que, portanto, configuram-se num potencial campo para reflexões, esperamos que
neste trabalho o leitor possa identificar a expressiva cultura popular do Vale do Jequitinhonha,
que contrasta com outros aspectos da região. E perceba que para além de uma imagem
negativa, que tende a ser reforçada pelos meios de comunicação, o Vale do Jequitinhonha é
uma região heterogênea que não se restringe ao estigma da carência social, uma vez que os
aspectos aos quais são dados visibilidade no Estado de Minas vão ao encontro dessa tendência
de reforçar uma imagem negativa, ao passo que tantos outros aspectos negligenciados revelam
uma vasta realidade. E os aspectos visíveis que são noticiados seguem critérios de seleção
invisíveis que tendem a oferecer recortes do real ao leitor.
25
CAPÍTULO I
VALE DO JEQUITINHONHA: FACES E FRONTEIRAS
Situado geograficamente no Nordeste de Minas Gerias, fazendo fronteiras com o
Norte de Minas e o Mucuri, o Vale do Jequitinhonha é uma região que ocupa 14,5% da área
do Estado, totalizando aproximadamente 85.000 Km2 de extensão territorial. Deste modo, em
decorrência da sua localização e abrangência, a compreensão de aspectos atuais que
caracterizam esta região conclama a sua inserção neste contexto maior do Estado de Minas
Gerais, bem como incita a abordagem de alguns acontecimentos pregressos. Embora não seja
nossa pretensão fazer um levantamento da história do Vale do Jequitinhonha12, alguns pontos
relevantes da sua presença no processo histórico de Minas Gerais serão apontados, pois neles
se encontram a origem de algumas das faces atualmente apresentadas pela região.
MAPA 1 – Posição do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais
Fonte: VIVA O VALE
12
A respeito da trajetória histórica da região existe uma vasta bibliografia, que envolve desde os relatos de
viagens de Auguste Saint-Hilaire a trabalhos mais recentes que recontam a história da região, como a obra
publicada em 1998, de Maria Nelly Lages Jardim. Ver referências bibliográficas no final deste trabalho.
26
As origens da formação econômico-social do Vale do Jequitinhonha foram similares
às do Estado de Minas Gerais como um todo. O seu povoamento iniciou-se juntamente com o
ciclo do ouro, no século XVII, consolidando-se no século XVIII, durante o ciclo do diamante.
A extração do ouro e do diamante acelerou o processo de povoamento e
urbanização, acarretando dificuldades no abastecimento de gêneros
alimentícios para a região. Surgiu-se e ampliou-se nessa época, uma débil
agricultura de subsistência, associada, quase sempre, à pecuária de corte.
(CODEVALE, 1986, p. 8).
Com o declínio do ciclo do ouro, “processou-se amplo movimento inverso de
migração”, e outras atividades passaram a se desenvolver mais intensamente, sobretudo as
atividades agropecuárias (CODEVALE, 1986). Entretanto, de modo geral, prevaleceu a
agricultura de subsistência, em função do estado de abandono em que se encontravam as
atividades agro-pastoris, os métodos rudimentares empregados e a contração da renda
(PEREIRA, 1996). Contudo, mesmo não sendo propósito neste trabalho ater às
especificidades do longo processo histórico de ocupação do Vale do Jequitinhonha, vale
ressaltar que este processo não ocorreu de forma homogênea, variando no tempo e conforme
cada lugar, fazendo com que atividades distintas prevalecessem em cada parte da região.
Analisando o surgimento “da rede de cidades” do Vale do Jequitinhonha, ou seja, a
formação dos primeiros núcleos populacionais urbanos significativos da região, VELLOSO &
MATTOS (1998) apontam a abordagem da historiografia recente postulante de que apesar da
fundamental importância das riquezas minerais para a estruturação do Vale do Jequitinhonha,
“não seria possível compreendê-lo sem levar em consideração a agricultura e a pecuária,
inicialmente voltadas para a subsistência mas posteriormente engajadas num circuito
comercial que visava o mercado interno e mesmo o externo ao Vale”.
Contudo, é notório o peso que o ouro e o diamante tiveram na configuração de Minas
Gerais de um modo geral, manifestando-se ainda hoje com grande realce. Além de ter trazido
no seu bojo mudanças de ordem social, econômica e demográfica, mesmo tendo entrado em
declínio, a mineração foi também responsável por imprimir ao Estado características
marcantes que se fazem presentes até os dias atuais.
Pois, “ligado ao dinamismo das
inovações, encontra-se, sem dúvida, o fator da descoberta ou aproveitamento dos recursos
naturais, como elemento propulsor das transformações econômico-sociais”. (DIAS, 1971,
p.41)
No primeiro ensaio de sua obra A imagem de Minas: ensaios de sociologia regional,
DIAS (1971) assinala que “Minas, cujo território não se polariza sobre um único centro de
27
convergência, constitui efetiva configuração regional, embora não o seja do ponto-de-vista
geográfico”. E, analisando o caráter regional mineiro, o autor afirma que ele “formou-se,
segundo certo consenso, no período agudo da mineração”.
Entretanto, tal “caráter regional” não se constitui num conjunto de traços identificáveis
nas diversas partes que compõem este Estado de amplas dimensões territoriais. Afinal, como
afirma o próprio autor, “Minas é a região montanhosa e a dos campos; é a das matas, das
matas que se extinguem; é a do cerrado. Há muitas Minas”, e “atribuir a todo mineiro
características observadas no centro de Minas parece atitude arbitrária” (Ibidem, p. 19).
Deste modo, se existe um caráter regional característico de Minas Gerais, pode-se
falar também da existência de um diverso caráter intra-regional, na medida em que o Estado é
constituído por várias partes distintas. Aqui, nos ateremos apenas a uma delas: o Vale do
Jequitinhonha.
I.1 - Unidade da diversidade
As diversas partes/regiões que constituem o Estado de Minas Gerais podem ser
designadas de formas distintas: zonas fisiográficas (IBGE, 1941); microrregiões homogêneas
(IBGE, 1969); regiões funcionais urbanas (IBGE, 1972); regiões para fins de planejamento
(FJP, 1973); mesorregiões e microrregiões geográficas (IBGE, 1990); regiões de
planejamento (FJP, 1992); regiões administrativas (FJP, 1996), entre outras. Ante a essa
variabilidade conceitual, constantemente o Vale do Jequitinhonha ou, simplesmente, o
Jequitinhonha, aparece na nomenclatura relacionada à parte do Estado localizado nas
proximidades da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha. Acrescentando-se ainda que
conforme a divisão, o Jequitinhonha é apresentado juntamente com o Mucuri, sendo comum
encontrar a definição: Jequitinhonha/Mucuri13.
Diante disso, parece existir uma indefinição com relação à real configuração e
classificação da região. Conforme a definição conceitual, não somente a nomenclatura é
alterada, como também os municípios circunscritos na área, causando assim uma variação nos
dados demográficos e espaciais. Esta confusão aparente se deve à dinâmica do próprio
processo de regionalização. Em trabalho recente, no qual faz um resgate histórico das
principais propostas oficiais de regionalização de Minas Gerais, DINIZ & BATELLA (2005)
afirmam que
13
Neste caso, as duas constituem a Região IX de Planejamento do Estado de Minas Gerais.
28
apesar de diversas propostas e concepções, o termo região está
inequivocamente associado à diferenciação de áreas, ou seja, à aceitação de
que a superfície da terra é formada por áreas diferentes entre si. No entanto,
haverá tantas regiões quantos forem os conceitos, critérios e objetivos
empregados no processo de regionalização. (DINIZ & BATELLA, 2005,
p. 62)
Os autores explicam que tradicionalmente os geógrafos têm definido regiões segundo
dois critérios básicos: a homogeneidade e a funcionalidade. “Enquanto o princípio da
homogeneidade baseia-se na recorrência de determinadas características no espaço, a
funcionalidade está associada com as relações entre os lugares” (Ibidem, p. 60).
Tendo em vista que entender a dimensão espacial da região faz-se relevante, pois
como aponta Milton Santos (2007, p. 32), a respeito da definição de espaço de H. Lefebvre14,
“se o espaço nada mais fosse que a forma física, isso seria totalmente verdadeiro; mas o
espaço social distingue-se das formas vazias pelo próprio fato da sua cumplicidade com a
estrutura social”, indicamos a seguir algumas distinções a fim de determinar o espaço
focalizado na presente pesquisa.
O Vale do Jequitinhonha Oficial foi delimitado em 6 de junho de 1966, pelo Decreto
nº 9.841, para efeito de atuação da CODEVALE15, contemplando 52 municípios. Com as
emancipações levadas a efeito em 1992 e em 1995, estes 52 municípios geraram outros 28,
elevando-se para 80 o número de municípios. Assim, se considerarmos o Vale do
Jequitinhonha segundo a área de atuação da antiga CODEVALE, seus municípios são os que
se encontram relacionados na tabela a seguir.
TABELA 1 - Municípios que compõem o Vale do Jequitinhonha Oficial, incluindo aqueles
criados em 1992 e 1995.
Almenara
Angelândia*
Araçuaí
Aricanduva*
Bandeira
Berilo
Berizal*
Bocaiúva
Botumirim
Divisópolis**
Felício dos Santos
Felisburgo
Francisco Badaró
Franciscópolis*
Fruta de Leite*
Grão Mogol
Guaraciama*
Indaiabira*
Leme do Prado*
Malacacheta
Mata Verde**
Medina
Minas Novas
Monte Formoso*
Montezuma**
Nova Porteirinha*
Novo Cruzeiro
Rio Pardo de Minas
Rio Vermelho
Rubelita
Rubim
Salinas
Salto da Divisa
Santa Cruz de Salinas*
Santa Maria do Salto
Santo Antônio do
Jacinto
14
Segundo a sua definição, “a forma do espaço social é o encontro, a reunião, a simultaneidade” enquanto “o
espaço-natureza justapõe, dispersa”. (LEFEBVRE, 1974 apud SANTOS, 2007)
15
A CODEVALE foi uma entidade autárquica de Minas Gerais, criada em 1974, com o objetivo de promover o
desenvolvimento da região. Ela foi extinta, sendo substituída pelo Instituto de Desenvolvimento do Norte e
Nordeste de Minas Gerais (IDENE), criado em 2002.
29
Cachoeira de Pajeú
Itacambira
Novorizonte*
Capelinha
Itamarandiba
Olhos D'Água*
Caraí
Itaobim
Padre Carvalho*
Carbonita
Chapada do Norte
Comercinho
Coronel Murta
Couto Magalhães de
Minas
Cristália
Itinga
Jacinto
Jenipapo de Minas*
Jequitinhonha
Joaíma
Padre Paraíso
Pai Pedro*
Palmópolis**
Pedra Azul
Ponto dos Volantes*
Jordânia
Porteirinha
Datas
José Gonçalves de
Minas*
Josenópolis*
Diamantina
Santo Antônio do
Retiro*
São Gonçalo do Rio
Preto
Senador Modestino
Gonçalves
Serranópolis de Minas*
Serro
Setubinha*
Taiobeiras
Turmalina
Vargem Grande do Rio
Pardo*
Riacho dos Machados Veredinha*
Rio do Prado
Virgem da Lapa
Fonte: Instituto de Geociências Aplicadas - IGA
* Municípios criados pela Lei nº 12.030, de 21/12/95.
** Municípios criados pela Lei nº 10.704, de 27/04/92.
Mas, como apontamos anteriormente, as propostas de regionalização envolvem certas
especificidades. Assim, para não incorrermos na complexidade conceitual que envolve o
termo região, e tendo em vista que lidamos com um grande número de municípios,
tomaremos como referência para operacionalização desta pesquisa, a divisão administrativa
do Vale do Jequitinhonha com base em sub-regiões, disponível no Portal do Vale do
Jequitinhonha, como mostra o Mapa 2.
MAPA 2 – Sub-regiões do Vale do Jequitinhonha
Alto Jequitinhonha
Jequitinhonha Semi-árido
Médio Jequitinhonha
Baixo Jequitinhonha
Fonte: Portal do Vale do Jequitinhonha
30
A opção por esta divisão deve-se ao fato dela aproximar-se do Vale do Jequitinhonha
Oficial, embora possam ser identificadas certas variações como o número de municípios, em
função da inclusão de algumas cidades16 e da exclusão de outras. Ademais, esta proposta
contempla a divisão da região em partes menores (sub-regiões) viabilizando a execução deste
trabalho. Nesta divisão segundo sub-regiões, estão incluídos todos os municípios do Vale do
Jequitinhonha Oficial exceto Malacacheta, acrescentando-se ainda Águas Vermelhas, Divisa
Alegre, Ninheira e São João do Paraíso que não aparecem na divisão Oficial. Segundo a
divisão adotada para a operacionalização deste estudo, o Vale do Jequitinhonha é composto
por 84 municípios, distribuídos conforme mostra a Tabela 2.
TABELA 2 – Municípios das sub-regiões do Vale do Jequitinhonha
Alto
Jequitinhonha
Angelândia
Aricanduva
Capelinha
Carbonita
Couto Magalhães
Datas
Diamantina
Felício dos Santos
Itamarandiba
Leme do Prado
Minas Novas
Rio Vermelho
São Gonçalo do Rio
Preto
Senador Modestino
Gonçalves
Serro
Turmalina
Veredinha
16
Jequitinhonha SemiÁrido
Águas Vermelhas
Berizal
Bocaiúva
Botumirim
Cristália
Curral de Dentro
Divisa Alegre
Fruta de Leite
Grão Mogol
Guaraciama
Indaiabira
Itacambira
Josenópolis
Montezuma
Ninheira
Nova Porteirinha
Novorizonte (Novo
Horizonte)
Olhos D’água
Padre Carvalho
Pai Pedro
Porteirinha
Riacho dos Machados
Rio Pardo de Minas
Rubelita
Salinas
Santa Cruz de Salinas
Santo Antônio do
Retiro
Médio
Jequitinhonha
Araçuaí
Berilo
Cachoeira de Pajeú
Caraí
Chapada do Norte
Comercinho
Coronel Murta
Francisco Badaró
Franciscópolis
Itaobim
Itinga
Jenipapo de Minas
José Gonçalves de
Minas
Medina
Baixo
Jequitinhonha
Almenara
Bandeira
Divisópolis
Felisburgo
Jacinto
Jequitinhonha
Joaíma
Jordânia
Mata Verde
Monte Formoso
Palmópolis
Pedra Azul
Rio do Prado
Novo Cruzeiro
Padre Paraíso
Ponto dos Volantes
Salto da Divisa
Santa Maria do Salto
Santo Antônio do
Jacinto
Rubim
Setubinha
Virgem da Lapa
Ao longo deste trabalho empregamos os termos cidades e municípios como sinônimos.
31
São João do Paraíso
Serranópolis de Minas
Taiobeiras
Vargem Grande do Rio
Pardo
Esta fragmentação da região em partes implica a diversidade regional e a existência de
uma diferenciação entre os municípios, que embora agrupados em sub-regiões, reservam
peculiaridades entre si. A diversidade do Vale do Jequitinhonha revela-se tanto nos seus
elementos naturais, como o clima e os solos, como nos elementos que envolvem diretamente a
atuação do homem. No que se refere ao meio-natural, coexistem na região os climas Tropical
Chuvoso, Seco, Tropical de Altitude e Semi-árido. Os solos também são disformes,
apresentado terrenos à base de quartzitos, áreas de calcário e siltitos, rochas metamórficas,
além de granitos e gnaisse (CODEVALE, op cit).
No tocante à atividade humana, a diversidade do Vale do Jequitinhonha também é
expressiva. SOUZA (2003) ressalta que a região é diversificada tanto pelo longo processo
histórico de ocupação quanto pelas várias atividades que predominaram em cada lugar.
No alto-médio Jequitinhonha (Serro, Diamantina, Minas Novas) e no norte
do estado (Rio Pardo de Minas, Salinas) a ocupação do território se deu a
partir do início do século XVIII. No baixo Jequitinhonha (Pedra Azul,
Jequitinhonha, Almenara, Salto da Divisa), ela aconteceu somente um ou
dois séculos depois. No alto Jequitinhonha, a atividade principal foi a
mineração decorrente das bandeiras paulistas que chegaram às “minas
gerais” a partir do final do século XVII. No norte de Minas e no baixo
Jequitinhonha, a atividade principal foi a pecuária, que atingiu o território
mineiro através do vale do São Francisco, o “rio dos currais”. Atualmente
há predomínio da atividade mineradora no alto Jequitinhonha, predomínio
da pecuária no baixo Jequitinhonha e uma atividade mista na região
intermediária (SOUZA, 2003).
A diversidade regional também se revela nas manifestações culturais, que apresentam
traços da cultura indígena e negra. Tais manifestações envolvem grupos folclóricos, conjuntos
arquitetônicos e históricos e artesanatos. Sobre o artesanato regional, vale ressaltar que a sua
variedade não se restringe à criatividade dos diversos objetos criados em cerâmica,
comumente difundidos como característicos do Vale do Jequitinhonha. Além da cerâmica, a
região apresenta variadas peças artesanais em palha, bambu, madeira e algodão, reservando a
distintos municípios o domínio das técnicas e dos modos de produção da sua arte, como
mostra galeria a seguir.
32
Fonte: Cerâmica no Rio
Fonte: Cerâmica no Rio
FIGURA 1 - Peça de Noemisa Batista dos Santos,
Ribeirão Capivara, no município de Caraí.
FIGURA 2 - Peça de João
Alves, de Taiobeiras.
Fonte: Onhas.com
Fonte: Onhas.com
FIGURA 3 - Máscara indígena
de Lira Marques, de Araçuaí.
FIGURA 4 - Escultura em
madeira, Zefa de Araçuaí.
Fonte: Cerâmica no Rio
Fonte: Onhas.com
FIGURA 5 - Isabel Mendes da
Cunha, de Santana do Araçuaí,
município de Ponto dos Volantes,
modelando uma boneca de
cerâmica.
FIGURA 6 – Chapéus
trabalhados em couro.
33
Fonte: Boletim UFMG
FIGURA 7 - Ulisses Mendes, de Itinga, criador da
peça inspirada na frase “Minha vida é a cruz que eu
carrego”.
Fonte: Onhas.com
FIGURA 9 - Cestaria, Zé do Balaio, de Almenara.
Fonte: Acervo pessoal
FIGURA 8 - Bordado
sobre algodão pardo.
Fonte: Boletim UFMG
FIGURA 10 - Bordadeiras de Turmalina
desenvolvendo trabalhos em ponto cruz e crochê.
Em Itinga, destacam-se as esculturas em madeira; em Berilo, Virgem da Lapa, Itinga e
Minas Novas, a tecelagem; em Turmalina e Veredinha, os bordados em ponto cruz; em
Diamantina, os tapetes Arrayolos; em Almenara, a cestaria; os trabalhos em couro, em
Araçuaí e Jequitinhonha. Além da diversidade entre os municípios, onde cada um apresenta
um produto artesanal de destaque, podemos observar também elementos recorrentes entre
eles, como a técnica de produção de peças de cerâmica, que, por sua vez, se faz presente em
várias cidades, como: Araçuaí, Caraí, Itaobim, Itinga, Joaíma, Minas Novas, Padre Paraíso,
Rio Pardo, Rubim, Salinas, Santana do Araçuaí, Taiobeiras e Turmalina.
34
MAPA 3 - Distribuição do artesanato nos diversos municípios do Vale do Jequitinhonha na
década de 1980.
Fonte: CODEVALE
Como podemos observar no mapa, os produtos mais recorrentes são feitos em
cerâmica, ao passo que os menos são trabalhados em couro e peles. A respeito da recorrência
das peças em cerâmica na região, Carolina Dias de Oliveira (2007), tratando do incentivo e
diversificação do artesanato em Gouveia (MG), em sua dissertação de mestrado, cita o Vale
do Jequitinhonha como exemplo de estímulo ao “marketing artesanal”, a partir da produção
especializada de um determinado produto.
Entretanto, esta discrepância entre a recorrência de diferentes produtos artesanais na
região pode ser decorrente de diversos fatores, pois como afirma MARTINS (1973),
o tipo ou a modalidade de artesanato é contingência ecológica: a matériaprima e outros recursos naturais, a densidade demográfica, o estilo de vida,
as tradições, a fisiografia regional, tudo impõe ou determina a técnica
artesanal e condiciona o artesão – como, de resto, toda a ação do homem no
meio. (MARTINS, 1973, p. 9)
35
Além destes aspectos, a intervenção direta da ação do homem manifesta-se também de
forma díspar na região no tocante a fatores sociais e econômicos. Para se ter uma idéia,
segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2003), enquanto o
município de Diamantina apresentou renda per capita de R$ 213,02, no ano 2000, a cidade de
Fruta de Leite apresentou renda per capita de R$ 55,76.
Desta forma, pode-se observar a formação de um mosaico regional, onde a natureza
aliada ao elemento humano configura um todo descontínuo, que ora revela aspectos de
opulência, ora se descortina pauperizado.
I.2 - Paradoxos: a carência social e a riqueza cultural
O Vale do Jequitinhonha, embora estigmatizado ao longo do tempo pelo estereótipo
miserável da carência, em função da existência de sérios problemas de ordem social e
econômica, agravados por fatores de ordem ambiental, também apresenta uma rica cultura17,
que se manifesta de várias formas entre o seu povo. Assim, poderíamos caracterizar a região
em função dos seus extremos, mas extremos que interagem entre si, num processo dialético
configurando a realidade vivenciada pelos moradores do Vale do Jequitinhonha.
Nos tempos áureos da mineração, a região foi muito cobiçada, atraindo imigrantes de
diversas partes do país. Hoje, séculos depois da mineração predatória, a região antes almejada
como destino a ser alcançado, graças à opulência dos recursos minerais, se vê qualificada pela
miséria e pobreza.
Entretanto, mesmo diante desses diferentes olhares lançados sobre o Vale do
Jequitinhonha, passado e presente conservam um traço comum: o processo migratório. Antes,
a migração era caracterizada pela recepção dos desbravadores do ouro e do diamante. Mas,
hoje, o que se observa na região é um fluxo migratório inverso, em que emigrantes, em busca
de melhores condições de trabalho, se lançam rumo aos grandes centros urbanos como São
Paulo e Belo Horizonte. De acordo com GAZILONI (2008, p. 1), “em início dos anos setenta
viajaram para Belo Horizonte e São Paulo capital para se empregarem na construção civil e,
no começo da década de oitenta, afluem para o corte de cana no interior paulista, fluxo que
continua até os dias atuais”. Para se ter uma idéia em termos numéricos, segundo dados do
IBGE tabulados pela CEDEPLAR (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da
UFMG), elaborados por AUGUSTO (2007), do número total de emigrantes (29.279)
17
Neste trabalho, privilegiamos informações acerca da riqueza cultural, por entender que a abordagem sobre
problemas de ordem social e econômica já foi demasiadamente contemplada por diversos trabalhos acadêmicos e
diagnósticos institucionais, como por exemplo: Ministério do Planejamento e Orçamento (1997); SALVATO,
M.A et all (2006); ARAÚJO (2007); SIMÃO (2004); entre outros.
36
originários do Vale do Jequitinhonha no período entre 1986/1991, 21.073 se destinaram ao
estado de São Paulo.
O quadro natural também reserva à região um contra-senso: por um lado, castiga os
moradores em períodos de seca ou vitima-os durante as cheias. Por outro, a natureza
contempla o Vale do Jequitinhonha com belas paisagens, que extrapolam a terra árida e a
escassez da vegetação. Mas, o meio físico integra a memória regional de forma marcante,
sobretudo, pelas calamidades causadas. Podemos apontar como exemplos, a inundação da
cidade de Araçuaí, em 1919; o ano de 1939, quando “o flagelo da seca espalhou a fome por
toda a região, e retirantes vagavam de um lugar para outro à procura de trabalho e comida”
(SOUZA, 2005); e mais recentemente, a seca que acometeu a região em 1998.
Além de impactos diretos no cotidiano dos moradores, os problemas gerados pelo
meio físico formam na memória da população determinadas representações. No Vale do
Jequitinhonha persevera uma memória negativa por época das passagens de anos terminados
em nove, que vêm sempre associados às catástrofes. “A repetição de ciclos bastante regulares
permitiu a criação de representações sobre um quadro natural que se alterna entre momentos
de fartura, quando as chuvas são bem distribuídas, e a situação de penúria, quando a seca certa
esturrica a terra” (SOUZA, 2005). Neste trabalho recente, onde trata de alguns dos usos e
abusos na medicina popular no município de Turmalina, e constata o uso da medicina popular
do passado para atenuar problemas de saúde pública do presente, SOUZA (2005)
problematiza a unanimidade na fala de moradores entrevistados devido ao emprego da
expressão “tempos difíceis”. Segundo o autor, “essas dificuldades vieram sempre associadas a
problemas climáticos que assolaram a região em determinados momentos” (Ibidem).
Discorrendo ainda a respeito dessas representações criadas sobre o quadro natural,
SOUZA (2005) faz referência a um livro publicado em 1908, no qual o autor relata as
representações que a memória coletiva havia criado acerca das características de cada ano, e
transcreve um trecho sobre Rio Pardo de Minas:
As estações nem sempre correm regulares. Esse Municipio, como quasi
todos os outros de extremo norte do Estado, tem sido flagelado,
periodicamente, por estiagens mais ou menos duradouras, das quaes são
mais notaveis as secas e fomes, medonhamente celebres, de 1819, 1859,
1890, e 1898-99, irrogando damnos enormes à população, sobretudo aos
habitantes da zona das catingas carrasquentas, a mais arida, notando-se que
nos anos de crise e no que imediatamente se lhe segue, copiosamente
chuvoso, a mortalidade é espantosa em seres humanos e irracionaes que
quasi se nivelam na conjunctura miseravelmente tragica do flagello ardente,
da penuria negra, aterrorisante, em pleno sertão bravio. (NEVES, 1908
apud SOUZA, 2005)
37
A exemplo de tais representações, a população também incorpora e reproduz práticas e
costumes, que vão sendo transmitidos de geração a geração através de uma aprendizagem
cotidiana. Neste cenário, a oralidade assume papel relevante. Tratando da literatura oral do
Vale do Jequitinhonha, através da análise de trechos de contos e conversas de contadores da
região, Vera Lúcia Felício Pereira, afirma que
Os contos orais exercem em seu contexto a função social de ensinar às
gerações um modo de conciliação novo e do extremamente antigo, mesmo
arcaico, ideando uma colagem que sugira os caminhos do que se pensa
moderno sem o abandono do passado. Essas narrativas querem mostrar uma
possibilidade aceitável de se incorporar, nos hábitos da comunidade,
características diversas daquelas em que se originaram e nessa
maleabilidade, realizar a continuidade com os sistemas de tradição.
(PEREIRA, 1998, p. 62)
No processo de reprodução de representações, as informações orais dos moradores
revestem o passado de aspectos do presente, e vice-versa. Nas “lembranças se medem, além
das antigas questões que afligiram os vários grupos sociais, outras, novas, que surgem com as
transformações modernas sofridas pela região” (PEREIRA, 1998).
O narrador do Vale do Jequitinhonha fala de sua terra com a autoridade de
quem vive nela, mergulhado em disparidades históricas que se transformam
no substrato de seus contos e casos. Os conhecimentos adquiridos na luta
pela sobrevivência, fora ou dentro da região, tornam-se matéria a ser
perpassada de boca em boca porque contem fórmulas de subsistir. (Ibidem,
p. 31)
A oralidade além de contribuir para a transmissão de determinadas representações que
compõem o imaginário da população, e preservar traços característicos da região, manifesta
um rico patrimônio oral. Na música, pode-se destacar o Coral das Lavadeiras de Araçuaí; as
letras e canções de Paulinho Pedra Azul; Rubinho do Vale, Pereira da Viola, Tadeu Franco,
além de tantos outros menos consagrados pelos meios de comunicação, mas não menos
importantes culturalmente. Incorpora também esse patrimônio oral, os poemas de poetas e
trovadores, assim como os casos de contadores anônimos e outros já aclamados como Tadeu
Martins e Gonzaga Medeiros, e a atuação do poeta, comediante e apresentador Saulo
Laranjeira.
A informação oral também é elemento fundamental na transmissão de técnicas de
produção do artesanato do Vale do Jequitinhonha, que tem na cerâmica a sua expressão mais
38
acentuada. Ironicamente, a riqueza hoje representada pelo artesanato em cerâmica da região, à
semelhança dos recursos minerais do passado, também é extraída do solo. O barro e a argila
são as principais matérias-primas empregadas. A mesma terra árida que em determinadas
épocas do ano sucumbe perspectivas para a subsistência, faz emergir a principal fonte de
renda para muitas famílias da região.
A respeito da sua história na criação de peças de cerâmica, D. Izabel Mendes da
Cunha, referência do artesanato da região, conta que “com cerca de oito anos, como ela diz,
já fazia suas primeiras peças de barro, brinquedos para os irmãos e para si própria. Foi sua
mãe quem a incentivou a modelar e a usar o forno de lenha para queimar as peças”
(MATTOS, 2007, p. 195).
Eu aprendi a mexer com o barro com a minha mãe (D. Vitalina), que
também aprendeu com a mãe dela (D. Carlota), que também aprendeu com
a mãe dela. Primeiro eu começava a fazer as bonequinhas, pra gente brincar,
as panelinha. Olhava os menino e ia mexendo com o barro e nisso fui
crescendo e a idéia da gente vai crescendo também. A gente ia inventando
mais coisa. O povo gostava. Depois que a gente acabou de criar, eu
continuei sempre nesse serviço. E fui fazendo a idéia e modificando. Fazer
essas cores do barro para colorir os barros uns aos outros, foi minha idéia
mesmo. Pegar o barro e apurar para fazer o colorido. Pegava e fazia e
continuava. (Trechos da entrevista de D. Isabel Mendes da Cunha
concedida a Sonia Missagia Mattos, em 13 de março de 1997, reproduzidos
no artigo “Mãos Criadoras de Vida: Ceramistas do Vale do Jequitinhonha”).
Utilizando-se de técnicas rudimentares para a produção das peças em cerâmica, os
artesãos, ou mais precisamente, as artesãs, tendo em vista que na região esta é uma atividade
majoritariamente feminina, manifestam ou projetam nas suas criações, personagens diversos.
No processo de produção,
Os artesãos têm como instrumento o sabugo de milho, pano molhado, coité,
um improvisado pincel levando na ponta um pedacinho de algodão, para dar
uma pintura final nas cores vermelha e preta, que é extraída do barro
chamado tauá, como também sai da tabatinga a cor branca. (CODEVALE,
1986, p. 96)
Assim como a cerâmica, os demais artesanatos da região envolvem processos
elementares de produção. Mas em contraposição, manifestam uma expressiva dimensão
criativa, além de apresentarem uma relevante dimensão econômica para o Vale do
Jequitinhonha, assegurando “o sustento de famílias inteiras na Região, ao mesmo tempo em
que permite extravasar toda uma criatividade artística que reflete sonhos, esperanças, bem
39
como uma visão do mundo bem própria de quem a tem dura e simples, como são suas vidas”
(CODEVALE, 1986, p. 97).
Ademais, a questão financeira propiciada pela sua venda, imprescindível para o
suprimento material das condições de existência da população, o artesanato faz emergir da
vida simples, verdadeiros ícones regionais, revestidos de certo glamour.
Alguns nomes de artesãos tornaram-se muito conhecidos pela beleza e
originalidade de suas produções. As irmãs Batistas – Noemisa, Santa,
Geralda, e Jacinta – e, ainda, Zefa, seu Ulisses Pereira Chaves, Maria
Assunção, Juvência, Dona Rita e Mundinha Santeira assinam peças famosas
em cerâmica. Seu Antônio de Veredinha e Dona Celestina são destaque
com produtos de cestaria. Dida de Caraí reproduz flores e objetos em peças
de utilidade doméstica. Maria Assunção, de Taiobeiras, Isabel, de Itinga,
Ana do Baú, de Minas Novas, têm no barro seu veículo de expressão
artística. (Ibidem, p. 97)
A esta lista elaborada pela CODEVALE na década de 80, poderíamos incluir
atualmente outros nomes, como, por exemplo, D. Lira Marques, de Araçuaí, famosa pela
produção de máscaras indígenas. Entretanto, não podemos esquecer-nos de tantos outros
artesãos reservados ao anonimato e que contribuem para a riqueza artesanal típica da região.
O artesanato, embora diversificado, constitui-se em apenas uma das manifestações que
conferem opulência à cultura da região. Existem ainda manifestações folclóricas e religiosas.
A festa mais comum no Vale do Jequitinhonha é a Folia de Reis, que, por sua vez, não é
manifestação exclusiva da região, noutras partes do Estado e em vários outros municípios do
Brasil ela também é celebrada.
Na região, são festejados ainda o Divino, Nossa Senhora do Rosário, São Sebastião,
Pastorinhas, Marujadas e Congado. Tais manifestações remontam às origens históricas da
região. Aires da Mata Machado Filho, em sua obra que trata do folclore da mineração e
apresenta um vocabulário dos faiscadores do povoado de São João da Chapada, município de
Diamantina, caracteriza a simbologia da Festa do Divino para os moradores do povoado:
Vindo a Festa do Divino, ou outra qualquer, manda caiar a casa de nôvo,
veste garridamente mulher e filhas, renova-se também, e fica esperando a
parentada ou os compradores do sertão. Sim, do sertão, essa vaga ficção
geográfica que sempre foge a localização precisa. Pode-se entrar pelo
sertão, que sempre haverá um sertão mais para o interior do país. (...) O tipo
autêntico do lugar tem gabo em ver a casa cheia de gente na ocasião das
festas. É sinal de prosperidade e mostra a índole hospitaleira.
(MACHADO FILHO, 1985, p. 27-28.)
40
Nas festas do Rosário, que têm “os homes pobres e de cor” (CODEVALE, 1986)
como seus principais promotores,
Ocorrem as cerimônias de troca de reis, encenações, resquícios da tradição
oral, muitas de cunho medieval e misto de religiosidade e ritos pagãos.
Festejos dos cavaleiros, cavalhadas, marujos, ponteiros - imitações dos ritos
das cortes. Ainda batuques com tambores, tamborins, cuícas, maracás.
(JARDIM, 1998, p. 109)
Somando-se a essas festividades, a região apresentava no passado outras
manifestações, que com o passar do tempo foram e vão se descaracterizando, perdendo assim
o seu caráter religioso e/ou folclórico. “Havia em Jequitinhonha a novena das pastorinhas
vestidas ‘à moda’”. “Havia também o Boi Janeiro” (Ibidem, p. 111).
Embora certas manifestações da cultura regional vão se dissolvendo e/ou se
ressignificando em meio a outras práticas, outras demonstram intensa vitalidade. Assim,
podemos falar ainda da existência de uma expressiva cultura popular na região na medida em
que revela traços e modos de vida da população, tendo nos festivais o seu lócus privilegiado,
onde se reúnem e mostram as diversas expressões do seu povo.
Assim, o Vale do Jequitinhonha revela uma realidade paradoxal, em que a carência
social e a riqueza cultural são dois extremos por onde perpassam diversas oposições
aparentes. Passado e presente; imigração e emigração; fama e anonimato; simplicidade e
glamour; pobreza e opulência; secas e enchentes; escassez e abundância; integram o
desenvolvimento de um processo que resulta na configuração de uma realidade cujo traço
distintivo é a diversidade sociocultural.
41
CAPÍTULO II
ESTADO DE MINAS: “O GRANDE JORNAL DOS MINEIROS”
O Estado de Minas é um jornal diário18, em formato standard (38 x 58 cm), com
tiragem variável, com média de venda diária por semana de 93 mil exemplares, podendo
alcançar até 140 mil exemplares a depender das notícias de destaque. Vale ressaltar que existe
uma diferença entre tiragem e circulação, uma vez que nem todos os exemplares impressos
são vendidos ou chegam até o leitor. Segundo dados disponibilizados pelo grupo Diários
Associados19, o Estado de Minas totaliza 9.699 exemplares por venda avulsa/dia, e 67.524 por
assinaturas. Incluindo vendas avulsas e assinaturas, a circulação do jornal nos dias úteis é de
mais de 71 mil exemplares e aos domingos é de aproximadamente 112 mil exemplares20.
Para se ter uma idéia, levando para o plano nacional, segundo dados da ANJ
(Associação Nacional de Jornais), no Brasil, a venda diária de jornais chega a 7,230 milhões
de exemplares, sendo que destes, 50% são aferidos pelo IVC (Instituto Verificador de
Circulação), instituto ao qual o Estado de Minas é filiado. No panorama do mercado de
jornais no Brasil, de acordo com um ranking sobre a leitura de jornais no mundo, publicado
pela Associação Mundial de Jornais, onde se apura a proporção da circulação
média/população adulta, o Brasil apresentou índice de 45,3 cópias por mil habitantes.
No cenário mineiro, o Estado de Minas tem como principais concorrentes: o Hoje em
Dia, O Tempo e o Super. O primeiro a ameaçar a posição hegemônica do Estado de Minas no
mercado jornalístico “foi o jornal Hoje em Dia, fundado em 1988 pelo ex-governador mineiro
Newton Cardoso. Em seguida, também passou a disputar a preferência dos leitores mineiros o
periódico O Tempo, criado também por um político, o deputado federal Vitório Mediolli”
(MAGALHÃES, 2005, p. 64). Mais recentemente, o Estado de Minas vem enfrentado a
atuação de jornais populares como o Super, vendido a R$ 0,25. No mês de agosto de 2007,
este jornal alcançou vendagem de aproximadamente 300 mil exemplares diários, segundo
dados do IVC.
18
De acordo com ANJ (Associação Nacional de Jornais), a definição de jornal diário adotada em 1988 pela
Associação Mundial de Jornais (World Association os Newspaper – WAN) segue a definição da UNESCO, com
o objetivo de padronizar e facilitar comparações internacionais. Segundo a qual, os jornais diários são aqueles
publicados no mínimo quatro dias por semana. (ANJ, 2008)
19
O grupo Diários Associados foi fundado por Assis Chateaubriand, em 1924 , e se configurou num verdadeiro
conglomerado das comunicações no Brasil, envolvendo 50 veículos entre jornais, emissoras de rádio e TV,
revista, sites e portais da internet, e fundação.
20
Base de dados do Instituto Verificador de Circulação ( Julho 2008 - venda avulsa e assinatura).
42
Além de Minas Gerais, o jornal Estado de Minas circula nos Estados da Bahia,
Espírito Santo, Rio de Janeiro, e nas cidades de São Paulo, Goiânia e no Distrito Federal,
variando de preço21 conforme a localidade, como mostra tabela a seguir.
TABELA 3 - Preço (R$) do exemplar do Estado de Minas por venda avulsa
Preço (R$) do exemplar por venda avulsa
Localidade
Segunda a sábado
Domingo
MG (capital e interior)
2,00
3,00
SP, DF e Goiânia
2,00
3,00
RJ (capital)
2,00
3,00
RJ (interior)
3,00
4,00
ES (capital e interior)
3,00
4,00
BA (capital e interior)
4,00
5,00
No que se refere ao público do Estado de Minas, o Grupo Diários Associados
divulgou o perfil do seu leitor22, em que, com relação ao gênero, 50% são homens e 50%
mulheres. Com relação à idade e à classe social apresenta os seguintes dados:
TABELA 4 - Perfil do leitor com relação
à idade
Idade
De 10 a 14 anos
4%
De 15 a 19 anos
10%
De 20 a 29 anos
23%
De 30 a 39 anos
23%
De 40 a 49 anos
21%
A partir dos 50 anos
10%
TABELA 5 - Perfil do leitor com relação
à classe social
Classe Social
A
23%
B
50%
C
23%
DE
4%
FONTE: Diários Associados
Assim, podemos observar que o alvo do Estado de Minas é a população adulta, em
plena atividade e que se concentra nas classes mais elevadas economicamente da sociedade.
21
Só consideramos o preço das vendas avulsas, tendo em vista que as assinaturas apresentam variações nos
preços em função das formas de pagamento.
22
Base de dados Ipsos Marplan. Abril 2007 a Março 2008. Mercado GHB.
43
No tocante ao conteúdo23, o Estado de Minas é estruturado em cadernos e
suplementos. O Primeiro Caderno é composto pelas editorias Economia,
Internacional,
Nacional, Opinião, Ciência e Política, sendo de circulação diária. Este caderno apresenta
cobertura de acontecimentos políticos e econômicos de Minas, do Brasil e do mundo, com
reportagens, análises e seus impactos no cotidiano. “Expõe a opinião do jornal, as reflexões
dos especialistas e publica as cartas dos leitores. Destaca ainda as novidades nas áreas de
ciência, da pesquisa e do desenvolvimento” (DIÁRIOS ASSOCIADOS, 2008. Disponível em:
http://www.diariosassociados.com.br/).
O EM Cultura é um caderno de circulação diária, com
enfoque na área cultural de Minas. Traz um roteiro cultural
diário, crônicas de consagrados escritores e artistas. Suas
colunas e seções são: Horóscopo, Gastronomia, Anna Marina,
História do Dia, O Berço da Palavra, Dicas de Português, Tout
Court Minas, Mário Fontana, Hit de Helvécio Carlos, Giro
Cultural, Roteiro, Telemania, Caras & Bocas de Daniela Mata
Machado, Cruzadas e Quadrinhos.
O caderno Gerais apresenta assuntos variados como
educação, saúde, segurança pública, meio-ambiente, lazer,
carnaval, datas reliogiosas, cultura, patrimônio artístico e
religioso,
administração
pública,
trânsito,
estradas,
etc.
“Através do jornalismo-cidadão, o caderno privilegia uma maior proximidade com o leitor,
por meio da seção de cartas, que aborda temas ligados à relação das pessoas com a
comunidade em que vivem” (DIÁRIOS ASSOCIADOS, 2008). Além disso, “o caderno
procura retratar personagens interessantes, que fazem ações que emocionem ou que
interessem à comunidade” (Ibidem).
Podemos observar que o tema cultura se insere em dois cadernos distintos do Estado
de Minas, no EM Cultura e no Gerais. Com base no conteúdo das edições analisadas não
identificamos uma diferença clara entre a abordagem feita num caderno e noutro sobre
cultura, até mesmo pelo fato de no Gerais as matérias sobre cultura serem pouco freqüentes.
Acreditamos que esta inserção da cultura também neste caderno se deva à proposta deste ter
um conteúdo bem variado.
23
A descrição do conteúdo foi elaborada com base em análise das edições, juntamente com informações
disponibilizadas na home- page dos Diários Associados.
44
O caderno Esportes apresenta cobertura do futebol brasileiro e internacional. Traz
informações dos grandes eventos (Olimpíadas, Copa do Mundo/Eliminatórias) e as principais
competições, destacando a participação dos clubes mineiros. Circulando diariamente, o
caderno também dedica espaço para outras modalidades esportivas e atividades comunitárias,
como campeonatos escolares. E, por fim, o caderno Classificados, que também circula
diariamente, apresentando anúncios de empregos, imóveis e veículos.
Os suplementos do jornal são, na sua maioria, apresentados em formato tablóide (29 x
38 cm) e circulam apenas em determinados dias da semana. O Agropecuário, que circula toda
segunda-feira, é caracterizado pela prestação de serviços e a abordagem prática dos temas. O
Bem viver circula no domingo e trata de assuntos de saúde, nutrição, vida alternativa e
família, com matérias de comportamento e dicas de saúde. O suplemento Direito & Justiça
tem circulação na segunda-feira e aborda temas relacionados ao Poder Judiciário,
direcionados a profissionais de direito, e veicula decisões e reflexões de interesse geral. O
Divirta-se constitui-se num guia semanal de entretenimento de Belo Horizonte, que sai na
sexta-feira.
O suplemento Emprego circula no domingo e traz matérias diversificadas sobre o
mercado de trabalho, carreira, gestão, programas de estágio, trainee e treinamento. Também
com circulação no domingo, o Feminino & Masculino apresenta temas variados como moda,
comportamento, saúde, arquitetura e decoração, gastronomia e sexualidade. O Guia de
Negócios, por sua vez, mostra como funcionam pequenos empreendimentos de diversos
segmentos da economia e aponta oportuniades de negócios e tem circulação no domingo.
Circulando aos sábados, o Gurilândia é um suplemento infantil que aborda o universo
das crianças; e circulando na segunda-feira, o Hora Livre apresenta jogos e passatempos. O
suplemento Imóveis tem circulação na quinta-feira e no domingo. Saindo toda quinta-feira, o
Informática traz informações sobre computação móvel e fixa, internet, sites e blogs, hardware
e softwares (produtos, serviços e orientações de uso). O suplemento Pensar aborda o mundo
dos escritores e pensadores e sai aos sábados. O Prazer EM Ajudar dedica-se ao movimento
de responsabilidade social das empresas e o seu impacto no desenvolvimento sustentável do
país, na sociedade, na vida das pessoas e no mundo dos negócios, e circula na última terçafeira de cada mês.
O Ragga Drops é um suplemento que apresenta matérias e notas voltadas para o
público adolescente e jovem. Circulação na quinta-feira. O Turismo apresenta destinos
nacionais e internacionais, e circula na terça-feira. O TV circula no domingo. E o Veículos é
um suplemento que tem a proposta de “apresentar ao leitor os lançamentos de automóveis,
45
caminhões e motos” (DIÁRIOS ASSOCIADOS, 2008). Circulação nas quartas, sábados e
domingos.
Ademais, neste ano, o jornal está com um caderno especial, o EM 80 anos, que é um
caderno temático, publicado todo dia 7 de cada mês, até fevereiro de 2009, integrando as
edições comemorativas do aniversário do Estado de Minas. A sua primeira edição foi
encartada em março, com 60 páginas. O conteúdo deste caderno especial visa abordar casos
de pessoas que realizaram feitos por Minas e pelo país, envolvendo temas relacionados à
política, economia, cultura, internacional, educação, ciência e saúde, esportes, meio ambiente,
grandes reportagens e outros.
II.1 - Credibilidade e presença cotidiana
O Estado de Minas completou em 2008, 80 anos de circulação, fato este que lhe
confere credibilidade no cenário mineiro, uma vez que, circulando ininterruptamente ao longo
desse período, goza do privilégio de integrar de forma contínua o cotidiano dos leitores. Sua
tradição também se projeta no cenário nacional, sobretudo, na atualidade, quando se acentuam
cada vez mais as necessidades de adaptação dos jornais impressos frente às novas mídias que
trazem instantaneidade e dinamismo às informações.
Fundado em 7 de março de 1928, pelos acadêmicos Pedro Aleixo, Álvares Mendes
Pimentel e Juscelino Barbosa, o jornal começa a circular com o título de O Estado de Minas.
Nesta época, no Brasil, delineava-se um processo de transição entre a imprensa artesanal e a
industrial, caminhando para uma posterior profissionalização. Ao lado da grande imprensa,
coexistia a pequena imprensa, originária do movimento operário. Nelson Wernek Sodré na
obra em que trata da história da imprensa no Brasil, narrando algumas iniciativas da imprensa
operária no período, relata que
De janeiro a abril de 1928, circulou impresso o jornal clandestino, antes
mimeografado, O Jovem Proletário. Reaparece, assim, e se desenvolve, ao
lado da grande imprensa, da imprensa capitalista, a pequena imprensa, a
imprensa proletária, sob condições extremamente difíceis. Antes, em
período histórico de condições diversas, houvera pequena imprensa; desde o
século XX, porém, há grande e pequena imprensa, e esta se agrupa em dois
planos: a que é pequena tão somente por condições materiais, relegada ao
interior do país, e que em nada perturba a estrutura social, econômica e
política dominante, e nem mesmo a conseqüente estrutura da grande
imprensa, e a que agrupa as publicações de circulação reduzida e de
pequenos recursos materiais, mas que mantém uma posição de combate à
ordem vigente e cuja condição deriva dessa posição. Assim, na imprensa,
quanto aos órgãos, revistas e jornais, o que existe, agora, é uma imprensa de
classe; ou da classe dominante, ou da classe dominada, com todos os
46
reflexos que essa divisão proporciona à atividade dos periódicos e do
periodismo. (SODRÉ, 1966, p. 370)
Inserido neste contexto capitalista, o então O Estado de Minas, já na sua primeira
edição, que teve tiragem de 5.000 exemplares, em formato tablóide, lançou uma campanha
promocional, segundo a qual quem comprasse um exemplar recebia como brinde, uma caixa
de fósforos com o nome do jornal.
No ano seguinte à sua fundação, passou a incorporar o grupo empresarial Diários
Associados, cujo proprietário era Assis Chateaubriand. Integrando este grupo, no dia 16 de
junho de 1930, “o nome do jornal perde o artigo ‘O’ ganhando força com o título Estado de
Minas” (Hot site EM 80 anos, 2008. Disponível em: http://www.em80anos.com.br/)
Ao longo de oito décadas, o Estado de Minas foi delineando a sua trajetória,
acompanhando e incorporando avanços e técnicas de impressão. Constantes foram as
mudanças gráficas na apresentação física e estruturação do seu conteúdo. Em fevereiro de
1938, o jornal passou por uma reforma gráfica e começou a funcionar com a rotativa Speed
King, aposentando a Linotipo Marinoni (Ibidem). Em 1939, o jornal lançou os anúncios
fonados, instituindo o serviço de assinaturas e anúncios por telefone.
Numa época em que a atuação de mulheres no jornalismo ainda era muita restrita, em
1942, o Estado de Minas contratou a primeira mulher para trabalhar na redação, Oswaldina
Nobre, que começou como tradutora e depois foi noticiarista. Abordando o processo de
profissionalização e a feminização do jornalismo, ROCHA (2007) afirma que
A carreira de jornalismo registrou um aumento na feminização após o seu
processo de profissionalização, iniciado no século passado, mais
especificamente a partir do final da década de 30, com a criação das
associações e sindicatos, passando pelo surgimento dos cursos de
credenciamento, exigência do diploma para o exercício da profissão, divisão
por editorias nas redações até as inovações tecnológicas. (ROCHA, 2007,
p. 1)
Posteriormente, em 1954, o Estado de Minas passa por mais uma reforma gráfica e
adota o modelo padrão da imprensa atual, em formato standard, através da aquisição de uma
rotativa Mann, em quatro cores, com capacidade para rodar mais de 60 mil jornais por hora.
A década de 60 foi um período de acontecimentos de impacto para o jornal. Em 1963,
o Estado de Minas inaugura o serviço de radiofoto. Em 1964, acontece uma grande reforma
gráfica do jornal, com projeto do artista plástico Amilcar de Castro. Em outubro de 1966 é
47
realizada a última impressão com a rotativa Speed King. Em 1967 o jornal passa por nova
reforma gráfica. E, em abril de 1968, morre o proprietário do periódico, Assis Chateaubriand.
Numa fase em que a imprensa inicia o seu processo de informatização, o Estado de
Minas inaugura, em 1979, o Parque Gráfico Geraldo Teixeira da Costa, passando a ser
totalmente produzido em off-set24. Neste período, a empresa passa a atuar também na
prestação de serviços de impressão de jornais para empresas e órgãos do governo. Ainda no
final da década de 70, o jornal amplia setores, o serviço de distribuição e o número de
funcionários. Em 1988, o parque gráfico também é ampliado e, em 20 de março, é impressa a
primeira foto colorida na capa do jornal, retratando um treino da Seleção Brasileira de Vôlei.
Sempre visando a sua projeção junto ao público, o Estado de Minas, inaugurou em
1994, um catálogo com informações e de interação com o leitor, acessado gratuitamente por
telefone, e passou a circular também às segundas-feiras. No ano seguinte, inicia nova reforma
gráfica, incorporando novos conceitos de diagramação e artes visuais, começa a publicar o
caderno de Informática, e inclui novas colunas e matérias de política, humor e esportes. O
processo de reforma gráfica foi concluído em 1996, acompanhado por um processo de
reforma editorial, “onde a cobertura local é priorizada, abrindo o EM para todos os
municípios mineiros [grifos nossos]” (Hot site EM 80 anos, 2008).
Atento às tendências do mercado, o Estado de Minas modernizou a sua redação,
lançando mão da editoração informatizada, sendo o primeiro jornal da América Latina a
oferecer paginação completa por meio de computador. A informatização surge nesse
momento como uma forma dos jornais impressos em geral sobreviverem frente aos avanços e
mudanças trazidos no bojo do desenvolvimento tecnológico das mídias.
Seguindo esta tendência, lança o Net Service, passando a ser o primeiro jornal
brasileiro com provedor de acesso a internet e a fornecer animação na home-page. Em 1998, o
Estado de Minas também disponibiliza via internet o Net Cidadão, nos mesmos moldes do
catálogo de acesso telefônico, criado em 1994, um espaço onde os internautas têm acesso a
variadas informações. E, em 1998, o jornal passa a apresentar policromia nas páginas internas.
No ano 2000, “com o objetivo de buscar um jornalismo independente” (Hot site EM
80 anos, 2008), o Estado de Minas empreende nova reforma editorial. Em 2001, é apresentada
outra reforma gráfica, e ocorre o lançamento do manual de redação do jornal, com o “objetivo
de melhorar a qualidade editorial do EM” (Ibidem).
24
Sistema de impressão indireta numa superfície plana, através de um processo físico-químico de repulsão entre
água e gordura.
48
Após essa longa trajetória que manifesta não somente as mudanças do próprio jornal,
mas também as tendências da imprensa de um modo geral no país, o Estado de Minas alcança
2008, desenvolvendo uma programação comemorativa pelos seus 80 anos de presença
cotidiana junto aos leitores
II.2 - “Estado de Minas 80 anos. Você faz esta história”
A atuação do Estado de Minas pode ser evidenciada na sua inserção no contexto
atual de comunicação em nível global, unidirecional. Um processo caracterizado pela emissão
por parte de um produtor para muitos receptores, onde as mensagens são transmitidas para um
público difuso, que pouco ou quase nada têm em comum, a não ser a condição de consumidor
das mensagens, tendo a concentração dos meios de comunicação como manifestação mais
concreta.
Coerentemente com a ordem mercadológica vigente, e dentro da sua lógica de
empresa comercial e das comemorações do seu aniversário, o jornal tem publicado edições
especiais, promovido apresentações teatrais e musicais, concursos, shows, promoções,
palestras, seminários, exposições, mostras e concertos, e também adotou uma forte campanha
publicitária. Com o slogan "Estado de Minas 80 anos. Você faz esta história”, a campanha
tem o foco na relação com a sociedade; de como a vida das pessoas foi
influenciada pelo jornal e de como o jornal é feito de fatos e histórias
construídos por cada uma delas. O cidadão, além de usufruir das
informações, pode ser personagem da história ou fonte de notícia. (Blog da
TOM
COMUNICAÇÃO,
2008.
Disponível
em:
http://www.tomcomunicacao.com.br/)
E ainda,
A Tom25 quer mostrar, através da campanha, que isso não é exclusividade
de pessoas famosas ou dos representantes do povo. As pessoas comuns
ilustram diariamente as páginas do jornal e seus interesses estão retratados
nele, explica o Diretor de Criação da Tom, Vinicius Alzamora. (Ibidem)
Numa tentativa de aproximação com o leitor e tentando conferir particularidades a um
público difuso, o Estado de Minas lança mão da publicidade intentando resgatar a inserção
direta do público no seu conteúdo, sob um discurso de aparente participação e elaboração das
mensagens pelo leitor.
25
Empresa responsável pela elaboração da campanha publicitária do Estado de Minas.
49
A partir do conceito de que cada pessoa é quem faz sua história
diariamente, o Estado de Minas insere o público nas comemorações,
mostrando como o jornal faz parte do dia-a-dia das pessoas e como os
interesses delas estão retratados nas páginas da publicação. A campanha
apresenta o Estado de Minas como um companheiro de todos os dias, um
jornal que sempre se reinventa e que trata o conteúdo com relevância e
profundidade. Um jornal que se transforma de leitor a leitor, que exibe,
retrata, comenta e perpetua uma história que não só impacta o cotidiano
dessas pessoas, mas que é desenhado por elas. Além de anúncios no jornal,
revistas, filme, spot e backbus, a campanha também tem um hot-site
colaborativo e ações de rua, anúncios de jornal específicos para
funcionários, assinantes e anunciantes. O Estado de Minas também
reimprimiu a primeira edição do jornal, de 1928, e o brinde entregue no
primeiro dia de circulação: uma caixa de fósforos, item de luxo naquela
época. (BONILHA COMUNICAÇÃO E MARKETING, 2008. Disponível
em: http://www.portaldapropaganda.com.br)
A proximidade com leitor proposta pelo jornal tem a internet como ferramenta
principal. Através do desenvolvimento de um site comemorativo, os leitores/internautas
podem prestar sua colaboração, contando “um pedaço da sua história ligada ao Estado de
Minas”, sendo que “as melhores histórias participarão de uma seleção e poderão ser
publicadas em uma página virtual do Estado de Minas”.
Deste modo, para além de uma proposta de interatividade, o que se observa é o uso
de aparatos tecnológicos, que potencializam cada vez mais o alcance dos meios de
comunicação, para propagar mensagens de consumo, qual seja o produto, o jornal Estado de
Minas. Neste sentido, referindo-se a um plano global da comunicação, MORAES (2003) fala
de “uma confluência de variantes mercadológicas e tecnológicas nas mediações efetivadas
pelos titãs da mídia”.
50
CAPÍTULO III
PRESENÇAS E AUSÊNCIAS
A presença de determinados aspectos de um dado fato ou objeto implica a ausência de
outros tantos aspectos do mesmo fato ou objeto, ou de outro diverso. Neste sentido, a ausência
pode carregar consigo grande significado, seja ele intencional ou não, podendo até revelar, às
vezes, maior sentido do que a presença propriamente estampada, uma vez que, a ausência não
significa inexistência, mas corresponde a uma seleção, motivada por diversos fatores, sejam
eles, sociais, políticos, culturais e/ou econômicos. Assim, no intento de compreender
determinadas relações, é preciso lançar mão de um olhar mais profundo, para além daquilo
que nos é exposto, para identificar elementos que não adquiriram visibilidade e as razões
possíveis de isto acontecer. Esta postura assume relevância mais acentuada quando se propõe
analisar os meios de comunicação, cujo processo de produção de notícias exige seleção e
hierarquização para adequação de tempo e espaço pré-definidos, em conformidade com uma
determinada linha editorial.
Desde um modelo elementar de comunicação (fonte j canal/código/mensagem →
receptor) (LAGE, 2003) a variações mais complexas acerca da estruturação do processo
comunicativo26, o destinatário ao qual as mensagens são direcionadas, é um elemento
constitutivo comum. Todo veículo informativo é produzido visando atingir determinado
público, sendo assim, por sua vez, com o jornal Estado de Minas. Veículo e público
estabelecem entre si uma relação, mesmo que esta não seja de forma equânime. Portanto,
vislumbrando compreender esta relação jornal/leitor, buscamos detectar os aspectos da
atuação do Estado de Minas no Vale do Jequitinhonha, bem como os aspectos da região que
adquiriram visibilidade nas páginas do Estado de Minas.
III.1 - O Estado de Minas no Vale do Jequitinhonha
A atuação do jornal Estado de Minas no Vale do Jequitinhonha nesta pesquisa foi
considerada sobre dois prismas: a circulação e o processo de cobertura27 jornalística. No
tocante a cobertura, detectamos que o Vale do Jequitinhonha situa-se numa região de divisa
de duas áreas de cobertura do Estado de Minas: a sucursal Norte, em Montes Claros, onde
26
SHANON & WEAVER; JOHNSON; LASSWEL; MAURO/ECO; HOFSTÄTTER; SCHRAMM; DOBB;
OSGOOD.
27
Segundo Nilson Lage, a cobertura consiste num “trabalho de apuração de um fato ou assunto. Pode prolongarse ou tornar-se permanente, fixando repórteres em determinado setor” (LAGE, 2003, p. 56).
51
trabalha atualmente um correspondente, Luiz Ribeiro, responsável pela porção mais ao norte
do Vale do Jequitinhonha; e a sucursal Leste, em Governador Valadares, que se encarrega de
cobrir a porção mais ao sul do Vale do Jequitinhonha, sob a responsabilidade do
correspondente Daniel Antunes.
Desta forma, podemos observar que o processo de cobertura jornalística da região se
desenvolve com base na setorização. Este procedimento aperfeiçoa a cobertura, uma vez que
permite a inserção dos repórteres em determinadas áreas e o aprofundamento em assuntos
pertinentes a este espaço. Segundo Ricardo Noblat (2006), em A arte de fazer um jornal
diário, a “setorização é o meio para que o repórter conheça melhor determinados temas,
amplie seu leque de fontes de informação e descubra notícias exclusivas” (NOBLAT, 2006, p.
150).
Acreditamos que de fato o Estado de Minas disponha desse meio para atuar no Vale
do Jequitinhonha, por meio de duas sucursais que podem cobrir a região. Mas, tendo em vista
que o Vale do Jequitinhonha não dispõe de um correspondente específico para atuar na sua
área e sendo esta muito extensa, acreditamos que este possa ser um fator que compromete a
cobertura diária da região.
Segundo informações fornecidas pelo repórter Ricardo Beghini28, ambos os
correspondentes das sucursais Leste e Norte “fazem a cobertura cotidiana na região, o que
significa que somente farão matérias quando há fatos de interesse estadual e nacional” [grifos
nossos]. Ele acrescenta que, além da cobertura cotidiana, que também pode ser feita por um
repórter, por telefone, que esteja em Belo Horizonte, “o jornal, eventualmente, faz matérias
especiais no Vale do Jequitinhonha, assim como nas demais regiões”. Ricardo Beghini
explica que estas “são matérias elaboradas por repórteres especiais que ficam semanas após
semanas por conta da apuração. Mas esta cobertura especial é esporádica, rara e feita somente
quando há um assunto muito interessante que mereça investigação”[grifos nossos]. De acordo
com análise das edições, identificamos um destes assuntos tratados de forma especial pelo
jornal: a falta de energia nas moradias próximas à usina de Irapé, presente na edição do dia 31
de agosto29.
No que se refere à circulação, podemos observar uma presença bem irregular do jornal
na região, apresentando cidades com grande número de assinantes e cidades em que sequer o
28
Entrevista concedida à autora desta pesquisa, em 28 de outubro de 2008, pelo Correspondente Zona da Mata e
Vertentes do Estado de Minas, Ricardo Beghini.
29
Ver Anexo 7.
52
jornal circula, ou seja, onde o jornal é ausente. Abaixo apresentamos o número de assinantes30
por cidade de acordo com a sub-região, referentes aos anos de 2006 e 2007.
TABELA 6 – Número de assinantes do Estado de Minas no Alto Jequitinhonha
ALTO JEQUITINHONHA
Cidades
Número de assinantes
Angelândia
09
Aricanduva
0
Capelinha
80
Carbonita
32
Couto Magalhães
0
Datas
14
Diamantina
257
Felício dos Santos
06
Itamarandiba
85
Leme do Prado
0
Minas Novas
41
Rio Vermelho
02
São Gonçalo do Rio Preto
04
Senador Modestino Gonçalves
11
Serro
66
Turmalina
35
Veredinha
02
TOTAL
644
No Alto Jequitinhonha, o município que apresenta o maior número de assinantes é
Diamantina, com 257 assinaturas, seguido por Itamarandiba e Capelinha, que apresentam
respectivamente, 85 e 80 assinantes31. Tais municípios são os mais populosos da sub-região,
apresentado os seguintes números: Diamantina com população total de 43.616; Itamarandiba
com 29.583; e Capelinha com 32.460 habitantes32.
TABELA 7 - Número de assinantes do Estado de Minas no Jequitinhonha Semi-árido
JEQUITINHONHA SEMI-ÁRIDO
Cidades
Número de assinantes
Águas Vermelhas
0
Berizal
0
Bocaiúva
118
Botumirim
0
Cristália
0
Curral de Dentro
0
Divisa Alegre
0
30
Estes dados podem ter alteração diária conforme cancelamentos de assinaturas e inclusão de novos assinantes.
As tabelas não contemplam o número de vendas avulsas nas bancas, mas acreditamos que deva seguir o
mesmo perfil das vendas por assinaturas.
32
Dados segundo Instituto de Geociências Aplicadas – IGA referentes ao ano de 2000.
31
53
Fruta de Leite
Grão Mogol
Guaraciama
Indaiabira
Itacambira
Josenópolis
Montezuma
Ninheira
Nova Porteirinha
Novorizonte
Olhos D'água
Padre Carvalho
Pai Pedro
Porteirinha
Riacho dos Machados
Rio Pardo de Minas
Rubelita
Salinas
Santa Cruz de Salinas
Santo Antônio do Retiro
São João do Paraíso
Serranópolis de Minas
Taiobeiras
Vargem Grande do Rio Pardo
TOTAL
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
37
0
18
0
37
0
0
05
0
25
0
240
O Jequitinhonha Semi-árido, sub-região composta pelo maior número de municípios, é
a que apresenta menor número de assinantes, ficando à frente apenas, em números absolutos,
do Médio Jequitinhonha. Das poucas cidades com assinantes do Jequitinhonha Semi-árido,
Bocaiúva, cuja população é de 43.553 habitantes, lidera com 118 assinaturas, correspondendo
a aproximadamente 50% do total de assinaturas da sub-região. Ao passo que, em 24, dentre os
30 municípios do Jequitinhonha Semi-árido, pode-se constatar uma ausência total do Estado
de Minas, como, por exemplo, no município de Novorizonte, que tem população total de
4.468 habitantes, e não possui nenhuma assinatura do jornal.
TABELA 8 - Número de assinantes do Estado de Minas no Médio Jequitinhonha
MÉDIO JEQUITINHONHA
Cidades
Número de assinantes
Araçuaí
86
Berilo
03
Cachoeira de Pajeú
01
Caraí
0
Chapada do Norte
02
Comercinho
0
Coronel Murta
04
Francisco Badaró
03
Franciscópolis
0
Itaobim
30
54
Itinga
Jenipapo de Minas
José Gonçalves de Minas
Medina
Novo Cruzeiro
Padre Paraíso
Ponto dos Volantes
Setubinha
Virgem da Lapa
TOTAL
08
01
0
19
19
20
0
06
23
225
No Médio Jequitinhonha, Araçuaí é o município com o maior número de assinantes,
86, e, que, por sua vez, tem população de 35.993 habitantes.
TABELA 9 - Número de assinantes do Estado de Minas no Baixo Jequitinhonha
BAIXO JEQUITINHONHA
Cidades
Número de assinantes
Almenara
74
Bandeira
0
Divisópolis
0
Felisburgo
07
Jacinto
12
Jequitinhonha
45
Joaíma
26
Jordânia
0
Mata Verde
0
Monte Formoso
0
Palmópolis
0
Pedra Azul
58
Rio do Prado
0
Rubim
07
Salto da Divisa
19
Santo Maria do Salto
01
Santo Antônio do Jacinto
04
TOTAL
253
No Baixo Jequitinhonha, Almenara, município com 35.313 habitantes, apresenta o
número máximo, com 74 assinantes.
Podemos observar que dentro de uma mesma sub-região a distribuição do número de
assinaturas é bem desigual, sobretudo, no Jequitinhonha Semi-árido, onde 80% dos
municípios não possuem assinaturas.
55
Entre as sub-regiões esta diferença também é acentuada. O Alto Jequitinhonha,
composto por 17 municípios, é a sub-região que tem mais assinantes, 644, um número bem
superior ao dobro de assinaturas de quaisquer outras sub-regiões.
Consideramos a circulação do Estado de Minas com base somente nas assinaturas,
pois segundo informações prestadas pela equipe do jornal, de 60 a 80% das cidades que não
têm assinantes, também não tem venda avulsa, devido ao custo de transporte. Já nas cidades
que têm assinantes, ocorre uma média proporcional de vendas avulsas. Por exemplo, se a
cidade tem 20 assinantes, a venda avulsa varia de dois a três exemplares por dia. Esta
proporção pode ser alterada, de acordo com os dias da semana, como sábado e domingo,
quando a vendagem é maior.
Com base nos dados sobre as assinaturas, que revela presenças e ausências do jornal
na região, acreditamos que, em termos de mercado, o Vale do Jequitinhonha, de um modo
geral, não se constitui numa fatia interessante para o Estado de Minas face às outras partes do
Estado. Esta hipótese pode ser evidenciada, pela constatação acerca do público do jornal,
publicada pelo grupo Diários Associados33.
O Estado de Minas, entre todos os jornais que circulam na Grande BH, é o
que apresenta maior número de leitores que ocupam cargos em nível
superior em sua atividade profissional, graduados, pós-graduados ou que
pretendem fazer cursos de pós-graduação; possuem renda familiar a partir
de 10 salários mínimos; investidores (têm aplicações financeiras);
pretendem viajar para o exterior e costuma freqüentar exposições, museus e
peças de teatro. (DIÁRIOS ASSOCIADOS, 2008)
Esta declaração revela a elitização do público do jornal e, sobretudo, um interesse da
empresa em se afirmar como tal, privilegiando os leitores das cidades circunscritas na região
metropolitana de Belo Horizonte. Esta tendência à elitização se revela de forma abissal
quando confrontada com dados sobre o analfabetismo funcional por faixa etária em algumas
cidades do Vale do Jequitinhonha. De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no
Brasil (2003), a cidade de Fruta de Leite, por exemplo, apresentou em 2000, percentual de
68,47% da sua população com 15 anos ou mais com menos de quatro anos de estudo. Mesmo
tendo em vista que os dados referem-se a uma cidade específica, eles podem ter indicadores
semelhantes em outros municípios da região.
33
Grupo empresarial das comunicações do qual o Estado de Minas faz parte. Além de jornais, o grupo envolve
emissoras de rádio e TV, revista, sites e portais da internet, e fundação.
56
Quando confrontamos estes números com as características do perfil do leitor do
Estado de Minas, dos quais 87 % dos leitores correspondem às faixas etárias acima de 15
anos, constatamos que de fato determinadas cidades, a exemplo de Fruta de Leite, não se
enquadram neste perfil.
Acrescentando-se aos aspectos relacionados à educação, que são de grande relevância
para um jornal impresso, uma vez que a capacidade de leitura é atributo necessário à
decodificação lingüística por parte do leitor, pode-se apontar também
o fato do jornal
constituir-se numa mercadoria que tem o seu preço. Numa região, estigmatizada pelo
estereótipo da carência social, as possibilidades de consumo podem se manifestar bem menos
atraentes para o veículo do que outras partes do Estado que não ostentam sobre si estigma
similar.
Apesar de não dispormos de dados numéricos sobre esta idéia, nossa pesquisa apontou
como principal conclusão o preceito baseado na relação do jornal como “uma empresa
interessada nas suas vendas” e o Vale do Jequitinhonha como uma região pouco atraente do
ponto de vista comercial, como veremos a seguir através da análise propriamente das fontes
pré-selecionadas.
Mas ironicamente, os Diários Associados afirmam que o Estado de Minas
é referência para a formação da opinião pública em Minas Gerais e um dos
diferenciais do jornal é a credibilidade do seu conteúdo, a manchete
concisa, bem elaborada e rica em detalhes. Não disputa, portanto, posição
no ranking de vendas avulsas – colocando a qualidade do trabalho, acima da
quantidade de exemplares vendidos. (DIÁRIOS ASSOCIADOS, 2008)
Assim, podemos constatar que, se por um lado as vendas avulsas do jornal não são
apresentadas como indicadores relevantes para o Estado de Minas, por outro, sobre as
assinaturas, não se pode dizer o mesmo, sobretudo porque as assinaturas asseguram a
fidelização de um público, e se constituem numa parcela de vendas garantida para a empresa.
III.2 - O Vale do Jequitinhonha nas páginas do Estado de Minas
Analisamos 58 edições publicadas nos meses de julho e agosto deste ano,
conjugando métodos quantitativos e qualitativos, envolvendo análise morfológica, do
conteúdo e dos resultados. Com base nesta análise, detectamos que não há uma regularidade
sobre a presença/ausência da região no Estado de Minas, uma vez que oscila a periodicidade e
a freqüência com que o Vale do Jequitinhonha e/ou municípios situados na região aparecem
no jornal.
57
GRÁFICO 1 – Municípios do Vale do Jequitinhonha nas edições julho/agosto 2008.
Média do nº de municípios citados
Presença de municípios do Vale do Jequitinhonha nas
edições de julho e agosto/2008
14
12
10
8
6
4
2
0
42 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 80 82 94 110 112 114 116 118 120 144
Nº total de páginas do Jornal
Podemos observar que assim como varia o número de páginas por edição, também
varia a média de municípios citados. No gráfico acima consideramos as citações do nome dos
municípios do Vale do Jequitinhonha, ou da região como um todo. Não consideramos o
conteúdo das informações. Na edição em que o jornal apresentou o maior número de páginas,
144, não foi citado nenhum município. Assim como, em algumas das edições que apresentou
menor número de páginas, 42, nenhuma cidade também foi citada. A edição que trouxe o
maior número de municípios foi veiculada no dia 31 de agosto, apresentado 114 páginas e
citando 12 cidades da região. Desta forma, pela leitura do gráfico, cumpre afirmar que o Vale
é pouco citado, apresentando uma média de 0 a 6 citações por edição, com exceção apenas da
edição do dia 31 de agosto.
Dentre os municípios que estiveram presentes no Estado de Minas no período,
podemos observar que existe maior freqüência de determinadas cidades em detrimento de
outras. O gráfico seguinte mostra as cidades conforme a sub-região do Vale do Jequitinhonha
que foram citadas no jornal. O gráfico foi estruturado em sub-regiões apenas para fins
didáticos, uma vez que o Estado de Minas não adota esta divisão. Além das sub-regiões,
58
consideramos o Vale do Jequitinhonha como um todo, pois o jornal refere-se também a região
em geral e não apenas faz referência para situar determinado município.
GRÁFICO 2 – Municípios das sub-regiões e da região como um todo no período
julho/agosto.
Presença de municípios das sub-regiões e da região
como um todo no período julho/agosto
11%
14%
37%
16%
22%
Alto Jequitinhonha
Jequitinhonha Semi-árido
Médio Jequitinhonha
Baixo Jequitinhonha
Vale do Jequitinhonha (como um todo)
Comparando a presença das sub-regiões, é notório que existe uma diferença
considerável entre elas. O Alto Jequitinhonha é a sub-região que teve o maior número de
municípios citados, 37%. Ao passo que as cidades do Baixo Jequitinhonha obtiveram menor
visibilidade, 14%. A referência à região como um todo é menos freqüente no jornal,
aparecendo em 11% das vezes. Acreditamos que este dado sobre a citação da região como um
todo se deva à proposta do jornal de priorizar a “cobertura local” e pelo fato do Vale ser uma
região extensa, este tipo de referência pode gerar certa imprecisão ao leitor com relação à
procedência da informação, sobretudo diante da possibilidade de se incluir ou não um
município como parte da região conforme a divisão administrativa em questão.
Mas é notório também que dentro de uma mesma sub-região, existe uma presença
díspar entre as cidades. Dos municípios pertencentes ao Alto Jequitinhonha, o que obteve
maior visibilidade foi Diamantina. Do Jequitinhonha Semi-árido a cidade mais presente foi
Salinas. No Baixo Jequitinhonha, Santa Maria do Salto. O Médio Jequitinhonha, por sua vez,
é a sub-região em que a presença dos municípios se manifesta com maior uniformidade,
variando entre uma e duas matérias.
59
GRÁFICO 3 - Municípios do Alto
Jequitinhonha no período julho/agosto.
GRÁFICO 4 - Municípios do Jequitinhonha
Semi-árido no período julho/agosto.
Presença de municípios do Jequitinhonha Semi-árido
no período julho/agosto
Presença de municípios do Alto Jequitinhonha no
período julho/agosto
Taiobeiras
Turmalina
Salinas
Rio Pardo de Minas
Porteirinha
Minas Novas
Município
Município
Serro
Leme do Prado
Itamaramdiba
Nova Porteirinha
Grão Mogol
Fruta de Leite
Divisa Alegre
Diamantina
Cristália
Capelinha
Botumirim
Aricanduva
Bocaiúva
0
5
10
15
20
25
0
1
N° de matérias
2
3
4
5
6
7
8
Nº de matérias
GRÁFICO 5 - Municípios do Baixo
Jequitinhonha no período julho/agosto
GRÁFICO 6 - Municípios do Médio
Jequitinhonha no período julho/ agosto.
Presença de municípios do Médio Jequitinhonha
no período julho/agosto
Presença de municípios do Baixo Jequitinhonha no período
julho/agosto
Virgem da Lapa
Santo Antônio do Jacinto
Setubinha
Padre Paraíso
Medina
Salto da Divisa
Município
Município
Santa Maria do Salto
Rubim
Pedra Azul
Jordânia
José Gonçalves de Minas
Itinga
Itaobim
Franciscópolis
Francisco Badaró
Jacinto
Cachoeira do Pajeú
Berilo
Almenara
Araçuaí
0
1
2
3
4
Nº de matérias
0
1
2
3
Nº de matérias
Em termos quantitativos é visível a discrepância entre as cidades citadas no jornal.
Mas, em termos qualitativos, a predominância de determinados municípios nas páginas do
Estado de Minas se revela de forma bem mais contundente. Podemos observar uma presença
expressiva e contínua de Diamantina. Entretanto, esta presença reserva algumas
peculiaridades. Para o Estado de Minas, o município de Diamantina simplesmente não se
localiza no Vale do Jequitinhonha. Mas, na “região central”. Assim como o Serro, portanto,
merecedores de mais atenção e com outro perfil de público. Entretanto, tendo em vista que
conforme a divisão regional adotada um município pode estar ou não inserido na região,
admitimos que certa indefinição possa ocorrer.
O Manual da Redação do Estado de Minas orienta que “ao citar uma cidade mineira,
recomenda-se identificar sua distância em relação a Belo Horizonte e em que região do
Estado fica.” (MANUAL DA REDAÇÃO, 2001, p.68). Mas o que observamos é que na
prática, o jornal não segue um padrão para identificar as cidades. Pois, Setubinha, por
60
exemplo, ora aparece localizada no Vale do Mucuri (Edição 8 de julho), ora como situada no
Vale do Jequitinhonha (Edição 16 de agosto). Ou ainda, Jordânia, que aparece como
localizada no Vale do Jequitinhonha (Edição 24 de agosto), e também no Norte de Minas
(Edição 25 de agosto).
Esta falta de padronização se manifesta de forma curiosa quando se considera os temas
abordados. Nas poucas matérias que tratam de temas positivos, como fatos ou acontecimentos
que levam benefícios ou oportunidades para a região, a localização nunca se refere ao Vale
do Jequitinhonha. As cidades citadas sempre são identificadas como pertencentes à outra
região, como por exemplo, na edição de 20 de julho, numa entrevista34 onde aborda a
descoberta de uma “superjazida de minério de ferro em Rio Pardo de Minas, no Norte do
estado.” Ou ainda, na edição de 26 de agosto, no suplemento Prazer EM Ajudar, que traz a
seguinte Manchete: “Futuros cidadãos”, e em seguida: “A infância recebe atenção especial em
Bocaiúva (Norte de Minas). (...)”.
GRÁFICO 7 – Cadernos/Suplementos onde foram citados municípios e/ou o Vale do
Jequitinhonha.
Cadernos/Suplementos onde foram citados
municípios e/ou o Vale do Jequitinhonha
30
Nº de matérias
25
20
15
10
5
0
ão
aç
uc
Ed
al
ci
pe
Es o
m
ris
s
Tu nal ócio
io eg
ac N
N
de s
a
op
ui
Dr
G
ga ário
ag
R e cu
p
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Ag n di juda
A
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M
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C
EM s
ia
er
G tes
r
po a
Es mi
o
on
Ec o
ã
ni
pi
O a
ic
l ít
Po
Cadernos/Suplementos
34
Ver Anexo 1.
61
No que se refere à apresentação do conteúdo sobre o Vale do Jequitinhonha, o EM
Cultura foi o caderno que concedeu maior presença, em termos quantitativos, à região.
Entretanto, quando observamos a forma na qual este conteúdo foi apresentado, verificamos
uma abordagem essencialmente feita por notas35. As notas apareceram na maioria das vezes
na Tout Court Minas, uma coluna diária de conteúdo colaborativo36, que ocupa em média 13
linhas, e que recebe notas por e-mail para divulgação de eventos. Assim, detectamos que o
jornal não apresenta matérias com documentação37 sobre a cultura da região, ou seja, com
tratamento mais elaborado das notícias.
Na coluna Tout Court Minas foram noticiados diversos eventos como o Festival de
Inverno em Diamantina, a Festa do Rosário dos Homens Pretos, no Serro, que para o Estado
de Minas não se localizam no Vale do Jequitinhonha; a Fenics; o Capelinhense Ausente e o
FESTIVALE.
O Festival de Inverno em Diamantina foi o evento mais abordado pelo jornal, mas se
limitando a oferecer a programação. Mesmo constatando que o jornal concede certa
visibilidade à Diamantina, observamos que se comparado com o espaço concedido a outras
cidades que também realizaram festivais no mesmo período, a abordagem é bem desigual. O
Festival de Diamantina foi constantemente noticiado no fim ou no canto das páginas, ao lado
de notícias documentadas sobre os festivais de Ouro Preto e São João Del Rey. Apenas na
edição de 21 de julho38 o jornal trouxe uma matéria que ocupou uma página inteira sobre o
evento, com uma chamada de primeira página no caderno EM Cultura: “Arte e ousadia em
Diamantina”. A matéria fruto da cobertura feita por um enviado especial apresenta um tom
literário, de enaltecimento do evento. Manchete: “Festival de Inverno da UFMG realiza em
Diamantina sua 40ª edição, apostando na experimentação de linguagens, oficinas de arte e
relação com a comunidade”. Nesta matéria a ênfase é dada ao “quem”, ou seja, na instituição
promotora do evento, qual seja a UFMG, com seus alunos e atores, e não ao “onde”,
Diamantina.
Já o FESTIVALE, que aconteceu em Capelinha, foi abordado três vezes: duas na
coluna Tout Court Minas e uma na coluna Trilha Sonora, de Ailton Magiole. Nesta coluna
35
De acordo com o Dicionário de Comunicação, nota é uma pequena notícia destinada à informação rápida,
caracterizada por extrema brevidade e concisão. (BARBOSA & RABAÇA, 1995)
36
Coluna que conta com a colaboração do leitor para a composição do seu conteúdo, através de notas enviadas à
redação pelo e-mail: [email protected].
37
A documentação consiste no “detalhamento de personagens, ambiente e circunstâncias” (LAGE, 2003),
apresenta proposições adicionais sobre os elementos principais da notícia.
38
Ver Anexo 2.
62
publicada no dia 22 de julho39, o texto ocupou 33 linhas e trouxe uma síntese do evento que
iria começar no dia 27. O gênero coluna, definido como “seção especializada de um jornal ou
revista, publicada com regularidade e geralmente assinada” (BARBOSA & RABAÇA, 1995,
p. 143) trouxe alguns detalhes do FESTIVALE como a programação, atrações e realização,
devido a própria dinâmica do gênero, que concede certa liberdade ao colunista, que, por sua
vez, já na abertura da matéria fez uma breve análise do evento: “Foco de resistência cultural
na região, o Festival da Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha (...)”
Já na Tout Court Minas, do dia 26 de julho40, pode-se ler: “Começa amanhã, em
Capelinha, o 26º Festival da Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha (FESTIVALE). Por
uma semana, a cidade será sede da maior celebração da cultura popular no estado. (...)
[grifos nossos]”. E ainda, na Tout Court Minas, do dia 2 de agosto41, outra nota, sob o selo
“Festvale”, fala das apresentações noturnas do evento naquele dia. Nesta, pode-se observar
que o a grafia do nome do evento apresenta um erro.
Ainda no EM Cultura, Diamantina gozou de certo espaço privilegiado, numa matéria
de uma página inteira42 sobre uma exposição de um artista, Chichico Alkimim, que
desenvolveu parte do seu trabalho na cidade. Vale ressaltar que
a matéria se refere à
Diamantina, não propriamente ao Vale do Jequitinhonha. O maior espaço no EM Cultura que
fez referência de fato ao Vale do Jequitinhonha trata-se de uma matéria sobre um espetáculo
estrelado por Saulo Laranjeira, que é natural de Pedra Azul, artista consagrado, que já desfruta
de certa visibilidade em outros meios de comunicação, inclusive na TV, onde apresenta um
programa semanal, o Arrumação. (Edição 28 de agosto).
Embora as notas sejam o gênero predominante no EM Cultura, constatamos que nem
todas as informações sobre o Vale do Jequitinhonha se restringem a elas, variando o
tratamento conforme o conteúdo abordado. O gráfico seguinte apresenta a distribuição do
conteúdo publicado sobre a região de acordo com os gêneros jornalísticos identificados no
jornal.
39
Ver Anexo 3.
Ver Anexo 4.
41
Ver Anexo 5.
42
Ver Anexo 6.
40
63
GRÁFICO 8 – Presença do Vale do Jequitinhonha com relação ao gênero jornalístico43.
Presença do Vale do Jequitinhonha com relação
ao gênero jornalístico
1%
15%
18%
Nota
Coluna
Cartas à redação
Entrevista
58%
6%
2%
Notícia
Artigo
Pela leitura do gráfico podemos evidenciar que o gênero notícia, com 58%, é o
predominante com relação ao conteúdo publicado sobre o Vale do Jequitinhonha.
Acreditamos que notícia seja o gênero recorrente, sobretudo, pela abordagem factual que
envolve os assuntos tratados num jornal diário como o Estado de Minas. Ao passo que artigo
e entrevista foram os gêneros pelos quais a região esteve menos presente, respectivamente, 1 e
2%. De um modo geral estes gêneros são menos recorrentes em todo o jornal, uma vez que
eles reservam certas peculiaridades.
O artigo é um “texto jornalístico interpretativo e opinativo, mais ou menos extenso,
que desenvolve uma idéia ou comenta um assunto a partir de determinada fundamentação”
(BARBOSA & RABAÇA, 1995. p.51). A entrevista é um “tipo de matéria jornalística
redigida sob a forma de perguntas e respostas. Reproduz o diálogo mantido entre repórter e o
43
Neste gráfico, identificamos os gêneros jornalísticos com base nas definições dos termos apresentadas pelo
Dicionário de Comunicação (BARBOSA & RABAÇA, 1995). Ressaltamos que, consideramos como nota,
apenas as notícias curtas publicadas fora das colunas. Já as notas apresentadas dentro de uma coluna foram
consideradas sob o gênero coluna. Também não fizemos distinção entre notícia e reportagem,
independentemente da extensão do conteúdo ou da estrutura de texto apresentada.
64
entrevistado”. (BARBOSA & RABAÇA, 1995, p.238). Numa entrevista44 que citou o Vale do
Jequitinhonha foi do tipo “de opinião”, “aquela que colhe o ponto de vista do entrevistado
sobre determinado assunto” (Ibidem). O entrevistado foi um engenheiro de minas e o assunto
tratado foi o novo mapa da mineração no Estado, do qual faz parte a cidade de Rio Pardo de
Minas, mas que é situada pelo jornal, no norte de Minas.
A disposição desse conteúdo, incluindo todos os gêneros, se revela uniforme com
relação às páginas coloridas e preto e branco do jornal. Já no que se refere ao tratamento
textual de documentação e registro, podemos identificar certas distinções. O espaço mais
nobre concedido ao Vale do Jequitinhonha foi publicado na edição do dia 31 agosto45, quando
o jornal apresentou uma matéria especial de três páginas e com uma chamada de capa. A
matéria especial tratou da falta de energia nas moradias próximas à usina de Irapé.
Na chamada da capa, que se apresenta no final da página, num box amarelo, com uma
foto de fundo escuro, retratando um morador de expressão cansada e segurando uma
lamparina, pode-se ler: Manchete: “Cadê a luz?”. E abaixo: “O aposentado Sebastião Luiz
Magalhães mora só a 10 quilômetros da usina de Irapé, mas está privado do conforto da
energia elétrica. Passados dois anos de funcionamento da hidrelétrica, que custou R$ 1 bilhão,
não há sinais da apregoada redenção do Vale do Jequitinhonha. [grifos nossos]”. Nesta
chamada pode-se constatar o reforço da imagem difundida acerca dos moradores como
pessoas abandonadas à própria sorte, sem perspectivas de melhorias em quaisquer aspectos de
suas vidas. Pessoas que vivem longe do progresso e que necessitam deste para a redenção de
suas vidas, uma situação de penúria que não prescinde de amparo em busca da tão proclamada
libertação.
Ao longo das três páginas da matéria, que também apresentou uma chamada de
primeira página no caderno Gerais, a narrativa dos fatos desenvolve-se em tom dramático,
constituindo-se num exemplo clássico de como o jornal tenta gerir e despertar a emoção.
Segundo trecho extraído da matéria, “Para o Vale do Jequitinhonha, o singelo caso de
Sebastião é sinal de uma decepção de grandes proporções. Continuam em falta os
instrumentos para vencer indicadores sociais, econômicos e demográficos que estão entre os
piores da Região Sudeste, a mais rica do país. [grifos nossos]” Este trecho demonstra a
relevância atribuída pelos meios de comunicação aos indicadores sociais e econômicos
quando se trata do Vale do Jequitinhonha, manifestando a visão que se lança comumente
sobre a região.
44
45
Ver Anexo 1.
Ver Anexo 7.
65
O recurso da criação de personagens também é recorrente em matérias que fazem
referência à região. Nesta especificamente, o “Sebastião” surge como protagonista. Noutras
notícias também podemos observar a utilização deste recurso, assim como o tom dramático,
que não é exclusividade da matéria especial.
Na edição do dia 7 de agosto, numa matéria do Gerais sobre um assalto em Belo
Horizonte, cuja vítima é natural do Vale do Jequitinhonha, a narrativa remete às suas origens:
“A memória do rapaz recua nove anos quando deixou a terra natal, Santa Maria do Salto, no
Vale do Jequitinhonha, a 827 quilômetros da capital, para tentar a sorte na cidade grande.”
Usualmente a sorte é colocada como um algo a ser alcançado pelos moradores da região,
desprovidos de tudo, inclusive de sorte, sendo necessário que eles se lancem rumo às grandes
cidades na tentativa de alcançar melhorias para suas vidas.
Na edição de 10 de julho, numa matéria intitulada “Chupando laranja à beira da
estrada”46, da editoria Economia do Primeiro Caderno, que aborda o comércio informal de
cítricos, pode-se ler: “(...) Graças a elas, a comida está garantida na mesa do araçuiense
Márcio Guedes Santos, de 23 anos. Há três meses, ele trocou a enxada no Vale do
Jequitinhonha pela barraca de frutas na BR 040, em Contagem. A remuneração diária saltou
de R$ 2 para R$ 10 por dia.” Esta passagem evidencia como o jornal reforça o estereótipo
miserável da carência social acerca dos moradores da região, colocando a comida como meta
conquistada por meio do comércio informal, associando os moradores aos estereótipos de
“caipira”, “ambulante”, pessoas sofridas e relegadas à própria sorte.
O apelo à emoção também pode ser constatado na edição de 16 de agosto, numa
matéria intitulada “Comerciante esfaqueada na rua”. Expressando sob forma de romance
policial, ao longo do texto são dados todos os detalhes do crime, associando-o ao cotidiano
das pessoas. Lead47: “A sexta-feira foi de luto e despedida em Setubinha, cidade de 9,5 mil
habitantes no Vale do Jequitinhonha, a 432 quilômetros de BH.” Esta matéria, a exemplo da
matéria especial citada acima, é uma das poucas em que o elemento “onde” que compõe o
lead é o Vale do Jequitinhonha ou um município da região. Usualmente eles são citados a
título de exemplo em matérias que abordam outras regiões. Apenas nas notas, o Vale do
Jequitinhonha é freqüentemente inserido no lead das notícias.
No que se refere à iconografia apresentada no conteúdo sobre a região, a fotografia é a
forma mais utilizada, em função da credibilidade e ao efeito de real que confere à informação
46
Ver Anexo 10.
“O Lead é o relato do fato principal de uma série, o que é mais importante ou mais interessante” (LAGE,
2003, p. 27), constituindo-se no primeiro parágrafo da notícia, respondendo às seis perguntas clássicas: Quem? O
que? Quando? Onde? Como? E Por quê?
47
66
textual. A matéria especial48, como o próprio adjetivo que acompanha o termo expressa, foi a
que mais se utilizou de fotografias, pois ela requer tratamento textual e iconográfico mais
elaborado, além de implicar a disposição de maior tempo para produção.
Nas fotos, constantemente, podemos observar que a legenda não traz a identificação
do lugar retratado. Exceto no suplemento Ragga Drops, que é de conteúdo colaborativo49, e
que na edição de 7 de agosto, trouxe uma foto, enviada por e-mail ao jornal, cuja legenda
refere-se ao município de Capelinha.
Consideramos também a presença do Vale do Jequitinhonha no Estado de Minas,
segundo a participação do leitor. A interação foi identificada em dois espaços do jornal, no
Cartas à Redação, onde se observa uma participação de cunho reivindicatório, e na Tribuna
do Torcedor, no caderno Esportes. No Cartas à Redação de 24 de agosto, um leitor se
pronuncia sobre o estado da BR 367: “(...) Até hoje, a obra está parada e a população do Vale
do Jequitinhonha está sem a sua integração concluída. (...)”. Ressaltamos que determinadas
cidades, como Jacinto e Salto da Divisa, só se fizeram presentes nas edições pela voz do
leitor.
Sobre o destaque dado à região em chamadas de capa, das cinco vezes que ocorreu no
período, três referiam-se a Diamantina, uma ao Serro e uma ao Vale do Jequitinhonha como
um todo. As chamadas de primeira página sobre Diamantina e Serro eram do caderno EM
Cultura, e a da região como um todo, foi a chamada para a matéria especial que trata da
“redenção do Jequitinhonha”. Este tratamento diferenciado aos temas revela como os
problemas sociais e econômicos da região são privilegiados no jornal em detrimento da
cultura popular, que, por sua vez, é negligenciada
Termos e expressões similares a “redenção do Jequitinhonha” foram recorrentes nas
matérias em que o nome Vale do Jequitinhonha foi mencionado. Por exemplo, sob a manchete
“O peso do abandono”, pode-se ler o lead: “Em Jordânia, no Vale do Jequitinhonha, uma das
regiões mais pobres do país, obras com recursos do governo não saíram do papel. [grifos
nossos]” (Edição 24 de agosto).
Assuntos como crimes, acidentes, problemas de infra-estrutura, eventos e política
foram os mais abordados. O tema política foi recorrente, devido ao fato dos meses analisados
terem integrado o período que precedeu as eleições municipais. Já o artesanato do Vale do
Jequitinhonha foi mencionado apenas em dois momentos no período, um descrevendo a
48
49
Ver Anexo 7.
Que conta com o envio de mensagens por parte dos leitores para divulgação.
67
programação da Fenics50 e noutro, na citação de uma fonte no suplemento Guia de Negócios:
“Comecei estudando cerâmica. Eu me apaixonei e passei muito tempo fazendo pesquisas no
Vale do Jequitinhonha” (Edição 31 de agosto).
Portanto, podemos observar que as presenças e, conseqüentemente, as ausências
acerca do Vale do Jequitinhonha apresentadas pelo jornal Estado de Minas são variáveis em
conformidade com temas e municípios abordados. Sobre os temas, quando relacionados a
problemas de ordem social e econômica, comumente a região é referenciada, e goza de grande
e privilegiado espaço editorial. Quando revelam outros aspectos do Vale do Jequitinhonha,
extrapolando os estigmas comumente atribuídos a região, o espaço ocupado na mancha
gráfica é restrito, relegado a cantos de página, ou manifestos de forma ocasional a título de
citação ou exemplo em trechos de matérias sobre outros lugares, ou seja, gozam de pouca
visibilidade.
No que diz respeito à abordagem acerca dos diversos municípios, a presença de
determinadas cidades como apontamos anteriormente, implicando na ausência de tantas
outras, vem corroborar com a afirmação de SOUZA (2003), sobre a identificação do espaço
predominante nas fontes acerca do Vale do Jequitinhonha. Segundo o autor, “predomina a
produção e difusão de conhecimento sobre determinadas regiões (Serro, Diamantina), sendo
bastante escasso o conhecimento sobre outros lugares (toda a região de que Minas Novas
constituiu-se como centro histórico)”.
Entretanto, acreditamos que a expressiva presença de determinadas cidades no Estado
de Minas parece guardar relação proporcional à presença/circulação do jornal no município
em questão. Pois, as cidades que identificamos como presentes no jornal, coincidentemente,
são, na sua maioria, as mesmas que segundo os dados fornecidos pela equipe do Estado de
Minas possuem o maior número de assinaturas. Podemos tomar como exemplo, Diamantina e
Serro. Ao passo que muitas daquelas que estão ausentes, ou seja, que não foram citadas no
jornal, não apresentam nenhum assinante, como Ponto dos Volantes, Indaibira, Pai Pedro,
entre tantas outras.
Portanto, com base nos dados sobre a circulação na região, acreditamos que estas
cidades não se constituem num mercado consumidor atraente para o Estado de Minas. Sendo
assim, portanto, elas simplesmente não rendem pauta51 e conseqüentemente notícia para o
jornal. Entretanto, dentre estas cidades que não possuem assinantes ou que possuem poucas
assinaturas, algumas se fizeram presentes nas edições analisadas. Mas nestes casos,
50
51
Ver Anexo 8.
“Agenda de eventos a serem cobertos para noticiário” (LAGE, 2003, p. 60).
68
observamos uma predominância de temas negativos no conteúdo veiculado, incluindo: crime
(Setubinha), acidente (Cachoeira de Pajeú), falta de infra-estrutura e precariedade de
condições de existência ( Fruta de Leite52, Grão Mogol e Jordânia), entre outras.
Assim, entre as presenças e as ausências detectadas, compreendemos que o jornal
Estado de Minas, norteado por critérios mercadológicos e visando os seus interesses
comerciais, negligencia certos aspectos do Vale do Jequitinhonha, privilegiando outros,
dispensando tratamento diferenciado às informações com suas respectivas procedências, e
atuando de forma a reforçar uma imagem essencialmente negativa acerca da região.
52
Ver Anexo 9.
69
CAPÍTULO IV
OS VALORES/NOTÍCIA
Num processo contínuo de atribuir significados aos acontecimentos e difundi-los junto
às audiências por meio de signos específicos, os meios de comunicação atuam no processo de
construção social da realidade, sob uma perspectiva da sociologia do conhecimento. Segundo
esta concepção, os processos de interiorização e objetivação das representações do mundo são
realizados por meio da socialização primária e secundária (BERGER e LUCKMANN, 1990).
Construir a realidade implica uma questão processual que se dá num determinado
tempo e espaço, condicionada por determinados fatores, e os meios de comunicação,
incluindo a imprensa, objeto desta pesquisa, participam deste processo. Ao construir a
realidade ao seu modo e conforme suas prerrogativas, e divulgá-la ao público por meio de
uma representação, os meios de comunicação, em função do seu alcance e penetração na
sociedade, acabam por influir sobre a visão da realidade dos outros, influenciando nas
representações criadas pelas pessoas.
Tal atuação é realizável porque os meios de comunicação, através de discursos,
elaboram narrativas. Os discursos “representam uma forma de narrar o mundo e nessa forma
está embutido o mundo a ser vivido” (GOMES, 2003, p. 41). Por intermédio dos discursos,
valores são estabelecidos num jogo de oposições, que elegem este ou aquele valor para isto ou
aquilo. Um só o é em relação de oposição ao outro. Assim, os modos de produção de verdade
não podem acontecer apenas pelas formações discursivas (Ibidem). E a verdade oferecida
pelos meios de comunicação é construída essencialmente por estas formações.
Entretanto, referindo-se especificamente ao papel desempenhado pela imprensa,
ERBOLATO (1984) afirma que ela “deve publicar, na categoria de informações, o que seja
verdadeiro53, pois a ficção é objeto dos romances, muito embora haja colunas jornalísticas, ou
suplementos, a ela dedicados.” (ERBOLATO, 1984, p.56).
Analisando o processo de formações discursivas à luz do conceito de poder, de Michel
Foucault, GOMES (2003) indica que devido aos discursos, verdades são instaladas no mundo
e sustentadas graças às relações de poder existentes. Funcionando como instrumentos
disciplinares, os discursos exercem o poder, pois a disciplina é uma técnica de exercício do
poder que encerra um projeto de controle (Ibidem).
53
Nas ciências da atualidade não se procede à discussão sobre o conceito de verdade absoluta.
70
Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar
seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.
(FOUCAULT, 1996, p. 8-9)
Em função das características discursivas, disciplina e controle, os meios de
comunicação assumem relevância no processo de construção da realidade. Através da seleção
de determinados fatos e acontecimentos em detrimento de outros, da hierarquização
estabelecida entre os fatos selecionados, do tratamento e significação atribuídos aos
acontecimentos, os meios de comunicação vão dando visibilidade a determinados elementos
constitutivos da realidade. Eles enunciam o visível, o visível publicamente.
Os meios de comunicação informam sobre aquilo que julgam merecer o status de
notícia. Referenciando TUCHMAN (1983), AGUIAR (2006) afirma que a notícia constrói
uma representação da realidade social; ou, ainda como reforça HALL (1984), a notícia é uma
construção narrativa da realidade (AGUIAR, 2006). Mas o que viria a conferir a um
determinado fato ou acontecimento o status de notícia? Ou como indaga WOLF (2001),
“quais os acontecimentos que são considerados suficientemente interessantes, significativos e
relevantes para serem transformados em notícia?” (WOLF, 2001, p. 195). Para WOLF, os
valores/notícia (news values) respondem a tal questionamento, segundo a abordagem do
newsmaking, que analisa “a lógica dos processos pelos quais a comunicação de massa é
produzida e o tipo de organização do trabalho dentro da qual se efetua a ‘construção’ das
mensagens” (Ibidem, p.179).
Diante disso, apresentamos a seguir alguns pressupostos, apresentados por Mauro
Wolf, acerca do campo de estudos sobre os emissores. As pesquisas de newsmaking adotam a
técnica da observação participante. Embora esta não tenha sido nossa opção metodológica
nesta pesquisa, consideramos pertinente fazer alguns apontamentos acerca desta abordagem, a
fim de elucidar alguns dos meandros que envolvem o processo de seleção das notícias por um
veículo informativo, e, portanto, assim, vislumbrar procedimentos que possam ter sido
adotados pelo jornal Estado de Minas na seleção das notícias veiculadas sobre o Vale do
Jequitinhonha.
Segundo a abordagem do newsmaking, os valores/notícia são componentes da
noticiabilidade. Sendo esta compreendida como “o conjunto de elementos através dos quais o
órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais
há que seleccionar as notícias” (WOLF, 2001, p. 195). O processo de produção de
71
informações de massas envolve por um lado a cultura profissional e por outro as restrições
ligadas à organização do trabalho, estabelecendo “um conjunto de critérios, de relevância que
definem a noticiabilidade (newsworkthiness) de cada acontecimento, isto é, a sua ‘aptidão’
para ser transformado em notícia” (Ibidem, p. 189). Deste modo, buscamos identificar quais
os critérios de relevância adotados ou não pelo Estado de Minas nos acontecimentos
apresentados nas edições analisadas como aptos a assumirem a condição de notícias
divulgadas sobre o Vale do Jequitinhonha.
De acordo com os apontamentos de WOLF (2001), os valores/notícia constituem-se
critérios de relevância espalhados ao longo de todo o processo de produção jornalística e que
funcionam de forma complementar, desde a seleção dos acontecimentos até a elaboração da
informação que é apresentada ao destinatário.
Tratando dos “elementos do jornalismo impresso”, Jorge Pedro Sousa (2001) afirma
que:
Apesar de todas as transformações que têm ocorrido no campo dos media,
as principais tarefas do jornalista ainda estão relacionadas com as suas mais
tradicionais funções: selecção e hierarquização de acontecimentos
susceptíveis de terem valor como notícia; transformação desses
acontecimentos em notícias; difusão das notícias. A selecção é a pedra
angular do processo, pois um jornal não pode ser um amontoado não
criterioso de todo o tipo de informações. (...) A necessidade de se fazerem
escolhas torna o jornalismo permeável a críticas. Mas valorizar, hierarquizar
e seleccionar são actividades inerentes ao jornalismo. A escolha dos
assuntos a abordar por um jornal e a consolidação de uma determinada linha
editorial dependem de diversos mecanismos que actuam em conjunto.
(SOUSA, 2001, p. 38)
Para Wolf, os valores/notícia derivam de quatro categorias de critérios54: substantivos,
que estão relacionados ao conteúdo, à importância e interesse da notícia; relativos ao produto
informativo, que dizem respeito à disponibilidade de materiais, se requer grandes dispêndios
de meios para cobrir, e às características específicas do próprio produto; relativos ao meio de
comunicação, que diz respeito à imagem que os jornalistas têm acerca dos destinatários; e
relativos à concorrência, uma vez que a competição contribui para o estabelecimento de
parâmetros profissionais. (WOLF, 2001)
54
Tendo em vista que não constitui nosso propósito discorrer exaustivamente sobre estes critérios, e sim entrever
a relação que estes estabelecem na seleção das notícias, limitamos aqui apenas a citá-los, pois adiante
retomaremos estes critérios de forma a operacionalizar nossa análise considerando também a abordagem de
outros autores.
72
Segundo Elliott & Golding (1979), através destes critérios, se selecionam os elementos
dignos de serem incluídos no produto final e ainda funcionam como linhas guia para a
apresentação do material. Os autores asseguram que “os valores/notícia são qualidades dos
acontecimentos, ou da sua construção jornalística, cuja presença ou cuja ausência os
recomenda para serem incluídos num produto informativo”. E acrescentam que, “quanto mais
um acontecimento exibe essas qualidades, maiores são as suas possibilidades de ser incluído”
(Elliott & Golding, 1979 apud WOLF, 2001, p. 196).
IV.1 - Quanto vale uma notícia
Mas quais seriam de fato essas qualidades que definem o valor, e, portanto, o que é ou
não notícia? Tema de uma infindável discussão teórica, diversos autores já se dedicaram à
tentativa de defini-la. Mas, como assegura ERBOLATO (1984), sob o sugestivo título
“Impossível definição sobre o que é notícia”, “os teóricos dizem o que ela deve ser, mas não o
que realmente é.” Tendo em vista que os valores/notícia são elementos constitutivos desse
termo indefinível e que se constitui na matéria-prima do jornalismo, listamos neste trabalho
alguns deles.
Diante do vasto elenco elaborado por diversos teóricos e não sendo nosso objetivo
levantar uma exaustiva discussão acerca da definição dos valores/notícia, elencamos alguns
deles aqui, tomando como referência uma tabela de valores-notícia proposta por SILVA
(2008) a fim de operacionalizar análises de acontecimentos noticiáveis/noticiados. Esta tabela
contempla atributos listados por diversos autores55 e também inclui outros que “por precisão e
originalidade que possam contribuir para análises de acontecimentos noticiáveis/noticiados”.
(Ibidem).
TABELA 10 - Tabela de valores-notícia para operacionalizar análises de acontecimentos
noticiáveis/noticiados
Proposta de tabela de valores-notícia para operacionalizar análises de acontecimentos
noticiáveis / noticiados
Impacto
Número de pessoas envolvidas (no fato)
Número de pessoas afetadas (pelo fato)
Grandes quantias (dinheiro)
55
Proeminência
Notoriedade
Celebridade
Posição hierárquica
Elite (indivíduo, instituição, país)
STIELER; LIPPMAN; BOND (1959); GALTUNG E RUGE (1994); GOLDING-ELLIOT; GANS (1980);
WARREN; HETHERINGTON; SHOEMAKER et all; WOLF (2003); ERBOLATO (1991); CHAPARRO
(1994) ; e LAGE (2001).
73
Sucesso / Herói
Entretenimento/Curiosidade
Aventura
Divertimento
Esporte
Comemoração
Conflito
Guerra
Rivalidade
Disputa
Briga
Greve
Reivindicação
Polêmica
Controvérsia
Escândalo
Conhecimento/Cultura
Descobertas
Invenções
Pesquisas
Progresso
Atividades e valores culturais
Religião
Proximidade
Geográfica
Cultural
Raridade
Incomum
Original
Inusitado
Surpresa
Inesperado
Governo
Interesse nacional
Decisões e medidas
Inaugurações
Eleições
Viagens
Pronunciamentos
Justiça
Julgamentos
Denúncias
Investigações
Apreensões
Decisões judiciais
Crimes
Tragédia/Drama
Catástrofe
Acidente
Risco de morte e Morte
Violência / Crime
Suspense
Emoção
Interesse humano
Com base nesta tabela, podemos observar que os acontecimentos noticiados acerca do
Vale do Jequitinhonha pelo jornal Estado de Minas, apresentados no capítulo anterior, dentre
aqueles que obtiveram maior visibilidade referem-se aos valores/notícia categorizados como:
Impacto; Polêmica; Conflito; Tragédia/Drama; Justiça e Governo.
Diante desses valores/notícia detectados acerca da presença do Vale do Jequitinhonha
no jornal, poderíamos compreendê-los segundo afirmação de Ricardo Noblat (op cit).
Referindo-se à cultura profissional dos jornalistas, da qual fala WOLF acerca do processo de
seleção das notícias, Noblat afirma que:
De forma bem simplificada, notícia é todo fato relevante que desperte
interesse público, ensinam os manuais de jornalismo. Fora dos manuais de
jornalismo, notícia na verdade é tudo que os jornalistas escolhem para
oferecer ao público. E, como nós valorizamos principalmente as notícias
negativas, o mundo que os meios de comunicação retratam parece muitas
vezes pior do que verdadeiramente é. (NOBLAT, 2006, p.31)
74
Entretanto, ressaltamos que a seleção de notícias ofertada ao público traz no seu bojo
questões de ordem mais complexa, que extrapolam a rotinização profissional dos jornalistas,
uma vez que os acontecimentos noticiados constroem uma representação social da realidade e
influenciam a percepção das pessoas acerca desta realidade.
IV.2 - Quanta notícia no Vale
Até aqui tratamos dos acontecimentos noticiados pelo Estado de Minas. Mas, tendo
em vista que o processo de construção da realidade é algo dinâmico e impossível de ser
abarcado na sua totalidade nas páginas de um veículo informativo, e embora saibamos que a
seleção é um processo inerente ao jornalismo, agora, nos lançamos a compreender as
possíveis notícias que poderiam ter adquirido tal status no jornal no período analisado.
Intentamos identificar acontecimentos noticiáveis e seus respectivos valores/notícia.
A partir das presenças e ausências identificadas, onde constatamos que os aspectos de
ordem social e econômica foram privilegiados pelo Estado de Minas, e os aspectos culturais
do Vale do Jequitinhonha negligenciados, apontamos alguns acontecimentos noticiáveis que
também poderiam ter adquirido visibilidade no jornal. Acreditamos que a cultura popular do
Vale do Jequitinhonha, de um modo geral, poderia oferecer ao Estado de Minas um repertório
variado de notícias, que poderia compor a pauta e as páginas do jornal no período de julho e
agosto de 2008.
Durante o mês de julho acontece o Festival de Inverno, nas cidades de Diamantina e
Águas Vermelhas; a Festa de Nossa Senhora do Rosário, em Francisco Badaró; a Feira
Agropecuária, em Almenara; a Festa do Capelinhense Ausente, em Capelinha; a Festa de
Senhor do Bonfim, em Bocaiúva; a Festa do Divino, em Turmalina. No mês de agosto, se
realizam a Festa de Nossa Senhora da Lapa, em Virgem da Lapa; o Circuito de Corais, em
Diamantina; a Festa de São Gonçalo, em São Gonçalo do Rio Preto; a Festa de Nossa Senhora
Imaculada e a Festa de Nossa Senhora do Rosário, em Botumirim; e a Festa de Nossa Senhora
da Abadia, em Carbonita. Num jornal que se propõe a priorizar a cobertura local, como o
Estado de Minas, tais eventos são considerados acontecimentos noticiáveis segundo
valores/notícia
que
incluem
Entretenimento/Curiosidade,
Conhecimento/Cultura
e
Proximidade.
Menos pontuais, pois não se referem a um acontecimento factual como os eventos
culturais da região, ainda no campo cultura, no Vale do Jequitinhonha o jornal teria uma pauta
75
fria56 a cobrir acerca do artesanato, que se constitui numa atividade constante de diversos
moradores da região e que incorpora diversos elementos como criatividade, renda e
originalidade. Além disso, podemos apontar como características que poderiam suscitar o
interesse por parte do jornal, alguns dos pontos de vista elencados por Saul Martins, que
indicam possíveis enfoques para uma matéria jornalística: social, artístico, pedagógico, moral,
terapêutico, cultural, psicológico e econômico (MARTINS, 1973).
Entretanto, tendo em vista que o jornal Estado de Minas é um veículo tradicional, que
já tem uma linha editorial consolidada, e tendo em vista também que os valores/notícia
perpassam todo o processo de produção da notícia, nos atemos à etapa final deste processo, ou
seja, sobre o produto final que chega ao leitor. Assim, acreditamos que o FESTIVALE,
embora tenha sido noticiado pelo jornal, em forma de notas e coluna, revelou-se no jornal um
acontecimento também noticiável, na medida em que a forma na qual ele foi levado aos
leitores não manifestou todos os seus elementos de noticiabilidade.
IV.2.1 - O FESTIVALE
O FESTIVALE surgiu a partir da atuação de quatro migrantes do Vale do
Jequitinhonha - Tadeu Martins, Carlos Figueiredo, George Abner e Aurélio Silby - por meio
de várias ações que articularam o movimento político e cultural do Vale do Jequitinhonha,
com o objetivo de “resgatar a identidade local e conhecer a realidade política e cultural da
região” (FECAJE, 2008). As ações deste grupo culminaram na realização do I Festival de
Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha, em 1980, posteriormente chamado de
FESTIVALE, com o slogan “Vale, vida, verso e viola”. Atualmente o FESTIVALE é
organizado pela Fecaje (Federação das Entidades Culturais e Artísticas do Vale do
Jequitinhonha).
O evento é itinerante e a cada edição uma cidade diferente da região é escolhida
simbolicamente como a “capital cultural do Vale do Jequitinhonha”, por um período de sete
dias. Durante este período, são desenvolvidas atividades como: festival de música; noite
literária; feira de artesanato; apresentações de grupos folclóricos; apresentações de grupos
teatrais; feira dos violeiros e sanfoneiros; mostra de vídeo e fotografias; cursos, oficinas,
debates e seminários.
Desta forma, o FESTIVALE constitui-se num lócus privilegiado da cultura popular da
região, reunindo num só espaço variadas manifestações como música, artesanato, teatro,
56
Que envolvem assuntos não momentâneos, que podem gerar notícia independente da agenda de
acontecimentos estabelecida para um determinado dia.
76
culinária e folclore. Além de reforçar a identidade regional, o evento atrai visitantes para a
região, gerando emprego e renda.
Neste ano, na sua 26ª edição, o FESTIVALE aconteceu em Capelinha (MG), entre os
dias 27 de julho e 2 de agosto. De acordo com dados57 fornecidos pela FECAJE, em 2008, o
FESTIVALE apresentou uma média de público diário de 4 mil pessoas, que participaram de
quinze oficinas em variados estilos do fazer cultural. Quinze grupos de cultura popular, de
diversos municípios, se apresentaram:
- Tamborzeiros de Nossa Senhora do Rosário (Araçuaí)
- Grupo de Batuque da Ponte do Gravatá (Araçuaí)
- Grupo do Nove da Comunidade de Córrego da Velha (Araçuaí)
- Grupo Batuque de Itira (Araçuaí)
- Folia de Reis do Arraial do Criolos (Araçuaí)
- Boi Duro (Salto da Divisa)
- Cordão de Espada (Salto da Divisa)
- Grupo Calunga (Chapada do Norte)
- Folia de Santos Reis (Almenara)
- Folia de Reis Trabalho e Vida (Joaíma)
- Boi de Janeiro de Dona Elza Cô (Jequitinhonha)
- Trança Fitas de Turmalina (Turmalina)
- Banda de Taquara bem posta (Minas Novas)
- Marujada de Santiago do Quilombo (Minas Novas)
- Caboclinhos de Capelinha (Capelinha)
Fonte: Informativo FESTIVALE
FIGURA 11 - Apresentação do Grupo de Cultura
Popular Boi Duro, de Salto da Divisa, durante o
26º FESTIVALE, em Capelinha (MG).
57
Fonte: Informativo FESTIVALE
FIGURA 12 - Apresentação do Grupo de Cultura
Popular Marujada Santiago do Quilombo, de Minas
Novas, durante o 26º FESTIVALE, em Capelinha (MG).
Estes dados foram coletados pela autora desta pesquisa junto à FECAJE.
77
Na feira de artesanato intitulada pelo nome de uma tradicional artesã da região,
“Noemisa Batista dos Santos”, 64 artesãos advindos de 30 cidades diferentes expuseram seus
trabalhos. Foram expostas peças em cerâmica, tecelagem, renda, madeira, cestaria e couro.
Fonte: FECAJE
FIGURA 13 - Feira de artesanato “Noemisa Batista dos Santos”
durante o 26º FESTIVALE, em Capelinha (MG).
Na mostra de música “Fernando Tião”, se apresentaram artistas de Araçuaí, Capelinha,
Olhos D’Água e Salinas. E no teatro:
- Cia de Teatro Ícaros do Vale (Araçuaí), com A Peça “Maria Lira”
- GTC (Capelinha), com “Segredo Bem Guardado”
- Cia Só Riso (Jequitinhonha), com a peça “O Mundo Mágico do Circo”
- Grupo Estrela do Amanhã ( Carbonita), com “Entre Vales e Poesia”
- Grupo Cenário (Belo Horizonte), com a peça “O Cortejo”.
Fonte: Informativo FESTIVALE
FIGURA 14 - Apresentação do Grupo Teatral Cia Só Riso, de
Jequitinhonha, durante o 26º FESTIVALE em Capelinha (MG).
78
Na Noite Literária “Luis Carlos Mendes Santiago”, foram classificados 10 poemas de
autores de diversas cidades da região, como: Divisópolis; Araçuaí; Pedra Azul; Capelinha;
Jordânia; e Minas Novas.
Durante o evento também foram realizados shows musicais com artistas e grupos
como: Coral Nossa Senhora do Rosário; Cantoria Capeliense; Coral Nós de Minas; Saldanha
Rolin; Grupo Ritmos Mil; Wilson Dias; Fátima Neves e Rodrigo; Grupo Viola Urbana; Coral
Araras Grande; Coral Ouro de Minas; Rubinho do Vale; Coral Santa Tereza; Pereira da Viola;
Pedro Morais; Grupo Tambolelê e Barraca FESTIVALE, que apresentou shows todas as
noites. Além de debates e palestras, aconteceram apresentações da Associação Musical de
Capelinha e Fanfarra Lau Soyer, Feira de Violeiros com diversos violeiros da região e Mostra
das Oficinas.
A exemplo de outros eventos de cultura popular, o FESTIVALE também inclui
valores/notícia como: Impacto, Entretenimento/Curiosidade, Conhecimento/Cultura e
Proximidade. Mas, para além da identificação de valores/notícia, que este ou outros eventos
possam incluir, o Estado de Minas, por si só, nas poucas linhas que dispensou ao
FESTIVALE justificou uma possível cobertura mais aprofundada, que fizesse com que o
produto final levado até o leitor não se limitasse a notas relegadas a cantos de páginas.
Na edição do dia 22 de julho, na coluna Trilha Sonora pode-se ler: “Foco da
resistência cultural na região, o Festival Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha
(FESTIVALE) chega à sua 26ª edição (...) o evento vai destacar a diversidade cultural do
Vale (...)”[grifos nossos].
Na edição do dia 26 de agosto58, pode-se ler: “Começa amanhã, em Capelinha, o 26º
Festival da Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha (FESTIVALE). Por uma semana, a
cidade será sede da maior celebração da cultura popular no estado. Historicamente, o festival
funciona como vitrine cultural do vale.” [grifos nossos]
Portanto, o FESTIVALE traz no seu bojo o reforço da identidade local e das
manifestações culturais do Vale do Jequitinhonha, configurando uma realidade negligenciada
pelo jornal. Desta forma, se os valores/notícia por si só fossem determinantes da abordagem
do jornal sobre a definição do que vai ou não ser noticiado e todo o processo que envolve até
chegar ao leitor, certamente, o FESTIVALE, e a cultura popular do Vale do Jequitinhonha em
geral, teriam alcançado um tratamento mais elaborado pelo Estado de Minas, do mesmo modo
como dispensaram às mazelas da região.
58
Ver Anexo 4.
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Propor-se a detectar presenças e ausências de aspectos de uma região diversa como o
Vale do Jequitinhonha na imprensa, no intento de se fazer um levantamento acerca das
informações publicadas sobre a região, significa se lançar diante de um universo muito além
daquele apresentado aos leitores no papel jornal circulante. Requer sim o contato minucioso
com o conteúdo final que chega aos destinatários, identificando o que e como foi apresentado,
que correspondem, respectivamente, ao conteúdo e a forma das informações. Mas também
requer, sobretudo, um olhar que extrapole o enunciado visível através dos caracteres
tipográficos, entrevendo o que não foi disponibilizado ao leitor, exigindo assim, a inserção
num contexto maior, no contexto dos meios e modos de produção e circulação das
informações.
Não obstante a objetividade proclamada e a credibilidade assegurada por uma
trajetória ao longo de oito décadas de presença cotidiana entre os leitores, o Estado de Minas,
enquanto órgão de comunicação pertencente a um conglomerado das comunicações deve ser
entendido como tal. Embora as informações por ele veiculadas cheguem aos leitores como um
“relato da realidade” influenciando assim a representação que estes têm acerca do real, estas
informações se constitui numa seleção executada segundo critérios que determinam o que e
como vai ser noticiado. Wolf (2001) fala de valores/notícia. Nesta pesquisa, para fins
conclusivos, optamos por falar em valores, enquanto determinantes de uma mercadoria que
tem o seu preço, uma vez que, no contexto atual, podemos identificar a comunicação
enquanto um elemento constitutivo do mercado.
Relacionando os resultados da análise das edições com outros elementos do processo
de produção de notícias, constatamos que o Estado de Minas negligencia certos aspectos do
Vale do Jequitinhonha, como a cultura popular, deixando ausentes inúmeros temas relativos a
ela, e privilegia outros, como os problemas de ordem social e econômica. Além de dispensar
tratamento diferenciado às informações conforme a temática, o jornal também faz distinção
entre os municípios da região, dando visibilidade a cidades como Diamantina, que
coincidentemente apresenta os números mais elevados de assinaturas dentre os municípios
circunscritos no Vale do Jequitinhonha. Assim, as presenças e as ausências detectadas
manifestam relação direita com o consumo do jornal pelos leitores.
Identificando esta atuação do Estado de Minas, inserido num contexto comunicacional
em conformidade com a lógica do mercado, recorremos mais uma vez as categorias do
espetáculo de DEBORD (op cit): “o espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou
80
totalmente a vida social” (DEBORD, 1997, p. 30). Para o autor, “O mundo presente e ausente
que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando tudo o que é vivido” (Ibidem,
p.28).
Deste modo, conferindo visibilidade a determinados atores sociais, grupos, eventos,
acontecimentos e manifestações, a comunicação hoje estabelecida negligencia a existência de
tantos outros componentes da realidade. E a realidade do Vale do Jequitinhonha extrapola os
aspectos noticiados e, sobretudo, privilegiados pelo Estado de Minas. Como demonstramos ao
longo deste trabalho, o Vale do Jequitinhonha é um todo descontínuo, cujo traço distintivo é a
diversidade sociocultural. E o Estado de Minas, que se apresenta como “o grande jornal dos
mineiros”, não manifestou a mesma “grandiosidade” estampada no seu slogan, nas poucas
páginas que dedicou ao Vale do Jequitinhonha no período analisado.
Entretanto, não se trata de defender uma abordagem que entende “a comunicação
como uma relação de uma só via, concedendo todo protagonismo ao emissor” (GOMES,
1997), conferindo aos meios de comunicação um poder arbitrário de falsear a realidade. Mas,
acreditamos que face ao tratamento dispensado às informações acerca do Vale do
Jequitinhonha, o jornal Estado de Minas reforça uma imagem negativa já existente em torno
da região. Ressaltamos que o jornal reforça tal imagem, pois como afirma DEBORD (1997),
os meios de comunicação são “aspecto restrito” da sociedade.
Contudo, considerando a relevância dos meios de comunicação no processo de
configuração social da realidade e tendo em vista que eles exercem uma integração entre as
pessoas, e que o reconhecimento de determinados fatos/acontecimentos pela sociedade pode
ficar condicionado à sua apresentação nas páginas dos jornais, gozando do status de notícia,
acreditamos que assim como estes contribuem para a perseverança de uma imagem negativa
acerca da região, a imprensa, e especificamente, o Estado de Minas, pode atuar de forma a
reforçar também a diversidade sociocultural da região, e fazer ver a heterogeneidade do Vale
do Jequitinhonha, sobretudo, porque esta diversidade evidenciada nas manifestações da
cultura regional revela traços e modos de vida de um povo, carregando signos e significados,
e fortalecendo assim, a identidade local, que se distingue no contexto não só de Minas, este
Estado de dimensões territoriais, como também, neste país de dimensões continentais que é o
Brasil.
Consideramos que o Estado de Minas, pela sua abrangência e penetração, pode
conferir visibilidade aos diversos aspectos e distintos municípios da região, desde que os
critérios mercadológicos não sejam os valores dominantes no processo de seleção das
notícias. Pois a sua atuação, para além dos lucros que podem gerar a uma empresa jornalística
81
com a venda de exemplares, influi na percepção das pessoas acerca dos fatos e
acontecimentos, principalmente, quando relacionados a uma região estigmatizada ao longo do
tempo e que não se restringe a este estigma. Acreditamos também que a visibilidade conferida
pelos meios de comunicação contribui para o reconhecimento de determinadas práticas e
manifestações da cultura de um povo, como forma de subsistir diante da sociedade.
Portanto, não se trata de condenar ou aclamar a atuação do Estado de Minas, mas sim,
demonstrar de forma sistemática que é possível uma atuação que envolva seleção, tratamento
e apresentação das notícias de forma a mostrar os diversos aspectos constitutivos da região,
pois, entre a carência social e a riqueza cultural, o Vale do Jequitinhonha revela um universo a
ser noticiado.
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