Os Direitos Animais e o Bem-Estar Animal
Dr. Eduardo Antunes Dias
Mestre e doutor em reprodução animal
Um dos grandes debates da atualidade ocorre entre os defensores dos Direitos Animais
e os defensores do Bem-Estar Animal. A defesa dos Direitos Animais é um movimento
abolicionista que prega a libertação de todas as espécies de animais, ou seja, tanto daquelas
criadas para a alimentação humana ou para a experimentação científica/produção de fármacos,
quanto daquelas criadas para companhia e entretenimento. Fundamenta-se na questão de que
somos todos pertencentes ao reino animal (o que não deixa de ser verdade) e, portanto, não
haveria sentido existir uma diferenciação entre Direitos Humanos e Direitos Animais. Outro
aspecto argumentado é a capacidade que muitos animais têm de resolverem problemas
(inteligência), de sofrerem ou de sentirem dor, prazer ou felicidade (senciência). A própria
ciência já comprovou muito destes casos (papagaios, corvos, porcos, lulas, polvos, cães, gatos,
lagostas, bovinos, caranguejos, etc.), inclusive demonstrando que algumas espécies expressam
autoconsciência diante de espelhos, como os primatas superiores (chimpanzés, gorilas,
orangotangos), golfinhos e elefantes. Até mesmo a cultura não é exclusiva dos humanos.
Animais como macacos e aves aprendem a usar diferentes ferramentas e transferem esse
conhecimento entre gerações. Um dos pioneiros na linha dos Direitos Animais, o filósofo norteamericano Tom Regan (livro Jaulas Vazias), argumenta que como os direitos humanos estão
alicerçados nas habilidades cognitivas, outras espécies também deveriam ter esse direito. Além
disso, seria um dever moral dos humanos proteger animais “sujeitos-de-uma-vida” que têm
valor intrínseco como indivíduos. Já o filósofo Peter Singer no seu livro Libertação Animal, de
1975, cunhou a expressão especismo, ou seja, a discriminação humana contra outras espécies.
A Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, de 07
de julho de 2012, proposta por proeminentes neurocientistas daquela Universidade, afirma que
“o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos
neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e
as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos
neurológicos". Um dos grupos mais dedicados à defesa dos Direitos Animais são os veganos,
com princípios filosóficos contra a exploração dos animais para alimentação, apropriação,
trabalho, caça, vivissecção, confinamento, entretenimento, pesquisas, produção de fármacos,
dentre outros.
Por outro lado, os defensores do bem-estar animal têm uma visão utilitarista dos
animais. Eles perguntam: vamos simplesmente soltar todas as raças criadas pelo ser humano
que são totalmente dependentes para sobreviverem? Vamos cancelar a produção de vacinas e
deixar a saúde dos nossos filhos sujeitos a toda sorte? Vamos privar a nutrição humana de
aminoácidos essenciais, de nutrientes como ferro, zinco, vitamina B12 e ácidos graxos ômega 3
presentes na carne. Além disso, como simplesmente abandonar a pecuária, atividade econômica
que empregou 3 milhões de pessoas em 2010 e que no ano de 2013 representou 7% do PIB,
sendo o Brasil o maior exportador mundial de carnes e o segundo maior produtor? Os
utilitaristas também realçam os benefícios que os animais de companhia trazem tanto para a
saúde mental do ser humano quanto para o próprio animal, numa relação de ganha-ganha. Para
se ter uma ideia, o mercado pet brasileiro é o segundo maior do mundo e representou 0,31%
do PIB nacional em 2013. Pesquisadores com a norte-americana Temple Grandin têm cada vez
mais influência nos sistemas produtivos, introduzindo novas técnicas que me lhoram a qualidade
de vida dos animais de produção. É imperativo que os animais não passem por sofrimentos
físicos ou psíquicos durante a sua vida, que tenham um acompanhamento constante para livrálos de doenças e que sejam respeitados no momento da sua morte - natural ou para a
alimentação humana. Técnicas de abate rápidas e dessensibilizadoras, como o pino retrátil
pneumático, já existem e devem ser cada vez mais difundidas e utilizadas. No campo dos animais
de companhia, a posse responsável já é uma bandeira dos profissionais que atuam na área. Os
animais domésticos são importantes até mesmo na conservação de ecossistemas, como no caso
do Bioma Pampa do Rio Grande do Sul, que por ser uma pastagem natural, ainda resiste à
agricultura e à silvicultura graças à pecuária. Todas as universidades e muitos laboratórios
privados contam com comissões de ética no uso de animais com princípios que promovem a
redução, o refinamento e a substituição de animais em pesquisas e na produção de fármacos. A
justiça está cada vez menos tolerante com os maus tratos de animais e a sociedade já não aceita
mais o uso de animais em circos para o simples entretenimento ou em esportes como rodeios e
vaquejadas.
Como podemos perceber, o tema, por si só, é polêmico. Profissionalmente, convivo
diariamente com este dilema e sempre procuro um ponto de equilíbrio. Como médico, priorizo
a vida e a saúde dos animais. Como veterinário, tenho responsabilidades na produção e na
qualidade de produtos de origem animal. Minha formação básica é a conservação de animais
ameaçados de extinção por meio de técnicas de reprodução assistida, principal motivação que
me fez escolher esta carreira para defender a existência de outras espécies. Porém, seguindo
uma linha de pensamento mais natural possível e baseando-me no conceito de cadeia trófica,
defendo que nós animais humanos somos omnívoros e que por isso necessitamos de proteína
animal na nossa dieta. Aliado a isso, existe a questão cultural. Por ser gaúcho, o ritual do
churrasco e todo o seu aspecto de socialização está enraizado nos meus costumes. Mas nem por
isso deixo de defender o consumo moderado de carne, o que me faz olhar com simpatia para
iniciativas como a segunda-feira sem carne. Também defendo a criação de animais domésticos
como companhia, pois essa interação desperta sentimentos primitivos que nos faz lembrar que
também fazemos parte da natureza e que estamos integrados a ela, como na época dos lobos e
dos homens de neandertal. Defendo ainda a redução de animais em laboratórios, usando-os
somente nos casos em que realmente não haja possibilidade de substituição do modelo
biológico, e a proibição de animais para o entretenimento em circos ou vaquejadas. Finalizando,
acredito que todos nós temos o dever de cuidar e zelar pela saúde física e mental dos animais,
pois como espécie dominante, somos responsáveis por todas as outras espécies deste planeta.
Mas isso não me tira o direito de consumir carne ou de ter a companhia de outras espécies
(domésticas), desde que seja de forma respeitosa com aquele ser vivo que nos dá amor, saúde
ou nos alimenta com a sua própria vida.
Eduardo Antunes Dias é Médico Veterinário com mestrado e doutorado em Reprodução Animal
na USP e atualmente é pesquisador na UFRGS.
É fundador da Rede Sustentabilidade – RS e componente do diretório estadual.
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