Manejo Manejo Cama para suínos: estratégia de manejo e bem-estar animal Cama para suínos: estratégia de manejo e bem-estar animal Prof. Dr. Caio Abércio da Silva 1,2 Eduardo Raele de Oliveira 1,3 David Fernandes Gavioli 1,3 Aline A. Silva 4,3 1 Médico Veterinário 2 Professor Doutor em Suinocultura da Universidade Estadual de Londrina 3 Mestrando em Ciência Animal da Universidade Estadual de Londrina 4 Zootecnista Introdução O complexo agroindustrial da suinocultura nacional é responsável pela quarta maior produção mundial desse setor, com perspectivas de melhoria para os próximos anos (5). Na contramão deste futuro promissor, a carne suína do país tem enfrentado, nos últimos anos, barreiras que dificultam ou restringem maior incremento no comércio exterior. As principais exigências são encabeçadas pela União Europeia e correspondem às questões sanitárias e ao bem-estar animal. São imposições internacionais que acarretam mudanças na estrutura de produção, na infraestrutura das instalações, no controle de temperatura e no manejo de transporte e abate dos animais e promovem, inevitavelmente, a curto prazo, um aumento no preço de produção dos suínos. E é esta ampliação de custos que leva o produtor a reconhecer na preocupação com a qualidade de vida dos animais um problema para a suinocultura. Por isso, conhecer os benefícios que estas mudanças podem trazer quanto à qualidade da carne destinada ao consumidor, à ampliação das exportações, à melhoria dos índices zootécnicos e à consciência das necessidades básicas dos animais torna-se fundamental para que se entenda o verdadeiro impacto do bem-estar animal sobre toda a cadeia de produção. Todas as ações destinadas à melhoria das condições de criação devem estar associadas a uma das cinco liberdades fundamentais para o animal estabelecidas pela ciência do Bem-Estar Animal (BEA) e que são as bases da legislação animal vigente na Europa. Estas liberdades são: animais livres de medo e estresse, fome e sede, desconforto, dor e doenças e garantia de liberdade de expressão de seu comportamento natural. Suínos & Cia 36 Utilização da cama sobreposta de maravalha para galpão de matrizes: garantia de conforto para os animais Fonte: Maria Carolina T. Tonelli Para a União Europeia, o fim das celas individuais de matrizes, a redução da taxa de lotação no crescimento e terminação e o controle térmico das instalações são algumas garantias destas cinco liberdades. O Brasil, apesar de estar muito distante da realidade europeia, já apresenta o bem-estar animal como tema obrigatório em seus principais congressos e encontros do setor. Granjas também vêm se atualizando e substituindo formas arcaicas e ultrapassadas de manejo, por orientações que levam em conta o bem-estar. Ainda é cedo para que algumas ações destinadas ao bem-estar animal sejam implantandas em todas as granjas nacionais, sobretudo, pela instabilidade do setor e pelo custo destas transformações. Por isso, é fundamental que medidas que possam garantir uma condição de vida mais adequada aos animais e que tenham um baixo custo de implantação possam fazer parte do dia a dia do segmento. Nesse sentido, a utilização de camas sobrepostas nas baias dos animais é uma estratégia de manejo capaz de aumentar a socialização do grupo, diminuindo as brigas territoriais e de domínio, comum entre esses animais, proporcionar maior conforto e minimizar o estresse individual e coletivo. É uma ação simples, de custo relativamente inferior a outras medidas que beneficiam o bem-estar e que pode ser implantada na maioria das propriedades. Este trabalho tem o objetivo de apresentar a utilização do manejo de cama sobreposta para as diferentes fases da cadeia de produção, apontando os benefícios obtidos para os animais, os melhores resultados na produção e as dificuldades e empecilhos que podem existir com a adoção deste manejo em uma propriedade. Ano VI - nº 37/2010 Manejo elevadas ou muito baixas e baixa qualidade do ar (KIEFER et al, 2009). Estes quatro últimos apresentam relação positiva com a utilização do sistema de camas sobrepostas, com melhoras significativas no convívio social dos animais (reduzindo as brigas territoriais ocasionadas pela densidade e exacerbando o comportamento natural dos suínos de curiosidade) e na manutenção da temperatura ambiente, além da diminuição da poluição da baia e do ar graças à absorção de dejetos pela cama. Como exemplo da necessidade da cama para suínos, existem as normas de bem-estar da União Europeia estabelecidas pelo Comitê Científico Veterinário da Comissão Europeia (SVC), que exige a utilização de substratos como camas para estes animais mimetizarem seu comportamento natural, como explorar o ambiente e brincar, além da disponibilidade de substratos para que o animal não se deite exclusivamente no concreto. É preciso salientar que cada fase de criação tem sua especificidade de utilização do sistema de camas sobrepostas que acarreta mudanças no manejo de dejetos, necessidade de adequação das instalações e nas necessidades fisiológicas dos animais, sobretudo, em relação à interação entre temperatura de conforto térmico e temperatura ambiente da região em que a granja está localizada (4). Camas sobrepostas para matrizes e suínos em crescimento e terminação Pisos ripado e com maravalha em experimento de preferência de tipo de cama para leitões em fase de creche Fonte: Eduardo Raele de Oliveira Sistema de Camas Sobrepostas Nos últimos anos, muitas pesquisas têm sido realizadas com camas sobrepostas (deep bedding) para as diferentes fases de criação de suínos. A Embrapa Suínos e Aves, por exemplo, há mais de 15 anos estuda o tema no sul do Brasil, que é a principal região fomentadora deste sistema no país. Entretanto, qualquer região tem a possibilidade de adotar esse sistema, bastando que siga especificações técnicas de acordo com o clima e disponibilidade de substratos de cada lugar (11,12). A utilização de substratos sobre o piso das instalações destinadas às matrizes em gestação pressupõe o uso de baias coletivas para esse tipo de animal, o que, apesar de ser uma obrigatoriedade na Europa, ainda não é uma realidade em toda a suinocultura nacional. Assim, baias coletivas para gestantes em substituição às gaiolas individuais pode ser visto como o maior avanço na melhoria das condições de vida para a criação racional de suínos. Esse tipo de baia privilegia em todos os aspectos as cinco liberdades já citadas e garante condições básicas para a vida dos animais. Além disso, a diferença entre baias individuais e coletivas também se reflete nos índices zootécnicos, principalmente no tempo de duração de parto e nas taxas de mortalidade e de natimortos, que se mostram melhores para as baias coletivas (14). Associar esta grande melhoria das baias coletivas ao Entre os tipos de cama sobreposta, tem-se a maravalha, a casca de arroz, a palha de cereais e a serragem, utilizadas devido uso de cama sobreposta é potencializar o bem-estar das matrià alta capacidade de absorção de fezes, urina e água desses subs- zes, aproximando os animais de seu comportamento natural de tratos, o que promove decomposição parcial dos dejetos, com exploração de ambiente, procura por comida e convívio social, diminuição do volume de dejetos e produção de compostos orgâ- aumentando o conforto dentro da baia, minimizando o estresse nicos que podem ser utilizados na agricultura (5). Os benefícios e garantindo um período gestacional com menos intempéries, o da utilização de camas sobrepostas para o produtor incluem melhor custo de investiAS CINCO LIBERDADES DOS ANIMAIS, SEGUNDO O BEA mento em edificações, aproveitamento da 1) Manter os animais livres de fome e sede cama como substrato agrícola, desempenho zootécnico equivalente ou superior ao 2) Manter os animais livres de desconforto físico e dor sistema tradicional, redução do impacto 3) Manter os animais livres de injúrias e doenças ambiental dos dejetos produzidos, menor 4) Manter os animais livres de medo e estresse tempo de limpeza das baias, entre outros. Para os animais, o ambiente tem influência preponderante no bem-estar(17). Os principais fatores estressantes são o confinamento intensivo, fome, alta densidade, isolamento social, temperaturas Suínos & Cia 38 5) Manter os animais livres para que manifestem os padrões comportamentais característicos da espécie REFERÊNCIA: FARM ANIMAL WELFARE COUNCIL. FAWC updates the five freedoms. The Veterinary Record, Londres, v.131, p.357, 1992. Fonte: FAWC, 1992 Ano VI - nº 37/2010 Manejo que melhora ainda mais os índices zootécnicos (16). Para suínos em crescimento e terminação, os benefícios do uso de sistema de camas sobrepostas são similares aos atribuídos às matrizes para o bem-estar animal. Aliado a isso, a melhoria da qualidade da carne de suínos criados sob baixos fatores de estresse, a diminuição do total de dejetos produzidos e a possibilidade de utilização desta cama como fertilizantes para a agricultura implementam outras características positivas para a utilização da cama para estas fases (11,12). Fase de Creche No Brasil, a utilização da cama sobreposta para leitões em creche é menos comum do que em outras fases. Normalmente, os alojamentos contam com pisos total ou parcialmente ripados. A utilização do sistema de camas sobrepostas surge como uma alternativa para estes tipos de pisos (11,12). O período de desmama do animal é o de maior estresse de sua vida, caracterizado pela perda do contato com a mãe, alteração na alimentação, mudança do ambiente de vida, dificuldade de adaptação a comedouros e bebedouros, brigas para o estabelecimento das relações de dominância com leitões de outras leitegadas (13). No entanto, quando se utilizam camas sobrepostas para leitões em creche, tem-se a diminuição maciça das brigas territoriais e dos comportamentos estereotipados e um incentivo às brincadeiras e à exploração do ambiente, com redução do estresse da desmama e uma melhor adaptação do leitão ao novo ambiente. so, comportamentos não discutidos neste experimento, mas verificados, como brincadeiras e exploração de território, foram mais acentuados nos pisos com camas sobrepostas. O contato desses animais com o substrato das camas sobrepostas também tem papel preponderante no desenvolvimento da habilidade inata de exploração do ambiente e curiosidade natural da espécie. Outro benefício é a maior sensação de conforto para o leitão deitar, com diminuição dos problemas de casco e lesões de apoio. Nesse sentido, o chão em que o animal está alojado exerce grande influência sobre seu comportamento, sobretudo quando se comparam pisos de concreto com aqueles enriquecidos com substratos (7). Essa melhora na qualidade de vida dos leitões pode ser importante para o desempenho dos animais durante este período, pois estratégias que podem aumentar o consumo diário de ração são fundamentais para promover os índices zootécnicos da creche (6). Alguns trabalhos apontam incrementos também dos índices de mortalidade nesta fase para a utilização de camas sobrepostas a partir de maravalha em relação a pisos parcialmente ripados. Em um experimento de preferência de tipo de piso e comportamento de leitões realizado nas instalações de creche do setor de suinocultura da Universidade Estadual de Londrina, avaliou-se quatro tipos de pisos diferentes, sendo dois de camas sobrepostas, maravalha e capim seco (ou palha), e dois comuns em granjas comerciais, ripado e contínuo. Verificou-se a preferência dos animais por ambientes enriquecidos em relação ao piso contínuo, além do comportamento destes animais demonstrar maior satisfação quando sobre estes ambientes, pois, nestas camas, eles permaneceram mais tempo deitados, enquanto que, no piso contínuo, ficaram mais tempo em pé (Gráfico 1). Além dis- Benefícios já vistos anteriormente nas fases de crescimento e terminação também se enquadram nesta fase, tornando esta estratégia de criação muito promissora para o setor de creche. Algumas considerações Com tantos pontos positivos a favor da utilização do sistema de camas sobrepostas para a suinocultura, sobretudo nas referências ao tema “bem-estar animal”, é preciso que se discutam algumas dificuldades ou problemas deste sistema. Além da adequação das instalações, pois, dependendo do substrato, a cama não pode ser colocada sobre o piso ripado, a questão sanitária advinda da permanência dos dejetos nas baias coletivas é impactante. Maior prevalência de doenças, como a linfadenite, tem sido relacionada com a utilização de sistemas de camas sobrepostas para leitões em fases de creche, crescimento e terminação (13,01,02). A adubação de solos agrícolas com substratos utilizados em camas para suínos também apontam resultados inferiores ao que se obtém com a utilização dos dejetos líquidos destes animais, como ocorre, por exemplo, com a adubação do milho (5). A degradação, dependendo do tipo de substrato utilizado, pode ser lenta e prejudicar sua capacidade fertilizante (3) . Granja dinamarquesa: o manejo de cama sobreposta é uma das exigências de bem-estar Fonte: Caio Abércio da Silva Ano VI - nº 37/2010 Além disso, é preciso que se conheça a quantidade necessária e ideal de substrato para a colocação e sobreposição da cama de acordo com a fase preterida e a região climatológica em que se localiza a granja, pois a temperatura ambiente exige especificações técnicas do tipo de substrato e formas de manufatura da cama, que devem ser conhecidas e respeitadas pelo produtor. Suínos & Cia 39 Manejo Conclusões A cama sobreposta é um modelo que tem sensibilizado o setor, sendo implantada em muitos países. Seus benefícios para o bem-estar do suíno são inquestionáveis. Cama sobreposta: conforto e bem-estar para matrizes em final de gestação Fonte: Maria Carolina T. Tonelli Referências Bibliográficas 1 - AMARAL, A.L.; MORÉS, N.; VENTURA, L.V. et al. 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Acesso em: 10 Jul.2010. Ainda são necessários muitos estudos sobre os tipos de cama que podem ser utilizados, as especificidades de cada fase de criação, o manejo adequado de sobreposição das camas, a relação entre as diferentes regiões do país e as formas de utilização deste sistema. Entretanto, é preciso que se estabeleça uma consciência de que a criação animal de forma ética e humanitária, sob a égide do bem-estar animal, não é um entrave financeiro para a atividade, mas uma semente capaz de gerar frutos abundantes e duradouros. Desenvolvimento da suinocultura, 2001. Anais... Gramado, 2001 6 - GIACOMINI, S.J.; AITA, C. Cama sobreposta e dejetos líquidos de suínos como fonte de nitrogênio ao milho. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.32, p.195-205, 2008. 12 - OLIVEIRA, P.A.V. Criação de suínos em cama sobreposta: fases de crescimento e terminação. In: Encontros Técnicos ABRAVES-SC, 2000. Memórias. 2000. - Concórdia, SC: Embrapa Suínos e Aves, 2001. 7 - HANNA, I. M. 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Carnes PSE (Pale, Soft, Exudative) e DFD (Dark, Firm, Dry) em lombo suíno numa linha de abate industrial. Ciênc. Tecnol. Aliment. 2007, vol.27, p. 69-72 . 11- OLIVEIRA, P. A. V. Sistemas de produção de suínos em cama sobreposta “Deep Bedding”. Seminário Nacional de 15 - SOBESTIANSKY, J.; BARCELLOS, D. Doenças dos Suínos. Goiânia: Cânone, 2007. 16 - STEVENSON, P. Questões de bemestar animal na criação intensiva de suínos na União Européia. Em: I conferência virtual internacional sobre qualidade de carne suína. Anais... Concórdia. Embrapa Suínos e Aves. 253 p. Documento 69, p. 4-10. 2000. 17 - MACHADO, L.C.P. F e M.J. Hötzel. 2000. Bem- estar dos suínos. Em: V Seminário internacional de suinocultura. Anais... Gessuli. São Paulo. p. 70-82. Ano VI - nº 37/2010