1 CONTATO SOCIAL REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS Nº 2 – ANO 2 - 2012 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE 2 UNIÃO DE ENSINO E CULTURA DE GUARAPUAVA - UNIGUA Cleri Becher de Mattos Leão Diretora Presidente Leonardo Becher de Mattos Leão Diretor Administrativo FACULDADE GUARAPUAVA - FG Carlos Alberto Ferreira Gomes Diretor Geral CONTATO SOCIAL REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS ANO 2 – Nº 2 - 2012 EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE Artigos Científicos e Resumos Expandidos 3 CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira Gomes Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes Prof. Ms. Grazieli Eurich Profª Ms. Patrícia Terezinha da Silva Profª.Ms. Rosimeri Schaia Pedroso COMISSÃO DE APOIO Carlos de Jesus Lima (Filosofia) Dafne Ribeiro Breda (Pedagogia) Eliane Lupepsa Costenaro (História) Gilce Primak Niquetti (Pedagogia) Jorge Luiz Zaluski (História) Leticia Larsson (Pedagogia) Obs: A Comissão de Apoio é constituída por acadêmicos do Curso de Ciências Sociais que já possuem graduação em áreas afins e/ou cursos de especialização Lato Sensu. 4 GOMES, Cerize Nascimento e GOMES, Carlos Alberto (orgs) . Contato Social: Educação e Diversidade. 107 páginas. Faculdade Guarapuava (FG). REVISTA CONTATO SOCIAL - ANO 2, Nº 2, 2012. Palavras-chave: Educação. Diversidade. Sociedade. Cultura. Intervenção social. 5 ÍNDICE 1 – As principais concepções teóricas da sociologia clássica e as concepoções reprodutivistas. Rafael Morgentale Disconzi .......................................................p.06 2 – Pêssankas em Prudentópolis: história, simbolismo e permanência da cultura ucraniana. Nikolas Corrent....................................................................................p.29 3- Descompasso entre políticas públicas e inclusão de sujeitos surdos no ambiente escolar e social – Andrea Ortiz – Co-autora: Cerize Nascimento Gomes.............p.51 4 – Educação e Ditadura Militar: memórias da repressão militar na FAFIG (19701973) - Ernando Brito Gonçalves Júnior ............................................................p.61 5 – O imaginário mágico-religioso da umbanda: Dogmas e práticas ritualísticas afrobrasileiras. Cerize Nascimento Gomes. Co-autoras: Lucélia Terezinha Pietras e Luciane Pietras. .................................................................................................... .p.78 Resumos expandidos 6- Cultura material e memórias sobre a colonização do Paiquerê na região de Guarapuava (PR) - Fábio Noima Pelosi...............................................................p.97 7 - Agricultura familiar: cotidiano e trabalho da comunidade do assentamento Jabuticabal no município de Goioxim (PR) - Jaiton Miqueias Passos Rocha...p.100 6 AS PRINCIPAIS CONCEPÇÕES TEÓRICAS DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA E REPRODUTIVISTA DA EDUCAÇÃO1 Prof. Rafael Morgentale Disconzi2 Ciências Sociais - FG RESUMO: Existem inúmeras orientações metodológicas para o estudo científico dos problemas educativos que procuram superar a descrição simples de informações coletadas. A ideia é a realização de um levantamento das abordagens teóricas da sociologia que são tomadas como pressupostos para se entender as contradições educacionais, partindo dos clássicos até os contemporâneos advindos do movimento francês – os “reprodutivistas”. Espera-se ser capaz neste presente artigo poder fornecer subsídios que fundamentam as diferentes concepções teóricas da sociologia da educação. Palavras-Chave: reprodutivistas. Teorias Sociológicas Clássicas. Educação. Crítico- INTRODUÇÃO A sociologia é uma ciência que surge com o desenvolvimento do capitalismo. Então a natureza da reflexão sociológica, que aparece na sistematização de estudos de seus fundadores mais importantes, está marcada, já em seu nascimento, pela seguinte questão: como compreender as maravilhas e ao mesmo tempo os problemas sociais deste novo mundo que desabrochou com o desenvolvimento da indústria moderna e da sociedade estratificada em classes? Essa pergunta está no bojo dos acontecimentos históricos vividos pelos autores pertencentes à sociologia clássica, ou seja, os estudos sobre educação de Auguste Comte, Herbert Spencer, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber que trazem uma peculiaridade segundo o contexto social, político e econômico que estavam inseridos. 1 Artigo apresentado no II Seminário de Pesquisa, Iniciação Científica e Extensão. Desenvolvimento Regional: Pesquisa e Intervenção Social. Realizado na Faculdade Guarapuava/PR, nos dias 22 a 26 de outubro de 2012. 2 Graduado em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais (PUCRS), Porto Alegre/RS. Pós- Graduado em Metodologia de Ensino em Sociologia (FACEL), Curitiba/PR. Mestrando em Ciências da Educação (UPAP), Assunção/Paraguai. 7 Tais estudos serviram de análise por todo o século XX, principalmente no final dos anos sessenta e início da década de setenta, quando surge uma corrente de pensadores chamada de “escola reprodutivista” (Bourdieu, Passeron, Althusser, Establet e Baudelot), em oposição ao ‘otimismo pedagógico’ estabelecido pelas formulações liberais e conservadoras. Ao descrever os desafios que a instituição escolar está passando na contemporaneidade, não pode-se encará-la de maneira unilateral em relação às outras instituições que fazem parte da vida social, ou seja, precisa-se levar em consideração fenômenos pluridimensionais para poder realmente ter uma consistência na análise sociológica sobre educação. A educação apresenta uma relação intrínseca com a economia, com a política, relações de poder, fatores culturais e tecnológicos. Não se pode falar de educação sem discutir o capitalismo. Uma característica do capitalismo é buscar e criar novos mercados, pois, percebe-se cada vez mais o crescimento de organizações internacionais e corporações transnacionais ganhando mais poderes e significância que os próprios Estados nacionais. O avanço da globalização e do neoliberalismo na América Latina e, particularmente no Brasil, está intensificando as contradições provocadas pela imensa estratificação social. As relações, assim como as pessoas no interior da sociedade estão se transformando em meros dados estatísticos, sendo julgadas e classificadas apenas pelo que podem ou não consumir. Os direitos que compõem a cidadania estão sendo substituídos pelos direitos do consumidor, em outras palavras, o ser humano está se tornando o próprio produto a ser consumido, desumanizando-se. Este estudo quer saber quais são as concepções teóricas da sociologia clássica e reprodutivista que reúne maior número de elementos que auxiliam na compreensão sobre a escola e o sistema educacional, levando em consideração tais objetivos: Abordar as principais contribuições dos autores clássicos da sociologia sobre o papel da educação; Levantar os pressupostos teóricos sobre o movimento francês chamado de crítico-reprodutivistas no interior da escola; 8 Verificar os mecanismos através dos quais o sistema de ensino transforma a transmissão familiar da herança cultural - resultado da diferenças de classes em desigualdades, sinônimo de fracasso escolar; Em relação à metodologia desenvolvida na produção do artigo, foi de natureza bibliográfica e visou alcançar os objetivos que foram propostos. Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica mediante uma leitura sistemática, com fichamentos, resumos e resenhas de livros, revistas (periódicos) e textos da internet, de modo a ressaltar os pontos pertinentes ao assunto em estudo abordado. 1. DO POSITIVISMO AO COMPREENSIVO: A CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA NOS ESTUDOS EDUCACIONAIS Os primeiros estudos da sociologia da educação vieram da matriz positivista no século XIX e XX, inaugurado por Auguste Comte, seguido por Herbert Spencer e posteriormente por Émile Durkheim, sendo este último seu maior representante. A educação positivista consiste na formação moral dos membros da sociedade (no caso a que ele pertence) para que cheguem a um consenso, com base no qual prevaleceria um estado de harmonia e ordem (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p.19). Nesse sentido, as formas de ensino da educação formal têm um objetivo claro: a sociedade industrial só pode se estruturar se cada indivíduo for educado para contribuir de maneira útil em benefício do todo social. Auguste Comte (1798-1857) nascido em Montpellier, França, tornou-se discípulo de Saint-Simon, de quem sofreu enorme influência. A filosofia positivista o levou a ser devoto de uma concepção intelectual que vincula diretamente o pensamento científico, considerado para este(s) como verdadeiro. De acordo com seu livro Curso de Filosofia Positiva, cunhou o termo física social (COMTE, 1978a, p.8) para designar a criação de uma nova ciência e, posteriormente chamou de sociologia na obra chamada de Física Social publicada em 1838 e Discurso sobre o Espírito Positivo em 1844 (COMTE, 1978b, p. 90). 9 Segundo a teoria comteana as sociedades passariam por um processo de evolução histórica3 que chamou de Lei dos três estados4, onde passariam de um estado ou estágio menos evoluído para o máximo da racionalidade e progresso que a humanidade estava constatando (parâmetro para tal desenvolvimento era a sociedade europeia) - advinda da industrialização e da filosofia positiva. Em outra obra intitulada o Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo, Comte deixa claro a perspectiva de consenso e coesão que o positivismo poderia a vir instaurar no seio societal: Uma sistematização real de todos os pensamentos humanos constitui, pois nossa primeira necessidade social, igualmente quanto à ordem e ao progresso. A realização gradual desta ampla elaboração filosófica fará espontaneamente surgir, em todo o Ocidente, uma nova autoridade moral, cuja inevitável ascendência colocará a base direta da reorganização final, ligando as diversas populações avançadas através da mesma educação geral, que fornecerá para toda parte, para a vida pública como para a vida privada, princípios fixos de julgamento e de conduta. Desse modo, os movimentos intelectuais e de comoção social, cada vez mais solidários, conduzem de agora em diante a elite da humanidade ao advento decisivo dum verdadeiro poder espiritual (...). (COMTE, 1978c, p.97-98) Nesse contexto do positivismo como religião da humanidade, a educação teria uma importância preponderante, pois seria o veículo que conduziria a formação moral às futuras gerações. Parafraseando Nelson Piletti e Walter Praxedes (2010, p.21): 3 Comte denominou de “evolução do espírito humano” seguindo uma perspectiva linear. Estado Teológico ou “Fictício” - O espírito humano explica os fenômenos atribuindo-os a seres ou forças sobrenaturais. Explica os fatos por meio de vontades análogas à nossa. Este estado evolui do fetichismo ao politeísmo e ao monoteísmo. O pensamento religioso comanda a racionalidade. Estado Metafísico ou “Abstrato” - Invoca entidades abstratas, como a natureza. Corresponde tudo que a física, a matemática, a química, não consegue esclarecer. Estado Positivo ou “Científico” - O homem se limita a observar os fenômenos e a fixar relações regulares que podem existir entre eles. Representa o estágio máximo da racionalidade humana. O positivismo como corrente de pensamento baseada na ciência, apresenta-se como a mais elevada e apurada de produção de conhecimento que a humanidade já conheceu. 4 10 (...) educação e moral se fundem no sistema comtiano em um processo pedagógico organizado para tornar o indivíduo capaz de controlar o seu egoísmo por meio do progressivo desenvolvimento de suas funções afetivas e intelectuais, podendo, dessa maneira, integrar-se à ordem social positiva. Na perspectiva positivista o papel central da educação seria de reorganizar a sociedade que estava em crise (período de profundas transformações sociais oriundas da Revolução Industrial). Dessa maneira, não se aceita os conflitos gerados pelos antagonismos provenientes das contradições descritas acima. A partir dos formuladores originais do positivismo - Auguste Comte acompanhado pelo inglês Herbert Spencer (1820-1903), este último (pouco abordado nos manuais de educação) aprofundou uma característica peculiar em relação a seu antecessor, o paradigma organicista. É organicista porque sua visão de sociedade se baseia em analogia ao modo como funcionam os organismos vivos - daí o emprego do termo função 5 . Segundo a teoria spenceriana, os indivíduos estariam submetidos às mesmas leis que regulam o mundo natural, em outras palavras, a sociedade emergiria de uma evolução biológica e social, passando de um estado uniforme rumo ao multiforme. Spencer em seu livro O que é uma sociedade? (1977, p.148-149) salienta que a sociedade está em constante avanço e processo de crescimento: À medida que ela cresce, suas partes tornam-se dessemelhantes, sua estrutura fica mais complicada e as partes dessemelhantes assumem funções também dessemelhantes. Essas funções não são somente diferentes: suas diferenças são unidas por via de relações que as tornam possíveis umas pelas outras. A assistência que mutuamente se prestam acarreta uma mútua dependência das partes. Finalmente, as partes, unidas por esse liame de dependência mútua, vivendo uma pela outra e uma para a outra, compõem um agregado constituído segundo o mesmo princípio geral de um organismo individual. A analogia de uma sociedade com um organismo torna-se, ainda, mais surpreendente quando se vê que todo organismo de apreciável volume é uma sociedade (...). O evolucionismo spenceriano foi fortemente derivado do evolucionismo biológico de Charles Darwin, a partir desse fato, suas formulações ficaram conhecidas 5 como ‘darwinismo social’ (COSTA, 2002, p.49). Suas ideias Será a base do funcionalismo elaborado por Durkheim posteriormente. Em linhas gerais, o organicismo é visto do mesmo modo que os organismos vivos são compostos de partes (órgãos), cada uma com uma função específica, assim são as sociedades humanas. Cada instituição, como a família, a igreja, o trabalho, o Estado correspondem uma função no funcionamento do organismo social. 11 influenciaram enormemente a sociedade norte-americana, onde sua teoria teve maior abrangência em várias áreas, porém, no sistema educacional teve grande repercussão. A frase “sobrevivência do mais apto” é de sua autoria e, explicava, por exemplo, a diferença no aproveitamento escolar dos alunos de classes altas em relação aos de classes baixas, (estes últimos na maioria oriundos de grupos étnicos de negros, mestiços e latinos de modo geral). Em outra obra de sua autoria - Como elevar o nível intelectual de nossos jovens, Spencer (1987, p.39) descreve claramente sua ideia sobre a educação, pois, “a mente desenvolve-se como todas as coisas que se desenvolvem, ela passa do homogêneo ao heterogêneo”. Ao relatar sobre a educação infantil, a criança deveria ser guiada pelos mesmos processos evolucionários que a humanidade passou: (...) a gênese da erudição do indivíduo deve seguir a mesma trajetória que a gênese da erudição da raça. Em rigor, este princípio pode ser considerado como já expresso por inferência; já que ambos são processos de evolução, devem ajustar-se àquelas mesmas leis gerais de evolução já aludidas, e, portanto, devem harmonizar-se entre si. (SPENCER, 1987, p.44) Representa uma visão de reprodução contínua de fases e estágios desenvolvimentistas como Comte já havia descrito. Spencer dá uma importância excepcional para a educação, relatando que ela é “derivada da transmissão da lei de hereditariedade” (1987, p. 45), ao ponto de criar uma tentativa de explicação sobre as imensas desigualdades existentes entre os indivíduos: (...) sucessivas gerações que transmitiram os efeitos acumulados aos seus descendentes; se julgamos que as diferenças são agora orgânicas, de forma que uma criança francesa transforma-se num homem francês mesmo quando criada entre estrangeiros; e se o fato geral assim ilustrado é de verdade de toda a natureza, inclusive o intelecto, então concluímos que, se existir uma ordem pela qual a raça humana dominou seus vários tipos de conhecimentos, surgirá em toda a criança uma capacidade de adquirir esses tipos de conhecimentos na mesma ordem. (SPENCER, 1987, p.4546) 12 Spencer foi um defensor do ensino prioritário da ciência que tinha como objetivo fornecer aos jovens um conhecimento sobre o funcionamento da natureza que lhes dessem subsídios de se adaptarem às exigências do mundo moderno, típico da competição e da concorrência. O terceiro e o mais importante autor positivista no estudo da sociologia da educação é o também francês Émile Durkheim (1858-1917). Viveu numa época de tensão entre o entusiasmo do desenvolvimento da França e o “risco de ver a sociedade esfacelar-se em uma poeira de indivíduos isolados em decorrência da quebra dos padrões tradicionais de coesão social” (SOUZA, 2009, p.76). Ele reivindicava vigorosamente que a educação escolar assumisse essa tarefa, isto é, a de criar outros novos padrões de solidariedade social numa sociedade submetida a um ritmo de mudança tão intenso. É importante ressaltar que Durkheim acreditava que a sociedade exerce uma coerção social sob indivíduos, definindo-o como uma espécie de pressão para aderir as regras, hábitos e costumes estabelecidos pelo grupo, comunidade ou sociedade. Essa imposição é exterior e independente da vontade do indivíduo e chamou de ‘fato social’6. Para Durkheim (1978, p. 60) a educação significa “ação exercida por uma geração sobre a geração seguinte, com o fim de adaptá-la ao meio social...”. Nesse sentido, a adaptação é uma função imprescindível para o indivíduo na sua vida em sociedade. Outra palavra largamente utilizada pelos positivistas é o consenso, como suporte para acomodação da “consciência coletiva”. A ótica durkheimiana confere que a educação, independentemente do lugar e da época em que é realizada, tem o mesmo objetivo primordial da socialização – formar o ser social em indivíduo socialmente ajustado. No livro Educação e Sociologia, Durkheim esclarece nos seus discursos o porquê de muitos indivíduos não conseguirem adaptar-se em instituições como o trabalho, a escola, entre outras. Sua resposta é radicalmente diferente da de Marx, 6 No livro, “As Regras do Método Sociológico” (1895), define o objeto de estudo da Sociologia – “fato social”, pois, é toda ‘coisa’ capaz de exercer algum tipo de coerção sobre o indivíduo, sendo esta “coisa” independente e exterior ao indivíduo e estabelecida em toda a sociedade. Os fatos sociais se caracterizam pela coercitividade, exterioridade e generalidade. 13 por exemplo, que fazia severas críticas à divisão do trabalho. Para Durkheim, a organização do trabalho no mundo moderno nos obriga a nos dedicarmos a uma tarefa, restrita e especializada. Não podemos, nem nos devemos dedicar, todos, ao mesmo gênero de vida; temos, segundo nossas aptidões, diferentes funções a preencher, e o trabalho que nos incumbe. Nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação. (DURKHEIM, 1978, p. 35) Infelizmente essa foi à visão que predominou nos cursos de formação de professores7 e consequentemente em sala de aula por muitas décadas no século XX. Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) foram os primeiros filósofos a desenvolverem na sociologia uma perspectiva que refutassem a visão positivista na educação. Segundo a concepção materialista-histórica dialética, Marx acreditara que a educação tinha um papel importante na vida do homem, mesmo que tal tema nunca tenha sido pauta central nos seus estudos. A concepção marxiana encara a educação numa perspectiva dialética estabelecendo uma relação social entre indivíduos e sociedade, em outras palavras, ao mesmo tempo, que os homens são produtos das circunstâncias históricas, eles também contribuem para modificar as circunstâncias em que vivem, pois, no seu entendimento, a ação humana tem a capacidade de mudanças dos processos de transformação da sociedade (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p. 50). No livro O Capital (de 1867), Marx e Engels fazem uma análise das condições de vida dos trabalhadores ingleses na cidade de Manchester8, trazendo relatos da situação precária das crianças no interior das fábricas. Nesse ponto, Marx conclui que o tipo de educação dada às crianças oriundas da classe operária era tão débil e alienante que só poderia servir para perpetuar as relações de opressão às quais seus pais operários estavam submetidos. Mais especificamente, descreve às 7 A pedagogia tradicional e especificamente na sociologia da educação a tendência positivo-funcionalista durkheimiana traz um perfil particular desse educador - como ilustra Paulo Meksenas (2010, p. 52) “o professor, que deve transmitir as verdades científicas, passa a ser o centro do processo educativo. A aula deve, portanto, girar em torno da figura do professor que deve ser também a autoridade responsável pelo desempenho do ensino e da ordem dentro da sala de aula. Ao aluno, cabe à obediência, acatar as decisões sem questioná-las”. A relação professor-aluno fica subentendida como: enciclopédia ambulante (professor) e tábula rasa (aluno). 8 Transformações econômicas, políticas e sociais oriundas pela Revolução Industrial que teve grande impacto na sociedade inglesa e europeia como um todo. 14 “escolas politécnicas e agronômicas” e também às “escolas de ensino profissional onde os filhos dos operários recebem algum ensino tecnológico e são iniciados no manejo prático dos diferentes instrumentos de produção” (Marx, 1968, p. 559). Então, o filósofo alemão reconhece a existência dessas escolas criadas pela própria burguesia, revelando um movimento antagônico que envolve a necessidade de atender à exigência da classe capitalista, imposta pelo modelo industrial. A denúncia realizada pelo autor sobre a exploração da burguesia que se apropriaram dos meios de produção em relação aos trabalhadores que restam vender sua força de trabalho como forma de sobrevivência, isto é, Marx queria mostrar que o capitalismo pautado nessas relações de produção, desumanizava o homem. O brilhantismo e profundidade das ideias marxianas aventaram inúmeras criticas sociais, políticas, econômicas e chegando às relações vitais do ser humano como: (...) ver, ouvir, cheirar, saborear, pensar, observar, sentir, desejar, agir, amar, em suma, todos os órgãos de sua individualidade, como órgãos que são de forma diretamente comunal, são, em sua ação objetiva (sua ação com relação ao objeto), a apropriação desse objeto, a apropriação da realidade humana (Marx, 1983, p. 120). Segundo Alberto Tosi Rodrigues (2007, p.41) Marx e Engels “viam a educação com os mesmos olhos com que viam o capitalismo”. Mas, como Marx poderia vislumbrar um processo educacional que contribuísse efetivamente para emancipar o ser humano? A partir de Rodrigues (2007) um dos pontos fundamentais seria a educação de um “novo homem” no sentido comunista de tal modo que ele pudesse de fato superar a divisão social do trabalho intensificada no sistema capitalismo, que em última análise, alienava e explorava o ser humano. Segundo a visão marxiana haveria a possibilidade de “romper, na formação das futuras gerações, com a separação entre o trabalho manual e intelectual” difundido pela burguesia através da ideologia liberal (RODRIGUES, 2007, p.43). Partindo de um método diferenciado, chamado de compreensivo, Max Weber (1864-1920) inaugura um novo paradigma para explicação dos fenômenos que cercam a vida social. Os trabalhos produzidos por Weber trouxeram ríspidas críticas ao modelo de ensino praticado nas escolas na atualidade. Essas críticas 15 correspondem à educação técnica e racionalizada promovidas pelo Estado e pelas instituições de ensino advindas das religiões protestantes (pelo menos na sua grande e extensa maioria) no séc. XIX, que visavam os ensinamentos burocráticos da ideologia liberal para servir o mercado, em outras palavras, “educar no sentido da racionalização também passou a ser fundamental para a empresa capitalista, pois, ela se pauta pela lógica do lucro, do cálculo de custos, eficiência e benefícios, e precisa de profissionais (mão-de-obra) treinados para isso” (RODRIGUES, 2007, p.65). Mas antes que chegar a essa constatação descrita acima, Weber estudou a correlação da afinidade entre a racionalidade do protestantismo e a empresa capitalista e, está levantava um problema teórico: Por que no Ocidente, havia a coincidência entre as áreas de expansão do protestantismo e as áreas onde prosperava o capitalismo industrial? A partir de diversos estudos envolvendo a Reforma Protestante do séc. XVI iniciada por Martinho Lutero e posteriormente por João Calvino, este último como o principal expoente do calvinismo, sobre a ética protestante, as éticas econômicas das grandes religiões e os sistemas econômicos, Weber criou a seguinte hipótese: a resposta estaria na afinidade cultural entre a ética protestante e a racionalidade do empreendedor capitalista. Weber destaca três contribuições protestantes: a primeira corresponde à supervalorização do trabalho (fato que diferenciava entre os católicos); a segunda a divisão do trabalho como vontade de Deus, fato que colaborou para o desenvolvimento da economia e a terceira e última, a presença do lucro, pois a riqueza é encarada como um sinal de recompensa divina. Em sua obra-prima intitulada A ética protestante e o espírito do capitalismo (aclamada pela crítica especializada como um dos livros mais importantes do séc. XX), constata a diferenciação de ensino exercida entre as escolas católicas e protestantes: (...) que a maior participação dos protestantes nas posições de proprietários e gerentes na vida econômica moderna seja atualmente encarada, em parte pelo menos, como simples resultado da maior riqueza material por eles herdada. No entanto, há outros fenômenos que não podem ser explicados da mesma maneira. Só para citar alguns, há uma grande diferença perceptível, em Baden, na Baviera e na Hungria, no tipo de educação superior que católicos e protestantes 16 proporcionam a seus filhos. O fato de a porcentagem de católicos entre os estudantes e os formados nas instituições de ensino superior ser proporcionalmente inferior à população total, pode, certamente, ser largamente explicado em termos de riqueza herdada. Porém, entre os próprios formados católicos, a porcentagem dos que receberam formação em instituições que preparam especialmente para os estudos técnicos e ocupações comerciais e industriais, e em geral para a vida de negócios de classe média, é muito inferior à dos protestantes. Por sua vez, os católicos preferem o tipo de aprendizagem oferecido pelos ginásios humanísticos. Essa é uma circunstância à qual não se aplica a explicação acima apontada, mas que, ao contrário, é uma das razões pelas quais tão poucos católicos estejam interessados na empresa capitalista. (WEBER, 2003, p.20) De acordo com Weber, a lógica da extrema racionalização capitalista ministrada nas escolas protestantes, especificamente calvinistas, não objetivavam o lucro em si, em outras palavras, a acumulação de capital era uma representação do esforço e dedicação que provinham do trabalho como ação sagrada que designava um sinal de recompensa divina, porque Deus a oportunizou com o propósito de chegar a salvação, ou seja, o conhecimento técnico-fabril empregado nos institutos puritanos corresponderia uma espécie de vocação religiosa. Mais notável ainda é um fato que explica parcialmente a menor proporção de católicos entre os trabalhadores especializados na moderna indústria. Sabe se que as fábricas arregimentaram boa parte de sua mão de obra especializada entre os jovens artesãos; contudo, isso é muito mais verdadeiro para os diaristas protestantes que para os católicos. Em outras palavras, entre os diaristas católicos parece preponderar uma forte tendência a permanecer em suas oficinas, e tornar com freqüência mestres artesãos, enquanto os protestantes são fortemente atraídos para as fábricas, para nelas ocuparem cargos superiores de mão de obra especializada e posições administrativas. A explicação desses casos é, sem dúvidas que as peculiaridades mentais e espirituais adquiridas do meio ambiente, especialmente do tipo de educação favorecido pela atmosfera religiosa da família e do lar, determinaram a escolha da ocupação e, por isso, da carreira. (WEBER, 2003, p.21) Os estudos weberianos no âmbito da sociologia da educação são pouco difundidos, geralmente é mais comum na área da religião e na política. Weber traz para dentro do contexto da cultura e em última análise, no contexto escolar, a “função ideológica dos valores difundidos tanto na religião quanto nos costumes, hábitos ou crenças enraizados por grupos sociais, associado a uma função ideológica, à de inculcação, servindo como forma de legitimação e manutenção da 17 ordem estabelecida”, como relata Souza (2009, p.86). Portanto, Weber compreende a educação : como dimensão de um amplo processo de racionalização e de burocratização das sociedades modernas, por meio do qual os indivíduos desenvolvem formas de racionalidade técnica e científica para a adequação dos meios disponíveis às finalidades utilitárias visadas pelos agentes, ao mesmo tempo que as estruturas administrativas burocráticas pretendem limitar os interesses individuais para estabelecer uma dominação racionallegal de tipo burocrático que torne possível a vida social. (PILETTI; PRAXEDES; 2010, p.12). Weber cria uma tipologia 9 para analisar os fenômenos educacionais, classificando a educação em: humanística, especializada e carismática, que corresponde aos três tipos puros de dominação legítima (tradicional, racional-legal, carismática). 2. A ESCOLA E A REPRODUÇÃO SOCIAL: ABORDAGEM DAS TEORIAS CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS No final dos anos sessenta e início da década de 70, surge na França uma vertente que se contrapõe à educação como o melhor instrumento para a transformação da sociedade e como possibilidade de ascensão social. Colocava-se, assim, em oposição às tendências pedagógicas liberais e conservadoras 10 . Abordavam e enfatizavam em seus trabalhos a ênfase da educação nos aspectos de reprodução de valores, do imaginário e das condições sociais do capitalismo no interior dos processos educacionais. Por conta desta ênfase em seus trabalhos, 9 A educação humanística se baseia em cultivar um determinado modo de vida (pode ser de diferentes comportamentos culturais), sendo que pode ser muito diverso, pois, constitui em um conjunto de atitudes apoiadas em um ‘ethos’ característico do ideal de cultura. Exemplo: educação da nobreza medieval; da aristocracia. A educação especializada corresponde à estrutura de dominação legal, ou seja, ligada ao processo de racionalização e burocratização das sociedades contemporâneas descritos por Weber. O conhecimento especializado ensinado nessas escolas prepara os indivíduos para o mundo moderno das grandes corporações, como por exemplo, um administrador de empresas. A educação carismática é típica do sacerdote, de um líder tribal, de um guerreiro etc. Ela se propõe despertar qualidades humanas consideradas estritamente pessoais, isto é, extraordinárias que tem as condições de persuasão e convencimento em todo grupo social ou sociedade. 10 Eles estão dentro do grupo de teóricos que seguem e se aprofundam o pensamento de Marx no que se refere à educação. Seguindo a orientação marxiana e aperfeiçoando-a, o processo educativo que se dá dentro da escola é desigual, pois a escola é instituição sob controle da classe dominante, reprodutora de desigualdades sociais. 18 estes autores ficaram conhecidos como “reprodutivistas”, são eles: Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, Louis Althusser, Roger Establet e Christian Baudelot. Em um artigo de 1966, intitulado “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura” e, posteriormente em 1970 no livro “A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema de ensino, Pierre Bourdieu (1930-2002) em parceria com Jean-Claude Passeron, este primeiro considerado por muitos especialistas como o sociólogo mais notável da contemporaneidade) rompem com as explicações fundadas em aptidões naturais e individuais e criticam o mito do “dom”, desvendando as condições sociais e culturais que permitiriam o desenvolvimento desse mito. Afirma, também, os mecanismos através dos quais o sistema de ensino transforma as diferenças iniciais – resultado da transmissão familiar da herança cultural – em desigualdades de destino escolar (BOURDIEU, 2011, p. 45). Demonstra como os estudantes provenientes de famílias desprovidas de capital cultural apresentarão dificuldades no processo de significância no que tange o reconhecimento e pertencimento com as obras da cultura erudita veiculadas pela escola, enquanto para os alunos originários de meios culturalmente privilegiados essa relação está marcada pelo tipo de linguagem que facilita o entendimento verbal tido como “natural”. Ao avaliar o desempenho dos alunos, a escola leva em conta, conscientemente ou não, esse modo de aquisição e uso do saber. Quatro conceitos são fundamentais para compreensão dos seus estudos: habitus; campo; capital e violência simbólica. O “habitus são estruturas sociais de nossa subjetividade que se constituem inicialmente por meio de nossas primeiras experiências (habitus primário), e posteriormente de nossa vida adulta (habitus secundário)” como descreve Philippe Corcuff (2001, p.51). No livro A economia das trocas simbólicas, Bourdieu relata que construção do habitus passa pela interiorização da exterioridade, em outras palavras como sistema de disposições constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes. (BOURDIEU, 1992, p. 191) 19 O campo representa uma rede de relações objetivas entre posições que os agentes estabelecem. Estas posições se definem pelas estruturas que se impõem a seus agentes, sejam indivíduos ou instituições, a partir do potencial que cada agente dispõem na distribuição das diferentes espécies de poder ou de capital que estão em jogo dentro de cada campo (político, religioso, econômico, cultural, artístico etc). O campo corresponde a exteriorização da interioridade, marcado por agentes dotados de um mesmo habitus em que se movimentam como jogadores, cujas posições no jogo dependerão do acúmulo de capital correspondente ao campo que cada indivíduo ou agente adquirir. O capital representa vários tipos como Bourdieu definiu: cultural, social, econômico, político, simbólico entre outros. O(s) capital(s) se inter-relacionam dialeticamente com o habitus e campo, formando uma tríade: habitus + campo = capital. O quarto e último conceito é amplamente discutido na obra A reprodução, descreve que ação pedagógica (AP) se caracteriza objetivamente por exercer a violência simbólica, enquanto que as relações de força entre grupos ou as classes constitutivas de uma formação social estão na base do poder arbitrário que é a condição da instauração de uma relação de comunicação pedagógica, isto é, da imposição e da inculcação de um arbitrário cultural... (educação). (BOURDIEU, 2008, 27) Outro livro importante é O poder simbólico e Bourdieu (2009, p.11-12) explica tal título e conceito como uma forma transfigurada e legitimadora das outras formas de poder. As leis que regem a metamorfoseação de diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em particular, dentro do sistema de ensino conjuntamente com o capital cultural solidifica-se como violência simbólica, a partir da “seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe” (BOUEDIEU, 2008, p.29). (...) é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de 20 fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura”. (BOURDIEU, 2011, p. 53). Os sistemas de ensino contribuem para a manutenção das relações de força que geram as desigualdades fundadas tanto na propriedade do capital econômico quanto do capital cultural. Segundo o autor, a sociologia da educação se constitui como ciência dotada de um objeto de estudo próprio, a investigação científica “das relações entre reprodução cultural e a reprodução social” (BOURDIEU, 1992, p. 295). O legado que os estudos bourdieurianos deixaram, tornaram-se uma espécie sine qua non para análise dos problemas educacionais, pois marcou que era os estudos antes e depois da sua existência, corresponderam um avanço sem precedente no campo da pesquisa e da ação. Na obra “Ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado” (1983) de Louis Althusser (1918-1990) apresenta-se a ideia que as instituições sociais como as escolas, igrejas, trabalho, meios de comunicação, partidos políticos, assim como as de proteção (polícia, exército...) são utilizados pelo Estado como meio de disseminar e colaboram para manter (reproduzir) a divisão social em classes econômicas. Os aparelhos ideológicos do Estado (AIE) são instrumentos que servem a favor do capital pelo convencimento ou pela força (repressão), com objetivo de reprodução e manutenção ideológica. Nesse sentido, na perspectiva althusseriana a escola representa um dos Aparelhos Ideológicos do Estado11. Há uma clara preocupação com a questão da ideologia em educação 12. Esse ensaio rompe com aquela perspectiva liberal da educação que desinteressadamente envolve a transmissão de conhecimento. A transmissão de conhecimento é dirigida, intencional e formadora de opiniões, do qual, a classe dominante transfere suas ideias sobre o mundo, com o objetivo de reprodução da estrutura social existente. A escola como uma das instituições reprodutoras e mantenedora da estrutura de 11 O poder da escola decorre do fato de ela lidar com todas as crianças, impondo-lhes a ideologia da classe dominante. 12 Durante muitos séculos, lembra Althusser, a igreja foi o aparelho ideológico do Estado que assegurou uma posição dominante no processo de transmissão dos valores culturais, mas, a partir do século XIX, com separação entre essa instituição e o Estado, a escola passou a ocupar esse lugar. 21 classes, tem o papel de garantir o ensinamento de valores apropriados do capitalismo. Parafraseando Moreira e Silva (1995, p.23): A ideologia, nessa perspectiva, está relacionada às divisões que organizam a sociedade e às relações de poder que sustentam essas divisões. O que caracteriza a ideologia não é a falsidade ou verdade das ideias que veicula, mas o fato de que essas ideias são interessadas, transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização social. A ideologia é essencial na luta desses grupos pela manutenção das vantagens que lhes advêm dessa posição privilegiada. Os dois últimos teóricos críticos da educação são Roger Establet (1938--) e Christian Baudelot (1938--) e desenvolveram conjuntamente a teoria da escola dualista, pois, realizaram pesquisas extensas nas escolas francesas, nas quais descobriram que existem duas redes de escolarização: uma destinada aos filhos dos membros da classe empresarial e outra destinada aos filhos dos membros da classe trabalhadora 13 (GADOTTI, 1999, p.197). Nesse sentido, há duas escolas que coexistem de forma dissimulada, pelo fato, de que aparentemente elas se alicerçam na ideologia da classe dominante para se apresentarem como única e universal, que ofereceriam oportunidades iguais, ou seja, há uma “naturalização” das relações assimétricas entre classes que se afirmam na base ideológica do liberalismo embasado na concepção que “todos são iguais”, isto é, “todos gozariam das mesmas oportunidades”. Segundo Establet-Baudelot (1971, p. 298 apud SAVIANI, 2007, p.157), a escola não é um local de luta para transformar a sociedade, mas somente reproduzila. 13 A primeira classe teria acesso às melhores escolas; seus filhos teriam tempo e recursos para estudar; disponibilidade e recursos para freqüentar outras atividades que complementam a formação e educação escolar, quanto à segunda classe, não teriam acesso às melhores escolas nem a complementação dos seus estudos, seja por conta da falta de recursos financeiros, seja por conta da incompatibilidade com a sua jornada de trabalho, que os obrigaria a freqüentar cursos noturnos, sem possibilidade de fazerem outros cursos paralelos. 22 (...) aparelho escolar capitalista é diretamente responsável pelas modalidades segundo as quais este concorre para a reprodução das relações de produção capitalistas. Isto supõe evidentemente que nós elaboraríamos pouco a pouco uma definição sistemática da forma escolar, da qual nós simplesmente indicamos que ela repousa fundamentalmente sobre a separação escolar, a separação entre as práticas escolares e o trabalho produtivo. Nas suas análises concluem que a escola é, na verdade, a instituição mais eficiente para segregar os indivíduos, por dividir e marginalizar parte dos alunos com o objetivo de reproduzir a sociedade de classes. O caráter da escola como instituição que, pelo menos, deveria ser de socialização no aspecto de promover ensinamentos, de humanização, autonomia, liberdade, livre arbítrio, equidade, justiça social, respeito às diferenças, é ao contrário, é mecanismo de formulação e reformulação de subjetividades apropriadas ao capital. As teorias crítico-reprodutivistas denunciam que a função social da escola é a de atender ao capitalismo, excluindo conteúdos críticos, formando mãode-obra especializada e dócil e reproduzindo a estrutura de classes. É nesse sentido que os teóricos críticos da reprodução enxergam a educação institucionalizada como reprodutora de desigualdades. A pedagogia radical refuta a ideia que no ato da docência e da discência, o conhecimento pode advir da negação da emancipação de grupos menos favorecidos. Os educadores críticos apontam para uma ruptura da situação de opressão que são criados e reforçados pela sociedade capitalista, estimulam uma prática educativa que reforçam uma experiência que contribui para construção de uma nova ordem social. Ser oprimido significa não somente estar subjugado economicamente, mas não ser respeitado em suas manifestações culturais e, principalmente, os direitos que compõe a cidadania14. Quem sofre essa condição, 14 Os esforços da educação, relacionado diretamente com a escola de dar conta dos direitos que representam a cidadania é um caminho árduo. De acordo com Souza (2009) observemos uma situação que era comum até o final dos anos 80 no território brasileiro (e até hoje tem algumas localidades no país), os diretores de escola da rede pública estadual eram escolhidos por indicação política. Tínhamos uma relação de apadrinhamento político na gestão escolar e, gozavam de certo prestígio na comunidade pelo poder que exercia. Neste ponto percebemos que havia uma clara contradição o que a instituição escolar pregava e o que ela fazia. Então, poderíamos pensar em modernidade no espaço escolar se ela continuava se curvando ao tradicionalismo político? Onde estava sua liberdade? Que tipo cidadãos que ela poderia formar se ela própria não era democrática, pois, negava a autonomia, e participação? 23 muitas vezes, não se percebe como tal e, pior, “naturaliza” tais condições que o exclui. Um dos objetivos, em termos de reflexão pedagógica, é de fornecer subsídios para passagem da consciência ingênua para consciência crítica. QUADRO 1 – Concepção Sociológica da Educação TEORIA POSITIVISMO SOCIOLÓGICA MÉTODO CRITICO REPRODUTIVISTA Positivo - Funcionalista Dialética SOCIOLÓGICO S ← O S ↔ O RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO INDIVÍDUO E SOCIEDADE CONHECIMENTO PROFESSOR - O meio social produz o indivíduo. - O indivíduo é reflexo da sociedade. - Os indivíduos são a soma da sociedade. - O meio social (sociedade) é reflexo do indivíduo, ao mesmo tempo, o indivíduo é reflexo do meio social. Constitui um processo relacional. Somente o professor detém o conhecimento. Se dá através da construção permanente entre o professor e o aluno. Somente o professor é o detentor do conhecimento. Ao mesmo tempo que o professor ensina, também aprende com a aluno. É considerado vazio, como uma tábula Aprende simultaneamente com o Este é um bom exemplo que mostra como as instituições estão interconectadas na sociedade, em outras palavras, os problemas encontrados no espaço escolar correspondem, muitas vezes, problemas advindos de outras instituições sociais, ou seja, há uma nítida relação de interdependência entre a escola com esferas mais amplas do meio societal. 24 ALUNO ESCOLA EDUCAÇÃO RELACIONAMENTO PROFESSOR-ALUNO POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS PARA OS ALUNOS RELAÇÃO rasa. professor. A escola tem a função de imprimir sobre as novas e futuras gerações valores e disciplinas da sociedade assim como ela é. A escola é o espelho da sociedade. Ou seja, ela tem contribuído para reprodução das desigualdades de classes NA sociedade. É a ação exercida pelas instituições que visam um objetivo: adaptação dos indivíduos ao meio social. Não aceitam reformas ou mudanças no sistema. É definida como forma de intelectual, social e cultural de possuem um determinado cultural e econômico em outras menos favorecidas. Predomina a autoridade do professor. O aluno não participa, e a comunicação entre eles é somente para chamar atenção. A disciplina é imposta, não tem nenhum tipo de diálogo. O professor tem a autoridade, mas não é autoritário. O professor pergunta, conversa sobre a opinião do aluno, porque é importante saber o que a turma pensa. O aluno participa dos conteúdos propostos. O aluno não participa da construção do conhecimento. Fato que pode afetar futuramente na formação, na capacidade de discernimento. Acaba tendo uma visão conservadora das coisas, compreendendo a sociedade como algo rígido e imutável. O aluno ultrapassa a visão ingênua da vida, discernindo os obstáculos que deverá passar para conseguir chegar ao seu objetivo. Adquire um olhar crítico das coisas, entendendo que existe uma relação desigual na sociedade. Ou seja, saberá que não vai ser fácil para alcançar o que deseja para seu futuro. P → A P ↔ dominação classes que patrimônio detrimento A PROFESSOR-ALUNO Fonte: GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 8° ed. São Paulo: Ática, 1999. Criada por DISCONZI, Rafael M. 25 CONSIDERAÇÕES FINAIS A primeira corrente sociológica a sistematizar o conhecimento foi o positivismo. Estudar tais pressupostos é importante para a compreensão de como os primeiros autores da sociologia construíam seus arcabouços teóricos sobre os fenômenos sociais, particularmente, sobre os processos educacionais. É evidente que Auguste Comte, Herbert Spencer e Émile Durkheim seguiram uma formação intelectual e científica, em termos sociológicos, bastante tradicional e conservadora, inclusive ideias totalmente desmitificadas pela ciência, como por exemplo a noção evolucionista (biológica e social), ou seja, a divisão da espécie homo sapiens em “raças” (caucasóide, negróide e mongolóide). Outro ponto relevante sobre a concepção positivista da educação é adequação dos indivíduos para o novo modelo societal – a sociedade industrial. Precisaria preparar a sociedade e as futuras gerações para a competição e concorrência típicas do trabalho no mundo moderno. Os estudos de Marx e Weber marcam uma ruptura significativa com o positivismo, não somente no método empregado como análise, mas a maneira como o cientista coloca-se diante do objeto a ser pesquisado. Promovem inúmeras críticas ao modelo de ensino instaurado no séc. XIX e início do XX (este último por Weber) nas escolas urbanas advindas do pensamento liberal e industrial. Um dos temas centrais que envolvia a discussão do sistema educacional na década de sessenta e setenta era se o ensino ministrado nos colégios auxiliava e intensificava divisão social do trabalho. Segundo as pesquisas de Marx, Weber e os teóricos crítico-reprodutivistas, a escolarização fornece uma população dividida, isto é, produz por um lado trabalhadores intelectuais e, por outro lado trabalhadores manuais. Ela tem o papel fundamental de produzir indivíduos com características adequadas para esta divisão. Então, o sistema de ensino está contribuindo para formação de indivíduos com características de socialização adequadas a divisão social do trabalho. A educação formal é vista oficialmente como instrumento necessário para responder estritamente a geração de mão-de-obra necessária para mercado. 26 O educador e educadora precisam romper com a concepção da escola como empresa, que tem objetivo de formar o aluno e a aluna somente como valor de troca, como meros instrumentos de lucro a serviço do capital. Em suas visões o sistema escolar deve simplesmente reagir às necessidades futuras do mercado de trabalho. Diferentemente do paradigma positivista-funcionalista de Durkheim onde enxerga a educação como meio de adaptar e ajustar, levando os indivíduos ao consenso, o movimento francês chamado de “reprodutivistas”, refuta totalmente a perspectiva acima, porque as instituições sociais (incluída a escola) não estão conseguindo dar conta do reconhecimento dos direitos que correspondem à cidadania. Em outras palavras, há uma negação das condições necessárias para construção de instituições de educação pública democráticas, como alternativa frente à exclusão e desamparo que sofrem muitas populações. De acordo com Bourdieu precisa-se desconstruir a visão comum que considera o sucesso ou o fracasso escolar como efeitos das aptidões naturais, quanto às teorias do ‘capital humano’. É por isso que estudar as principais contribuições da sociologia se torna relevante para compreensão de tais fenômenos que envolvem a educação. A desnaturalização do pensamento fatalista é preciso para que haja uma reinterpretação nas teorias educacionais, assim criando possibilidades para alcançar uma mudança de caráter qualitativo no ensino. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado; trad. Walter José Evangelista, Maria Laura Viveiros de Castro. 6° ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992. BOURDIEU,P.; PASSERON, J. C. A Reprodução – Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. __________. Escritos de Educação. In: CATANI, A. e NOGUEIRA, M. A. (org.). 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. __________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992. __________. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. 27 COMTE, A. Curso de filosofia positiva. Traduções de José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Abril Cultural, 1978a, coleção Os Pensadores. _________. Discurso sobre o espírito positivo. Traduções de José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Abril Cultural, 1978b, coleção Os Pensadores. _________. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. Traduções de José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Abril Cultural, 1978c, coleção Os Pensadores. _________. Catecismo positivista / Auguste Comte. Traduções de José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. São Paulo: Abril Cultural, 1978d, coleção Os Pensadores. CORCUFF, Philippe. As novas social. Bauru: EDUSC, 2001. sociologias: construções da realidade COSTA, M. C. C. Sociologia: introdução à ciência da Sociedade. São Paulo: Moderna, 2002. DURKHEIM, É. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1978. ___________. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. GADOTTI, Moacir. História das Ideias Pedagógicas. 8 ed. São Paulo: Ática, 1999. GIROUX, H. A. Os Professores como Intelectuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. MARX, K. 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Ms. CerizeNascimentoGomes RESUMO: A presente pesquisa promove o estudo e a reflexão sobre a prática cultural ucraniana de colorir ovos, conhecidos como pêssankas, e tem como objeto de pesquisa,o trabalho realizado no município de Prudentópolis (PR), pelos descendentes de imigrantes da Ucrânia, que através de sua arte fazem com que essa tradição ganhe estatuto de permanência. O trabalho realizado em torno desse costume é acompanhado por pesquisa etnofotográfica e procura descrever a simbologia das cores e dos desenhos utilizados, com enfoque antropológico e social. Palavras-chave:Pêssankas.Costumes.Símbolos.Festa da Primavera. Prudentópolis. INTRODUÇÃO “Esse seu traço infinito não morrerá, porque a verdade vive eternamente..." (Verso anônimo de um poema popular da Ucrânia sobre a pêssanka). O desenvolvimento da presente pesquisa tempor objetivo o estudo sobreum costume que para muitos é desconhecido, a arte ucraniana de colorir ovos, conhecidos como pêssankas. As pêssankas são consideradas íconesda cultura ucraniana, e suas pinturas expressam símbolos e rituais específicos. Os imigrantes ucranianos radicados no Brasilpreservaram essa prática ancestral do povo ucraniano. Em Prudentópolis, cidade localizada no Centro-Sul do Paraná, essa prática é considerada tradicional. Nota-se que além desse, outros costumes continuam sendo cuidadosamente mantidos pelas pessoas mais velhas, mesmo que com algumas modificações, devido ao processo de aculturação que os imigrantes sofreram com a chegada ao Brasil. Entre as outras práticas está a dos bordados com temas tipicamente ucranianos. 30 Entende-se, porém que nenhum dosmodos de preservar a tradição por meio do artesanato é tão singular e significativo quanto o interesse despertado nas pessoas pela arte da pintura feita em ovos de aves comuns da região, mas que a partir do trabalho feito pelas artesãs são dotados de incrível magia, pois de uma forma simples e rude, transformam-se em objetos artísticos extremamente delicados. Muitos desconhecem essa prática, e poucos sabem o que realmente ela significa.Nesta pesquisa procura-se esclarecer a simbologia desse costume evidenciando-se assim sua expressão antropológica e social. 1. HISTÓRIA E PERMANÊNCIA “Tenho a pêssanka em minhas mãos, sobre ela está escrito que eu seja como flor, como o sol primaveril...” (Verso anônimo de um poema popular da Ucrânia). Eduardo Sganzerla reconstrói a história das pêssankas no livro "Pêssanka - A arte ucraniana de decorar ovos no Brasil”, no qual conta a história dessa tradição milenar trazida pelos imigrantes vindos da Ucrânia, no final do século XIX. O autor investiga a origem dessa prática, os principais significados de sua simbologia e o elaborado e refinado trabalho do artesanato paranaense. Sua obra, lançada em 2007, tornou-se rapidamente um clássico, com duas edições simultâneas, em português e inglês, e por ser o primeiro livro que retrata a Pêssanka criada em comunidades ucranianas existentes fora de seu país de origem. Segundo o autor: As famílias de imigrantes ucranianos e descendentes, no Paraná, praticando e aperfeiçoando a arte, por mais de um século, em especial na Páscoa, ajudaram de maneira decisiva a preservar esta magnífica tradição cultural e possibilitar o renascimento da pêssanka na própria Ucrânia.(SGANZERLA, 2007) Sganzerla viajou à Ucrânia para concluir o livro. Ele visitou as regiões deKiev, Lviv e o coração da terra das pêssankas, Kolomyia, província de Ivano-Frankivsk, naUcrânia Ocidental. Segundo ele, foi apenas nessa região dos montes Cárpatos que a pêssanka sobreviveu aos 70 anos do regime comunista soviético. Foi dessa região que o costume voltou a ser difundido por todo o país: Hoje, a pêssanka é um símbolo da reconstrução da Ucrânia. Esta arte confinada aos porões, por muitas décadas, renasce nas aldeias, escolas, clubes e cidades de todo o país, independente desde 1991, 31 com todo o seu brilho histórico, magia e mistérios.(SGANZERLA, 2007) Historicamente, sabe-se que antes do cristianismo, o oferecimento de ovos decorados estava relacionado às festas pagãs em comemoração à chegada da primavera, na qual os ucranianos veneravam a chegada do sol, o Dajbóh, que trazia o verde novamente às terras negras cobertas de neve no rigoroso inverno da Ucrânia. Sobre essa crença, Kotvisky explica que: Assim como outros povos antigos veneravam o Sol, como Apolo e seu carro puxado por leões, os ucranianos reconheciam, no mesmo astro, o ente Dajbóh, e a ele ofereciam homenagens, pois traria luz e calor para a terra. (KOTVISKY, 2004) Durante os festejos da festa da primavera, era acesa uma grande fogueira no meio da aldeia, com ofertas de presentes ao Dajbóh, entre eles, estavam as pêssankas. Também como forma de agradecimento e pedido pelas colheitas, as pêssankas eram enterrados no campo. A pesquisadora Analu Steffen descreve que nesse tempo anterior ao cristianismo, os povos ucranianos tinham suas crenças voltadas para tudo àquilo que se via e sentia e tudo era ligado à natureza, considerada a fonte de energia e de vida (2004, p.20). Segundo a pesquisadora, é uma tradição remota entre a comunidade ucraniana presentear os amigos com as pêssankas, principalmente durante a Páscoa, mas tambémse presenteiaem outras ocasiões, como nascimentos, casamentos, aniversários etc., como forma de desejar vida nova, energias positivase prosperidade.Os jovens presenteiam-se durante a páscoa, oferecendo as pêssankas mais belas para aquele que mais se ama. Para a autora, as pêssankas eram oferecidas como presentes desde tempos muito antigos: É comum, entre os descendentes de ucranianos, oferecer pêssankas como presentes, estabelecendo uma relação simbólica entre quem dá e quem recebe. Tal costume possui registros desde tempos remotos. Segundo Eliade (2002b: 251), na era pré-cristã, em quase toda a Europa, a população comemorava a chegada da primavera, que trazia novamente o verde e a vida para a região. (STEFFEN, 2004,p.19) É comum também durante a Páscoa, colocar pêssankas na cesta que será benta na tradicional benção de alimentos ucraniana, cujo ritual é realizado durante o 32 sábado de aleluia. A pêssanka é colocada juntamente com os alimentos, que após a benção devem ser consumidos no Domingo de Páscoa, provando assim, que a cultura ucraniana é rica em símbolos cristãos. Relacionado a isso, o escritor ucraniano Vassílio Burko, em seu livro História de Vassílio nos descreve que: Nós estávamos na época de Páscoa, tempo de maior importância para os cristãos. Época em que nós, descendentes de ucranianos, temos o costume de, no sábado que antecede a ressurreição, benzer alguns alimentos, que são a “Paska”, um pão decorado, “”kubaça”, lingüiça, “krin”, uma raiz extremamente forte, conhecida na Ucrânia por rábano-de-cavalo, requeijão, manteiga, leitão assado, “Pêssankas”, ovos cozidos, sal etc. A parte religiosa é toda cheia de simbologia. (BURKO, 2010, p. 35) Foi apenas em 988, através do Príncipe Volodymir, que a Ucrânia adotou o cristianismo como religião oficial. Mesmo com tal mudança o povo não abandonou seus antigos costumes. Para evitar conflitos religiosos e culturais o clero fez com que esse costume fosse ligado ao cristianismo, relacionando diretamente as pêssankas com a Páscoa. Sobre isso, Vilson José Kotviski explica que a antiga e tradicional Festa da Primavera tornou-se a Páscoa Cristã, na qual os ucranianos continuam com as mesmas crenças e costumes, mas com outro sentido festivo. As pêssankas eram tingidas com a clara e a gema cruas dentro do ovo, simbolizando a vida e tornando-seum amuleto, capaz de proteger as pessoas e as casas contra doenças e tempestades.Acreditava-se que, se a pêssanka estourasse, havia trazido para si más energias, protegendo seu dono. As cascas deveriam ser queimadas ou enterradas, não podendo, de modo algum, serem jogadas fora.Na Ucrânia, havia o costume de colocar uma pêssanka junto aos falecidos. Sobre a permanência dessa prática, a autora, no artigo Arte étnica em circulação: Aprendizado, produção e consumo das pêssankas, publicado pela Associação Nacional de Artes Plásticas (ANPAP), escreve também que ela não deve ficar restrita à simbologia tradicional, mas que pode elaborar novos temas além daqueles prescritos pela tradição: Por vezes o “engessamento” que sofre uma manifestação cultural ao ser considerada “tradicional/oficial”, ou seja, ao perder sua capacidade de variabilidade e mobilidade, acabam por transformá-la em algo distante e artificial. A força das pêssankas, por exemplo, não está concentrada nos documentos, quadros de símbolos ou relatos estudados que contam sobre sua técnica e simbologia tradicionais, supostamente trazidos da Ucrânia. Sua força está, sim, é em sua produção nas comunidades de descendentes de ucranianos, que acreditam na magia inerente a esse objeto, que o 33 mantém vivo a cada ano que passa, completamente. (STEFFEN, 2008, p.911) fruindo-o e deglutindo-o Para Sganzerla, a comunidade ucraniana do Brasil,é uma das que mais cultiva e preserva seus costumes e sua a rica cultura de origem, fora da Ucrânia. Uma das mais antigas e vigorosas tradições deste povo, a arte de colorir ovos, a pêssanka, que representa, para quem a recebe, vida nova, renascimento, entre muitos significados, foi fielmente seguida pelos imigrantes e seus descendentes, no Brasil, há mais de um século. (SGANZERLA, 2007) Os ucranianos imigrados para o Brasil, trouxeram da sua terra-natal costumes e rituais, e fizeram com que eles se vinculassem e fossem mantidos aqui no Brasil. Sobre isso, a historiadora OksanaBoruszenko ressalta que: Vindos para o Brasil, os imigrantes ucranianos trouxeram consigo muitas dessas tradições. Conforme permitiam ascircunstâncias e o novo modo de vida, os imigrantes, assistidos por suas igrejas e associações, preservaram essas tradições, dando um novo colorido à terra que os acolheu e lhes serviu de nova pátria. (BORUSZENKO, 1995, p.33) 2. CONTEXTO REGIONAL Prudentópolis é uma das cidades do Paraná que se destaca na arte ucraniana, principalmente na confecção de pêssankas. A cidade é conhecida mundialmente devido à grande imigração de famílias vindas da Ucrânia, no total 70% da população são descendentes de ucranianos (ucraínos), os quais trouxeram consigo tradições e costumes ricos em espiritualidade e fé. A influência da cultura ucraniana é tão grande que está presente no dia-dia da população, assim como em toda a cidade, fazendo com que ela se preserve cada vez mais. Sobre isso, Mônica Canejo, em matéria para a revista Horizonte Geográfico nos fala que: A influência ucraniana está presente por todos os lados: nos nomes das ruas, no rosto das pessoas, na presença católica e no grande número de edificações – em geral igrejas – de estilo arquitetônico do leste europeu. No cotidiano se percebe a preservação cultural. (CANEJO, 2002, p. 61) Existem no município mais de vinte artesãos de pêssankas, divididos entre a área urbana e rural. É destaque na cidade, a Apruarte Artesanato - (Associação Prudentopolitana de Artesanato),uma loja comercial que reúne todos os produtos 34 feitos por pequenos artesãos, tais como irmãs, catequistas e artesãos próprios, disponibilizando-os para a venda. Na zona rural (colônias do interior) existem artesãos independentes. É cada vez maior o número de pessoas que estão buscando aprender essa arte. Em média, cada artesão produz quarenta pêssankas por mês, totalizando um total de produção de oitocentas pêssankas por mês. As pêssankas são geralmente feitas por encomendas, sendo a Páscoa o momento no qual a confecção e a comercialização atingem o ponto mais elevado. Os artesãos entregam o seu trabalho final para várias lojas da cidade, entre elas estão a Machula Artesanatos e a Apruarte, mas muitos trabalham e vendem as suas pêssankas em casa. São esses profissionais que abastecem o mercado de artesanato ucraniano. A produção feita em Prudentópolis é comercializada em nívelestadual, nacional, e conquista também mercado internacional. Nota-se que o poder público local não tem nenhum projeto específico para o artesanato de pêssankas, além disso, os artesãos observam queos preços pagos pelos comerciantes não compensa o trabalho que exige detalhes minuciosos e símbolos surpreendentes. Até o fim da década de 1990 aPrefeitura Municipal de Prudentópolisoferecia cursos para quem tivesseinteresse em aprender as técnicas de pintura, mas atualmente não são realizados projetos e programas nessa área. Mesmo assim, omunicípio já é uma referência na produção de Pêssankas e diversos pesquisadores e jornalistas realizaram matérias, fotografias e livros sobre o assunto. Na cidade, Vera Lucia Daciuk, é a principal artesã de pêssankas, sendo considerada uma referência na arte ucraniana de decorar ovos. Ela é neta de imigrantes ucranianos e já produz as pêssankas à aproximadamente dezoito anos. “Conheci essa arte quando estava passando em frente de uma papelaria, onde tinha várias pêssankas expostas, senti muita vontade de aprender. Mais tarde surgiu a oportunidade de fazer um curso relacionadoa essa arte, eu fiz e não parei mais”, conta Vera. Segundo Vera Lucia Daciuk, a palavra pêssanka deriva do verbo “pessaty” que significa escrever. A arte daspêssankasconsiste não só em escrever, mas também em pintar e colorir ovos, com a finalidade de passar uma mensagem, expressar algo através dos desenhos, símbolos e cores.Esta arte simbolizava o renascimento da Terra na primavera, agora com a ascensão do cristianismo, passou 35 a simbolizar a Páscoa e a Ressurreição de Cristo, consequentemente a promessa de um mundo novo, melhor e mais feliz. A criação das pêssankas é muito antiga. Foi somente em 1992 que arqueólogos nas ruínas da igreja de Krylos (Ucrânia Ocidental), encontraram uma pêssanka de cerâmica (argila) datada de 1300 a. C., o que leva a crer que as mais antigas pêssankas podem ter sido criadas pelo povo ancestral da cultura Trypillia, que vivia numaampla área do território ucraniano, desde 3000 anos a.C.Em tempos remotos utilizavam-seferramentas rústicas para se criar uma pêssanka e os símbolos eram desenhos simples ou hieróglifos. A jornalista Clarise Couto, em matéria para a revista Globo Rural descreve: As pêssankas, hoje vinculadas à comemoração da Páscoa cristã por ucranianos e poloneses, datam, entretanto, da era pré-cristã. No folheto da Paróquia São Josafat, explica-se que o costume de pintá-las já existia antes do nascimento de Cristo, associado ao começo da primavera e à ideia de renascimento da vida da natureza. Era comum também relacionar os ovos à vida e à morte e levá-los pintados para o cemitério. Com a adaptação das crenças ao cristianismo, as pêssankas passaram a simbolizar a ressureição de Cristo. "A base da fé é a ressurreição, e o ovo é o símbolo da vida nova", explica o padre Krefer. O pároco conta que, na cidade, muitos já não conhecem as técnicas de pintura dos ovos. Por isso, optam por comprar exemplares artesanais para presentear amigos e parentes. (COUTO, 2010, p. 97-98) Com o passar dos anos, as ferramentas se aperfeiçoaram, podendo assim, criar uma pêssanka com maior perfeição e detalhes em seus desenhos. Sobre a tradição mantida pelos ucranianos no município de Prudentópolis, a jornalista observa ainda que: É dessa maneira incomum que os moradores da cidade, de 50,6 mil habitantes, vêm vivenciando a data cristã, há mais de 100 anos. Na cidade, em torno de 70% da população descende de imigrantes ucranianos (ou ucraínos, como eles preferem dizer), que chegaram ao local no final do século XIX. Ao longo das décadas, a Igreja Católica local desempenhou papel fundamental na valorização e preservação das tradições. Ainda hoje, a maior parte das missas é celebrada em ucraniano e a alimentação, os rituais e os símbolos típicos poucas alterações sofreram. (COUTO,2010, p. 96) Vera explicaque fazer pêssankas é uma arte que exige capricho e dedicação. Ela relata que os artesãos sabem que um trabalho bonito vende mais fácil e divulga melhor o artesanato ucraniano feito no município. 36 Figura 1 - Usando um instrumento chamado bico de pena, Vera realça desenhos da pêssanka; para pintar um ovo de avestruz (foto), ela leva até três dias. Foto: Leandro Taques.Disponível em: http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC1709672- 1488,00.html. Arquivo acessado em 27 de maio de 2012. Para a produção das pêssankas, têm-se como materiais principais: ovos brancos, tintas (anilina), cera de abelha, pena e vela. A produção dasPêssankas passa por três etapas: esvaziamento do ovo, o desenho e a pintura. Primeiro pintase a pêssanka com a anilina amarela, depois a laranja, a vermelha, a verde, a azul e para finalizar a anilina preta. “A duração da confecção de uma pêssanka depende de diversos fatores: símbolos, cores e tamanho do ovo. Eu faço pêssankas com ovo de avestruz, ema, ganso, garnizé, galinha e codorna. A menor pêssanka que eu já fiz, foi em ovo de pomba rola,era um ovo minúsculo no qual consegui fazer vários símbolos”, conta Vera. Em Prudentópolis, próximo à data da Páscoa, vários cursos são ministrados por artesãos da cidade. Nesses cursos, pessoas de todas as idades participam, principalmente crianças e jovens. A arte de confeccionar pêssankas também é passada de geração para geração, os maisvelhos passam para os mais novos,os pais ensinam os filhos e assim por diante. É a arte ucraniana sendo aprendida dentro de casa.“Já ensinei várias pessoas a fazer pêssankas, inclusive estou ensinando minha filha, minha sobrinha e minha irmã, que já estão produzindo algumas. Elas aprenderam essa arte comigo”, relata Vera. 37 3. SÍMBOLOS E SIGNIFICADOS Por detrás de uma pêssanka, há grandes simbologias e significados. Cada cor e cada desenho têm seu significado e sua simbologia. Steffen argumenta que “as cores utilizadas também possuem um simbolismo próprio, sendo escolhidas conforme a mensagem a ser comunicada pelo autor” (p.19). Os símbolos utilizados na confecção das pêssankas são de procedência antiga, e com o tempo sofreram transformações e adaptações. Referente a isso, Merosla Krevey, responsável pelo Museu do Milênio em Prudentópolis, em entrevista para o livro Pêssanka: A arte ucraniana de decorar ovos, de Eduardo Sganzerla, nos fala que os símbolos têm uma linguagem misteriosa e que a simbologia usada nas pêssankas, mistura o divino e o popular, formando os traços essenciais de uma cultura (p. 47). A simbologia usada na composição de uma pêssanka é grande e repleta de significados. Normalmente coloca-se numa pêssanka símbolos que traduzem desejos e sonhos. Em função disso, Sganzerla nos diz que: A simbologia da pêssanka é ampla e tem muitos caminhos cruzados, traduzindo várias épocas da rica trajetória do povo que a criou. Os significados de seus infinitos motivos, em múltiplas formas, no entanto, partem de um único ponto, a realidade imediata do círculo da vida. Dali, então, transformam-se em representações de esperança, fé, amor e paz. (SGANZERLA, 2007, p. 54) A cor preta representa a fidelidade absoluta, eternidade ou nascimento. A cor branca representa a pureza, a inocência e o nascimento. A cor amarela representa a juventude, a felicidade, a sabedoria, o amor e a pureza. A cor laranja representa a resistência, a força e é símbolo do sol, estando entre o vermelho significa paixão e entre o amarelo representa sabedoria. A cor verde representa a renovação da primavera, fertilidade, saúde e esperança. A cor vermelha é uma cor positiva, representa a ação, a paixão e o desenvolvimento espiritual. A cor marrom é considerada o símbolo da mãe terra, e é relacionada com a colheita, pois é a cor do outono. A cor azul representa o céu, o ar, a vida, a verdade, a fidelidade e a confiança. A cor roxa representa a fé, a paciência e a confiança (SGANZERLA, 2007, p. 59). Todas as cores e símbolos juntos representam a união de todos os 38 povos, união essa que está presente no cotidiano dos descendentes, que mesmo longe de seu país de origem, lutaram para que sua cultura se conservasse. Sobre essa diversidade de símbolos e cores, a pesquisadora Analu Steffen escreve que: Existem diversos tipos de pêssankas sendo produzidos e consumidos. A palavra pêssanka deriva do verbo ucraniano pessaty, que significa escrever. Podemos dizer, então, que as pêssankas são “ovos escritos” ou “poemas imagéticos”. Cada traço, figura e cor das pêssankastêm um significado especial, sendo que alguns são presentes em toda a Ucrânia, outros são característicos de determinadas regiões. (STEFFEN, 2004, p.17) Figura 2 – Figuras de cavalos, carneiros e renas simbolizam riqueza, saúde e prosperidade. Os chifres sugerem força e liderança. As escadas significam pesquisa, procura e ascensão na vida. Foto: NikolasCorrent 39 Figura 3 – Figuras de flores simbolizam o amor, caridade, boa vontade e felicidade. Foto: NikolasCorrent Figura 4 – Figura de peixes simbolizam o cristianismo. Foto: NikolasCorrent 40 Figura 5 – Figura de triângulos simbolizam a Santíssima Trindade. Crivos/cestas são os símbolos que dividem o bem do mal. Foto: NikolasCorrent Figura 6 –A cruz e a igreja simbolizam a imortalidade e a vitória de cristo sobre a morte. O sol simboliza crescimento, longa vida, fortuna e prosperidade. Foto: NikolasCorrent 41 Figura 7 – A borboleta é o símbolo da ressurreição. Foto: NikolasCorrent Figura 8 – Figuras de estrelas e rosáceas simbolizam beleza, sabedoria e o amor de Deus para com o homem. Foto: NikolasCorrent 42 Figura 9 - Pinheiros, árvores, ramos e folhas representam a juventude eterna. Foto: NikolasCorrent Figura 10 – Espigas de trigo simbolizam boa colheita. Foto: NikolasCorrent 43 Figura 11 – Os pássaros, galos ou aves em geral simbolizam fertilidade, masculinidade e a chegada de boas noticias. Foto: NikolasCorrent Figura 12 – Chamada de “bezkonétchnyk” (infinita), simboliza a eternidade e as emoções. Foto: NikolasCorrent 44 4. GALERIA DE IMAGENS Figura 12 – Pêssankas produzidas pela artesã Vera L. Daciuk. Foto: NikolasCorrent Figura 13 – Com o uso da seringa, Vera injeta ar no interior da pêssanka, para queseja retirada a parte interna do ovo (clara e gema). Foto: NikolasCorrent 45 Figura 14 - Começando a rabiscar os símbolos no ovo de galinha branco. Foto: NikolasCorrent Figura 15 - Queima da cera de abelha para marcação definitiva dos desenhos na pêssanka. A cera atua como um impermeabilizante para que as cores não se misturem . Foto: NikolasCorrent 46 Figura 16 –Com o auxilio do “bico de pena”, vera contorna com cera de abelha os desenhos que anteriormente foram feitos a lápis. Foto: NikolasCorrent Figura 17 – Pintura da pêssanka feita através de uma tinta chamada anilina. Foto: NikolasCorrent 47 Figura 18– Secagem da pêssanka após a pintura. “Um momento mágico”, conta Vera. Foto: NikolasCorrent Figura 19 – A artesã finalizando os detalhes. Foto: NikolasCorrent 48 Figura 20 – A artesã prudentopolitana Vera Lucia Daciuk durante uma exposição de suas pêssankas. Foto: NikolasCorrent Figura 21 – Pêssankas prontas para a comercialização. Foto: NikolasCorrent 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se com essa pesquisa, que os ucranianos de Prudentópolis estão preservando um costume milenar, assegurando através do seu trabalho que as pessânkas conquistem estatuto de permanência entre a tradição de povos ucranianos radicados fora do Brasil. Os artesãos de Prudentópolisproduzem pêssankas com extrema habilidade e criatividade, com comercialização no mercado regional, nacional e internacional. A natureza antropológica do seu trabalho transformou o município em referência estadual na produção de ovos coloridos com temas ucranianos. Simbolicamente esse tipo de artesanato é de uma riqueza e diversidade incomparáveis que possui mensagens belíssimas, que nascem da persistência dos artesãos, em fazer com que esse costume tipicamente ucraniano perdure em terras brasileiras. REFERÊNCIAS BORUSZENKO, Oksana. Os Ucranianos: boletim informativo da casa Romário Martins. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1995. BURKO, Vassílio. História de Vassílio. Curitiba: Imprensa Oficial, 2010. CANEJO, Mônica. Prudentópolis a cidade das cachoeiras gigantes. Revista Horizonte Geográfico. Ano 15, n. 79, fevereiro 2012. COUTO, Clarice. Páscoa ucraína no Brasil. Revista Globo Rural. N. 294, abril 2010. SGANZERLA, Eduardo.Pêssanka: A arte ucraniana de decorar ovos. Curitiba: Esplendor, 2007. SITOGRAFIA STEFFEN, Analu.Pêssankas: ovos escritos, poemas imagéticos. IPHAN, CNFCP. Rio de Janeiro: 2004. Disponível em: htttp://www.cnfcp.gov.br/pdf/CatalogoSAP/catPessaSAP144.pdf.Acesso em 19 de maio de 2012. 50 STEFFEN, Analu. Arte étnica em circulação: Aprendizado, produção e consumo das pêssankas.Associação Nacional de Artes Plásticas (ANPAP). Disponível em: http://www.anpap.org.br/anais/2008/artigos/084.pdf. Acesso em 29 de maio de 2012. KOTOVISKI, Vilson José. Pêssankas – artesanato ucraniano. Disponível em: http://www.pessanka.com.br/pessanka.html. Acesso em 11 de maio de 2012. KOTOVISKI, Vilson José; SLIWINSKI, Oksana. Pêssankas. Disponível em: http://www.girafamania.com.br/europeu/materia_ucrania.htm. Acesso em 19 de maio de 2012. VOLOCHTCHUK, Jeroslau; ROMERO, Waldomiro. Significados das Pessânkas. Disponível em: http://pessankas.netsaber.com.br/index. php?c=120. Acesso em 12 de maio de 2012. OUTRASFONTES DACIUK, Vera Lucia. Entrevistas concedidas dias 19 e 28 de maio de 2012. 51 DESCOMPASSO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO DE SUJEITOS SURDOS NO AMBIENTE ESCOLAR E SOCIAL ANDREA ORTIZ Co-autora: Profª Ms.Cerize Nascimento Gomes Ciências Sociais - FG RESUMO: Promover o debate sobre as políticas públicas para a inclusão de sujeitos surdos e sua aplicabilidade no espaço escolar é o objetivo central do presente artigo que procura demonstrar a distância ou o descompasso existente entre as determinações feitas pela legislação brasileira e o cotidiano escolar. Debatem-se nesse artigo os pressupostos da lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, aprovada pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, bem como o artigo 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, colocando em questão as preconizações legais e a dificuldade de implementação desses direitos nas escolas da rede pública e particular de ensino. Palavras-chave: Educação. Surdos. Inclusão. Políticas Públicas. Legislação. INTRODUÇÃO A pesquisa proposta surgiu da necessidade de ampliação dos debates sobre o descompasso entre as políticas públicas e o cotidiano escolar no que diz respeito a inclusão de sujeitos surdos na vida escolar e social. Promove-se nesse projeto o debate sobre as leis que efetivaram a obrigatoriedade do ensino de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) nas escolas de ensino infantil, fundamental, médio e superior, bem como as políticas de inclusão social de pessoas surdas. Procura-se definir 52 alguns conceitos relacionados às comunidades surdas e debater a distância entre as determinações legais e a prática verificada no processo de ensino-aprendizagem. O objetivo geral da pesquisa implica em estudar as relações existentes entre a previsão legal para o atendimento e inclusão de estudantes surdos e a realidade escolar desses sujeitos sociais. Os objetivos específicos estão relacionados a identificar na legislação referente ao tema os pressupostos sobre o ensino e a inclusão de pessoas surdas; promover leituras, reflexões e produção de texto sobre o processo de inclusão de sujeitos surdos; analisar a capacitação dos professores para a inclusão desses portadores de necessidades especiais; apresentar os resultados da pesquisa em eventos científicos que façam abordagem sobre essa temática. Para o desenvolvimento e aprofundamento da pesquisa foram utilizadas além das leis específicas sobre educação inclusiva e da legislação para portadores de necessidades especiais auditivas, referências teóricas de autoras como Adriana Laplane, Angela Monroy, Harlan Lane, Gladis Perlin e Karin Strobel, pesquisadoras da inclusão de pessoas com necessidades especiais auditivas. Foram utilizadas também como fontes legislação especifica sobre LIBRAS, reconhecendo-a como meio legal de comunicação e expressão. 1.LIBRAS NA LEGISLAÇÃO Debatem-se nesse artigo algumas legislações específicas tais como a lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, aprovada pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, bem como o artigo 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Devese considerar que o decreto aprovado em 2005 preconiza que em um período de 10 anos, ou seja, em 2015 todos os pressupostos legais para implementar o ensino de LIBRAS no Brasil devem ter sido efetivados. O estudo feito tem por objetivo contemplar a realidade do cotidiano escolar dos estudantes surdos no Brasil, a partir da promoção de um debate teórico sobre as condições de inclusão escolar e social dos sujeitos surdos. Para efeitos 53 legais considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras. (Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005). Quanto ao ensino de LIBRAS, o decreto determina que: o Art. 3 A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. o § 1 Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério. o § 2 A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação deste Decreto. (Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005). Sobre o acesso das pessoas surdas à educação, a legislação preconiza ainda que: Art. 14. As instituições federais de ensino devem garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior. (Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005). Sobre a formação de professores e os recursos previstos, o decreto assegura que as instituições federais de ensino devem promover cursos de formação de professores para o ensino e uso da Libras; a tradução e interpretação de Libras Língua Portuguesa; e o ensino da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas. Prevê também que todas as escolas da rede pública e particular de ensino devem ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos. 54 Para tanto as escolas devem ter professor de Libras ou instrutor de Libras; tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa; professor para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas e professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos, para garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas de recursos, em turno contrário ao da escolarização; Quantos aos recursos necessários, a legislação entende que devem existir políticas de apoio na comunidade escolar para o uso e a difusão de Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares, inclusive por meio da oferta de cursos. Preconiza que as escolas devem adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa. Os estabelecimentos de ensino precisam também desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos. Devem ainda disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva Mesmo com todas essas garantias legais percebe-se porém a dificuldade de implementação desses pressupostos. Na Faculdade Guarapuava, por exemplo, não existe nenhum sujeito surdo matriculado em nenhum dos seus cursos de graduação. Até mesmo para a realização do vestibular tais candidatos encontram dificuldades e precisam de acompanhamento de profissionais especializados. Percebe-se que o número de pessoas com formação especifica ainda é insuficiente para atender a demanda existente e que os recursos necessários também são escassos. Justifica-se a necessidade de pesquisas do gênero, uma vez que muitos docentes demonstram dificuldades de comunicabilidade e interação com estudantes surdos no ambiente escolar, não conseguindo atingir um de seus principais objetivos, que é o de transmissão de conhecimentos. Para tanto se pesquisaram as dificuldades e os problemas que o aluno surdo e os profissionais educadores 55 enfrentam em relação à transmissão de conhecimentos. Procurou-se ainda identificar formas adequadas de trabalhar com pessoas surdas inseridas no contexto escolar, para que seja facilitada a sua inclusão escolar e na sociedade em geral. 1. O ENSINO DE LIBRAS As Línguas de Sinais (LS) são as línguas naturais das comunidades surdas que usam sinais formados a partir da combinação da forma e do movimento das mãos (alfabeto manual). Para Gladis Perlin e Karin Strobel ao contrário do que muitos imaginam, as Línguas de Sinais não são simplesmente mímicas e gestos soltos, utilizados pelos surdos para facilitar a comunicação. São línguas com estruturas gramaticais próprias. Segundo elas: Atribui-se às Línguas de Sinais o status de língua porque elas também são compostas pelos níveis lingüísticos: o fonológico, o morfológico, o sintático e o semântico. O que é denominado de palavra ou item lexical nas línguas oral-auditivas são denominados sinais nas línguas de sinais.O que diferencia as Línguas de Sinais das demais línguas é a sua modalidade visual-espacial. Assim, uma pessoa que entra em contato com uma Língua de Sinais irá aprender uma outra língua, como o Francês, Inglês etc. Os seus usuários podem discutir filosofia ou política e até mesmo produzir poemas e peças teatrais.(PERLIN E STROBEL, 2009, p.2) A LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) tem sua origem na Língua de Sinais Francesa, mas foi adaptada ao contexto e à cultura nacional. Existem vários modelos de alfabeto manual no Brasil, com algumas variações entre os estados da federação. Veja-se na Figura 1, um modelo do alfabeto manual brasileiro: 56 Figura 1. Alfabeto manual: Disponível em: http://blog.educacaoadventista.org.br/professoraelly/index.php?op=post&idcategoria=23. Acessado em 10 de agosto de 2010. Gladis Perlin, pesquisadora surda explica que um breve olhar através da história de educação de surdos possibilita compreender “ atitudes atuais dos profissionais da saúde e da educação, causadores de estereótipos que permeiam as diferentes representações na educação de surdos”. (PERLIN,2010, p.8). Segundo ela, as pesquisas se limitam aos registros nos quais os sujeitos surdos eram vistos como seres ‘deficientes’”. A pesquisa sobre o processo histórico de inclusão dos sujeitos surdos demonstra que socialmente e intelectualmente os mesmos eram considerados inferiores, e que na maioria das vezes passavam a vida em asilos ou até mesmo em casas para doentes mentais. Perlin e Strobel em Fundamentos da educação de surdos, explicam que a partir de 1880, quando foi comprovado a partir de pesquisas 57 e experimentos, que as pessoas surdas tinham a capacidade de aprender surgiram pesquisas e experimentos das diferentes metodologias e formas adaptadas de ensino. Sobre essas mudanças elas escrevem: A proibição da língua de sinais por mais de 100 anos sempre esteve viva nas mentes dos povos surdos até hoje, no entanto, agora o desafio para o povo surdo é construir uma nova história cultural, com o reconhecimento e o respeito das diferenças, valorização de sua língua, a emancipação dos sujeitos surdos de todas as formas de opressão ouvintistas e seu livre desenvolvimento espontâneo de identidade cultural! (PERLIN E STROBEL, 2009, p.2) 2. DESCOMPASSO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E REALIDADE ESCOLAR No Brasil, algumas situações e políticas públicas foram imprescindíveis para o estabelecimento do debate em torno do processo de inclusão de pessoas com necessidades especiais auditivas. Atualmente a lei brasileira presume que toda a criança tem direito a educação independentemente da cor, raça, etnia e condição. O movimento da educação inclusiva, que surgiu apoiado pela declaração de Salamanca (1994), defende o compromisso da escola em assumir o papel de educar cada estudante visando à pedagogia da diversidade, segundo a qual todos os alunos devem estar dentro do ensino regular, independente de sua origem social, étnica ou lingüística. Esta declaração foi o marco inaugural dos debates políticos referentes aos procedimentos inclusivos. Sobre esse documento, Perlin e Strobel relatam que: No ano de 1994, os representantes de mais de oitenta países se reúnem na Espanha e assinam a Declaração de Salamanca, um dos mais importantes documentos de compromisso de garantia de direitos educacionais.Este documento declara as escolas regulares inclusivas como o meio mais eficaz de combate à discriminação e ordena que as escolas devam acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou lingüísticas. (PERLIN e STROBEL,2009, p.54) Tendo por base esses documentos e essas ocorrências a constituição Federal do Brasil de 1998 em seu artigo 208 definiu o atendimento aos portadores 58 de necessidades especiais na rede regular de ensino. Em seu artigo 206 trata da igualdade de condições para a permanência na escola: a educação como direito de todos e como dever do estado e da família. Considerando-se que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, prevê que a educação seja integrada, incluindo os alunos com necessidades especiais no ensino regular (BRASIL, 1996), percebe-se a influência da Declaração de Salamanca sobre algumas questões relativas à inclusão no Brasil. A atual Constituição prevê que sejam consideradas as situações singulares, os perfis dos estudantes, as faixas etárias, assegurando-se o atendimento de sujeitos com necessidades educacionais especiais, a fim de que tenham oportunidade de realizar com maior autonomia seus projetos, afirmando sua identidade cultural e promovendo o desenvolvimento social. Apesar do debate em torno dos temas relativos à inclusão dos portadores de inclusão e da legislação vigente, não é preciso muita pesquisa para que se note que apesar do que é falado e escrito sobre o assunto, as condições reais de ensinoaprendizagem, são muito diferentes daquelas que são preconizadas por leis e debates políticos. Para Angela Monroy as políticas públicas são ineficientes se não forem acompanhadas de mudanças “não só em relação à sua conceituação, mas sobretudo a sua inclusão dentro do sistema regular de ensino”. Segundo ela: Atender as necessidades e potencialidades dos alunos com necessidades especiais acarreta alguma alteração curricular, seja na sua constituição ou na forma como é desenvolvido o currículo e na formação de quem o aplica, ou seja, dos professores. A evolução da educação dos indivíduos com necessidades educacionais especiais tem determinado a funcionalidade do currículo, sua aplicabilidade em contextos diferenciados, apontando esse estudo, dificuldades na prática cotidiana dos professores da escola especial em elaborar procedimentos pedagógicos ligados à aquisição das habilidades adaptativas necessárias à inclusão social”.(MONROY, 2003, p.5) A realidade da educação no Brasil é caracterizada por classes superlotadas, com instalações físicas insuficientes e formação docente que deixa a desejar e essas condições de existência do sistema na educação expondo assim a própria 59 idéia de inclusão como política que, simplesmente, propõe a inserção dos alunos com diversas necessidades educacionais especiais nos contextos escolares e deixaos sem recursos e profissionais habilitados para trabalharem com os mesmos. (MONROY, 2003, p.5) Para Perlin e Strobel, a multiplicidade e a abundância de leis relativas aos sujeitos surdos, nem sempre implicam na sua aplicabilidade, no seu reconhecimento pela sociedade ou em transformações culturais efetivas. (PERLIN e STROBEL, 2009, p.45). Para as pesquisadoras, em termos de legislação, a Constituição Brasileira de 1967 já assegurava aos sujeitos surdos alguns direitos relativos à educação, mas assim como a Constituição de 1988, tais legislações são de difícil consolidação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando-se que o decreto aprovado em 2005 preconiza que em um período de 10 anos, ou seja, em 2015 todos os pressupostos legais para implementar o ensino de LIBRAS no Brasil devem ter sido efetivados, o estudo em torno de legislações específicas tais como a lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, aprovada pelo decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005, bem como o artigo 18 da Lei n o 10.098, de 19 de dezembro de 2000 e sua comparação com o cotidiano escolar, demonstra um descompasso evidente entre o que preconiza a lei e o que existe de concreto, tanto em termos de formação de professores para ministrar a disciplina de LIBRAS, quanto em termos de recursos para seu exercício nas escolas da rede pública e particular de ensino. Em termos de observação do cotidiano escolar, os estudiosos dessa temática estudados por ocasião da elaboração do presente artigo, concordam que apesar de toda a legislação sobre LIBRAS existente desde a Constituição Brasileira de 1967 e assegurados pela Constituição de 1988, bem como os documentos legislativos estudados nesse artigo, tais legislações são de difícil implementação. Isso ocorre em grande parte porque diante da falta de profissionais formados na área em número necessário e da oferta de recursos específicos para o ensino de LIBRAS, a realidade 60 observada no espaço da sala de aula escapa aos preceitos legais e esse espaço que deveria ser um local de inclusão acaba se constituindo em mais um lugar de exclusão. O cotidiano escolar demonstra que até o momento da escrita desse artigo as escolas de ensino básico e as instituições de ensino superior ainda não estão preparadas para a consolidação dos propósitos previstos na legislação em vigor. Isso significa que o tempo de dez anos, previsto para a implementação das práticas preconizadas legalmente é um período curto para a constituição de uma pedagogia própria para sujeitos surdos. REFERÊNCIAS LANE, Harlan . A Máscara da Benevolência: a comunidade surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1992. LAPLANE, Adriana. Notas para uma análise dos discursos sobre inclusão escolar. In: GÓES, M.C.R.; LAPLANE, A.L.F. (Org.). Políticas e práticas de educação inclusiva. Campinas: Autores Associados, 2004. p. 5-20. MONROY, Angela. Escolas especiais, às praticas educativas e a aquisição das habilidades adaptativas visando à integração do jovem portador de deficiência mental. Dissertação de Mestrado, Universidade Autônoma de Barcelona, Barcelona, Espanha. 2002. SITOGRAFIA PERLIN, Gladis e Karin STROBEL. Fundamentos da educação de surdos. Disponivel em: http://www.libras.ufsc.br/hiperlab/avalibras/moodle/prelogin/adl/fb/logs/Arquivos/texto s/fundamentos/Fundamentos%20da%20Educa%E7%E3o%20de%20Surdos_TextoBase.pdf. Acessado em 20 de maio de 2012. OUTRAS FONTES BRASIL. LEGISLAÇÃO ESPECIFICA SOBRE LÍNUA BRASILEIRA DE SINAIS (LIBRAS): LEI Nº 10.436 DE 24 DE ABRIL DE 2002, APROVADA PELO DECRETO Nº 5.626 DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005, BEM COMO O ARTIGO 18 DA LEI NO 10.098, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000. BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. SECRETARIA NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. Declaração de Salamanca e linha de ação. Brasília: CORDE, 1997. BRASIL. SABERES E PRATICAS DA INCLUSÃO: Desenvolvendo Competências para o Atendimento às Necessidades Educativas Especiais de Alunos Surdos. Brasília: MEC / SEESP, 2003. 61 EDUCAÇÃO E DITADURA MILITAR: MEMÓRIAS DA REPRESSÃO MILITAR NA FAFIG (1970-1973) Ernando Brito Gonçalves Junior Resumo: este artigo aborda aspectos históricos da formação da primeira turma de licenciatura em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava (FAFIG). Para a pesquisa foi delimitado o período de 1970 a 1973, compreendido nos chamados "Anos de Chumbo" da Ditadura Militar no Brasil sob o comando do general-presidente Emílio Médici. O trabalho se orienta por abordagens teóricas da história política e se vale da metodologia de investigação denominada História Oral, tentando assim reconstruir a memória dos entrevistados. Foram realizadas três entrevistas, duas delas com professores e uma com um ex-aluno, indivíduos que vivenciaram a conjuntura em tela. Evidenciou-se, por indícios, que a cidade de Guarapuava (PR) não ficou fora do olhar dos militares, ou seja, mesmo sendo uma cidade interiorana e de pequeno porte, Guarapuava sentiu a reverberação da repressão que se verificava nos grandes centros urbanos. Palavras-chave: Ditadura Militar; Memória; História Oral. Este artigo busca analisar vivências e práticas docentes edificadas no período da Ditadura Militar brasileira. Para esse fim, a pesquisa delimitou como objeto a primeira turma de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava (FAFIG), atual Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), na cidade de Guarapuava, Paraná, entre os anos de 1970 e 1973. Nossa intenção foi tentar perceber na documentação, mesmo por meio de indícios, aspectos que possam ajudar a vislumbrar o cenário das experiências docentes em um período de tensão, como é característica da maioria dos períodos ditatoriais. Tentamos assim, a partir do estudo de um contexto reduzido, apreender contextos maiores. É digno de nota explicar o porquê desse recorte específico. Começamos pela exposição da baliza temporal, 1970 a 1973, tendo em vista que a mesma não foi escolhida aleatoriamente. Em termos nacionais, o Governo Militar estava nas mãos do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), um governo de grandes transformações em diferentes âmbitos. Na seara da economia, o país crescia rapidamente. Foi em seu governo que se instituiu o que ficou conhecido como o “Milagre Econômico Brasileiro”. O PIB nacional crescia a uma taxa de quase 12% ao ano, enquanto a inflação média anual não passou de 18% (Cf. FAUSTO, 2004, p. 62 485). No âmbito social, foi o momento de maior violência e repressão de todo o período militar, sendo conhecido como os “Anos de Chumbo” do Regime Militar. Com investimentos internos e empréstimos do exterior, o país avançou economicamente e todos esses investimentos geraram milhões de empregos pelo país. Algumas obras, consideradas faraônicas, foram executadas, como a Rodovia Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói. Porém, todo esse crescimento teve um custo altíssimo e a conta deveria ser paga no futuro. Os empréstimos estrangeiros geraram uma dívida externa muito elevada para os padrões econômicos do Brasil e essa dívida é um dos maiores problemas econômicos brasileiros até os dias atuais (Cf. FAUSTO, 2004, p. 486). Logicamente, a educação também não permaneceu ilesa a esse período e várias mudanças estavam ocorrendo desde o início da Ditadura com o objetivo de coagir professores e alunos. O aparato repressivo buscou disciplinar o ensino, bem como delimitar o tipo de conteúdo que deveria ser abordado na educação brasileira. Essa forma de cerceamento consolidou-se com o Decreto-Lei 477 de fevereiro de 1969, que classificava como infração disciplinar a participação em qualquer movimento de resistência ao regime. Outra lei que marcou profundamente o rumo da educação brasileira nesse período foi a Lei Federal n° 5.692/71, que fundiu e descaracterizou as disciplinas de História e Geografia, dando origem à disciplina de Estudos Sociais (Cf. MARTINS, 2001, p. 204). Essa política de fusão de várias disciplinas para dar espaço à outra que “abrangesse aspectos mais amplos” vinha sendo discutida em meados da década de 1930, seguindo os ideais das escolas norte-americanas que adotavam esse modelo. Vale salientar que essa era uma forma de enfraquecer o ensino crítico, tentando formar alunos sem instrumentalização para lançar um olhar mais apurado sobre a sociedade. Essa nova disciplina [Estudos Sociais] surgiu com um caráter dogmático e o ensino voltou-se para uma questão cívica e patriótica (Cf. BITTENCOURT, 2004, p. 73-74), valorizando, assim, aspectos que o Regime julgava fundamentais na simbologia da educação e do brasileiro. Essa era a principal preocupação do Governo Militar em relação ao ensino. Nas salas de aula, era preciso construir um ideário de Brasil Grande, que Avança e Vai prá Frente. Nesse sentido, entram em cena disciplinas que tentariam legitimar o discurso do Regime Militar, como é o caso da disciplina de Educação Moral e Cívica, que tinha como pressuposto básico a defesa e 63 manutenção de princípios de ordem, segurança, integração social, culto à pátria, seus símbolos e seus heróis nacionais. Com um profundo sentimento ufanista, tinha como finalidade uma sólida fusão do pensamento reacionário, do catolicismo conservador e da Doutrina de Segurança Nacional (combate permanente ao inimigo interno) (Cf. BITTENCOURT, 2004, p. 84). Nos cursos superiores, nosso objeto específico de pesquisa, modificou-se o nome para Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB). Nessa disciplina, obrigatória em qualquer curso, eram apresentadas de forma ufanista as políticas implementadas pelo regime para resolver os problemas brasileiros (sócio-econômicos, políticos, de infra-estrutura, de relações internacionais, de educação, ciência e tecnologia etc.). Expunha-se, além disso, o papel das forças armadas na guerra revolucionária, no desenvolvimento do país e na manutenção da segurança nacional. Tudo isso pode ser claramente visto nos livros didáticos do período. Desta forma, durante o governo do General Médici, enquanto o Milagre Econômico “viveu seus dias de glória”, a repressão travava uma verdadeira guerra suja contra os resistentes e, além disso, buscava-se dominar culturalmente a sociedade pela educação. Inviabilizando o acesso educacional, tentando imobilizar a crítica e a discussão nas universidades e interferindo de forma reacionária nos conteúdos de todos os âmbitos educacionais, o regime perpetuou a sua violência simbólica, unindo censura, propaganda e política educativa na apropriação da cultura de toda uma sociedade, tentando construir um patriotismo ufanista e não questionador dos problemas sociais brasileiros, muito menos da condução e resolução destes pelo governo implantado. Nessa perspectiva de “inventar uma tradição”, comungamos com o pensamento do historiador Eric Hobsbawm, que aponta: Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com o passado histórico apropriado (HOBSBAWM, 1997, p. 9). Sendo assim, podemos perceber que a participação na política educativa foi de capital importância para o projeto legitimador do Regime Militar no Brasil. 64 Após essa visão panorâmica de como estava desenhado o cenário brasileiro naquela circunstância, voltamos nosso olhar para a cidade de Guarapuava, mais especificamente para as questões que estavam relacionadas à fundação da FAFIG. Em meados da década de 1960, alguns grupos sociais de Guarapuava sentiam a necessidade de implantar uma instituição de ensino superior que suprisse a falta de professores para atuar no magistério local, além de propiciar uma chance de formação aos moradores locais que, por vezes, não tinham condições de estudar em outros municípios. Esses anseios podem ser vistos nessa citação da historiadora e memorialista guarapuavana Gracita Marcondes: Desde há muito tempo já havia essa aspiração comum em todos os segmentos da sociedade guarapuavana. O assunto preferido de todas as reuniões estudantis, dos artigos de imprensa local e dos comícios políticos, quando o povo cobrava de seus representantes uma escola de nível superior para atender às reivindicações da grande maioria de jovens de todo o Centro-Oeste do Paraná, cujos pais não possuíam recursos financeiros para sustentar seus estudos em outras cidades, girava em torno da Faculdade (MARCONDES, 1985, p. 91). Apesar desse ponto de vista ser passível de questionamento, pois a autora citada foi docente da instituição em questão e pode ter tentado legitimar a causa da fundação da FAFIG como resultado de um anseio geral da população – haja vista que esse fragmento foi retirado de um livro comemorativo de 15 anos da fundação da FAFIG –, ainda assim, através dele, podemos perceber que existia um interesse e uma preocupação de determinada parcela da população guarapuavana em implantar uma faculdade estadual na cidade, parcela essa que não tinha posicionamentos contrários à forma de governo Ditadura Militar e que teve um papel significativo para a estruturação da instituição. Nesse grupo de pessoas interessadas na implementação do que viria a ser a FAFIG destaca-se o então Deputado Moacyr Júlio Silvestre que, segundo Marcondes, fez da causa a meta prioritária em seu mandato. No ano de 1967, o Deputado Moacyr Júlio Silvestre apresentou à Assembléia Legislativa um projeto de lei para a criação da respectiva faculdade. E em 15 de julho de 1968, o então governador do Estado do Paraná, Paulo Pimentel, sancionou a lei que autorizava a criação da FAFIG. Logo em 16 de janeiro de 1970, o Presidente da República Emílio Médici assinou o decreto que autorizou oficialmente o funcionamento da Faculdade 65 Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava. E em uma cerimônia solene, realizada em fevereiro de 1970, a faculdade deu início às suas atividades. Depois dessa breve contextualização do cenário em apreço, apresentaremos a perspectiva metodológica do trabalho. Para essa análise, utilizamos a metodologia da História Oral, com o intuito de tentar vislumbrar, por meio das experiências de nossos entrevistados, dados para a elucidação das questões da pesquisa. A História Oral constitui um campo que vem sendo explorado por vários historiadores dos séculos XX e XXI. Essa metodologia de pesquisa consiste em realizar entrevistas com pessoas que, de alguma forma, vivenciaram acontecimentos e períodos do passado e do presente (Cf. ALBERTI, 2006). Segundo Verena Alberti: “A História oral permite o registro de testemunhos e o acesso a ‘histórias dentro da história’ e, dessa forma, amplia as possibilidades de interpretação do passado” (2006, p. 155). Nesse sentido, a História Oral se constitui em um caminho profícuo para a elaboração de interpretações históricas, aumentado ainda mais o arcabouço de fontes que podem ser utilizadas pelo historiador. Com essa metodologia conseguimos alcançar alguns vestígios históricos que dificilmente poderiam ser alcançados em outras fontes históricas, haja vista que a História Oral possibilita, por exemplo, o estudo e a análise das formas de elaboração, vivência e compartilhamento de experiências de pessoas ou grupos em determinados períodos históricos. Como aponta Alberti: A entrevista de história oral permite recuperar aquilo que não encontramos em documentos de outra natureza: acontecimentos pouco esclarecidos ou nunca evocados, experiências pessoais, impressões particulares etc. [...] informações inéditas que podem ser resgatadas durante uma entrevista de história oral e confrontadas com outros documentos escritos e/ ou orais (ALBERTI, 2005, p. 2223). Em nossa pesquisa, o objetivo foi analisar a visão que alguns professores e alunos tiveram do período, sobretudo no aspecto educacional, e contrapor essas visões configuradas nas entrevistas. Assim, a História Oral possui um valor significativo na medida em que: “[...] privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, 66 visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo” (ALBERTI, 1990, p. 1-2). Outro aspecto importante a ser observado no que diz respeito à metodologia da História Oral refere-se à credibilidade ou não da fonte oral enquanto documentação histórica. Nesse sentido, acreditamos que o documento oral possui o mesmo grau de subjetividade que qualquer outro documento histórico. Essa afirmação é totalmente aceita por diversos pesquisadores que trabalham com esse assunto, como é o caso de Verena Alberti, Paul Thompson, Jacques Le Goff e Michel Pollak. Para ficar mais claro nosso posicionamento sobre essas críticas, entendemos que: Se a memória é socialmente construída, é óbvio que toda documentação também o é. Para mim não há diferença fundamental entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da fonte oral, tal como todo historiador aprende a fazer, deve, a meu ver, ser aplicada a fontes de tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e qual ela se apresenta (POLLAK, 1992, p. 8). Dessa forma, podemos ver que a entrevista oral deve ser analisada como qualquer outra fonte histórica, e como tal deve ser vista como um “documentomonumento” conforme aponta o historiador Jacques Le Goff. Para ele, o monumento é construído para deixar recordações com certo grau de intencionalidade e é essa intencionalidade que, acredita ele, todo o documento histórico possui. Logo, aponta: O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resultado do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento-verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo (LE GOFF, 1994, p. 547548). Seguindo essa linha de raciocínio, fica claro que o historiador que tem como fonte a entrevista oral deve ser capaz de analisar as condições de sua produção e do seu produtor –o entrevistado – realizando o que poderíamos chamar de “crítica 67 interna e externa do documento”. A História Oral tem como seu principal foco de análise a memória. Entendemos, nesse sentido, que a memória é seletiva e é muitas vezes construída por determinados grupos. Além disso, enquanto experiência individual, o indivíduo apenas consegue gravar determinados aspectos que foram, de alguma maneira, marcantes para ele. Como aponta Pollak: [...] a sua organização em função das preocupações pessoais e políticas do momento mostra que a memória é um fenômeno construído. Quando falo em construção, em nível individual, quero dizer que os modos de construção podem tanto ser conscientes como inconscientes. O que a memória individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de organização. Se podemos dizer que, em todos os níveis, a memória é um fenômeno construído social e individualmente, quando se trata da memória herdada, podemos também dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade (POLLAK 1992, p. 4-5, grifos do autor). É digno de ressaltar que não se exclui nesse trabalho a discussão da diferença entre História e Memória na medida em que é um aspecto que merece ser analisado mais pontualmente: Memória, história: Longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética de lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulneráveis a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado (NORA, 1993, p. 9). Podemos apontar, assim, que memória é um conceito amplo, que designa um objeto tomado como fonte de estudo de várias disciplinas. Ela só é transformada em documento histórico a partir do momento em que o historiador lança seu olhar sobre ela e a toma como objeto de pesquisa. Temos clareza, 68 nesta pesquisa, que os depoimentos coletados são perspectivas atuais da lembrança, filtradas por anos de reflexões; são, portanto, mais a memória (reconstruída) do entrevistado do que sua percepção naquela circunstância. Após as devidas considerações, chegamos agora, efetivamente, ao nosso objeto, ou seja, tentaremos compreender como os professores e alunos da FAFIG vivenciaram o cenário de repressão acima parcialmente “remontado”. Para a construção do trabalho em apreço foram feitas três entrevistas, duas delas com professores do período e a outra com uma aluna, todos vinculados à área ou ao curso de História. Comparamos as entrevistas para encontrarmos indícios que nos possam dar pistas de como essas pessoas vivenciaram esse período. Através das entrevistas foi possível ter uma visão parcial de como estava o cenário do ensino superior em Guarapuava no período recortado para análise. Com a implementação da Lei 5.692/71, o ensino de História foi muito prejudicado, por ter perdido sua individualidade. Em Guarapuava, os professores também se sentiram afetados com o cerceamento que a lei instaurou, obrigando-os a ensinar uma História que elevava os ideais militares. “Na época os livros didáticos traziam a história que eles queriam que fosse contada, foi uma revolução vitoriosa né” (LIMBERGER, 200715). Nessa passagem da entrevista com o Professor Huberto Limberger, docente aposentado da instituição, podemos ver que havia uma preocupação, por parte dos militares, com os conteúdos que estavam sendo ensinados em sala de aula. Na entrevista com o Professor Airton Cornehl, docente aposentado da instituição, também é possível perceber essa censura no ensino: “Tinha que seguir os princípios da Revolução, que eles falavam Revolução, eu acho não foi Revolução, foi um golpe de Estado, e tinha que seguir. Quem fosse contrário à ideologia, normalmente seria afastado” (CORNEHL, 2007 16 ). Nessas duas passagens podemos ver que o que era ensinado pelos professores em sala de aula seguia um paradigma nacional, mostrando claramente a abrangência da Ditadura Militar no que se refere ao cerceamento do ensino. Os conteúdos ensinados seguiam padrões por meio dos quais se tentava construir um sentimento de aceitação do governo militar. Para isso, o governo se valeu da criação de heróis do Estado e instituiu disciplinas totalmente voltadas ao 15 16 Entrevista concedida pelo Professor Huberto José Limberger, no dia 27 de abril de 2007. Entrevista concedida pelo Professor Airton Luiz Cornehl, no dia 8 de março de 2007. 69 Regime Militar. As disciplinas específicas do período, OSPB (Organização Social e Política Brasileira), EMC (Educação Moral e Cívica) e EPB (Estudo dos Problemas Brasileiros), possuíam um forte caráter dogmático e se valiam de uma leitura tradicional da História, privilegiando datas e fatos, com uma forte tendência para as questões políticas e utilizavam uma gama de heróis patrióticos, sem, é claro, fazer uma leitura mais crítica do conteúdo abordado. Por isso, é evidenciada a grande preocupação dos militares referente à questão da educação, pois ela é um dos mais importantes mecanismos utilizados pelo Regime Militar para tentar consolidar sua forma de governo. Nesse mesmo sentido, outro ponto que merece destaque diz respeito à identificação dos professores perante o Estado: [...] eu, para lecionar a disciplina de Moral e Cívica, eu tinha que todo ano ir até o DOPS, Delegacia (sic) de Ordem Pública e Social, para tirar o atestado, porque se não tivesse o atestado do DOPS não poderia. Então se você fizesse qualquer coisa contrária a ideologia, pensamento dos militares, você não poderia dar aula. Principalmente nessas disciplinas, na minha disciplina (CORNEHL, 2007). O DOPS, Departamento de Ordem Política e Social, órgão repressivo criado durante o Estado Novo, foi fundamental no período da Ditadura Militar. Ele era utilizado para cadastrar professores e outras pessoas que por algum motivo eram consideradas perigosas para o Regime. Esse órgão foi figura marcante na repressão ideológica que o Governo Militar empregava. Em outra entrevista podemos observar semelhanças, no que diz respeito a isso: “O que exigiam do Professor de Moral e Cívica e EPB que eu sempre fui desde que me formei, todo ano tínhamos que ir ao DOPS em Curitiba e tirar uma nova Certidão de antecedentes Políticos criminais” (LIMBERGER, 2007). Nas duas passagens podemos ver que os professores tinham que prestar contas para o governo sobre suas práticas docentes, e pelas entrevistas é possível notar que a disciplina de Educação Moral e Cívica era a que mais estava submetida ao crivo militar. Essa disciplina foi criada no período para enaltecer o Governo 70 Militar, vale salientar que essa era uma forma de enfraquecer o ensino crítico na sociedade. Outro ponto importante em nossa análise é a questão da vigilância que os militares exerciam na FAFIG. É digno de nota que, ao contrário do que ocorreu na maior parte do tempo nos grandes centros, a vigilância e a posterior repressão eram efetivadas de formas veladas. Na maioria das vezes eram utilizadas insinuações, por parte dos militares, para inibir qualquer questionamento. Quando perguntamos sobre essa questão ao professor Airton Cornehl, obtivemos a seguinte resposta: “A vigilância era interessante, eu não sei pra ser sincero eu não sei como eles sabiam tudo o que ocorria em sala de aula. [...] realmente eles observavam. Mas eu acho, por exemplo, aqui na Universidade eles introduziam” (CORNEHL, 2007). O professor Huberto Limberger, quando questionado sobre o mesmo assunto, comenta: “No aspecto político a coisa era muito vigiada, censurada” (LIMBERGER, 2007). Por meio dos depoimentos dos professores podermos perceber que vigilância era uma prática constante em sala de aula. Esse aspecto nos mostra, novamente, que Guarapuava estava na mira do Regime Militar. Sendo assim, colocamo-nos na condição de começar a desconstruir a idéia de que não houve repressão na FAFIG por parte do governo militar. Para tanto, remetemo-nos à entrevista da aluna do período, Walderez Pohl da Silva, docente, na atualidade, da universidade derivada daquela instituição, que sentia esse cerceamento de forma um pouco diferente. Em relação a essa questão, diz: “Nós tínhamos um militar em sala de aula. [...] ele era um líder dentro da sala de aula e ele tinha uma patente, acho que ele era tenente. Então todos ali tinham a maior consideração por ele” (SILVA, 200717). Podemos ver aqui que os militares muitas vezes freqüentavam algum curso da faculdade e, apesar de não podermos dizer qual era o objetivo deles em sala de aula, é possível compreender que a presença deles influenciava a forma de agir tanto dos professores como dos alunos. É possível notar tal questão nas declarações de nossos entrevistados: “Havia o receio, claro, não há nenhuma dúvida disso” (CORNEHL, 2007), disse o Professor Airton Cornehl. A aluna Walderez Pohl da Silva, por sua vez, assinala que: “Eu acredito, não que meu colega militar fosse para isso, mas eu acredito que só a presença dele ali já inibia qualquer 17 Entrevista concedida por Walderez Pohl da Silva, no dia 28 de março de 2007. 71 manifestação” (SILVA, 2007). Ou seja, podemos perceber que a figura do militar causava certo receio e desconforto em sala de aula, mostrando que só a possibilidade de ser repreendido já motivava um grande impacto. Outra passagem muito interessante digna de destaque foi a resposta do Professor Airton Cornehl à pergunta feita sobre a repressão exercida pelos militares na FAFIG. Ele respondeu: “Porque eu estava aqui em Guarapuava, em Guarapuava não havia, por exemplo, na faculdade, não houve, não havia, mas eles sabiam também o que se passava, mas eles sabiam” (CORNEHL, 2007). Aqui podemos ver novamente a questão da vigilância, porém fica claro que não houve, em Guarapuava, repressão tão violenta como ocorria nas instituições de ensino dos grandes centros. Foi possível perceber também que os alunos tinham uma visão um pouco diferente daquela construída pelos professores, porém, em relação à possibilidade de ser preso ou até mesmo de ser chamado a prestar esclarecimentos sobre determinados assuntos, as duas categorias compartilhavam do mesmo receio. Sobre essa questão, Walderez Pohl da Silva assinala: “Ficava tudo muito bem escondido. Eu acredito que existiam espiões mesmo nas salas de aula. Nós tínhamos essas notícias, que tinham espiões em sala de aula, que poderia ser chamada pelo quartel, que tinha que ir ao DOPS para pegar a certidão para dar aula” (SILVA, 2007). Notamos, novamente, a questão da vigilância permeando as falas dos entrevistados. Isso pode ser visto em todas as entrevistas, mostrando que a vigilância era uma prática operante no período e que causava temor na maioria dos indivíduos. Em outra passagem da entrevista com Walderez Pohl da Silva, ela nos conta um fato interessante que proporciona outro campo de discussão. Quanto à pergunta que foi feita, se havia algum tipo de ameaça entre os próprios colegas de classe, a resposta foi: Eu tive um fato muito pitoresco na minha turma de História. Então recém o Nivaldo Krüger tinha deixado a prefeitura de Guarapuava, quem tinha assumido era o Moacyr Silvestre, começaram politicamente alinhados, depois eles romperam. O Nivaldo Krüger, ele ficou no MDB, e com certeza era oposição ao governo Estadual e Federal. E o Moacyr Silvestre não, ele se alinhou com o poder reinante da época. Então por coincidência estavam na minha turma a 72 secretária de educação do ex–prefeito Nivaldo Krüger e a atual secretária da educação do Moacyr Silvestre, a professora Abadia Teresinha Jacob. A professora Abadia Teresinha Jacob era uma figura. Ela tinha uma fixação por coronéis que comandavam o Exército. Então qualquer coisa que você falasse na sala de aula, ela era um agente dentro da sala de aula, que ela dizia, eu vou contar para o coronel, eu vou por no Jornal. Então ela coagia, era a personalidade dela, não que ela tivesse, eu não acredito que ela tivesse fundamentação teórica ou motivos, era o simples fato de estar usufruindo o poder naquele momento, e talvez por, eu não queria dizer ignorância. Mas ela se portava de uma posição superior porque ela era amiga do coronel. Então durante os quatro anos da Faculdade eu fiquei ouvindo, que quem não fizesse as coisas nos conformes, ela aí contar para o coronel, só não sei se o coronel sabia que ela era tão amiga dele (SILVA, 2007). Podemos perceber que o medo de ser repreendido pelos militares era evidente, ou seja, algumas pessoas utilizavam o discurso de acusar seus colegas para conseguir alguns benefícios. Isso nos mostra que existia uma pressão psicológica e que, além da constante presença de militares, havia o medo de ser considerado “subversivo” e a desconfiança de que havia militares incumbidos de vigiar tanto professores quanto alunos. Esses elementos nos dão subsídios para tentar construir parcialmente como era esse cenário ditatorial no município de Guarapuava, principalmente no ensino na FAFIG. A última questão que acreditamos ser relevante mostra que não foi apenas no campo ideológico que houve repressão. Transcrevemos aqui uma passagem da entrevista com o Professor Airton Cornehl: Eu nunca tive problema com os militares. Só tive um probleminha assim que fui chamado no quartel, mas porque eu tava, eu fiz um comentário assim que não era muito, que fugia um pouco da linha de ensino, era exatamente eu quando eu estava fazendo um comentário sobre a política de Platão (CORNEHL, 2007). Solicitamos para que explicasse um pouco melhor essa questão e ele respondeu um pouco receoso: 73 Não, esse é porque o seguinte né, chegou no quartel de que eu tava pregando idéias subversivas, mas como o comandante me conhecia, porque o pessoal ali eram meus conhecidos. Então daí ele me chamou só pra, não me intimando, mas só pra conversar, para que eu não entrasse em determinados detalhes. Não isso aí não, pela má interpretação, né, A idéia era de Platão, né (risos). Não é minha idéia (risos) (CORNEHL, 2007). Aqui fica claro que as ameaças não aconteciam sem um motivo, ou seja, houve professores que foram chamados no 26° GAC (Grupo de Artilharia de Campanha), em Guarapuava, para prestar alguns esclarecimentos. Além do mais, o motivo pelo qual o professor disse ter sido chamado foi por ter tecido um comentário acerca da República, de Platão, em uma aula de Filosofia. Para nós, isso demonstra que o período em apreço não foi tão calmo como se pensava. Em uma passagem sobre o mesmo assunto, o professor Huberto Limberger comenta: “Mas era em EPB que a gente sentia mais a barra. Até quem trabalhava comigo era o Professor Bernardo, ele teve problemas com o nosso Exército aqui, ele teve que se explicar uma vez” (LIMBERGER, 2007). Nessas duas passagens das entrevistas podemos ver que alguns professores tiveram problemas com o Exército. No momento em que o professor menciona EPB, ele se refere à disciplina de Estudo dos Problemas Brasileiros, outra disciplina que surgiu durante o Regime Militar. Portanto, nessa discussão novamente é possível ver que as disciplinas específicas do período eram as que mais sofriam fiscalizações por parte dos militares, pelos claros interesses que eles possuíam em relação a essas disciplinas. Após a realização e análise das entrevistas podemos perceber que o período militar foi muito prejudicial ao ensino, no que se refere ao “conteúdo” (o que foi ensinado), no que se refere aos mecanismos criados, como as leis, para tentar cercear a capacidade crítica dos alunos, visando diminuir as manifestações contra o regime, e no que tange a questão da atuação limitada do professor, pois, como vimos, o educador não possuía liberdade total para falar sobre qualquer assunto em sala de aula. Foi possível notar também que o medo foi constante naquela circunstância, pois, mesmo no ato de lembrar daqueles momentos, ele apareceu/reapareceu. Isso foi visível principalmente no depoimento do Professor Airton Cornehl, que chegou a 74 nos dizer, depois da entrevista, que não queria se comprometer com determinados assuntos referentes à Ditadura Militar. O medo que o professor ainda manifesta ao tratar de determinados assuntos nos mostra que mesmo passados mais de vinte anos do encerramento da Ditadura Militar ela ainda “cheira a tinta fresca” em sua memória, o que quase o impediu de discutir determinados assuntos, silenciando, obviamente, acerca de alguns aspectos. Fica evidente que houve repressão militar na FAFIG, como pudemos notar nas entrevistas em diversos momentos, como, por exemplo, nos trechos em que os entrevistados comentaram a vigilância dos militares em sala de aula, constante durante o período estudado; a presença deles foi apontada como uma possível forma de inibir manifestações. Além da vigilância, a “visita” que alguns professores eram obrigados a fazer ao 26° GAC no município em questão foram as tintas que deram cor ao cenário da Ditadura Militar em Guarapuava no período recortado em nossa pesquisa. Em um jogo de escala, o que se percebeu nessa pesquisa foi um processo de re-significação das formas de repressão da Ditadura Militar em um contexto local. Sabendo que, em nossa pesquisa, a compreensão dos processos de produção, de reprodução e de re-elaboração da memória foi preponderante para a produção das entrevistas e para o desenvolvimento da análise, percebemos que alguns aspectos da “memória individual” foram esquecidos ou silenciados por nossos entrevistados, tendo sido substituídos por elementos da “memória coletiva” ou “social”. A memória, repleta de particularidades, constitui-se como fonte para a investigação não apenas dos historiadores, mas para outros grupos, como aponta Le Goff: Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória coletiva. (LE GOFF, 1994, p. 426). 75 CONSIDERAÇÕES FINAIS Enfim, nessa análise pudemos constatar que o ensino superior em Guarapuava, mais especificamente na FAFIG, não passou ileso pelo regime do presidente Médici, o município em questão ouviu as reverberações emanadas dos grandes centros. Foi possível perceber também que a repressão em Guarapuava não ocorreu como em outras cidades: a repressão se concentrava muito mais no fomento do medo e das ameaças do que na esfera física; os militares instauraram uma “violência simbólica” e, mesmo sem agressões físicas explícitas, conseguiram cercear militâncias vindas da FAFIG, pelo menos no período que diz respeito à pesquisa em apreço. O que tentamos fazer nesse artigo foi uma releitura do período da Ditadura Militar desde um olhar local, campo de estudo pouco explorado na cidade de Guarapuava, com o intuito de trazer contribuições à compreensão do tema a partir do uso da memória como fonte histórica. Buscamos desconstruir a idéia que muitos tinham de que a FAFIG passou ilesa por esse processo, mostrando que, para a instituição, para seus professores e para seus alunos, não foi um período tão pacífico. Buscamos um “outro olhar”, pois como aponta Reis: “Cada presente seleciona um passado que deseja e lhe interessa conhecer. A História é necessariamente escrita e reescrita a partir das posições do presente, lugar da problemática da pesquisa e do sujeito que a realiza” (REIS, 2005, p. 9). Nesse sentido, é preciso fomentar as pesquisas sobre as relações entre ensino e Ditadura Militar, não apenas em Guarapuava. Que esse estudo tenha servido para despertar, em outros historiadores, inquietações capazes de estimular novas abordagens e novas leituras. REFERÊNCIAS ALBERTI, Verena. História Oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1990. ______. Manual de História Oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 76 ______. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla B. (org.). Fontes Históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 155-202. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004. COUTO, Ronaldo Costa. Memória viva do Regime Militar, Brasil: 1964-1985. Rio de Janeiro: Record, 1999. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12. Ed. São Paulo: EDUSP, 2004. GONÇALVES JUNIOR, Ernando B. Reflexões sobre o Ensino de História: inquietações. Anais da XV Semana de Pedagogia da Unicentro; II Seminário de Educação do Centro Oeste do Paraná. Guarapuava: Unicentro, 2007. (CD-ROM) HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (orgs.). A invenção das tradições. Tradução de Celina Cardim Cavalcante. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernardo Leitão. 3. ed. Campinas: Editora Unicamp, 1994. MARCONDES, Gracita G. et al. FAFIG: 15 anos de história. Guarapuava: FAFIG, 1985. MARTINS, Cláudia Regina Kawka. O Ensino de História no Paraná, na década de Setenta: prática de professores. Educar em revista, Curitiba, n. 17, p. 197-213, janeiro a julho de 2001. MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 5. ed. Ver. ampl. São Paulo: Loyola, 2005. MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru: EDUSC, 1990. NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Tradução Yara Aun Khoury. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dezembro 1993. POLLAK, Michael. Memória e Identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/104.pdf>. Acesso em: 02 mai. 2007. ______. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/43.pdf>. Acesso em: 02 mai. 2007. REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 77 THOMPSON, Paul. A voz do passado. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. FONTES Entrevista concedida pelo Professor Airton Luiz Cornehl, no dia 8 de março de 2007. Entrevista concedida pelo Professor Huberto José Limberger, no dia 27 de abril de 2007. Entrevista concedida por Walderez Pohl da Silva, no dia 28 de março de 2007. 78 O IMAGINÁRIO MÁGICO-RELIGIOSO DA UMBANDA : DOGMAS E PRÁTICAS RITUALÍSTICAS AFRO-BRASILEIRAS Profª. Ms. Cerize Nascimento Gomes Co-autoras: Lucélia Pietras e Luciane Pietras Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava Resumo: O presente artigo está relacionado à necessidade de produção de material didático para atendimento dos pressupostos pela Lei 10.639/2003 e pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica. Nesse sentido, escolheu-se uma temática própria da religiosidade e da cultura afro-brasileira, com foco sobre os fundamentos e as práticas de umbanda no Brasil, incluindo-se informações que possam fundamentar estudos multidisciplinares étnico-raciais com enfoque antropológico, sociológico, histórico, político e econômico. Palavras-chave: Umbanda. Cultura. Religião. Crenças. Rituais. INTRODUÇÃO A umbanda é considerada a mais genuína religião brasileira de origem africana Maria Helena Vilas Boas Concone A lei nº12.645, sancionada em 16 de maio de 2012, institui o dia 15 de novembro como o Dia Nacional da Umbanda e somada (Anexo 1) às leis 10.639 de 2003 e 11.645 de 2008, sobre a obrigatoriedade de inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica, reforça a necessidade de que sejam ampliados estudos e a produção científica na área. A existência dessa legislação sugere que as faculdades e universidades, em especial os cursos de licenciatura, devem se transformar no espaço próprio para fomentar a pesquisa sobre as questões étnico-raciais relacionadas aos povos afrobrasileiros e indígenas. O presente artigo procura abordar aspectos históricos, culturais, sociais e econômicos relacionados ao imaginário mágico-religioso, como os principais dogmas, os princípios morais e as práticas de umbanda. Consideram-se no decorrer do trabalho alguns aspectos relativos ao surgimento da umbanda no Brasil, aos princípios doutrinários da religião, às suas práticas, ao cotidiano dos devotos e à organização social umbandista. 79 1. UMBANDA : HISTÓRIA E PRINCÍPIOS A pesquisa bibliográfica realizada para a produção do presente artigo sugere que a fundação da umbanda data das duas primeiras décadas do século XX com o surgimento dos primeiros terreiros nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. A religião é bastante sincrética e reúne princípios do catolicismo, do espiritismo e do candomblé promovendo a comunhão de princípios da religiosidade branca européia, negra africana e indígena americana. 1.1. Conceitos e fundação Entre as definições encontradas para a origem etimológica do vocábulo umbanda, Cavalcanti Bandeira, em o que é a umbanda afirma que ela é uma palavra originária da língua kimbundo, utilizada em muitos dialetos bantus, falada em Angola, Congo e Guiné. De acordo com o autor a palavra é utilizada para mencionar uma nação poderosa ou um espírito poderoso. Ela reporta a palavra kimbanda que significa curandeiro. De acordo com os sentidos em que é aplicada e com sua origem gramatical é entendida como a arte ou magia de curar, poder de curar, ofício de ocultismo ou ciência médica. Em busca de encontrar uma definição própria dos umbandistas, o pai- desanto João D`Ogum, do Centro Espírita de Urubatan, de água Branca (SP), procura explicar e conceituar a umbanda considerando a diversidade de suas raízes : Em sua origem, participam valores de três culturas principais, a saber: Cultura Branca (européia), através do catolicismo romano e do espiritismo kardecista Cultura Negra (africana), através do elemento escravo; Cultura Vermelha ou Ameríndia, através daqueles que já estavam aqui antes da chegada do elemento branco, e a quem impropriamente chamaram de índios, que o branco tentou escravizar. Concluindo: Por definição, a Umbanda é uma religião espírita, ritmada, ritualizada, de origem euro-afro-brasileira. (D´OGUM, 2010) A partir das fontes de pesquisa foram encontradas diversas denominações para os locais de realização de cultos de umbanda: centros de umbanda, templos de umbanda, terreiros de umbanda e tendas de umbanda. 80 Entre as fontes de pesquisa, além da bibliografia que compõe o referencial teórico do presente artigo, foram visitados diversos sites de templos, federações e associações umbandistas. Inicialmente , do ponto de vista histórico, os umbandistas consideram que a partir da assinatura da Lei Áurea em 1889, os ex-escravos haviam sido abandonados a própria sorte e viviam em um quadro social miserável, sem espaço para expressar sua cultura e suas crenças: Em 1889 é assinada a "lei áurea". O quadro social dos ex-escravos é de total miséria. São abandonados à própria sorte, sem um programa governamental de inserção social. Na parte religiosa seus cultos são quase que direcionados ao mal, a vingança e a desgraça do homem branco, reflexo do período escravocrata. No campo astral, os espíritos que tinham tido encarnação como índios, caboclos (mamelucos), cafuzos e negros, não tinham campo de atuação nos agrupamentos religiosos existentes.(D’OGUM, 2010) Observa-se assim que entre as religiões constituídas não havia espaço para os cultos africanos. Segundo o autor o catolicismo era contrário a idéia de reencarnação, o espiritismo descartava a hipótese de trabalhar com entidades indígenas e africanas e o candomblé não aceitava a possibilidade de comunicação com os eguns, espíritos de pessoas falecidas. Diante desses desafios é que teria sido criada e anunciada em 15 de novembro de 1908, em Niterói (RJ), a primeira tenda de umbanda, estabelecida pelo médium Zélio Fernandino de Moraes. O histórico registra a dissidência existente entre o médium e o espiritismo kardecista, uma vez que o fundador da umbanda incorporava um espírito de entidade indígena denominado de Caboclo Sete Encruzilhadas. Para explicar essa aproximação dos kardecistas com as religiões africanas, datada da década de 1920, Lísias Nogueira Negrão, em Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada, disserta sobre o sincretismo nacional a partir das matrizes negras com ênfase para a macumba e o candomblé, e das matrizes ocidentais com atenção para o catolicismo e o kardecismo. Segundo ele: Kardecistas de classe média, atraídos pelos espíritos de caboclos e pretos-velhos que se incorporavam nos terreiros de macumba do Rio de Janeiro, neles adentraram e assumiram sua liderança. (NEGRÃO, 1994, p.113) 81 O autor explica que a umbanda enquanto religião nacional consolidou-se no momento da industrialização e da urbanização das grandes cidades do país. Para sua consolidação “construiu um cotidiano encantando de crenças e práticas mágicas voltadas para as necessidades do seu público interno” (NEGRAO, 1993, p.114). Sua caminhada dos terreiros de macumba aos templos de umbanda foi preenchida por transformações com vistas a integrar um repertório de gentes e crenças diversas. O autor cita Roger Bastide, um clássico nas relações raciais para demonstrar alguns aspectos sociais e políticos da umbanda: Roger Bastide, em sua análise que privilegia as relações raciais, considera a macumba como expressão mágica da marginalidade do negro no período pós-abolição; já a umbanda, seria a expressão ideológica da integração do mesmo à sociedade de classes nascente. (NEGRÃO, 1994, p.114) 1.2. Religiosidade e mobilidade social Compreendendo-se que a umbanda surgiu comprometida com as classes sociais mais desfavorecidas para as quais prometia um espaço para a expressão de suas crenças e a prática de seus rituais religiosos, deve entender-se a nova religião como promotora de inclusão e de mobilidade social em um tempo e em uma sociedade que rejeitava os seus pobres, principalmente os afrodescendentes e os povos indigenas. Esses aspectos devem ser considerados para as tentativas de explicação sobre a rápida proliferação de locais de cultos de umbanda em diversos estados brasileiros. Importante também é a questão relacionada ao sincretismo religioso promovido pela umbanda. Tendo em vista suas relações com os dogmas do catolicismo, do espiritismo e do candomblé, a nova religião conseguia reunir dissidentes dessas três instituições religiosas. O pesquisador Reginaldo Prandi considera que a partir da criação do primeiro centro de umbanda do Brasil, diversos terreiros foram fundados no Rio de Janeiro, com forte expressão na década de 1920. Segundo ele a umbanda surgiu a partir da conjunção de práticas do espiritismo, bastante rico em princípios doutrinários, e do candomblé, mais centrado em performances ritualísticas. Além 82 do forte sincretismo entre essas duas religiões, a umbanda conservou também aspectos simbólicos do catolicismo. A umbanda, ritualmente muito próxima do candomblé dos ritos angola e caboclo, incorpora em sua doutrina as virtudes do catolicismo — fé, esperança e caridade - empresta do kardecismo o modelos de organização burocrática e federativa. Seu panteão tem à frente orixás-santos dos candomblés e xangôs, mas o lugar de destaque está ocupado por entidades desencarnadas semi-eveméricas, à moda kardecista e africana, ou encantados de origem desconhecida, à moda dos cultos de maior influência indígena: os catimbós, os candomblés de caboclos e as encantarias. (PRANDI, 1990,p.1 ) O autor explica que “a umbanda que nasce retrabalha os elementos religiosos incorporados à cultura brasileira por um estamento negro que se dilui e se mistura no refazimento de classes” (PRANDI, 1990) . Sobre essa interação entre as crenças ele considera que por sua especificidade a Umbanda reúne desde sua fundação elementos religiosos e culturais que elementos nacionais” promovem a “valorização dos (PRANDI, 1990 ) a partir da recepção de espíritos de caboclos, pretos velhos, índios, ciganos, boiadeiros, marinheiros e escravos. Tais sujeitos são descritos como: Perdidos e abandonados na vida, marginais no além, mas todos eles com uma mesma tarefa religiosa e mágica que lhes foi dada pela religião de uma sociedade fundada na máxima heterogeneidade social: trabalhar pela felicidade do homem sofredor. (PRANDI, 1990) A pesquisadora Maria Helena Villas Boas Concone estuda o simbolismo dos personagens da umbanda. Segundo ela os caboclos e os pretos velhos são os símbolos-chave dessa religião e marcam presença desde o nascimento do Brasil. Todos os demais personagens, os baianos que representam o preto jovem; o mulato, o boiadeiro, o marinheiro, a Pomba Gira e o Zé Pilintra formam a composição de um quadro simbólico que ajuda na interpretação da história, da cultura e da formação do povo brasileiro. (CONCONE, 1987) A partir desses elementos e de seu simbolismo mágico-religioso, as pessoas que não encontravam lugar em nenhuma das religiões constituídas, especialmente aquelas pessoas estigmatizadas pelas condições raciais e econômicas, vão encontrar nos templos de umbanda o seu lugar de pertencimento. A partir dessa 83 nova religião, os excluídos podem restabelecer os vínculos com a pátria e celebrar na prática dos terreiros a demarcação do seu território. Nesse sentido, é importante destacar a função da umbanda no que diz respeito à perspectiva de mobilidade social. Primeiramente o novo espaço oferecia a possibilidade de expressão das crenças dos excluídos, em seguida, unia essas pessoas por meio de práticas ritualísticas, concedendo-lhes identidade e o sentido de pertencimento a uma religião e a uma comunidade. No que diz respeito ao sincretismo, observa-se que apesar de conservar aspectos da doutrina kardecista, a umbanda procura romper com a concepção kármica por meio da qual a vida presente é uma forma de acerto de contas das existências anteriores, repleta de sofrimentos e provações. Nessa ruptura a sua ideologia religiosa aproxima-se do candomblé, religião de matriz africana para a qual a experiência da vida não está relacionada apenas ao sofrimento, mas também ao ideal idéia de gozar a vida neste mundo e encontrar a felicidade terrena. Esse sentido de felicidade e gozo extraído do candomblé semeia no campo social a possibilidade de alterar as rotas da vida, passando de um cotidiano de dor e sofrimento para perspectiva de uma vida mais alegre e mais feliz. Tanto os objetivos de mobilidade social, formação de identidade e de pertencimento à uma comunidade, quanto os de gozar a felicidade na vida terrena, são segundo os principios umbandista, mais falcimente alcançáveis com o auxílio de determinadas práticas rituais. Conforme Prandi: A umbanda de certo modo rompe com a concepção kardecista do mundo: aqui não é mais uma terra de sofrimentos onde devemos ajustar contas por atos de nossas vidas anteriores. Trazendo do candomblé a idéia, ainda que desbotada, pouco definida, de que a experiência neste mundo implica a obrigação de gozá-lo, a idéia de que a realização do homem se expressa através da felicidade terrena que ele deve conquistar, a umbanda retrabalha a noção culpada da evolução kármica kardecista, assim como, através da propiciação ritual, descobre a possibilidade de alteração da ordem. (PRANDI, 1990 ) Chama-se atenção para o fato que a mobilidade social esta implicitamente relacionada à possibilidade de alteração da ordem do mundo ou do destino pessoal por meio de determinadas práticas ritualisticas. Nota-se que os trabalhos e as demandas realizadas pela umbanda tem como objetivo proteger os devotos, auxiliar a sua mobilidade social e acompanhar a sua evolução espiritual. Sendo a umbanda 84 uma religião assumida em grande parte por pessoas dos estamentos sociais com menor poder aquisitivo, suas crenças e suas práticas sugerem a possibilidade de transformação pessoal e social. Por meio dos rituais umbandistas os devotos acreditam que poderão alcançar não apenas a cura dos seus males físicos mas também a abertura de novos espaços sociais: É necessário que cada um procure a sua realização plena, mesmo porque o mundo com o qual nos deparamos é um mundo que valoriza o individualismo, a criatividade, a expansão da capacidade de imaginação, a importância de subir na vida. Este pormenor é essencial. Por esta forma de ver o mundo, a umbanda se situa como uma religião que incentiva a mobilidade social, porém mais importante do que isto é o fato de que essa mobilidade está aberta a todos, sem nenhuma exceção: pobres de todas as origens, brancos, pardos, negros, árabes... o status social não está mais impresso na origem familiar. Trata-se agora, para cada um, de mudar o mundo a seu favor. E essa religião é capaz de oferecer um instrumento a mais para isso: a manipulação do mundo pela via ritual. (PRANDI,1990 ) Para a alteração da ordem social ou a manipulação do mundo pela via ritual são feitos os trabalhos e as demandas com a finalidade de atender as condições de proteção e de transformação pessoal e social, Lísias Nogueira Negrão salienta que os umbandistas lançam mão de uma série de práticas repletas de simbolismo mágico-religioso. Em seus estudos ele procura descrever “ a construção mítica e ritual, onde a umbanda é vivida em seu cotidiano encantado de crenças e práticas mágicas”(NEGRAO,1994,114). Sobre isso, Negrão escreve que: A umbanda dos terreiros é ainda um mundo encantado. São muito poucos os pais-de-santo que têm qualquer interesse secular (político, cultural) além do profissional. Analfabetos ou com baixo grau de instrução, a leitura de textos teológicos racionalizados e racionalizantes é quase inexistente. Apenas alguns deles em poucas tendas de classe média, dotados de maior nível de instrução formal e mais afeitos à reflexão abstrata, lêem e recomendam obras umbandistas, kardecistas e ocultistas. Em geral vivem imersos em seu mundo religioso. Sua realidade é a dos orixás, com os quais convivem no cotidiano das giras, dos trabalhos e das “demandas, com seus guias respondendo às necessidades imediatas de seus filhos-de-santo e seus clientes.(NEGRAO, 1994, p.115) As demandas podem ser consideradas os principais trabalhos realizados dentro dos templos de umbanda. Por meio delas os pais e as mães-de-santos procuram atender as reivindicações e as expectativas das filhas e dos filhos-desanto, bem como de seus clientes. 85 1.2. Demandas justiceiras A demanda, até certo ponto, também é vista como legítima. Desfaz o mal feito contra inocentes e o faz retornar contra quem o provocou. Lísias Nogueira Negrão. Os adeptos da umbanda embasam suas práticas na idéia da existência de demandas. A palavra é usada para exprimir conflitos e também para sintetizar o uso de práticas mágicas para combater os adversários dos filhos e filhas de santo e também a sua clientela, protegendo-os e impedindo que sejam atingidos por ações de maldade, inveja e ciúme. Para a participação e a celebração de rituais, bem como para a realização dos trabalhos espirituais nos centros de umbanda são feitas algumas recomendações essenciais essenciais como fazer o banho de descarrego, acender uma vela e oferecer um copo de água para o anjo da guarda, praticar o jejum alimentar e usar uniforme branco e limpo . O banho de descarrego é feito com ervas próprias de cada orixá. Em cada banho são usadas entre uma e sete ervas. As de uso mais comum são as folhas de alecrim, arruda e guiné. Para o preparo do banho as ervas são colocadas em um recipiente com água, de preferência água de poço ou mineral, e maceradas com uma colher de pau. Depois de bem esmagadas as ervas são coadas e colocadas em descanso por alguns minutos. Depois do banho de higiene a pessoa derrama a água do descarrego sobre o corpo, do pescoço para baixo. Esse banho tem a função de eliminar as energias negativas que circulam em torno da pessoa ou que ocupam o seu corpo físico. A vela para o Anjo da Guarda deve ser acesa juntamente com pedidos de proteção, força e iluminação. O copo de água deve ser oferecido com a intenção de obter clareza e transparência na realização dos trabalhos religiosos. O jejum alimentar alimentar prescreve o consumo de frutas, verduras, legumes e carne de peixe. É contraindicado o consumo de carne vermelha e de animais de sangue quente. Todas essas recomendações devem ser seguidas ao pé da letra pelos demandantes. 86 Negrão explica que os umbandistas compreendem que por meio da demanda apenas revidam o mal e o devolvem ao seu emissor. Segundo o pesquisador os pais e mães de santo só aceitam demandar quando estão convencidos da inocência do demandante. Sobre a demanda, o autor relata que: A demanda implica no caráter conflituoso da vida cotidiana: há inimigos, há pessoas mal intencionadas. Não é errado agir contra eles, defendendo-se e contra atacando. Trata-se de justiça, não de maldade. Quem pratica o mal deve pagá-lo e não só no além, na próxima encarnação, mas aqui e agora. Assim como o bem que se busca, a cura, a resolução de problemas diversos, deve ser imediato, o castigo daquele que provocou o mal deve sê-lo também. (NEGRÃO, 1994, p.119) O que impressiona no sentido simbólico da demanda, é sua expressão enquanto detentora de poderes que não são apenas culturais ou religiosos, mas também morais e jurídicos. Sua ação entra em campo como se fizesse parte de um verdadeiro processo em que as vítimas procuram proteção contra os seus adversários. Para Negrão “trata-se, em estrito sentido durkheimiano, de direito antes repressivo que restitutivo, totalmente distanciado da virtude cristã do perdão” (NEGRÃO, 1994, p.120). Dessa forma, na umbanda a demanda possui o poder mágico-religioso de promover a justiça entre os demandantes e os demandados: A demanda promove a justiça imediata, no aqui e agora, sem que se espere os castigos e as recompensas do além. Não existe também a mediação institucionalizada de aparato judicial: são os próprios guias e agentes mágicos os juízes e executores da pena. (...)A justiça, vista pela ótica dos subalternos, despossuídos, marginalizados ou precariamente dispostos nos lugares sociais, aparece assim como fundamento moral da prática mágica umbandista. (NEGRÃO, 1994, 120) A abordagem é bastante interessante para a área de antropologia cultural quando se trata de polarizar com a concepção religiosa predominante que atribui o castigo ou a retribuição do mal feito exclusivamente à vontade de Deus. Para a antropologia jurídica é um tema apaixonante quando foge da concepção do Estado como agente formal de estabelecimento de penas e castigos. Sobre essa peculiaridade da umbanda Negrão conclui que: A prática do castigo aos ofensores pelos próprios ofendidos, mediante a utilização de recursos simbólicos, é peculiaridade sua, compartilhada com os demais cultos afro-brasileiros. Estamos, pois, distantes dos quadros de uma hegemonia moral que atrela os 87 interesses individuais aos sociais e remete a justiça para além da competência das vítimas. (NEGRÃO, 1994, p.121) Os temas que tratam sobre o desejo humano de fazer justiça com as próprias mãos ou o acervo literário existente sobre pessoas que tomaram as rédeas do destino nas próprias mãos, são bastante vastos. A antiguidade clássica e toda a sua mitologia estão repletas de histórias sobre seres que enfrentam os deuses e lutam pela sua felicidade ou do seu povo. Para a umbanda no entanto esses casos não são raros, eles são comuns, pertencem ao seu cotidiano, um mundo mágicoreligioso no qual todos os devotos podem lutar para alterar a ordem da sua vida, combater os adversários, vencer o sofrimento e alcançar a felicidade. 1.3. Organização burocrática Como os pais e mãesde-santo, filhos e filhas-de-santo vivem imersos no imaginário e na prática dos rituais da umbanda, cuidando dos meios mágicos para obter a proteção dos seus orixás, as fontes de pesquisa deixam entrever que nem sempre é dada a devida atenção ao processo de racionalização que envolve a institucionalização burocrática dos templos de umbanda. organização dos locais de culto, o autor explica que todos os Sobre o aspecto da terreiros “devem ser registrados em cartório como entidades civis para poderem funcionar legal e livremente” (NEGRÃO, 1994, p.116). Com essa finalidade foram criadas associações e federações especializadas que funcionam como despachantes para legalizar os centros de umbanda em todo o país. A Federação Brasileira de Umbanda – FBU, por exemplo, é uma das entidades de cúpula de umbanda, candomblé e demais cultos afro-brasileiros. Com personalidade jurídica reconhecida em âmbito nacional a instituição tem como função primordial legalizar os templos, fornecendo alvará de funcionamento, estatutos e demais documentações necessárias ao exercício das atividades religiosas e sociais dos mesmos, promovendo através de cursos, o aperfeiçoamento dos sacerdotes e diretores de cultos das entidades filiadas. A Federação Umbandista do Estado do Paraná - FUEP, fundada em 25 de maio de 1968, está devidamente registrada com código nacional de pessoa jurídica (CNPJ) e declarada personalidade jurídica de utilidade pública estadual, conforme a 88 Lei 8.515/1987, do governo do Estado e pessoa jurídica de utilidade pública municipal de Curitiba, pela Lei 6.833/1986. A entidade possui regimento interno e estatuto social e regula o funcionamento dos templos de umbanda estaduais. 2. FUNDAMENTOS DA UMBANDA A constituição de dogmas que possam ser reconhecidos e assumidos pelos adeptos é o cerne de qualquer doutrina religiosa. A Umbanda também possui seus dogmas, crenças e fundamentos. O primeiro deles é que os umbandistas professam a existência em um Deus eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, onisciente e onipresente o que pode sugerir que são monoteístas. Porém, em contradição, acreditam na existência dos orixás com forte poder de intervenção sobre a vida humana no plano físico e espiritual, bem como na evidência de espíritos de plano superior, o que pode sugerir que são politeístas. Os orixás da umbanda são uma incorporação feita a partir das crenças do candomblé. Quando se estudam os orixás africanos compreende-se que em sua constituição eles são muito parecidos com o antigo panteão de deuses greco- romanos, uma vez que mesmo considerados divinos são capazes de sentir todas as emoções e todas as paixões humanas. Cido de Osun Eyin, em estudo publicado sobre o título de Candomblé: A panela do segredo relata que: Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. As características de cada Orixá aproxima-os dos seres humanos, pois eles manifestam-se através de emoções como nós. Sentem raiva, ciúmes, amam em excesso, são passionais. Cada orixá tem ainda o seu sistema simbólico particular, composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários. (EYIN, 2000) Ao falar sobre o sincretismo existente entre os orixás e os santos católicos, é preciso esclarecer que apesar da disposição com que se aborda essa temática no meio acadêmico, é necessário lembrar que a adesão inicial dos povos africanos radicados no Brasil aos símbolos do catolicismo não foi um ato voluntário ou uma expressão de simpatia aos santos procedentes do continente europeu. Pelo contrário, o sincretismo foi antes de qualquer coisa uma imposição dos 89 colonizadores da América Portuguesa, uma exigência social diante da qual, sem saída, os povos africanos tiveram que acatar. Sobre o sincretismo entre os orixás africanos e os santos europeus Eyin argumenta que: Como resultado do sincretismo que se deu durante o período da escravatura, cada orixá foi também associado a um santo católico, devido à imposição do catolicismo aos negros. Para manterem os seus deuses vivos, viram-se obrigados a disfarçá-los na roupagem dos santos católicos, aos quais cultuavam apenas aparentemente. (EYIN, 2000) O resultado desse choque cultural manifesto pelo encontro de crenças do catolicismo europeu e do candomblé africano, ocorrido desde a Colônia Portuguesa, iria se manifestar dentro da umbanda como a decorrencia quase natural de um processo de miscigenação étnico e religioso. Dos dogmas cristãos incorporados do catolicismo a umbanda trouxe o seu principal lema “ amai-vos uns ao outros”, que deve ser expresso e manifesto na prática da caridade tanto na palavra quanto na ação. Para a umbanda Jesus Cristo foi o espírito de categoria mais elevada que já encarnou na terra e todos os seres humanos são iguais, porque são filhos do mesmo Deus e procedem da mesma origem. Para os umbandistas o universo está repleto de outros mundos habitados, não constituindo a Terra uma exceção no universo. O planeta Terra seria um plano de expiação, aprendizagem e correção moral. Segundo suas crenças existem planetas com formas de vida mais adiantadas e/ou mais atrasadas em comparação com a terra. Entre os dogmas da religião encontra-se a existência de uma cidade simbólica chamada de Aruanda, que vem a ser uma cidadela etérica e iluminada habitada por espíritos de luz que trabalham pelo bem e pela caridade, auxiliando a aprendizagem das almas em seus processos de reencarnação. A cidade de Aruanda é mencionada no hino da umbanda: 90 HINO DA UMBANDA Refletiu a luz divina, em todo o seu esplendor. Vem do reino de Oxalá, onde há paz e amor. Luz que reflete na terra, luz que reflete no mar. Luz que vem lá de Aruanda para tudo iluminar Umbanda é paz e amor, é um mundo cheio de luz. É força que nos dá vida E a grandeza nos conduz Avante filhos de fé, como a nossa lei não há! Levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá. Levando ao mundo inteiro a bandeira de Oxalá A crença na reencarnação é um dos principais dogmas da Umbanda. Por meio dela os umbandistas defendem a existência de vida fora da matéria e na sobrevivência da alma após a morte do corpo físico. O dogma permanece o mesmo do espiritismo kardecista segundo o qual o espírito não morre, mas sobrevive ao homem e permanece em seu caminho de evolução. Também do espiritismo, os umbandistas herdaram a crença na possibilidade de comunicação com espíritos desencarnados, através da faculdade mediúnica. Para os umbandistas todas as pessoas têm guias espirituais que as acompanham e com os quais podem estabelecer comunicação através da mediunidade. 2.1. Mediunidade A mediunidade é descrita tanto pelos umbandistas quanto pelos espiritistas kardecistas como a capacidade que todas as pessoas têm , em maior ou menor grau, em diferentes espécies e formas de manifestação, de servir de veículo de comunicação entre o plano físico e o plano espiritual. 2.1.1. Sintomas Entre os sintomas de mediunidade os umbandistas definem algumas características clássicas como o suor exagerado nas mãos e nas axilas, mãos molhadas e geladas, maçãs do rosto vermelhas e quentes. Esses são bastante 91 singulares. Outro sintoma é o da depressão psíquica, a pessoa fica instável e passa de uma grande alegria para uma tristeza profunda; irrita-se com facilidade, chora muito, sente melancolia e queixa-se de solidão (D’OGUM, 2012). . Nota-se que os sintomas psíquicos são bastante comuns aos quadros clínicos de depressão, bipolaridade e psicose. A mediunidade pode manifestar-se também por meio de alterações no sono com estados de sonolência ou insônia profunda seguidos por manifestações de fraqueza e de cansaço, algumas vezes acompanhados por vômitos e diarréias. Outros sintomas podem ser a perda de equilíbrio, a sensação de desmaio e a taquicardia. D´Ogum explica que os sintomas apresentados costumam desaparecer com a preparação espiritual e o desenvolvimento mediúnico, e que o tempo de cura está relacionado ao grau de mediunidade, do interesse e da preparação espiritual do médium. 2.1.2. Espécies A umbanda reconhece que existem mais de cem espécies ou tipos de mediunidade, entre os quais os mais comuns são a intuição, a incorporação, a vidência, a clarividência, a audição, o transporte, o desdobramento e a psicografia. A intuição é um tipo de mediunidade no qual a pessoa recebe em seu pensamento, sob a forma de uma sugestão, mensagens provindas de um espírito. A incorporação é a capacidade de estabelecer sintonia com a vibração do espírito e permitir que a entidade tome conta do corpo do médium e se manifestar através dele. A incorporação pode ser parcial quando o médium tem consciência ou semiconsciência do que está acontecendo ou integral quando o médium fica totalmente inconsciente. As pesquisas sobre o tema da incorporação demonstram que “a maioria dos médiuns (mais de 95%) trabalha em incorporação parcial e uma pequeníssima minoria (menos de 5%), em incorporação integral”(D’OGUM, 2010). A vidência permite ao médium perceber irradiações de acontecimentos; a clarividência é a visão de fatos do passado ou do futuro. Segundo D’Ogum a clarividência é um tipo raro de mediunidade e possibilita ao médium ver o corpo espiritual e mental de algumas pessoas e conhecer suas vidas anteriores. Na 92 mediunidade por audição é possível ouvir claramente as mensagens dos espíritos de luz como se estivessem falando aos ouvidos do médium. No caso do transporte, essa é uma espécie de mediunidade capaz de conduzir a pessoa em jornadas espirituais para lugares distantes enquanto seu corpo físico permanece em repouso. Compreendem-se dois tipos de transporte, o voluntário, quando o mediu se dispõe a sair do corpo e projetar-se no espaço e o involuntário, quando a pessoa se desloca em sonhos ou em caso de desmaios (D’OGUM, 2010). Há também o desdobramento que é um tipo de transporte no qual a pessoa que se projeta torna-se visível para outras pessoas. Finalmente, a mediunidade por meio de psicografia, que é um tipo bastante conhecido no Brasil, por meio do trabalho realizado pelo médium espírita Chico Xavier. Essa espécie de mediunidade é considerada muito comum na umbanda, e classificada em três modalidades: intuitiva, semimecânica ou mecânica. No primeiro caso, a pessoa recebe as mensagens e as transcreve movido apenas pela intuição. No segundo caso o médium vai tomando consciência da psicografia na medida em que escreve. É um ato semimecânico por meio do qual “o espírito atua, simultaneamente, na mente e na mão do médium” (D’OGUM, 2010). O terceiro caso é o da psicografia mecânica, no qual o espírito atua somente na mão do médium, que escreve sem tomar conhecimento da mensagem recebida. 2.2. Diversidade Religiosa No que diz respeito à diversidade os umbandistas afirmam que todas as religiões constituem os diferentes caminhos da evolução espiritual e que todas as correntes religiosas possuem uma única finalidade, a de aperfeiçoamento dos seres humanos que estão em processo de aprendizagem e de correção moral. Para a umbanda existe uma lei de causa e efeito, segundo a qual nada acontece por acaso e tudo é conseqüência dos atos praticados pela pessoa. O progresso individual ou as situações na vida são produtos de livre arbítrio ou de escolha de provas definidas antes mesmo da encarnação do espírito na matéria. Segundo os umbandistas até mesmo a escolha da religião da pessoa está em correspondência com o seu grau de compreensão e de evolução na atual vida terrena. 93 PAI NOSSO UMBANDISTA Pai nosso que estais nos céus, nas matas, nos mares e em todos os mundos habitados. Santificado seja o teu nome, pelos teus filhos, pela natureza, pelas águas, pela luz e pelo ar que respiramos. Que o teu reino, reino do bem, do amor e da fraternidade, nos una a todos e a tudo que criastes em torno da sagrada cruz, aos pés do divino salvador e redentor. Que a tua vontade nos conduza sempre para o culto do amor e da caridade. Dai-nos hoje e sempre a vontade firme para sermos virtuosos e úteis aos nossos semelhantes. Dai-nos hoje o pão do corpo, o fruto das matas e a água das fontes para o nosso sustento material e espiritual. Perdoa, se merecermos as nossas faltas e dá o sublime sentimento do perdão para os que nos ofendam. Não nos deixeis sucumbir, ante a luta, dissabores, ingratidões, tentações dos maus espíritos e ilusões pecaminosas da matéria. Enviai pai, um raio de tua divina complacência, luz e misericórdia para os teus filhos pecadores que aqui habitam, pelo bem da humanidade, nossa irmã. E principalmente pai, nos livre de fazer mal a quem quer que seja. CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização da presente pesquisa possibilitou a compreensão de alguns aspectos históricos, culturais e sociais relacionadas a umbanda, bem como uma iniciação aos seus princípios e suas práticas ritualísticas. É preciso que se diga que é preciso muito estudo sobre o tema para que o pesquisador se aproprie de alguns conhecimentos sobre os rituais da umbanda. O artigo que está sendo concluído pode ser considerado apenas uma iniciação aos fundamentos umbandisticos. Historicamente sabe-se que a fundação da umbanda data de 15 de dezembro de 1908, e que sua primeira tenda foi construída em Niterói no Rio de Janeiro. Desde então os centros, templos, tendas e terreiros de umbanda espalharam-se por todo o país. 94 O crescimento dessa religião é creditado às suas origens européias, relacionadas ao catolicismo e ao espiritismo kardecista; africanas relacionadas ao candomblé e indígenas por sua ligação com as crenças dos povos nativos americanos. Esse vasto berço permitiu reunir numa só proposição religiosa dissidentes de três importantes religiões já constituídas: o catolicismo, o espiritismo kardecista e o candomblé. Outros aspectos considerados relevantes são os de possibilidade de mobilidade social, formação de identidade e o sentimento de pertencimento que reuniram em torno da umbanda segmentos excluídos da sociedade nacional por suas condições raciais ou econômicas. O trabalho realizado permitiu alguns avanços sobre a importância da umbanda para a elaboração de novas interpretações sobre a história do Brasil e maiores intervenções sobre o cenário cultural brasileiro. Nesse sentido, foram contemplados os pressupostos pela Lei 10.639/2003 e pela Lei 11.645/2008 , as quais determinam a inclusão de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos da educação básica, com disponibilização de informações acadêmicas sobre a religiosidade e a cultura afrobrasileira, com foco sobre os fundamentos e as práticas de umbanda no Brasil, com estudos multidisciplinares étnico-raciais com enfoque antropológico, sociológico, histórico, político e econômico. As considerações finais sobre o tema abordado é de que são necessários maiores estudos sobre o assunto, com recortes específicos sobre personagens, práticas e dogmas da umbanda que possam conceder argumentos e conhecimentos que contribuam para com a disseminação do respeito e da tolerância frente à diversidade cultural existente na sociedade brasileira. REFERÊNCIAS CONCONE, Maria Helena V. B. Umbanda: uma religião brasileira. Col. Religião e Sociedade Brasileira. São Paulo, CER-FFLCH da USP, 1987. EYN, Cido de Osun. Candomblé: A panela do segredo. São Paulo: Mandarim, 2000. 95 NEGRÃO, Lísias Nogueira. Umbanda: entre a cruz e a encruzilhada. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, 5(1-2): 113-122, 1994. NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1973) Umbanda e questão moral: formação e atualidade do campo umbandista em São Paulo. São Paulo. Tese de livre-docência. FFLCH-USP. PRANDI, Reginaldo. Modernidade com feitiçaria: candomblé e umbanda no Brasil do século XX. Tempo Social; Rev. Social. São. Paulo: USP, , 2(1): 49-74, 1.sem. 1990 SITOGRAFIA D’OGUM, João. A origem da umbanda. Disponível em: http://www.centroespiritaurubatan.com.br/estudos/o-que-e-umbanda.html. Arquivo acessado em 10 e setembro de 2012. 96 RESUMOS EXPANDIDOS 97 CULTURA MATERIAL E MEMÓRIAS SOBRE A COLONIZAÇÃO DO PAIQUERÊ NA REGIÃO DE GUARAPUAVA (PR) FÁBIO NOIMA PELOSI Ciências Sociais - FG Palavras-Chave: Colonos. Agricultura. Trabalho. Ferramentas. Memórias A presente pesquisa terá como periodização a ocupação promovida pelos colonizadores entre os anos de 1940 e 1990 e como localização espacial a localidade do Paiquerê, localizado numa faixa de fronteira entre os municípios de Guarapuava, Campina do Simão e Turvo. A fronteira entre Guarapuava e Campina do Simão é a estrada que chega na localidade, e o que limita Guarapuava e Turvo é o Rio Piquiri, que nasce nas proximidades da localidade. Situado no interior do município de Guarapuava (PR), fazendo fronteira geográfica com os municípios de Campina do Simão e Turvo, aproximadamente a 50 km do centro da cidade, a localidade do Paiquerê foi um contribuinte essencial para o desenvolvimento do município, pela riqueza de floresta que possuía no final dos anos 40,e mais aproximadamente em 1947. A colonização do Paiquerê se deu principalmente pela chegada de serrarias na região. As dificuldades em colonizar a região eram imensas e se não fosse o fato das serrarias abrirem caminho, continuaria sendo uma região com poucos moradores. Porém, antes da chegada destas madeireiras, já existiam moradores no interior, que foram tomados pelo espírito do desbravamento e pela coragem de enfrentar a floresta que era muito fechada, e ir abrindo carreiros para colonizar uma terra que por ser muito fértil, era bastante promissora. Por meio deste projeto manifesta-se o interesse na realização de uma pesquisa de campo junto os agricultores da comunidade, com a finalidade de apresentar aspectos da história, das formas e de técnicas de trabalhos, bem como da vida dos agricultores responsáveis pela colonização da região Centro-Oeste do Estado. 98 O objetivo geral é o de promover a revisão histórica da colonização do Paiquerê, na região de Guarapuava, em seus aspectos econômicos, sociais e culturais. Especificamente procurar-se-á descrever o trabalho realizado pelos pioneiros na colonização da região; identificar formas de cultivo da terra; Investigar quais eram as ferramentas utilizadas no manejo agrícola; entrevistar pessoas que viveram e colonizaram a região na época e analisar aspectos da colonização do Paiquerê que contribuíram para o desenvolvimento de Guarapuava. A pesquisa permitirá identificar as dificuldades enfrentadas pelos pioneiros, no cultivo da terra como condição de subsistência. O desenvolvimento da agricultura deve ter sido uma verdadeira aventura de desbravamento uma vez que a área rural de Guarapuava até os anos de 1945, era praticamente um sertão de mato, além de ser uma das maiores reserva florestal da América do Sul, conforme relatos feitos pelos autores que referenciam bibliograficamente o presente projeto. Entre as leituras que embasam a pesquisa estão algumas de cronistas viajantes do século XIX como Auguste de Saint-Hilaire e Robert Avé-Lallement que em suas incursões pelo Paraná, descrevem, por meio das obras Viagem pela comarca de Curitiba e Viagem pelo Paraná,como eram as paisagens sobre as quais nos reportaremos no decorrer desse trabalho. Interessante também será a abordagem do antropólogo Claude Levi-Strauss, que nos anos de 1930 percorreu as terras indígenas do Sul do Brasil e passou pela região de Guarapuava, conforme relato feito no livro Tristes trópicos. Na área econômica serão utilizadas referências de Caio Prado Junior, que na obra História econômica do Brasil descreve o processo de colonização da América Portuguesa. Ênfase será dada para aexpansão e a crise da produção agrária no início do século XX. Serão utilizadas também referencias de autores que tratam especificamente da história do Paraná e da região de Guarapuava, tais como: Temistocles Linhares, Nego Miranda, Tereza Urban, Jeorling J. Cordeiro Cleve, Gracita Gruber Marcondes e Walderez Phol da Silva. No decorrer da pesquisa procurar-se-á destacar dois aspectos: o da produção agrícola e o de instalação de madeireiras. A partir de 1920 a economia regional começava a girar em torno do comércio da madeira, 250 serrarias se instalaram na região,embrenhadas em meio aquela imensidão de mato. Tais serrarias iam abrindo 99 estradas e seguiam os carreiros feitos por poucos colonos que já tinham se instalados nas terras das cercanias de Guarapuava. Esse é o caso próprio do local dapesquisa em questão, a localidade do Paiquerê, a qual na época era um dos locais mais distantes do comércio de alimentos e de ferramentas, bem como dos serviços básicos de saúde, entre outros. Dos fatores expostos, resulta o interesse dessa pesquisa de campo, para identificar e relatar como sobreviviam os pioneiros que abriram caminhos em meio a mata para ocupar, povoar e colonizar a região de Guarapuava. Tendo como linha de pesquisa a Sociologia Agrária, pretende-se construir um referencial de investigação a partir de entrevistas e contatos com os moradores mais antigos da localidade. Aos depoimentos coletados será apensado um referencial bibliográfico consistente com a temática abordada além de fotografias e documentaçãosobre a colonização do Paiquerê. REFERÊNCIAS AVÉ-LALLEMANT, Robert. 1858, Viagem pelo Paraná. Coleção farol do Saber. Curitiba: Fundação Cultural, 1995. CLEVE, Jeorling J. Cordeiro. Povoamento de Guarapuava: cronologia histórica. Curitiba: Juruá, 2007. LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. LINHARES, Temistocles. Paraná Vivo. Coleção Brasil DiferenteCuritiba: Imprensa Oficial, 2000. MARCONDES, Gracita Gruber. Guarapuava: História de luta e trabalho. Guarapuava: Unicentro, 2008. PRADO JR. Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1980. SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pela comarca de Curitiba.Coleção Farol do Saber. Curitiba: Fundação Cultural, 1995. 100 AGRICULTURA FAMILIAR: COTIDIANO E TRABALHO DA COMUNIDADE DO ASSENTAMENTO JABUTICABAL NO MUNICIPIO DE GOIOXIM- PR. JAITON MIQUEIAS PASSOS ROCHA Ciências Sociais - FG O projeto de pesquisa apresentado trata-se de um estudo de caso estabelecendo o cotidiano e a identidade dos moradores de assentamento Jabuticabal em Goioxim – PR, trabalhando aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. O município de Goioxim possui, conforme dados do governo Federal, um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano - IDH do Paraná e localizado na região da Cantuquiriguaçu, conhecida entre os Territórios da Cidadania por possuir um dos IDHs menos desenvolvidos do Brasil, Goioxim possui um população de 7.993 habitantes, sendo que desses 6.254 residem no meio rural. Goioxim está dividido em 26 comunidades com aproximadamente 1.954 familias de pequenos agricultores. Caracteriza-se por possuir grande número de assentamentos, cerca de 11, com 382 famílias assentadas pela Reforma agrária. Os agricultores trabalham na produção de milho, feijão, fumo, soja, arroz, mandioca e na produção de leite. Devido a baixa produção das propriedades e pequena produtividade por área plantada os agricultores encontram-se descapitalizados. O tema a se desenvolver durante a pesquisa deve promover o acompanhamento do cotidiano e das formas de produção dos moradores do assentamento Jabuticabal em Goioxim (PR). O estudo abordará singularidades da vida nos assentamentos paranaenses por meio de um cronograma de ações que envolvem a metodologia científica da observação participante, com técnicas de pesquisa das três grandes áreas das ciências sociais: sociologia, antropologia e política. Serão fundamentais para a complementação do trabalho a coleta de informações sobre as condições de vida dos assentados, as atividades cotidianas, a agricultura familiar, os programas de sustentabilidades e as práticas culturais que 101 asseguram a formação de uma identidade própria das pessoas que vivem nos assentamentos rurais do Paraná. O objetivo geral de pesquisa é o de investigar aspectos sobre cotidiano e trabalho dos moradores do assentamento Jabuticabal no município de Goioxim (PR), observando-se aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. Os objetivos específicos são os de promover estudos teóricos estabelecendo conceitos e relações entre a agricultura familiar e a historia agrária; investigar aspectos históricos e sociais da ocupação e do assentamento; coletar dados sobre o cotidiano dos moradores e as formas de trabalho desenvolvidas na localidade; demonstrar as condições de vida e as expectativas dos moradores do assentamento; apresentar os resultados de pesquisa em seminários e eventos científicos para ampliar debates sobre a temática de estudo. Sobre a temática dos assentamentos rurais Emília Bandeira Perissato e Angélica Schiavão Bandeira procuram conceituar o termo e estabelecer relações entre tais áreas e a questão agrária de luta pela terra no Brasil: Os assentamentos rurais são áreas destinadas à reforma agrária. Terras improdutivas ou com outra irregularidade podem ser desapropriadas e destinadas para instalação de assentamentos. Terras devolutas também podem ser utilizadas para o mesmo fim. É importante destacar que os proprietários não perdem a terra; eles recebem o valor de sua propriedade e das construções realizadas. As áreas desapropriadas são destinadas a famílias que têm interesse em trabalhar no campo. Elas não ganham a terra; mas tem um plano especial de financiamentos e crédito, e um prazo para pagar. As propriedades em assentamentos não podem ser vendidas. As famílias assentadas podem ou não estar ligadas a um movimento de luta pela terra. (PERISSATO e BANDEIRA,2012, p.3) Para as autoras que realizaram estudos sobre o município de Querência do Norte (PR), a criação dos assentamentos não significa mudanças profundas na estrutura da posse da terra e nem culmina com o fim dos latifúndios, porém tal política de assentamentos permite o acesso à terra por parte de famílias que não contavam com tal benefício: Não podemos considerar assentamentos rurais como sinônimo de reforma agrária. A realização de assentamentos, tal qual vem sendo feita no Brasil, não proporciona alteração na estrutura fundiária em nível mais amplo; localmente os resultados são interessantes, pois o latifúndio se torna terra produtiva e famílias, antes sem terra, podem desenvolver suas atividades em busca de uma melhor qualidade de 102 vida. Todavia, isso não impede que outros latifúndios surjam, e nem extingue a concentração de posse da terra no Brasil.(PERISSATO e BANDEIRA,2012, p.4) O objetivo de estudo de este trabalho, é pesquisar acerca do assentamento de Jabuticabal localizado no município de Goioxim no estado do Paraná, levando-se em consideração que a questão agrária se tornou uma das ramificações da pesquisa sociológica inerentes ao meio acadêmico dos países latino-americanos. Maria Yeda Linhares afirma que essa linha de pesquisa ganha cada vez mais espaço no Brasil com o surgimento dos primeiros estudos relacionados às técnicas de trabalho agrícola e às relações do homem com a natureza.(LINHARES, 1997 p.165). No Assentamento Jabuticabal em Goioxim a Agricultura familiar é predominante, também como a bovinocultura de leite, devido ao relevo declivoso com poucas áreas planas dificulta a implantação de lavouras, onde se tem como principal atividade a produção leiteira. O morador do assentamento Oclides Miranda de Lima conhecido na região como “palito”, foi o primeiro a ser certificado no Paraná pela produção de leite orgânico pelo programa paranaense de certificação de produtos orgânicos, o produtor juntamente com sua família conseguiu certificar também a produção de hortaliças, grãos e frutas. De acordo com a engenheira agrônoma Carla Leite uma das executoras do programa, o processo de certificação iniciou-se em 2009, com o apoio da EMATER e o manejo orgânico tem origem nos laços familiares e no apoio e incentivo governamental por meio de políticas agrícolas desenvolvidas para os assentamentos. (EMATER, 2012) Linhares argumenta que apenas num segundo momento foram privilegiadas questões como as condições de vida e o cotidiano dos trabalhadores rurais e o imposto social da introdução de tecnologias agrícolas. Como se tem ressaltado tantas vezes, a historia da gente comum que trabalha, come, dorme, gera filhose saberes variado, e que na sua faina cotidiana transforma a natureza ao criar meios de substancia e técnicas, custou a entrar nas preocupações do pesquisador nas preocupações do 103 pesquisador como objeto de estudo. (LINHARES, ANO p.165). No que diz respeito ao impacto dos assentamentos ela observa que a falta de infraestrutura, aliada as dificuldades de estabelecimento na terra e a escassez de recursos para a agricultura familiar são fatores que exercem efeitos negativos sob a vida dos assentados e sobre os resultados da produção agrícola e/ou alternativa. Nesse sentido, ela avalia que a criação dos assentamentos e as expectativas que os rodeiam, bem como sua existência enquanto espaço de referencia para pequenos produtores, fazem com que o assentamento se torne um ponto de partida de novas demandas e reivindicações que são reivindicadas pelas comunidades assentadas junto ao poder publico com a finalidade de ampliar a capacidade organizativa e produtiva dos assentamentos. Leonilde Servolo de Medeiros analisa o perfil da população estudada indica os assentamentos vêm possibilitando o acesso a propriedade da terra para uma população historicamente excluída e que, embora mantendo anteriormente algum tipo de inserção no mercado de trabalho, o fazia em condições bastante instáveis e precárias. Segundo ela a questão agrária no Brasil caracteriza-se pela (re)emergência de diversas organizações rurais capazes de, novamente, erguerem a bandeira da reforma agrária e reivindicarem a ampliação do acesso à terra para a população sem terra do País. O resultado dessas lutas sociais concretizou-se em centenas de assentamentos rurais, hoje espalhados em praticamente todos os estados brasileiros. A autora, em suas obras, discute a multifacetada formação dessas novas áreas, a gênese e o desenvolvimento das formas de reivindicação e pressão social, o papel das organizações rurais e dos movimentos sociais, as tendências, evolução e marcas principais dos assentamentos rurais e as relações com o Estado e suas políticas, além de mapear os principais processos sociais desencadeados no período, em diferentes regiões, com a multiplicação destas novas áreas. Medeiros analisa também as dificuldades para os filhos dos agricultores, familiares se estabelecem como produtores, e considera que os assentamentos 104 representam nas regiões analisadas uma importante alternativa de trabalho e de acesso a terra para uma população de baixa escolaridade. Para ela a criação do assentamento tornou possível a essa população, centrar suas estratégias de reprodução familiar e de sustento econômico na produção de leite como é o caso da maioria das famílias que serão analisadas. Com isso os assentados acabam promovendo mudanças na cena política local e regional. A forte presença dos assentados nos espaços públicos e mesmo nas disputas eleitorais faz com que essa população conquiste uma identidade social representativa. Dessa forma acreditamos que passam a atuar como agentes sociais, transformando seu papel de oprimido em sujeitos de transformação social que lutam efetivamente por seus direitos. Será utilizada como referência pesquisa da EMBRAPA (2004) que demonstra que durante o século XX, a agricultura passou por um processo radical de transformações. Devido a sua integração à dinâmica industrial de produção e a constituição do complexo agroindustrial, com a alteração da base técnica e tecnológica da produção agrícola, assim como a composição das culturas. Neste mesmo período, houve um acúmulo enorme de conhecimento científico e tecnológico e é inegável que seus avanços foram cruciais para garantir a segurança alimentar de alguns povos (EMBRAPA, 2004 apud BRASIL 2004). As primeiras leituras feitas em torno do tema demonstram como surgiram os primeiros estudos para especificar as linhas de pesquisa voltadas para a agricultura, privilegiando - se as praticas agrícolas, ciências e técnicas agrícolas, modos de produção e meio ambiente. A partir dessas fontes e informações iniciais, pretende-se realizar a pesquisa proposta de modo a fazer cumprir os objetivos especificados no presente projeto, considerando-se os aspectos relacionados a educação, saúde, política, economia e cultura. 105 Escola do assentamento Jabuticabal em Goioxim (PR). Imagem Disponível em: http://www.portalcantu.com.br/portal/parana/goioxiim/item/4571-goioxim-jabuticabal-ganha-novaescola. Acessada em 19 de novembro de 2012. Para o desenvolvimento e conclusão do trabalho serão utilizadas serão utilizadas fontes bibliográficas com suporte teórico de autores relacionados à temática da história agrária e da agricultura familiar , bem como clássicos de economia e sociedade. Poderão ser utilizados dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e da EMBRAPA. Na pesquisa de campo junto ao assentamento que é objeto de estudo serão feitas visitas e fotografias bem como a realização de entrevistas com pessoas do assentamento. 8. REFERÊNCIAS ARL, Valdemar. Agricultura Familiar: Terra, Alimento e Vida. Passo Fundo- RS: Berthier, 2001. 106 GIRARDI, PAULON Brasil. A luta pela terra e a politica de Assentamentos rurais no Brasil: A reforma agraria conservadora. Agraria, São Paulo, 8, pp.73,98. Agos. 2008. LINHARES, Maria Yedda. Historia Agrária. In CARDOSO, Ciro Flamarion. Domínios da Historia: Ensaios de teoria e Metodologia. Rio De Janeiro: Elsevier, 1997. PRADO JR, Caio . Historia Econômica do Brasil.Ed 23°. Ed brasiliense 1980. SALLES, Julieta. Assentamentos rurais e produção de alimentos básicos: abordagem a partir de um estudo de caso. Cadernos de debate. São Paulo, V1. N1p 1-13. MAI.1995 WANDERLEI, Maria Nazaré Baude. A valorização da Agricultura familiar e areinvindicação da realidade no Brasil. Revista Desenvolvimento e meio ambiente, n2. P.29-37. Jul./Dez 2000. SITOGRAFIA COSTA, João Gabriel Burmann. Historia econômica do brasil. De Caio Prado Junior. Disponível em: http://www.slideshare.net/JGBurmann/resenha-de-histriaeconmica-do-brasil-de-caio-prado-jnior. Acessado em 9 de novembro de 2012. MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Os trabalhadores rurais na política: o papel da imprensa partidária na constituição de uma linguagem de classe. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/quatro/leo4.htm. Acessado em 21 de maio de 2012. NEVES, Erivaldo Fagundes. História agrária e história regional na perspectivasócio-econômica. Disponível em: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_II/erivaldo_fagundes_neves.pdf. Acessado em 9 de novembro de 2012. PERISSATO, Emília Bandeira e BANDEIRA, Angélica Schiavão. Assentamentos rurais e desenvolvimento local: O caso de Querência do Norte (PR). Disponível 107 em: http://www.dge.uem.br/semana/eixo4/trabalho_36.pdf. Acessado em 19 de novembro de 2012. VARGAS, Alexandre. Agricultura Familiar e Sustentabilidade.Disponível em: http://www.inagrodf.com.br/revista/index.php/SDR/article/viewFile/88/72. Acessado em 9 de novembro de 2012 EMATER DADOS - Disponível em: HTTP//http://www.redesuldenoticias.com.br/noticia.aspx?id=34537. Acessado em 9 de novembro de 2012.