DISCUTINDO A DIVERSIDADE ATRAVÉS DA LITERATURA
E DE FILMES INFANTIS
Graciele Fernandes Ferreira Mattos1
[email protected]
Silvana Sousa de Mello Neves2
[email protected]
1 INTRODUÇÃO
A diversidade vem ganhando destaque no novo paradigma mundial. Diversidade esta,
entendida como as diversas formas possíveis da existência humana que aqui, em particular,
abrange a discussão sobre as minorias excluídas socialmente, por apresentarem condições físicas,
intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas dentre outras diferentes dos padrões legitimados
pelo paradigma da modernidade. Neste sentido, ser negro ou branco, ser alto ou baixo, ser
homem ou mulher, ter deficiência ou não, ser rico ou pobre são apenas algumas das inúmeras
probabilidades de ser humano.
Desta maneira, entendemos que a literatura infantil e a mídia cinematográfica podem e
devem ser utilizadas pela educação como estratégias no processo de ensino-aprendizagem, com o
intuito de refletir sobre a diversidade, a fim de propiciar uma prática pedagógica que vise atender
a todos os alunos com qualidade, independente de suas características individuais que lhes são
próprias.
Vale ressaltar que em momento algum pensamos em deixar de contar histórias para
nossas crianças ou presenteá-las com belíssimas produções cinematográficas e sim, aproveitar
seu encantamento pelo mundo fantástico da imaginação levando-as a perceber e respeitar as
diferenças.
A presente oficina teve como finalidade traçar o cenário do mundo Atual que vem
rompendo com as concepções de mundo e de homem construídas no período histórico da
Modernidade, refletindo e problematizando tais questões através da literatura infantil,
principalmente dos livros: O patinho feio (Hans Cristian Andersen); O coelhinho que não era de
1
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora e professora do Departamento de Psicologia e
Orientação Educacional da Faculdade de Educação da UFJF e do curso de Especialização em Educação e
Diversidade da Faculdade de Educação da UFJF.
2
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, professora da Rede Municipal de Ensino de Juiz
de Fora e do curso de Especialização em Educação e Diversidade da Faculdade de Educação da UFJF.
2
páscoa (Ruth Rocha); Menina bonita do laço de fita (Ana Maria Machado); A cor da vida
(Semíramis Paterno); Um amigo diferente? (Claudia Werneck) e O campeão (Carmem Lúcia
Campos) e do filme O Corcunda de Notre Dame, um clássico da Walt Disney que nos desvela
padrões e concepções consolidadas na Modernidade.
Os clássicos literários e cinematográficos, em sua maioria, produzidos a partir de livros
escritos ainda na Modernidade, carregam em suas imagens e textos o apontamento e marcação do
diferente em detrimento das diferenças inerentes ao ser humano. Padrões de comportamentos a
serem seguidos, segregação dos considerados desviantes do padrão, estigmas, preconceitos e
estereótipos são veiculados a todo instante e vêm se perpetuando entre nossas crianças e jovens.
Tais características devem ser problematizadas e refletidas tendo como base as construções e
desconstruções sociais.
2 MODERNIDADE E O SUJEITO PADRÃO
Historicamente, o ser humano percorreu o caminho que vem da exclusão, constatada
ainda na Antigüidade, no intuito de chegar à celebração da diversidade, o que podemos chamar
de paradigma da inclusão, que contempla todas as formas de existência humana. A sociedade
passou por três grandes momentos de mudanças: O Advento do Cristianismo, que teve como
demarcação de tempo a passagem de Jesus Cristo, separando-o em antes e depois; O
Renascimento, na Idade Média, que deu início à Modernidade e o terceiro sendo o momento
Atual3, onde convivem pensamentos da era Moderna e da Atualidade, demarcando o movimento
de ruptura e início do deslocamento de concepções que gera uma outra visão de mundo e de
homem.
Com o advento do Cristianismo, ambas as categorias, criança e pessoas com deficiência,
passaram a ser consideradas sagradas, merecendo a proteção da sociedade. Dessa forma, não era
mais concedido o direito de exterminá-las oficialmente, no entanto sabemos que isso não deixou
de acontecer e que hoje ainda acontece em algumas sociedades.
3
Denominamos o momento Atual por Atualidade e não Pós-modernidade, como muitos autores definem, por
considerar o referido período como o de transição entre os pressupostos da Modernidade e uma nova era que ainda se
encontra em construção.
3
Ao longo da Idade Média, no entanto, atitudes contraditórias se desenvolveram com
relação às pessoas com deficiência, já que, ao serem consideradas filhas de Deus, não mais eram
abandonadas à própria sorte ou exterminadas e sim segregadas e confinadas em asilos.
Este processo, denominado institucionalização, substituiu, de certa forma, em algumas
sociedades, o suplício4 antes comumente praticado.
A institucionalização serviu e serve ainda hoje para segregar e manter as categorias
excluídas longe do convívio social. Assim,
a posição de cada indivíduo estaria definida conforme o espaço a ele destinado
em um determinado ambiente sociocultural (...). Muito da sua dificuldade de
inserção social e de expansão de seus horizontes de realização decorre do seu
enquadramento num espaço ínfimo para ele reservado e por ele ocupado no
cenário social (CMARQUES, 2001, p. 34).
A instituição torna-se mais eficiente por dar a idéia de caridade, bondade para com o
excluído, protegendo-o das maldades da sociedade, porém, como veremos mais adiante esta não é
a verdadeira intenção de tal processo.
Até a Idade Média, pelo discurso religioso, acreditava-se que Deus tinha controle
absoluto de tudo que o homem pensava e fazia. A idéia era de que o homem foi criado à imagem
e semelhança de Deus e Ele tudo comandava.
A partir do Renascimento, mudanças significativas começaram a ser desencadeadas, tanto
no aspecto científico e social, quanto no político, econômico e filosófico, contrapondo-se à visão
Teocêntrica da Idade Média. Sendo assim, o conhecimento, o mundo e o sujeito passaram a ser
percebidos de outra maneira.
A visão teológica, tradicional e supersticiosa, foi substituída por uma visão científica,
Antropocêntrica, baseada na razão, inaugurando a Modernidade. Isso causou no homem uma
instabilidade não só filosófica, de conhecimento, mas, acima de tudo, psicológica, visto que, a
partir de então, ele deixou de ser um ser passivo e foi forçado a se assumir como sujeito histórico,
que participa e transforma a realidade em que vive. Dessa maneira, toma-se consciência de que o
conhecimento pode ser construído pelo homem e não somente reproduzido.
A ciência foi um dos principais instrumentos responsáveis por esta ruptura. Na Idade
Média, o ser humano era visto como incapaz de produzir o conhecimento, subordinado aos
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Foucault (1989) define suplício como castigo ou pena corporal dolorosa, cuja imaginação dos homens para a
barbárie e a crueldade é um fenômeno inexplicável.
4
preceitos da igreja, sendo incapaz de pensar por si próprio. A tomada de consciência, na
Modernidade, de que o homem era capaz de agir e pensar por conta própria fez com que ele se
lançasse no mundo como sujeito e não mais como objeto. Daí recorreu-se ao conhecimento
científico, para garantir seu novo lugar perante o universo, tendo a necessidade psicológica de se
afirmar como sujeito.
A partir de então, a ciência assumiu estatuto científico, passando a ter grande importância
como tinha o saber religioso na Idade Média, tornando-se também um dogma, isto é, verdade
absoluta, priorizando as ciências físicas e naturais. A Anatomia foi a que mais se desenvolveu, já
que antes o corpo era tido apenas como um instrumento de reprodução. O homem moderno,
sentindo a necessidade de se conhecer melhor, fez uma separação entre as coisas do homem e as
da natureza, supervalorizando a ciência como algo inquestionável.
Daí tem-se a falsa pretensão de que tudo poderia e deveria ser explicado apenas pelo saber
científico. Legitima-se tal conhecimento, nomeando algumas pessoas como “especialistas”, que
em nome desse saber científico, passam a ter o poder sobre a vida e a morte das pessoas,
principalmente daquelas que se enquadravam fora do padrão universal estabelecido, decidindo se
essas deveriam conviver ou não na sociedade, bem como delimitando o espaço a ser freqüentado
por elas, colocando-as em instituições.
A transição da era medieval para a Modernidade se caracteriza pela construção, difusão e
imposição de padrões e instrumentos de medidas, sendo o princípio do universal a característica
maior da Modernidade.
Esta, trazendo em si a idéia do absoluto, do ideal, veio, então, dar estatuto de legitimação
à exclusão arrastada desde a Antigüidade, através do estabelecimento de padrões, deixando à
margem do sistema social aqueles que não conseguiam os resultados esperados, ressaltando,
desta forma, a homogeneização e a hierarquização que instituem o sujeito padrão.
O estabelecimento de padrões e a demarcação das pessoas e de seus comportamentos
dentro ou fora deles, retrata o poder que estava imposto nesta nova visão dicotômica de sociedade
Moderna que, instaurando as dualidades nos aspectos ético, estético e econômico, demarca quem
pode e quem não pode fazer parte dessa nova ordem social, através da concepção de corpo
produtivo trazida pelo Capitalismo.
A tendência é considerar como normais os padrões da classe dominante. Assim, como
herança tem-se, dentre muitas outras, as polaridades: melhor/pior, capaz/incapaz/, bom/mau,
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válido/inválido, normal/anormal, sendo a última importante foco para fundamentação deste
trabalho.
De acordo com CMarques (1994, p. 80),
a visão funcionalista de sociedade faz com que a mesma seja vista como um
corpo estruturado, com órgãos, e onde cada órgão tem uma função social muito
precisa. Da mesma forma que no corpo humano, os órgãos devem se relacionar
entre si, trazendo uma harmonia fisiológica para esse corpo. Para que se
mantenha o equilíbrio, não deve existir órgãos estragados ou em mau
funcionamento.
O sentido de anormalidade é bem definido por CMarques (2001, p. 50), como
“contraponto necessário para a construção do sentido de normalidade.” O homem moderno cria o
conceito de normalidade para se sentir seguro e afirma-se psicologicamente como estando no
caminho certo. Assim, a sociedade começou a se organizar e a se disciplinar para atender às
necessidades dos indivíduos, com base em valores previamente estabelecidos como normais.
Dessa forma, os considerados desviantes ou anormais eram vistos como desestruturadores
da ordem e do bom funcionamento social. Sendo assim, as vítimas das patologias sociais, com
desvios de normalidade, são, permanentemente, vigiadas e excluídas do convívio social, sofrendo
discriminações e sendo condenadas a viver à margem da sociedade como desviantes da
normalidade para que não “contamine” o restante da sociedade.
Nesta perspectiva, categorias de anormais foram se concretizando, sendo a pessoa com
deficiência a mais evidenciada dentre elas, porém, neste contexto de exclusões sociais, que
constitui a formação ideológica dominante, não escapava qualquer indivíduo que se diferenciasse
do padrão. Daí, também a criança, o negro, o homossexual, a mulher, o velho... todos foram
sendo colocados à margem da sociedade.
Este fato pode ser analisado como um dado social, já que as formas de discriminação, de
opressão e de controle se dão nas relações sociais. Conforme CMarques (2001), a anormalidade
está fundamentada no pensamento Moderno, para se instituir a noção do normal, podendo assim
excluir realidades, constituindo um mundo de acordo com suas próprias preferências e
semelhanças. Sendo assim, o anormal é considerado o inadaptado, aquele que não se ajusta aos
padrões da sociedade, um desviante e, por sua vez, estigmatizado, estereotipado e marginalizado
do processo.
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Conseqüentemente, estabelecidos os critérios de “pertencimento” ou não à faixa de
normalidade, a sociedade passa a avaliar seus membros conforme parâmetros por ela mesma
definidos.
Sant’Anna (1988), ao analisar o processo de controle e discriminação do desvio, conceitua
como “normal” aquilo que é reto, perpendicular e “anormal” como sendo qualquer coisa que se
incline para a direita ou para a esquerda. A partir daí, identifica dois critérios para detectar o
anormal: o critério ontológico e o estatístico. O primeiro se dá quando o indivíduo desviante se
afasta do modelo ideal e o segundo, quando o desviante não se enquadra estatisticamente na
maioria dos casos de uma determinada cultura.
Uma vez detectados por sua suposta anormalidade, tais sujeitos são isolados ou carregam
as marcas dos preconceitos e dos estigmas, criados historicamente e facilmente identificados em
nossa sociedade.
O tratamento dispensado à diferença está intimamente ligado à trama de relações sociais.
Diz-nos Omote (1990, p. 11):
Não é algum atributo ou comportamento que tem inerente nele esse
caráter algo especial. Depende de como esse atributo ou comportamento
é interpretado pelo grupo social. Em função dessa interpretação é que um
atributo ou um comportamento adquire o sentido de desvio ou de
deficiência.
São os grupos sociais que criam as regras sociais e, por conseguinte, criam o desvio
rotulando os indivíduos como marginais e desviantes. Dessa maneira se manifestam as diversas
formas de controle, discriminação e opressão para com os considerados desviantes
(CMARQUES, 1994).
Foucault (1999) identifica e explicita três passos trilhados pelo pensamento moderno para
trabalhar com o desvio: a conceitualização; o isolamento ou institucionalização e a transferência
para o plano simbólico.
A conceitualização se refere à teorização do normal e do anormal para defender e
justificar a normalidade do homem moderno, como já discutimos.
O isolamento em instituições serviu para segregar as pessoas sob a proposta de beneficiálas com tratamento, cura, recuperação, reabilitação, proteção, educação e/ou treinamento para que
estas, futuramente, pudessem ser reconduzidas ao convívio com as demais pessoas. Assim sendo,
criou-se uma “estrutura paralela” sob a forma de hospitais psiquiátricos, asilos, escolas especiais,
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dentre outras instituições, sob a desculpa de proteger os isolados da sociedade; todavia, a
existência dessa “estrutura paralela”, segundo CMarques (1994), inverte o sentido do papel
atribuído às instituições assistencialistas, pois a maior beneficiária desse processo é a sociedade e
não o indivíduo assistido. Reforça-se ainda mais o aspecto negativo do desvio, facilitando a
identificação das pessoas assistidas por esta estrutura e evidenciando o preconceito e a
discriminação.
Por último, a transferência do concreto para o “plano simbólico”, discursivo. Os ditos
normais foram legitimados a falar sobre e por aqueles que estavam isolados. Assim se deu o
surgimento dos especialistas (Terapeuta, Psiquiatra, Orientador e Supervisor Escolar, por
exemplo), que foram autorizados a falar e tomar decisões pelos “isolados” como detentores do
saber científico.
Foucault (1985, 1989), ao longo de sua obra, mostra como os mecanismos sociais são
construídos e como funcionam. Valoriza o poder do discurso que consolida no “plano simbólico”
a exclusão, pois trabalha no plano imaginário, criando um discurso, consolidando uma imagem e
alimentando os preconceitos e os estereótipos.
No que tange ao preconceito, Amaral (1998) afirma que:
Como a própria construção da palavra indica, é um conceito que formamos
aprioristicamente, anterior, portanto à nossa experiência. Dois são seus
componentes básicos: uma atitude (predisposições psíquicas favoráveis ou
desfavoráveis em relação a algo ou alguém - no caso aqui discutido,
desfavorável por excelência) e o desconhecimento concreto e vivencial desse
algo ou alguém, assim como de nossas próprias reações diante deles (p. 17).
A mesma autora acrescenta que a concretização e a personificação do preconceito se dão
através dos estereótipos, e que a todo o momento, deparamos com eles: negros, judeus,
homossexuais, prostitutas, deficientes, dentre outros.
Afirma ainda “que as ações e os comportamentos discriminatórios, dirigidos a um alvo
específico (pessoas ou grupos significativamente diferentes), concretizam-se em relações
interpessoais mediadas por estereótipos” (AMARAL, 2002, p. 237). Dessa forma, afirma
existirem alguns tipos de estereótipos, ou seja, de concretizações de nossos conceitos e
preconceitos: os particularizados no caso das pessoas com deficiência, como, por exemplo, o
deficiente físico ser “o gênio intelectual” ou o cego “o gênio musical”; existem também três
outros estereótipos generalistas que são empregados cotidianamente, não só às pessoas com
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deficiência, mas a todos aqueles apontados ideologicamente como diferentes, como
exemplificado acima, pelos meios de comunicação, pelo teatro, pela música, pela literatura...
estes são compostos pelos estereótipos de herói, vilão e vítima.
Ao primeiro cabe sempre o papel daquele que supera todos os obstáculos,
ultrapassa todas as barreiras, é “o bom” – corporificação do bem – e até mesmo
o melhor; ao segundo cabe o papel de agente desestruturador, destrutivo, de ser
“o mau” – corporificação do mal; ao terceiro cabe o papel de impotente, de
coitadinho (AMARAL, 1998, p. 18).
Outra maneira muito utilizada para discriminar seria os estigmas, ou seja, as “marcas
negativas” (Goffman, 1988) que na Modernidade deixaram de ser marcas corpóreas, para serem
simbólica, ou seja, manifestações práticas das relações culturais de rejeição daqueles que se
distinguem, pejorativamente, das demais pessoas. Muito mais do que um dado cultural, tais
manifestações assumem um papel filosófico no processo de construção dos valores éticos e
políticos dos povos (CMARQUES, 1994).
Sendo assim, de acordo com Amaral (2002, p. 238), que compartilha das proposições de
Goffman (1988):
O estigma não está referido a determinadas características (etnia, classe social,
origem, orientação sexual, deficiência etc.), mas sim à leitura social que delas é
feita no contexto das relações interpessoais - nessas relações, que o autor chama
de “mistas”, campos de força antagônicos se explicitam a partir dos
posicionamentos de dois atores sociais: o estigmatizador e o estigmatizado.
Algumas conseqüências drásticas advêm quando o estigma está presente: há a
desumanização/coisificação daquele que o recebe e há a potencialização
daquele que o impinge. Ao primeiro cabe o lugar da falta, da falha e do erro; ao
segundo o da completude e do acerto.
Na vida social, a demarcação de fronteiras e a classificação determinam esta relação de
poder, o qual separa a sociedade em grupos bem definidos, de dominantes que impõem seus
valores aos dominados num processo de hierarquização. As oposições binárias nós/eles,
masculino/feminino, determinam a categorização e por conseqüência a normalização, que é
arbitrária, ao eleger um padrão a ser comparado, avaliado e hierarquizado.
De acordo com CMarques (2001, p. 36), “o poder de vigilância - e em muitos casos o
próprio poder de punição - é assim exercido por todos os membros da sociedade, uns sobre os
outros, de modo a assegurar a reciprocidade necessária para a manutenção da ordem.”
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Esta estratégia é descrita por Foucault (1985) como o “panoptismo”, isto é, condição na
qual todos, ao mesmo tempo, são vigiados e vigilantes.
Como podemos perceber, na Modernidade o mundo e, conseqüentemente o homem,
foram definidos a partir de padrões previamente estabelecidos, sendo socialmente marginalizados
aqueles indivíduos que diferiam da considerada “normalidade”. Contudo, novas formas de se
pensar o mundo estão sendo colocadas em prática, abrindo caminhos para diferentes maneiras de
concebermos a vida humana. Isso é o que veremos ao refletirmos sobre a Atualidade.
3 ATUALIDADE E O SUJEITO DIVERSO
Com base na tese de CMarques (2001), o final do século XX caracterizou-se como um
período de grandes transformações, as fronteiras perderam seus limites, o mundo se abriu
totalmente às janelas da Atualidade. O espaço está cada vez mais expandindo-se; a indústria das
telecomunicações tem se desenvolvido intensamente, proporcionando redes mundiais de
comunicação informatizada, como a internet que possibilita ao homem locomover-se
virtualmente pelas várias direções do espaço.
Por conseguinte, velhas concepções e idéias da Modernidade estão sendo desconstruídas e
inicia-se a construção de novas tomadas de decisões, estabelecendo-se novos discursos com
diversos sentidos.
Essa abertura do espaço social e a facilitação de acesso a todos os locais por todos os
cidadãos, real ou virtual, possibilitam pensar na retirada de barreiras arquitetônicas, de modo a
privilegiar o relacionamento e o reconhecimento de que a inserção social do cidadão é uma
condição inerente à existência humana.
Para o fenômeno da globalização, que possibilita pensar o novo partindo de inovações
tecnológicas e científicas e não da elaboração de projetos sociais, importa mais a capacidade de
acessar as informações e não o acúmulo de conhecimento proveniente da memorização de
informação (CMARQUES, 2001).
O advento das transformações tecnológicas vem provocando mudanças substanciais no
cenário e principalmente na dinâmica do mundo Atual. O novo modo de organização cultural,
política e econômica reflete diretamente nas relações, tanto em seus aspectos interpessoais,
quanto nos sociais.
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Novas perspectivas começaram a surgir na Atualidade. Pouco a pouco, a ideologia da
exclusão começa a ceder lugar à valorização da diversidade humana e ao direito à diferença, na
medida em que conceitos e práticas assumem cada vez mais um caráter efêmero e de
possibilidades múltiplas. Acompanhamos à construção de um novo entendimento do que seja
normalidade e deficiência e, por conseqüência, novas formas de lidar com tal condição,
principalmente no campo educacional. Portanto, ao falarmos do paradigma da inclusão, nos
referimos a todas as formas possíveis da existência humana, conforme elucidamos anteriormente.
Tais questões, ao se entrecruzarem com a crise da Educação, colocam inúmeros desafios
no momento de se pensar um projeto de recuperação e requalificação da escola e da sociedade. O
principal desafio, de acordo com Bonamino e Brandão (2002), é o de encaminhar uma proposta
política de educação, que diminua os problemas da escola e viabilize alternativas às questões
postas pela complexidade conjuntural da discussão sobre esta. E isto, sem abandonar as
exigências de uma educação comum para atender a uma população diversa.
Diante disso, a educação deve retomar seu compromisso de transformação social, sendo
capaz de organizar uma sociedade em torno da solidariedade, igualdade e liberdade, conceitos e
atitudes que durante toda a vivência humana foram compreendidos, mas que na prática, até então,
nunca foram, de fato, garantidos e tidos como direitos de toda a humanidade.
Percebemos que a diferença no contexto do mundo Atual ainda não é aceita, porque
perturba, uma vez que possibilita que cada um se lembre de suas próprias limitações, de suas
fragilidades, de seus defeitos; por isso que a mulher perturba o homem, os fracos perturbam os
fortes, os altos perturbam os baixos, as pessoas com deficiência perturbam as pessoas que não
têm deficiência.
E esta nossa incapacidade de lidar com a diversidade humana é construída e legitimada
principalmente em nossa formação escolar e acadêmica. Nossa educação nos prepara para lidar
com o que se encaixa em nosso padrão de normalidade preestabelecido. Estudamos sobre o outro
de acordo com as concepções e conhecimentos que temos desse outro, mas na realidade não o
conhecemos, pois não o deixamos manifestar-se, emergir entre nós, ser conhecido de fato, uma
vez que estamos sobre a ilusão de normalidade que nos impede de conhecermos uns aos outros
(SKLIAR, 2002).
Ferré (2001) elucida que não existem identidades especiais e sim diversidade humana,
mas, lamentavelmente, a sociedade e suas organizações, principalmente as educacionais, insistem
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em fazê-las existir. Esta existência se faz a partir dos padrões de normalidade instalados
previamente aos sujeitos, antes mesmo de seu nascimento, pois não é permitido o surgimento de
algo novo, inesperado, e sim de algo antes determinado, definido, limitado ao já desejado.
Segundo Guirado (1998, p. 197) todas as instituições sociais, inclusive a escola, são
ocasiões para a reprodução da mesmidade e para a produção da diferença, uma vez que diante de
tantas certezas quanto à metodologia adequada, à boa relação professor-aluno, à melhor forma
para a aprendizagem, a escola institui certos padrões de conduta, de pensamento e de discurso. A
escola demarca nossos lugares e prevê nossos papéis.
Larrosa (1998) fala da importância de não definirmos a priori o que o outro, enquanto
sujeito, deve ser, pois é algo que não podemos antecipar. Não é presa de nosso poder, mas requer
nossas iniciativas, não está no lugar que lhe damos, mas requer um lugar que o receba.
É neste sentido que a literatura e a mídia cinematográfica podem servir à educação como
estratégias que propiciam discutir, desmistificar e repensar padrões de comportamentos
estabelecidos na Modernidade e que ainda hoje são veiculados, sem serem questionados.
Estamos diante de uma mudança paradigmática, na qual o mundo e nós educadores
devemos nos apresentar abertos à aparição de algo novo, que devemos receber, quem sempre por
nós foi negado, afastado, mesmo que para recebê-lo tenhamos que renovar todas nossas crenças,
concepções e estruturas. Este é o paradigma da inclusão. “O nascimento constitui a possibilidade
de tudo quanto escapa ao possível ou, em outras palavras, do que não está determinado pelo que
sabemos ou pelo que podemos” (LARROSA, 1998, p. 81).
A proposta de uma Educação Inclusiva deve passar pelo crivo da discussão sobre a
identidade, diferença, diversidade, alteridade, mesmidade e outridade. No geral, segundo Silva
(2000), a posição socialmente aceita e pedagogicamente recomendada é de respeito e tolerância,
que de acordo com Skliar (2003), é entendida como um sentimento de não reconhecimento do
outro; de simplesmente suportá-lo, mas não aceitar e conviver com este de fato; não estabelecer
uma relação pautada pela alteridade.
Tomamos aquilo que somos como referência àquilo que não somos. A diferença pode ser
considerada como um produto derivado da identidade, pois “as afirmações sobre diferença só
fazem sentido se compreendidas em sua relação com as afirmações sobre a identidade” (SILVA,
2000, p. 75).
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Em conformidade com o pensamento de Ferré (2001), nossa identidade se constitui a
partir do outro, tomando por base sua própria identidade. Portanto, identidade e diferença são
processos fabricados por nós nas relações sociais e culturais.
A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam em operações de incluir e
de excluir, demarcar quem está dentro e quem está fora. Para Silva (2000), a identidade está
sempre ligada a uma forte separação entre “nós” e “eles”. E esta demarcação de fronteiras afirma
e reafirma relações de poder.
Assim, como a definição da identidade depende da diferença, a definição do normal
depende da definição de anormal. A definição daquilo que é considerado desejável, aceitável,
natural, é inteiramente dependente da definição daquilo que é considerado abjeto, rejeitável e
antinatural.
O papel da escola diante desse sistema de representação seria possibilitar em seu currículo
e práticas o desenvolvimento da criticidade e questionamento dos sistemas e formas dominantes
de representação da identidade e diferença.
A identidade é instável, contraditória, fragmentada e inconsistente. Está ligada a estruturas
discursivas e narrativas; está ligada a sistemas de representação (SILVA, 2000). A questão da
identidade, da diferença e do outro é um problema social e pedagógico. Social porque vivemos
em um mundo heterogêneo e o encontro com o outro é inevitável. Pedagógico porque além da
escola ser também um espaço atravessado pela diversidade, esta problemática de identidade e
diferença deve perpassar o currículo escolar.
Perante a exposição que traçamos quanto às nossas concepções sobre os termos
identidade, diferença e diversidade, fazemos a defesa pelo deslocamento da formação ideológica
da exclusão e segregação, rumo à formação ideológica inclusiva, na qual os sujeitos deixam de
ser percebidos como os diferentes, para serem concebidos em suas diferenças, ou seja, em sua
diversidade.
Para tanto, não podemos esperar que a sociedade, assim como a escola, se prepare para
lidar com tal diversidade, pois isso só acontecerá a partir do momento que todos estiverem
participando e convivendo em sociedade, ou seja, quando todos tiverem que lidar com essa
diversidade, ressignificando seus conceitos.
Assim sendo, a literatura infantil e a mídia cinematográfica são importantes instrumentos
para a discussão e a reflexão do exposto no texto. Sabemos que existem diversas maneiras de
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utilização de tais recursos didáticos, comumente usados na sala de aula, e nossa intenção foi
apresentar mais uma alternativa para o uso destes, visando propiciar o desenvolvimento, a
aprendizagem e, enfim, uma educação integral a todos os alunos sem distinção.
Enfim, como bem sintetiza Marques e Marques (2003, p. 239), “não há um caminho a se
trilhar, mas a se construir (...) Assumir a diversidade é, em suma, assumir a vida como ela é: rica
e bela na sua forma plural de ser vida”. É construir um novo sentido ético e moral para viver e
conviver socialmente.
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discutindo a diversidade através da literatura e de filmes