Poemas de Wislawa Szymborska, traduzidos do inglês por Guto Cavalcanti e Josette Monzani. Tomada a morte, sem exagero Ela não pode fazer uma piada encontrar uma estrela, construir uma ponte. Ela nada sabe sobre tecelagem, mineração, agricultura, construir navios, ou assar bolos. No nosso plano para o amanhã, ela tem a última palavra, que está sempre ao lado do ponto. Nem mesmo pode tomar parte nas tarefas que fazem parte do seu comércio: cavar uma sepultura, fazer um caixão, limpar tudo depois de si. Preocupada com o matar, ela faz o trabalho desajeitada, sem sistematização ou habilidade. Como se cada um de nós fosse a sua primeira morte. Ah, ela tem seus triunfos, mas olhe para os seus incontáveis fracassos, sopros perdidos, e tentativas de repetição! As vezes, ela não é forte o suficiente para golpear uma mosca no ar. Muitas são as lagartas que a superam. Todas esses bulbos, vagens, tentáculos, barbatanas, traquéias, pluma nupcial e peles de inverno mostram que ela tem ficado para trás com o seu trabalho meia-boca. A vontade da doença não basta e até nossa 'maõzinha' com guerras e golpes de estado não é suficiente. Corações batem dentro de ovos. Esqueletos de bebês crescem. Sementes, em trabalho duro, brotam o seu primeiro pequenino par de folhas e, às vezes, até mesmo árvores altas seguem seu curso. Quem afirma que ela é onipotente está ele mesmo provando que ela não é. Não há vida que não possa ser imortal pelo menos por um momento. Morte sempre chega ao momento atrasada. Em vão ela puxa a maçaneta da porta invisível. Tão logo você veio não pode ser desfeito. Possibilidades Prefiro filmes. Prefiro gatos. Prefiro os carvalhos ao longo de Warta. Prefiro Dickens a Dostoievsky. Prefiro-me gostando de indivíduos a mim mesma amando a humanidade. Prefiro manter uma agulha e linha à mão, em caso de precisão. Prefiro a cor verde. Prefiro não suster que a razão é a culpada de tudo. Prefiro exceções. Prefiro sair mais cedo. Prefiro falar com os médicos sobre outra coisa. Prefiro as antigas bem alinhadas ilustrações. Prefiro o absurdo de escrever poemas ao absurdo de não escrever poemas. Prefiro, quando o amor diz respeito, aniversários inespecíficos que podem ser comemorados todos os dias. Prefiro moralistas que me prometem nada. Prefiro bondade astuta ao tipo super confiante. Prefiro a terra à paisana. Prefiro conquistados a países conquistadores. Prefiro ter algumas reservas. Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem. Prefiro os contos de fadas dos Grimms às primeiras páginas dos jornais. Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas. Prefiro cães com caudas descortadas. Prefiro os olhos claros, uma vez que os meus são escuros. Prefiro gavetas. Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui a muitas coisas que também deixei não ditas. Prefiro os zeros à solta àqueles alinhados atrás de uma cifra. Prefiro o tempo de insetos ao tempo de estrelas. Prefiro bater na madeira. Prefiro não perguntar quanto tempo e quando. Eu prefiro manter em mente a possibilidade de que a existência tem sua própria razão de ser. Utopia Ilha onde tudo se torna claro. Chão sólido debaixo dos pés. As únicas estradas, aquelas que oferecem acesso. Arbustos curvam-se sob o peso das provas. A Árvore das Suposições Válidas cresce aqui com ramos desembaraçados desde tempos imemoriais. A Árvore do Entendimento, deslumbrantemente reta e simples, brota pela primavera chamada Agora Eu Entendi. Quanto mais espessos os bosques, mais vasta a vista: o Vale dos Obviamente. Se algumas dúvidas surgem, o vento as dissipa instantaneamente. Ecos agitam-se sem citar e ansiosamente explicam os segredos dos mundos. À direita, uma caverna, onde o Significado repousa. À esquerda, o Lago das Convicções Profundas. A verdade verte do profundo e move-se para superfície. Inabaláveis torres da Confiança sobre o vale. Seus picos oferecem uma excelente vista da Essência das Coisas. Apesar de seus encantos, a ilha está desabitada, e as pegadas fracas espalhadas em suas praias apontam sem exceção para o mar. Como se tudo o que você possa fazer aqui é deixar e mergulhar, para nunca mais voltar, nas profundezas. Na vida insondável. As Três Palavras Mais Estranhas Quando eu pronuncio a palavra Futuro a primeira sílaba já pertence ao passado. Quando eu pronuncio a palavra Silêncio, Eu o destruo. Quando eu pronuncio a palavra Nada, Eu faço algo que nenhum não-ser pode reter. O Prazer da Escrita Por que a palavra corça surge em meio a esse bosque escrito? Para bebericar água da primavera descrita cuja superfície copiará seu focinho mole? Por que ela levanta a cabeça; será que ouve alguma coisa? Debruçada sobre quatro pernas finas emprestadas da verdade, ela pica até as orelhas sob os meus dedos. Silêncio - esta palavra também se agita por toda a página e parte os ramos que surgiram a partir da palavra "bosque". De emboscada, definidas para atacar a página em branco, estão palavras não muito boas, garras de cláusulas tão subordinadas que nunca irão deixá-la ir embora. Cada gota de tinta contém um suprimento justo de caçadores, equipados com olhos apertados por trás de suas vistas, preparados para mergulhar a inclinada caneta a qualquer momento, cercar a corça e lentamente apontar as suas armas. Eles se esquecem de que o que está aqui não é vida. Outras leis, preto no branco, valem. O piscar de olhos vai demorar tanto quanto eu disser, e, se eu quiser, será dividido em pequenas eternidades cheias de balas, paradas em pleno voo. Nada vai acontecer, a menos que eu diga. Sem a minha bênção, nem uma folha cairá, nem uma lâmina de grama irá se dobrar sob aquele pequeno casco. Há então um mundo onde eu governe absolutamente o destino? Um tempo que eu ligue com cadeias de sinais? Uma existência tornada interminável sob meu lance? O prazer da escrita. O poder de preservação. Vingança de uma mão mortal.