O OLHAR DO EDUCADOR INFANTIL FRENTE AO DESENHO INFANTIL E SUAS
CONTRIBUIÇÕES 1
Renata Morais Araújo*
Maria Helena Dias Fratari**
Resumo
O presente artigo tem como objetivo refletir sobre o que pensa o professor ao ver a produção
de desenhos da criança e como os entende? Onde o professor deverá procurar informações
para entender esses desenhos?Busca-se imprimir um novo olhar sobre como o desenho poderá
proporcionar o desenvolvimento do pensamento e conhecimentos no processo de ensino e
aprendizagem na educação infantil? No ato de desenhar a criança age e interage com o meio,
um simples rabisco pode demonstrar os anseios e realidades da criança? Assim, o professor
observará que os desenhos devem ser criados pelas crianças e não estereotipados pelos
professores da escola em coleção nas paredes. Por meio de pesquisa bibliográfica verificou-se
que o desenho na Educação Infantil é de suma importância, pois a leitura de um simples
desenho pode revelar aspectos sobre a vida da criança até então desconhecido pelo professor.
Palavras - chave: Desenho. Educação. Desenvolvimento Infantil.
Introdução
Ao pensarmos em desenho logo surge o conceito de artes, porém o que é arte? A
arte é uma criação humana com valores estéticos (beleza, equilíbrio, harmonia) que sintetizam
as suas emoções, sua história, seus sentimentos e a sua cultura. A educação em arte
proporciona o desenvolvimento do pensamento, não envolvendo basicamente um fazer
trabalhos artísticos, mas em apreciar e refletir sobre eles; a arte é tão importante quanto os
outros demais conhecimentos no processo de ensino aprendizagem.
A arte surgiu no século VI. A.C onde os filósofos gregos investigaram a natureza
na busca de um princípio estável comum a todos os seres, porém já na metade do século V.
a.C os sofistas, professores da juventude inspiravam-se nos interesses práticos, na intenção
teórica pura somente, se formos relatar a história da arte por completo poderíamos escrever
um livro.
A história da arte no Brasil teve início na primeira metade do século XX com a
disciplina de desenho, trabalhos manuais, música e conto orfeônico, fazendo parte do
currículo das escolas primárias e secundárias. Com trinta anos de atividade em todo o Brasil o
1
Artigo elaborado para a conclusão do Curso de Graduação em Pedagogia da Faculdade Católica de Uberlândia-MG.
Graduanda do Curso de Pedagogia da Faculdade Católica de Uberlândia. 2011/1. [email protected].
**
Professora – Orientadora da Faculdade Católica de Uberlândia- [email protected]
*
canto orfeônico foi substituído pela educação musical, entre os anos 20 e 70 o ensino de arte
volta-se para o desenvolvimento natural da criança, no período que vai dos anos 20 aos dias
de hoje vive-se um crescimento cultural tanto dentro quanto fora das escolas.
A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), impõe no currículo escolar a disciplina de Arte desde 1971 com o
título de Educação Artística, porém é considerada atividade artística e não disciplina o que
torna a atividade desvalorizada.
Neste âmbito artístico encontramos diversas atividades de artes: Visuais, Dança,
Música e Teatro, iremos enfatizar esta discussão em Artes Visuais, voltando para os desenhos
infantis de 4 e 5 anos. A educação visual deve ser considerada a complexidade de uma
proposta educacional levando em conta as diversas possibilidades dos alunos transformarem
seus conhecimentos, o professor deve levar em conta o modo que o aluno aprende e cria; criar
e perceber formas tais como: ponto linha, plano cor, luz, movimento e ritmo.
Na realização deste estudo foi utilizado como proposta metodológica a pesquisa
bibliográfica, que possibilita buscar informações e comprovações do assunto abordado.
A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído
principalmente de livros científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido
algum tipo de trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a
partir de fontes bibliográficas (GIL, 1999, p.65).
É importante que a criança desenvolva uma atividade criadora e, o início desta
atividade se dá nos primeiros anos de sua vida, com as artes visuais, o que nos torna capazes
de observar que um bebê analisa tudo ao seu redor: cores vibrantes, objetos diferentes e
desenhos assim armazenando em seu consciente o que mais lhe chamou a atenção.
Ao ir para a escola a criança acaba trazendo suas experiências pessoais, que às
vezes parece insignificante para o adulto, mas a criança só inclui em seus desenhos a parte
que conhece e é importante para ela. A criança não se preocupa em agradar aos pais e nem ao
professor, mas sim eliminar suas ansiedades e adquirir confiança em seu próprio meio de
expressão.
Para
compreendermos
estes
fatores
devemos
analisar
nossas
próprias
experiências, nós adultos somente recordaremos as coisas à medida que nossos
conhecimentos e relações com elas nos permitirem nos colocar na situação da criança e
procurarmos olhar com os seus olhos e descobrirmos o que passa em sua mente.
Partindo dessas considerações, o presente artigo tem como foco refletir sobre a
importância do professor compreender e relacionar as etapas de desenvolvimento cognitivo
com a expressão artística da criança por meio do desenho na construção de sua aprendizagem.
1. O Desenho e a Expressão do Pensamento Infantil
Ao desenhar, a criança conta sua história, seus pensamentos, suas fantasias, seus
medos, suas alegrias, suas tristezas. No ato de desenhar a criança age e interage com o meio,
seu corpo inteiro se envolve na ação, traduzida em marcas que ela mesma
produz, se transportando para o desenho, modificando-o e se modificando.
A presença do desenho no ambiente escolar é uma constante, mas cabe indagar o
que pensa o professor ao ver a produção de desenhos da criança e como os entende? Onde o
professor deverá procurar informações para entender esses desenhos? Busca-se imprimir um
novo olhar sobre como o desenho poderá proporcionar o desenvolvimento do pensamento e
conhecimentos no processo de ensino aprendizagem na educação infantil?
Tendo em vista a compreensão desse processo fez-se necessário explicitar a evolução
do desenho partindo do pressuposto que o mesmo compartilha do desenvolvimento infantil,
passando por etapas que caracterizam a maneira da criança se situar no mundo.
Para melhor compreendermos a relação da criança com a arte, é necessário
analisarmos os períodos de evolução na faixa etária de 0 a 6 anos que segundo Piaget (1976)
passa por três estágios do desenvolvimento cognitivo: período sensório-motor, pré-operatório
e operatório-concreto, cada um com subestágio.
No período sensório-motor que vai de 0 a 2 anos o bebê não diferencia o seu “eu”
do mundo exterior, ele vai construindo a noção de espaço, tempo, causa e objeto através da
experimentação. No primeiro mês de vida a criança não tem a noção de tempo, espaço e
comodidade, passa a maior parte do tempo dormindo ou cochilando. Na fase do 1º ao 4º mês
o bebê olha para o que ouve, constituindo o primeiro passo para construir a noção do objeto,
porém os objetos não existem, seu olhar não seguirá a bola que sai de seu campo visual,
porque caiu ou alguém levou. Do 4º ao 9º mês, a ação somente será repetida se desejada.
Os primeiros sinais de que a idéia de permanência dos objetos começa a ser
estruturada são dados quando a criança começa a procurar objetos escondidos parcialmente,
no entanto, se estiverem totalmente escondidos, não haverá procura. No estágio do 10º ao 12º
mês a criança procurará o objeto que saiu do seu campo de visão desde que tenha percebido
seu desaparecimento. Do 13º ao 18º a criança já consegue perceber os deslocamentos
sucessivos dos objetos, desde que os veja. Buscará o objeto onde estiver escondido. Do 18º ao
24º mês a criança já consegue efetuar ações sem grandes ensaios.
Cabe destacar que cada ser humano é único e seu desenvolvimento pode não
seguir linearmente as fases descritas por Piaget e, também reconhecer a contribuição de outros
estudiosos sobre o tema.
Nesse sentido, segundo Luquet (1979) as fases do desenho infantil passam do:
realismo fortuito - estágio que começa por volta dos dois anos e põe fim ao período chamado
de rabisco. A criança que começou por traçar signos sem desejos de representação descobre
por acaso uma analogia formal entre um objeto e o seu traçado. Então retrospectivamente, ele
dá um nome ao seu desenho.
Luquet (1990):
o desenho é uma íntima ligação do psiquismo e de moral. A intenção de desenhar tal
objeto não é senão a manifestação da sua representação mental; o objeto
representado é o que, neste momento ocupará no espírito do desenhador um lugar
exclusivo ou preponderante. (LUQUET, apud MERLEAU-PONTY, 1990, p.130).
Segundo Piaget (1976) as primeiras imagens mentais aparecem a partir dos dois
anos, na imitação diferida. Enquanto, na primeira, a criança precisa estar com o modelo para
imitar, na segunda já imita na ausência do modelo. É nesta fase que começam as brincadeiras
de faz-de-conta em que a crianças finge ser isto ou aquilo, o chamado jogo simbólico. Através
deste jogo, a criança reviverá situações de alegria, tristeza e as recriará de modo a superar
seus conflitos. Nesta fase, a criança começa a rabiscar, faz garatujas e reconhece nelas as
formas que desenhou, não havendo diferença entre o símbolo e o que ele representa. A
imitação, o jogo simbólico, o desenho e a linguagem demonstram a característica da criança
nessa fase é o egocentrismo.
Na faixa etária de 3 a 4 anos a criança justapõe os elementos e, não consegue
condensar o modelo, por exemplo, ao desenhar o corpo humano, põe boca, nariz e olhos fora
do lugar, é a fase do realismo que segundo Luquet identifica como falhado. Tendo descoberto
a identidade forma-objeto, a criança procura reproduzir esta forma, sobreviverá então uma
fase de aprendizagem pontuada de fracassos e de sucessos parciais, fase que começa
geralmente entre três e quatro anos.
Já na faixa etária de 5 anos a 8 anos a criança desenha o que se lembra do original
e não o que vê. Se desenhar um animal de perfil, colocará duas orelhas. Também não tem
noção de perspectiva, desenhando tudo no mesmo plano, é o chamado realismo intelectual
caracterizado pelo fato de que a criança desenha do objeto não aquilo que vê, mas aquilo que
sabe. Dai o recurso a dois processos: o plano deitado onde os objetos não são representados
em perspectivas, mas deitados em torno de um ponto ou um eixo central e, o outro ponto
chamado de transparência ou representação simultânea do objeto e seu conteúdo, porque a
criança mistura diversos pontos de vista.
Geralmente a criança começa a rabiscar papéis aos dois anos de idade. Este
período, como tudo quanto ocorre no desenvolvimento humano, varia de um individuo para
outro, a idade normal para os rabiscos estende-se dos dois aos quatro anos; de modo geral as
crianças deixam de agir assim aos quatro e cinco anos de idade, mas as que o faz até os seis
anos ainda pode alcançar, rapidamente o nível de desenvolvimento normal. Nesta fase de
garatujas os materiais devem ajudar e satisfazer as suas necessidades, na realidade o essencial
para a criança, quando faz seus rabiscos no papel, deve estar livre para movimentar-se e
controlar seus próprios movimentos, a criança começa com o que podemos chamar de
desenho informal.
De acordo com os Parâmetros Curriculares da Educação Infantil (1988):
Na garatuja, a criança tem como hipótese que o desenho é simplesmente uma ação
sobre uma superfície, e ela sente prazer ao constatar os efeitos visuais que essa ação
produziu. A percepção de que os gestos, gradativamente, produzem marcas e
representações mais organizadas permite à criança o reconhecimento dos seus
registros. (BRASIL, 1988, p.92)
O rabisco possui três fases de evolução: o primeiro estágio, por volta dos dezoito
meses, chamado de estágio vegetativo-motor, quando aparece o tipo de traçado próprio da
criança, mais ou menos arredondado, convexo ou alongado, o lápis não sai da folha. No
segundo estágio entre dois e três anos, os esboços, delineamentos de formas se caracterizam
essencialmente pelo aparecimento de formas isoladas, tornadas possíveis pelo levantamento
do lápis, a criança passa do traço contínuo para o traço descontinuo. O terceiro e último
estágio começa entre três e quatro anos, é o comunicativo, nele a imitação do adulto torna-se
mais manifesta e se traduz por uma vontade de “escrever” e comunicar-se com outros.
Através do desenho a criança desenvolve, em maior ou menor intensidade, os seus
sentimentos, pois quanto maior o envolvimento do sujeito em sua obra maior a possibilidade
de estarem ali presente as suas alegrias e tristezas, as experiências vivenciadas que lhe
provocaram prazer, desprazer, espanto, temor, entusiasmo e muitas outras emoções.
Assim de acordo com os RCNEI (1988) por meio do desenho, a criança cria e
recria individualmente formas expressivas, integrando percepção, imaginação, reflexão e
sensibilidade, que podem então serem apropriadas pelas leituras simbólicas.
Ao desenhar, modelar ou construir objetos a criança não expressa tudo o que viu, mas
fragmentos do real que lhe foram significativos. Isto justifica apresentar o boneco geralmente
com uma “cabeça”, com a presença dos olhos e bocas e saindo desta cabeça, linhas
representativas dos braços e das pernas, porque aos quatro anos uma criança conhece apenas
estas partes do corpo humano.
Segundo o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI)1998, para que as crianças possam criar suas produções, é preciso que o professor ofereça
oportunidades diversas para que se familiarizem com alguns procedimentos ligados aos
materiais utilizados, aos diversos tipos de suportes e para que possam refletir sobre os
resultados obtidos.
Nesse sentido, para se ter um bom trabalho com as produções artísticas das
crianças é necessário que os docentes disponibilizem os materiais didáticos de educação
artística e que a criança tenha livre acesso ao material. Este trabalho deve ser organizado para
fornecer as crianças a possibilidade de contato e explorar os materiais.
O desenho da criança deve ser feito livremente sem intervenções diretas, porém
poderá haver a intervenção indireta que contribuem para o desenvolvimento do desenho da
criança, sendo necessário para isso que o professor pesquise qual o melhor caminho e
procedimento há ser usado em cada intervenção para que não haja danos,
Nada mais coerente e atrativo aos olhos de uma criança que analisar o desenho
alheio. Observe em uma volta pela cidade com seu filho, ou com qualquer outra criança a
leitura que eles realizam de imagem, capta o que lhe é necessário e, muitas das vezes,
transmitem estas imagens daqueles desenhos na sala de aula, não necessariamente em uma
cópia fiel do que foi visto, mas na sua maneira de ver e se expressar, com isso é preciso que o
professor no término da atividade se sente e converse com seu aluno em um momento de
reflexão, pergunte a ele o que é aquele desenho, o que você quis desenhar? Onde você viu?
Assim ele será capaz de observar a leitura do mundo do seu aluno.
A criança é capaz de produzir basicamente o que observa em sua grande
maioria ela produz o seu medo, o que é de seu cotidiano, sua familiarização, nada mais
coerente a ela que realizar sua leitura de mundo expondo através de seus desenhos a sua
convivência diária.
As produções infantis refletem então a crueldade dos acontecimentos, o trágico
sobressai, posto que tais fatos sejam apreendidos ao nível mais cotidiano da vida, a
criança mistura com os massacres e com cenas de guerra os elementos que fazem
parte de seu vocabulário habitual: sol, flores, casas. (MÉREDIEU, 2001, p. 114)
O professor que trabalha com crianças, em especial de 4 a 5 anos, observe a
clareza de seus desenhos, ao realizar uma atividade artística, seja ela massinha, tinta, desenhos
com lápis de colorir ou giz, pergunte o que ela queria retratar e logo virá a resposta que é algo
que ela convive ao seu redor. Quando se fala de criança de 4 a 5 anos, não se está
discriminando a faixa etária de 0 a 3 anos, mas sim pela maturidade que a criança maior tem
de retratar o seu vocabulário habitual.
No geral as crianças de 4 a 5 anos estão na fase inicial de alfabetização, porém
não realizam leitura de textos ou palavras complexas, mas realizam leitura de imagem e, estas
imagens facilmente são retratadas em seus desenhos corriqueiros, do dia a dia. Para se
comprovar essa ideia é fácil o educador ao chegar à segunda-feira e solicitar que seu
educando realize um desenho - livre e, ao observar o que eles desenharam verificará que
retrataram o acontecimento do final de semana, pois nessa faixa etária as crianças já
expressam com mais clareza e nitidez.
Cabe destacar, que o professor deve disponibilizar aos alunos na sala de aula
materiais de fácil acesso para que possam ter contato no momento em que eles tiverem
vontade ou necessidade de fazerem suas “artes” sem necessariamente ser imposto pelo
professor.
A criança deve ter a todo o momento possibilidade de realizar experiências com
tantos materiais diferentes quanto isto for possível. Os materiais diversos, de
consistência e contextura diferentes, enriquecem a sensibilidade tátil infantil.
(LOWENFELD, 1977, p.102).
Quando se fala de livre acesso aos materiais se tem a sensação de desordem na
sala de aula, pois é comum todos querem aquele que alguém já escolheu. Nesse momento é
fundamental um diálogo do professor com seu aluno, explicando como será o
desenvolvimento da aula, mesmo que para isso seja necessário parar o conteúdo ministrado
para atender as necessidades das crianças no momento, pois às vezes aquela necessidade
poderá revelar fatos importantes ao bom profissional capaz de ver e interpretar desenhos ou
rabiscos.
Segundo Magalhães (2008), da escola de arte Ziarte-Viveka – (São Paulo),
aprendemos com as crianças e aprendemos com os artistas. Um bom professor está sempre
aprendendo. É urgente nossa abertura para a arte e, portanto, para a vida. Um bom caminho
está presente na atenção e na investigação: contraste óbvio para a velocidade alucinada do
nosso cotidiano. Observando, descobrimos o jeito, a maneira de como o artista produziu o que
vai muito além do assunto.
Faz-se necessário termos um olhar diretamente focalizado para analisar e
observar as artes de nossas crianças sendo o professor que faz de sua criança um artista.
De acordo com Magalhães (2008) temos tempo para observar um quadro de um
grande pintor, mas não paramos para observar os nossos artistas mirins, somente observamos
quando eles desenham o estereotipado, que casa linda! Que carro bonito! Não valorizamos os
seus gostos e vontades. Quando uma criança maior de 4 e 5 anos necessariamente faz um
desenho sem sentido para o professor, logo vêm os questionamentos: o que é isto? Por que fez
assim? Sempre com um gesto de desdenho pelo discente, pois para ele nada diz aquele
desenho, mas a criança atrás daqueles borrões, linhas mal - traçadas e manchas escondem um
super-herói, um vilão ou até mesmo um conto de fadas, que somente ele é capaz de ver e
interpretar.
Ao observamos uma criança brincando de imitar a mãe vestindo suas roupas,
ela está procurando imitar a sua mãe, embora ela não utilize o corpo, ela visualiza a
motricidade, sendo fácil entendermos que a principal função do desenho infantil é a
possibilidade que oferece de representação da realidade.
O desenho passa a ser um jogo simbólico onde a criança desenha o que vê, ouve,
observa, sente e vive ao seu redor. A criança é capaz de superar seus anseios e nos ensinar
como devemos observar o que elas querem dizer, embora nós adultos com tanto estudo não
saibamos interpretar a sua linguagem. Sendo assim, dificilmente uma criança da periferia
desenhará uma casa luxuosa, pois sempre deverá retratar o que mais é comum a ela: drogas,
traficante, assim por diante.
2. Os Teóricos e as Implicações para a Prática do Desenho Infantil
Muitos pesquisadores como Georges- Henri Luquet (1979), Viktor Lowenfeld
(1977) e Florence de Méredieu (1974) desbravaram sobre as produções infantis, analisaram,
organizaram em fases ou momentos conceituais, embora cada um com uma concepção
diferente chegaram a diversas classificações sendo possível, porém
estabelecer pontos
comuns onde oferecem elementos para a compreensão dos desenhos das crianças.
Mais cedo ou mais tarde, todos os pequenos interessam em registrar no papel
algo que seja reconhecido pelos outros. No começo é comum observar o que se convencionou
chamar de boneco girino constituído de um circulo que sai um traço, representando um
tronco, dois riscos para os braços e outros dois riscos para as pernas.
Depois esta figura incorpora cada vez mais detalhes, conforme a criança refina seu
esquema corporal e ganha repertório imagético ao ver desenho de sua cultura e dos próprios
colegas. Não sendo necessário que o professor “enlouqueça” ou se “desespere” nos primeiros
desenhos de sua criança, pois com o passar do tempo automaticamente ela os aperfeiçoará.
à medida que a criança, já não se satisfaz com simples relação entre seu pensamento
imagístico e o que desenha ou pinta quer agora estabelecer uma relação ”
verdadeira”. “Veja, meu pai tem “uma cabeça e duas grandes pernas”, portanto meu
desenho é meu pai”. Pela primeira vez consegue fixar uma analogia “real”.
(LOWENFELD, 1977, p.107)
Quando a arte é estudada clara e objetivamente pelo profissional que deverá
ministrar, facilmente ele será capaz de interpretar o que é o desenho da criança; ela somente
irá desenhar ou esboçar o que sente ou se passa naquele momento com ela, desenha o que está
ao seu arredor, assim quando uma criança desenha outra criança batendo em um adulto,
certamente um adulto a agrediu e sua vontade ela transcreve para o papel, uma vez que ela
não poderá fazer o mesmo naquele momento.
O papel, a tinta, o giz e o lápis, são grandes aliados do professor em sala de aula,
em especial na Educação Infantil, uma vez que bem direcionado e sem intervenções, a criança
falará tudo que o docente quer saber sobre ela, não sendo necessário o professor questionar
muito a criança, porém observar e analisar o que o seu desenho diz.
Segundo os Parâmetros Curriculares da Educação Infantil (1988):
no início, a criança trabalha sobre a hipótese de que o desenho serve para imprimir
tudo o que ela sabe sobre o mundo e esse saber estará relacionado a algumas fontes,
como a análise da experiência junto a objetos naturais (ação física e interiorizada); o
trabalho realizado sobre seus próprios desenhos e os desenhos de outras crianças e
adultos; a observação de diferentes objetos simbólicos do universo circundante; as
imagens que cria. (BRASIL, 1988, p.93)
Assim nos Parâmetros Curriculares da Educação Infantil (1988) verificamos que
no decorrer da simbolização, a criança incorpora progressivamente regularidades ou códigos
de representação das imagens do entorno, passando a considerar a hipótese de que o desenho
serve para imprimir o que se vê.
Moreira (1993) destaca a importância da fase do desenho livre na Educação
Infantil para a fase adulta criativa, e m seu estudo explica que toda criança desenha e passa
primeiramente por esta fase para depois percorrer a fase da escrita. Esse é o seu modo de
comunicar com o mundo. Através do desenho ela expressa seus sentimentos, seus medos, o
que está vivenciando no presente da sua vida, é a fase do desenho como linguagem.
Gardner (apud MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 1998), o autor da teoria das
inteligências múltiplas, vê, uma forma de conhecimento intuitivo, construída a partir da
interação com o objeto físico e com outras pessoas, adquirida através do sistema de
percepções sensoriais e interações motoras estimuladas pelo mundo externo, mesmo em
crianças com dificuldades ou limitações físicas.
A criança passa a se comunicar através de seus desenhos, sendo uma forma de
linguagem, ou seja, antecipa a escrita em forma de desenho. Em uma sala de aula existem
diferentes tipos de crianças umas com mais habilidades no desenho ou pintura, embora o
professor valorize e gratifique a criança com facilidades na escrita não poderá descartar que
aquela criança com habilidades artísticas não seja uma criança de grande potencial intelectual.
Assim, é necessário rever o conceito de “inteligência”, pois para a grande maioria de nossos
educadores, “inteligência” significa somente aquele educando com facilidade em aprender a
ler e escrever, mesmo que seus desenhos sejam estereotipados.
Não se dá muito valor às crianças que fazem seus borrões ou linhas mal-traçadas, elas
comumente são “tachadas” como “sem capricho”, “preguiçosos” e “maus alunos”, é
necessário valorizar as criações dos pequenos, apesar de nada significa para o professor, mas
para eles há uma grande significação em seus maus desenhos,pois na Educação Infantil a
criança começa a sua vida cívica, caso não respeite suas vontades quando adultos serão
cidadãos sem personalidade. Disto resulta a necessidade dos educadores em respeitar e até
elogiar suas obras mesmo que não seja de bom agrado aos olhos do professor, porém ela deve
agradar ao seu criador.
Também Ferreira (1998, p.104), apoiada na psicologia histórico-cultural, afirma
que “[...] a criança desenha para significar seu pensamento, sua imaginação, seu
conhecimento, criando um modo simbólico de objetivação de seu pensamento”.
Nesta perspectiva, não se pode caracterizar somente como conteúdos importantes os
da escrita, pois o desenvolvimento da criança não está restrito somente a esta área.
Ferreira & Silva (2001) afirmam:
“As impressões que as crianças têm da realidade experenciada não se amontoam,
imóveis, em seu cérebro. Elas constituem processos móveis e transformadores, que
possibilitam à criança agrupar os elementos que ela mesma selecionou e modificou e
combiná-los pela imaginação”.
“O desenho que a criança desenvolve no contexto da escola é um produto de sua
atividade mental e reflete sua cultura e seu desenvolvimento intelectual...”
(FERREIRA & SILVA, 2001, p.51).
Ignorar a contribuição do desenho para a aprendizagem é uma atitude contrária à
própria evolução psicomotora da criança. Quando ela encontra dificuldades em manusear um
lápis, ou não possui coordenação motora, uma solução seria a pintura com os dedos utilizando
areia, assim desenvolverá a coordenação motora fina.
Para tanto o professor deve disponibilizar diferentes recursos de artes, pois esta é
um excelente recurso pedagógico para o desenvolvimento da criança, trazendo grandes
benefícios ao crescimento de seu aprendizado e linguagem.
De acordo com Derdyk (1989) salienta o poder de evocação - e interpretação – da
imagem visual. O desenho, forma de pensamento, propicia oportunidade de que o mundo
interior se confronte com o exterior, a observação do real se depare com a imaginação e o
desejo de significar. Assim, memória, imaginação e observação se encontram, passado e
futuro convergindo para o registro da ação no presente. Como pensamento visual, o desenho é
estímulo para exploração do universo imaginário
As crianças ao serem expostas às diferentes linguagens expressivas em um ambiente
enriquecido diariamente pela arte poderão ser melhores conhecedoras e apreciadoras das
manifestações artísticas; pessoalmente acrescentamos que a criança que é constantemente
exposta a esse tipo de ambiente certamente tornar-se-á um adulto solidário, atento as
necessidades das pessoas que estiverem ao seu arredor, mais criativo e coerente na exposição
de suas idéias. Sendo assim, evidencia-se a importância em colocar a criança em contato com
a arte desde cedo.
Disto resulta ser preciso fazer uma leitura atenta enquanto o desenho é produzido. A
relação entre a aquisição da escrita e a diminuição quando a criança se alfabetiza é algo a ser
repensado em defesa de nossos desenhistas, para dessa forma cair por terra o mito de que ela
se afasta dessa prática quando alfabetizada. Esta é uma das funções do professor, ou seja,
deixar as crianças utilizarem sua imaginação através dos desenhos.
Considerações Finais
Assim, após a pesquisa realizada para a elaboração desse artigo foi evidenciado
que não existe empobrecimento do desenho infantil, e sim que o desenho é uma forma de
linguagem pela qual a criança tem a oportunidade de representar sua cultura.
Nessas considerações deve-se ressaltar a necessidade de romper com a prática
estereotipada pela qual a arte de desenhar passeia pela mão do professor ou educador
retirando da criança o momento de ser o criador de sua obra, privando-a de expressar seus
sentimentos.
É importante mencionar que o conhecimento das fases do desenho infantil deve
contribuir para a construção do imaginário das crianças, sendo mais um recurso que o
professor poderá utilizar para melhor compreendê-las
Nesse sentido, deve-se refletir e observar que a arte na escola facilita o diálogo
entre o aluno e o professor, mesmo que a criança não dialogue com o professor, ela poderá
conversar com ele através dos desenhos, o que por sua vez, fará o professor compreender seus
anseios.
O desenho na Educação Infantil é de suma importância, pois a leitura de um
simples desenho pode revelar aspectos da vida de uma criança até então desconhecido pelo
professor.
Ao finalizar esta pesquisa reforça-se a necessidade do professor ser capaz de
analisar e reavaliar seus conceitos referentes aos desenhos das crianças e criar um novo olhar
para romper paradigmas ou idéias predeterminadas, e por outro substituí-las por esta nova
visão que tem por base a arte como forma de expressão de sentimentos e de compreensão do
mundo, podendo criar um espaço de abertura entre professor e aluno em que ambos crescerão
como seres humanos num processo de reciprocidade.
Referências
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LOWENFELD, Viktor. A Criança e sua Arte. 2 ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
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MERLEAU-PONTY, Maurice. Merleau-Ponty na Sorbonne. Resumo de Cursos de Filosofia
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