IX ENCONTRO NACIONAL DA ECOECO
Outubro de 2011
Brasília - DF - Brasil
A SUSTENTABILIDADE DOS PONTOS DE VISTA SOCIAL E AMBIENTAL: RUMO À DIMINUIÇÃO
DAS VULNERABILIDADES E INJUSTIÇAS AMBIENTAIS
Amanda Martins Jacob (USP) - [email protected]
Bacharel em Gestão Ambiental pela EACH-USP. Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Mestranda do
PROCAM. Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP
Patrícia Andrade de Oliveira (USP) - [email protected]
Bacharel em Administração de Empresas pela FAAP/SP. Mestre em Ciência Ambiental pelo PROCAM-USP.
Ana Paula Fracalanza (PROCAM/USP E EACH/USP) - [email protected]
Ana Paula Fracalanza - socióloga e economista, doutora em Geografia, professora da Escola de Artes, Ciências e
Humanidades e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo
A SUSTETABILIDADE DOS POTOS DE VISTA SOCIAL E
AMBIETAL: RUMO À DIMIUIÇÃO DAS
VULERABILIDADES E IJUSTIÇAS AMBIETAIS
RESUMO
Este artigo propôs discutir a problemática das vulnerabilidades e injustiças
ambientais através dos preceitos da economia ecológica, com base na questão das
necessidades básicas humanas e no acesso aos recursos e bens ambientais pelas
populações.
Ao considerar os preceitos do desenvolvimento sustentável e da economia
ecológica, discute-se principalmente a questão do uso racional e dos limites
ambientais relativos à super-exploração dos recursos, como parte de um
crescimento econômico perverso que tende, ao longo do tempo, reproduzir um
ciclo de desigualdade social e econômica.
Não
obstante,
a
ocorrência
de
vulnerabilidades
e
injustiças
socioambientais é observada quando existem problemas de ordem social,
relacionados não apenas no que diz respeito ao acesso aos recursos e bens
ambientais, como também em relação à distribuição dos danos e impactos sobre
os diferentes estratos da sociedade.
A dificuldade de acesso e uso dos recursos ambientais pelos mais pobres
acaba colocando uma parcela considerável da população, principalmente nas
grandes cidades, em situação de vulnerabilidade socioambiental; comprometendo
assim a satisfação das necessidades humanas básicas, relativas à sobrevivência.
Nesse contexto, economia ecológica pode tornar-se um instrumento para
repensar as estruturas de redistribuição de renda, na busca por novas formas de
desenvolvimento socioambientalmente sustentável.
Por fim, o artigo conclui que é necessário ressaltar no debate da economia
ecológica a questão da equidade na distribuição dos recursos e bens ambientais,
além da discussão do uso racional e sustentável.
Palavras-chave: economia ecológica, desenvolvimento sustentável, necessidades
básicas, vulnerabilidades socioambientais, injustiças ambientais
ABSTRACT
The aim of this article is to discuss the issues of vulnerability and
environmental injustice through the precepts of ecological economics and based
on the issue of basic human needs and access to resources and environmental
goods by populations.
In considering the principles of sustainable development and ecological
economics, we discuss mainly the issue related to the rational use and the
environmental limits of the over-exploitation of resources, as part of a perverse
economic growth which tends, over time, to create a cycle of social and economic
inequality.
Nevertheless, the occurrence of social and environmental injustices and
vulnerabilities is observed when there are social problems, related not only with
regard to access to resources and environmental goods, but also in relation to the
distribution of the damage and impacts on different strata of society.
The difficulty of access and use of environmental resources by the poor
ends up placing a significant portion of the population, especially in large cities,
in a situation of both social and environmental vulnerability, thus compromising
the satisfaction of their basic survival needs.
In this context, ecological economics can become an instrument which
can promote a rethink over the structures of income redistribution, the search for
new forms of socially and environmentally sustainable development.
Finally, the article concludes that it is necessary that the issue of
equitable distribution of resources and environmental assets is included in the
discussions of ecological economics, rather than the
priorisation of
the
discussion on their rational and sustainable use.
Key words: ecological economics; sustainable development; basic human needs;
social-environmental vulnerability; environmental injustice.
ITRODUÇÃO
Para Leis (2002:16), a desordem da biosfera evidencia o “pecado original”
da civilização. Segundo o autor, o agravamento da crise ecológica é resultado do
que se podem denominar “efeitos inesperados” do desenvolvimento capitalistaindustrialista dominante que se “legitima” atendendo demandas de consumo sem
levar em consideração a capacidade de sustentação do planeta. O aumento de
escala de produção tem pressionado fortemente a base de recursos naturais
causando desequilíbrios e ameaçando ultrapassar os limites do planeta, o que é
definido como sua capacidade de carga.
A questão ambiental tende a tornar-se uma condição para a continuidade
do desenvolvimento industrial moderno. De fato, desde a década de 1970, as
empresas em geral têm sido pressionadas no sentido de internalizarem a variável
ambiental em suas decisões. Após a publicação do livro “Primavera Silenciosa”
(1962) de Rachel Carson – que expõe os efeitos nocivos do uso indiscriminado de
produtos químicos – o interesse sobre os problemas ambientais alterou-se de
forma significativa. A preocupação com o meio ambiente, antes restrita a
pequenos grupos, atingiu amplos setores da sociedade em praticamente todo o
mundo. Contribuíram para isso catástrofes ambientais de grande proporção, como
Seveso, Minamata, Three Miles Island, Bophal, Exxon Valdez, Cubatão,
Chernobil, Baía de Guanabara e muitas outras.
Para muitos defensores do atual padrão de desenvolvimento industrial, as
tragédias ou problemas mencionados são apresentados como “acidentes de
percurso” ou “efeitos colaterais ruins” inerentes ao desenvolvimento industrial.
Ou seja, a sociedade deveria arcar com os “custos do progresso” se deseja usufruir
de suas benesses. Cabe apontar, no entanto, que os maiores prejudicados pelas
“externalidades” do progresso industrial são aqueles setores da sociedade menos
favorecidos pelos frutos da produção industrial, o que explicita a idéia de injustiça
ambiental.
A multiplicação dos problemas ambientais tem levado ao embate duas
posições distintas: de um lado, a crítica sobre aos padrões de consumo da
sociedade industrial como causa principal da degradação ambiental. De outro, o
argumento de que mercado e capital são capazes de solucionar todos os problemas
ambientais.
O objetivo do artigo é relacionar as necessidades e o acesso aos bens
ambientais à problemática das vulnerabilidades e injustiças ambientais, com base
nos preceitos da economia ecológica.
METODOLOGIA
O artigo baseia-se em revisão bibliográfica elaborada a partir de teses,
dissertações, artigos científicos e livros. Abordando, em um primeiro momento, os
conceitos da economia ecológica com base no advento do desenvolvimento
sustentável, abordagem essa essencial para embasar a discussão seguinte relativa à
questão das necessidades básicas da população e ao acesso aos bens ambientais.
.
RESULTADOS FIAIS
1 – Preceitos do desenvolvimento sustentável e da economia ecológica
Frente à dicotomia crescimento econômico e proteção ambiental, surge, na
década de 1970, o conceito de eco desenvolvimento1 que mais tarde, na década de
1980, foi denominado desenvolvimento sustentável. De acordo com Lima
(Lima,1997:4 apud Guimarães, 2008:90):
A década de 1970 figura como um marco de emergência de
questionamentos e manifestações ecológicas em nível mundial,
que defendem a inclusão dos problemas ambientais na agenda
do desenvolvimento das nações de das relações internacionais
como um todo.” Ele surgiu em um contexto de reconhecimento
da gravidade da crise ambiental e de que o conjunto de
impactos ambientais, até então percebidos como resíduos
inofensivos do processo de produção capitalista, passam a ser
percebidos em uma nova dimensão, despertando atenção,
interesse e novas leituras.
1
Segundo Romeiro (2003), a autoria do termo ecodesenvolvimento não é bem
estabelecida, mas existe concordância geral em atribuir sua autoria a Ignacy Sachs, da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.
O termo Desenvolvimento Sustentável foi definido pelo Relatório
Brundtland (1987) como “desenvolvimento que atende às necessidades presentes
sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atender suas
necessidades.” (WCED, 1987:5)
No entanto, autores como Guimarães (2008) apontam que o discurso
dominante passa a se apropriar do significado de sustentabilidade, em uma
tentativa de adequá-lo à lógica instrumental da sociedade capitalista, urbana,
financeira, industrial e globalizada. Nesse sentido, o discurso da sustentabilidade é
visto como uma “lavagem verde” dos negócios. Para Redclift (1996), a definição
de
desenvolvimento
sustentável
serviu
aos
interesses
do
modelo
de
desenvolvimento dominante enquanto não questiona temas mais complexos e
relevantes como os padrões de consumo das sociedades mais desenvolvidas sobre
o meio ambiente. O autor argumenta que, além das dúvidas acerca do que são
“necessidades” e de como são definidas em diferentes sociedades, há ainda
contradição sobre o que (grifo do autor) precisa ser preservado, já que “pessoas
diferentes identificam os objetos da sustentabilidade de maneira diversa”
(Redclift, 1996:48).
Portilho (1999:131) observa que dentro desta ótica, acredita-se que
O mercado e o capital serão capazes de resolver todos os
constrangimentos ambientais, dentro do atual e hegemônico
modelo de desenvolvimento econômico, sobretudo através da
competitividade empresarial que estimularia o uso de
tecnologias limpas, o desenvolvimento de produtos "verdes" e
"ecologicamente corretos" e a visão de meio ambiente como
nova possibilidade de negócio.
Portilho (1999:131) argumenta que o discurso ambiental dentro do
pragmatismo econômico vigente não se refere a consumir menos mas de
“consumir diferente, ou seja, enfatiza –se a reciclagem, o uso de tecnologias
limpas, a redução do desperdício e o incremento de um mercado consumidor
verde (grifos da autora)”. Assim, a mudança no padrão tecnológico atual na
direção de tecnologias menos impactantes ao meio ambiente tem sido um
caminho apontado como sustentável do ponto de vista de continuidade das
empresas e da busca por um crescimento econômico socialmente igualitário.
Portilho (1999:31) aponta que o paradigma econômico vigente considera que a
sociedade poderia vir a prescindir de reduzir seu consumo graças ao uso da
técnica:
(...) com o crescente progresso tecnológico as matrizes
energéticas e de matéria prima vêm sendo modificadas de tal
forma que a preocupação com a finitude de certos recursos
naturais deixaria, num futuro breve, de limitar o sistema de
produção. O uso de tecnologias limpas2 e a implantação de
Sistemas de Gestão Ambiental (SGA) ocasionariam uma
espécie de modernização ecológica nas indústrias.
A idéia da superação da problemática ambiental por meio das ciências e
suas novas técnicas corresponde à propagada pela Economia Ambiental, que se
apóia nos fundamentos da teoria neoclássica ao considerar os recursos naturais
como fonte de insumos para o processo produtivo, sem limites à sua exploração.
Essa corrente econômica corresponde à chamada sustentabilidade fraca (grifo
nosso), ou seja, “um discurso neoliberal da sustentabilidade, o qual afirma o
desaparecimento da contradição ambiente e crescimento, através dos mecanismos
de mercado, internalizando as condições ecológicas e valores ambientais.”
(Montibeller Filho, 2008:60).
Para essa corrente, os recursos naturais não representariam limites
absolutos ao crescimento, tendo em vista que poderiam ser substituídos por outros
similares graças ao uso da tecnologia e às mudanças na preferência dos
consumidores. Romeiro (2003) argumenta que, para os neoclássicos, tecnologia e
preferências são os parâmetros não-físicos que determinam “uma posição de
equilíbrio aos quais as variáveis físicas devem se ajustar.” (Romeiro, 2003:9).
2
Autores como Faucheaux et aii (1998) e Lustosa (2003) apontam que as tecnologias
ambientais seriam de dois tipos: o primeiro, de cunho reativo, por meio do tratamento da poluição
que já ocorreu, como o processamento de substâncias tóxicas e a melhorias no tratamento de
resíduos, sendo conhecidas como tecnologias de final de circuito (end-of-pipe). O segundo tipo de
inovações ambientais, de caráter preventivo, refere-se a mudanças integradas ao processo
produtivo no sentido de reduzir os impactos ambientais e aumentar a produtividade através da
diminuição na geração de resíduos e da eliminação de desperdícios e são conhecidos como
tecnologias processo-integradas. Barbieri (2006) faz uma distinção mais elaborada ao definir um
terceiro tipo de tecnologias “estratégicas” as quais representariam a adoção de medidas corretivas,
preventivas e antecipatórias por meio da utilização de soluções de médio e longo prazo, como a
utilização das chamadas “tecnologias limpas”.
Para a corrente neoclássica, a precificação dos recursos naturais seria a
forma de otimizar o uso e alocação desses recursos pelos diversos agentes, mas
seus autores admitem ser necessária a intervenção do Estado para corrigir as
falhas de mercado que ocorrem devido à impossibilidade de atribuir preços de
mercado aos recursos e serviços ambientais.
A problemática ambiental seria, para os neoclássicos, resultado de uma
falha do mercado em absorver os custos externos da poluição, cabendo aos
instrumentos de controle ambiental o papel de corrigir essa falha. Neste contexto,
a internalização das questões ambientais pelos agentes econômicos teria um
caráter potencialmente reativo buscando a conformidade em relação aos
instrumentos de controle ambiental.
Ainda para essa corrente, o funcionamento do mercado não se submeteria
aos limites da natureza e tudo se passa como se o sistema econômico fosse capaz
de se mover de uma base de recursos para outra sem a necessidade da imposição
de limites. Os autores neoclássicos sugerem, até mesmo, que “a percepção da
possibilidade de esgotamento dos recursos naturais pode funcionar como uma
mola propulsora do desenvolvimento tecnológico, oferecendo soluções através da
substituição de matérias primas e matrizes energéticas” (Paehlke, 1989 apud
Portilho, 1999:131).
Ao se referir à corrente neoclássica, Romeiro (2003) considera que os
recursos naturais foram, com o tempo, incluídos nas representações de função de
produção, porém mantiveram sua forma multiplicativa, o que significaria a
substitutibilidade (grifo do autor) perfeita entre capital, trabalho e recursos
naturais” (Romeiro, 2003:9).
Neste contexto, pode-se afirmar que a questão da solidariedade entre
diferentes gerações perde sua importância. Para os autores da economia
ambiental, as incertezas quanto aos impactos futuros e quanto às preferências das
futuras gerações não justificaria o sacrifício das gerações presentes. Criticando
essa versão, Romeiro (2003:13) aponta que “a determinação de uma escala
sustentável (grifo do autor), da mesma forma que uma distribuição justa de renda,
envolve vários outros valores além da busca individual de maximização do ganho
ou do bem estar, como a solidariedade inter e intragerações”. Ainda segundo
Romeiro (2003), no caso dos serviços ambientais não transacionados pelo
mercado, os cálculos baseados no custo e benefício realizados pelos agentes
econômicos e que buscam mensurar direta ou indiretamente a disposição de pagar
dos indivíduos por bens e serviços ambientais não leva em consideração
princípios ecológicos fundamentais para se garantir a sustentabilidade.
Para Romeiro (2003), a determinação de uma escala que se considere
sustentável para os recursos ambientais, só pode ser realizada por meio de
processos coletivos de tomada de decisão. Isto seria possível ao se considerar a
existência de limites ao uso de recursos naturais, a partir de outra corrente de
interpretação, a Economia Ecológica. Os economistas ecológicos negam a
possibilidade de superação infinita dos limites ambientais globais ao mesmo
tempo em que consideram capital e recursos naturais como complementares e não
substituíveis entre si. May (1995) salienta que a economia ecológica procura uma
abordagem preventiva do uso dos recursos naturais, pois existe uma capacidade de
carga máxima do planeta. São esses limites que impõem uma restrição absoluta à
continuidade da expansão da economia.
Assim, a economia ecológica acrescenta o conceito de escala (grifo
nosso), o qual, como afirma May (1995), refere-se ao “volume físico de matéria e
energia que é convertido e absorvido nos processos entrópicos3 da expansão
econômica”. (May, 1995: 6). Para os economistas ecológicos, o mercado está
submetido aos limites da natureza, não o contrário. Esses autores pregam a
estabilização dos níveis de consumo per capita de acordo com a capacidade de
carga do planeta. Essa visão é conceituada como sustentabilidade forte (grifo
nosso) (Romeiro, 2003).
Ainda na concepção dos autores da corrente da economia ecológica, o
sistema de preços de mercado vigente não captaria o valor de todas as funções
ambientais sendo, portanto “o uso de preços de mercado proposto pelos
neoclássicos um procedimento altamente questionável para determinar se uma
economia é ou não sustentável” (Romeiro, 2003:8).
3
Nicholas Georgescu-Rogen (1971) aplicou a Segunda Lei da Termodinâmica ao
problema do fluxo de energia na economia humana, sugerindo que a crescente entropia iria impor
limites ao crescimento.
Portanto, os autores da economia ecológica concordam com os
neoclássicos ao apoiarem o progresso científico e tecnológico como fundamental
para aumentar a eficiência na utilização dos recursos naturais em geral
(renováveis e não renováveis), mas o limite é dado pelos recursos naturais, ou
seja, pelo ambiente.
Romeiro (2003) aponta que os economistas ecológicos partilham com os
neoclássicos a convicção de que é possível adotar instrumentos econômicos para
aumentar significativamente esta eficiência. No entanto, cabe salientar que, além
das críticas aos neoclássicos já mencionadas, os economistas ecológicos vão além
dos neoclássicos ao defenderem a estabilização dos níveis de consumo per capita
de acordo com a capacidade de carga do planeta. Além disso, enquanto os
neoclássicos admitem uma intervenção mínima do Estado, os autores da economia
ecológica partem do pressuposto de que as decisões sobre o uso dos recursos
ambientais cabe à sociedade como um todo, seja por meio da atuação do Estado
ou por outra forma de organização coletiva.
Este trabalho considera desejável a adoção de uma visão de
sustentabilidade forte pelos agentes econômicos. Tal visão consideraria os limites
do planeta como reais impedimentos à manutenção dos atuais padrões da
sociedade de consumo. A realidade, porém, indica que na maioria das empresas
prevalece uma visão de sustentabilidade fraca na qual as empresas buscam
perpetuar-se no mercado aumentando sua produção e sua lucratividade com a
utilização da tecnologia. Nesse contexto, o Estado insere-se como balizador da
atividade econômica e da utilização dos recursos naturais pelo sistema produtivo
por meio de seus instrumentos de política ambiental.
2 – A questão do desenvolvimento no contexto das vulnerabilidades e
injustiças socioambientais
Como visto anteriormente, a corrida pela produção em massa de bens e
serviços, faz com que recursos sejam explorados e se tornem escassos ao longo do
tempo, além de exercer uma pressão sobre a qualidade ambiental. Nesse sentido,
têm-se o que Daly (2005) chama de “crescimento deseconômico”, no qual a
expansão da economia afeta os ecossistemas e os bens ambientais, sacrificando o
chamado “capital natural” em prol do capital humano.
A
super-exploração
dos
recursos
e
dos
ecossistemas
pode,
temporariamente trazer bem estar material e diminuir a pobreza, mesmo que de
maneira insustentável; porém, o problema de grande parte das políticas de
desenvolvimento é não considerar o cenário a longo prazo dos efeitos sobre o
meio, como esgotamento e degradação do recursos (Millennium Ecosystem
Assessment, 2003).
Com base nisso, algumas políticas públicas sociais possuem como objetivo
o desenvolvimento humano com base na luta direta contra a pobreza e em favor
da diminuição da pressão sobre os recursos ambientais (TACHIZAWA, 2004).
“Sabe-se razoavelmente bem que a pobreza extrema pode resultar na
degradação ambiental, de modo que a distribuição mais justa de renda e a
ausência de graus extremos de pobreza tendem a facilitar o uso mais
consciente e comedido dos recursos, num horizonte de longo prazo.”
(MORAN, 2008, p. 186).
O acesso aos recursos e bens ambientais pelas populações pobres deve
ser prioridade nos governos. Segundo Tachizawa (2004), o acesso aos recursos
deve ocorrer por meio do fornecimento de saneamento básico, e de condições
dignas de habitação, com base na efetividade dos programas de preservação
ambiental, no que tange a geração de novas tecnologias para utilização sustentável
dos recursos através da promoção de melhores estratégias socioambientais de
planejamento.
Assim, do ponto de vista econômico, um país desenvolvido seria aquele
que fosse capaz de extrair de sua própria natureza, recursos naturais suficientes
para a manutenção das necessidades básicas de seus cidadãos.
Jane Jacobs se utiliza desse enfoque para defender a tese de que o
desenvolvimento econômico é uma versão do desenvolvimento natural, para ela a
noção de desenvolvimento está associada com o uso dos recursos ambientais e do
patrimônio natural de uma nação (JACOBS, 2001). Em outras palavras, não
extraímos apenas matérias primas do meio ambiente, mas também ar puro, água
limpa e qualidade de vida.
2.1 – Crescimento econômico e necessidades básicas
Vale lembrar que os interesses e as necessidades humanas diferem em
cada classe social e variam de acordo com o aspecto cultural. As noções de
pobreza, riqueza e desenvolvimento são socialmente construídas através da
cultura e da tradição de um povo (SEN, 2008) – isso se reflete na seguinte citação
de Veiga : “os bens chamados de bens de primeira necessidade não são aqueles
indispensáveis para o sustento, mas todos os que o país considera indigno que
alguém não possua” (VEIGA, 2006, p. 46).
De fato a acumulação de bens e capital vem proporcionandoo chamado
crescimento econômico, devendo servir para sanar as necessidades dos
indivíduos, com relação à moradia, transporte, alimentação, saúde, dentre outras
(VEIGA, 2006). Nesse sentido, o crescimento econômico poderia auxiliar o
desenvolvimento não apenas elevando as rendas individuais, mas também
promovendo a expansão dos serviços públicos e a criação de oportunidades
sociais (SEN, 2008).
Entretanto, observando a década de 50, por exemplo, era fato que a
melhoria da condição econômica e social dos mais pobres, não foi
necessariamente maior com o advento do crescimento econômico, tanto que em
alguns países pouco industrializados, como o Brasil, as diferenças econômicas e a
exclusão social permaneceram (VEIGA, 2006). Nesse sentido, a trajetória do
capitalismo é antagônica e permeada de desequilíbrios no cenário econômico
mundial; traduzindo-se em subdesenvolvimento social e crises ambientais através
do consumo excessivo dos recursos naturais (NAPOLEONI, 2000).
Ao final deste processo, Milton Santos ressalta que o ritmo de crescimento
das necessidades humanas não é acompanhado pelo aumento do orçamento
público, de forma que a metrópole se volta à eliminação das deseconomias
urbanas ao invés da promoção de serviços sociais coletivos (SANTOS, 2002). O
subdesenvolvimento ocorre quando estão presentes as variáveis: alto crescimento
populacional, inviabilidade econômica e atraso técnico científico, uma vez que o
estado não consegue financiar a obtenção das necessidades mínimas dos cidadãos
(RIVERO, 2002).
Em vista disso é que observamos o imenso abismo entre países ricos e
pobres, no qual os últimos passam a depender parcialmente ou totalmente de
recursos externos para viabilização de suas políticas econômicas (VEIGA, 2006).
Segundo o texto da Millennium Ecosystem Assessment, o bem estar humano
está vinculado a cinco fatores principais: bens materiais, saúde, boas relações
sociais, segurança e liberdade (Millennium Ecosystem Assessment, 2003).
Os bens materiais são aqueles de primeira necessidade como acesso a
alimentação, água, roupas e abrigo; a saúde está relacionada às boas condições
físicas e mentais das pessoas além da manutenção da saúde ambiental; as relações
sociais incluem coesão social, cooperação, respeito mútuo, igualdade e
participação dos cidadãos na vida da comunidade; a segurança está atrelada ao
acesso seguro aos recursos ambientais e a capacidade das pessoas em poder viver
com segurança; por fim, a liberdade inclui o controle que as pessoas têm sobre
suas próprias vidas e a liberdade de escolha das pessoas para poderem viver do
jeito que desejam (Millennium Ecosystem Assessment, 2003).
É através destes fatores que os serviços ecossistêmicos como:
abastecimento pelos recursos, regulação de ciclos, influências culturais e outros,
afetam as populações, contribuindo para o bem-estar, no caso do acesso seguro
aos serviços ou ao seu mal-estar na falta deles (Millennium Ecosystem
Assessment, 2003).
2.2
–
Considerações
sobre
injustiças
e
vulnerabilidades
socioambientais no contexto do desenvolvimento
Em um contexto geral, a vulnerabilidade se materializa quando estão
presentes na situação de risco três elementos: a exposição ao risco, a incapacidade
de reação e a dificuldade de adaptação frente à manifestação do risco (MOSER,
1998).
Segundo Alves (2006:47),
“a vulnerabilidade socioambiental é uma categoria analítica que pode
expressar os fenômenos de interação e cumulatividade entre situações de
risco e degradação ambiental (vulnerabilidade ambiental) e situações de
pobreza e privação social (vulnerabilidade social), apesar das limitações
empíricas para operacionalização destas categorias analíticas (...)”.
Para as populações mais pobres, os maiores ganhos de bem-estar ocorrerão
com base na equidade da distribuição dos serviços e recursos ambientais; o acesso
a estes recursos pelos mais pobres, deve ser facilitado pelos mais ricos, através da
não
degradação
dos
bens
ambientais.
A
situação
de
vulnerabilidade
socioambiental é oriunda do comportamento das pessoas mais ricas sobre as mais
pobres (Millennium Ecosystem Assessment, 2003).
Segundo Barnett, a vulnerabilidade socioambiental não é igualmente
distribuída entre populações expostas ao risco; a susceptibilidade da população ao
dano ambiental e a capacidade de resposta ao evento variam de acordo com as
características da população atingida. Aspectos como: classe social, gênero,
localização e até mesmo a cultura são parâmetros que podem modificar a forma
com que o grupo responde às ameaças (BARNETT, et al; 2008).
Essa distribuição desigual, não apenas dos danos ambientais como também
dos recursos configura um cenário de injustiças ambientais. As populações mais
pobres dependem de forma desproporcional dos recursos e carregam, também de
forma desproporcional, uma maior parcela dos danos ambientais advindos dos
processos de desenvolvimento (Millennium Ecosystem Assessment, 2003). Nesse
contexto, a justiça ambiental é a concepção de que os custos ambientais devem ser
distribuídos de maneira igualitária entre os entes sociais (HERCULANO, 2000).
Nenhum grupo social seja ele permeado por diferenças de classe, gênero, etnia ou
raça, deve ser obrigado a arcar com as conseqüências dos danos ambientais
provenientes de ações políticas, econômicas e sociais, que privam populações
socioeconomicamente desfavorecidas do acesso igualitário aos recursos
ecológicos (HABERMANN et al; 2008).
O conceito de justiça ambiental está, portanto, atrelado ao princípio de que
todas as pessoas têm por direito um meio ambiente limpo e saudável e por dever
participar, incentivar e respeitar o cumprimento das legislações e políticas de
proteção ambiental. Tal consciência deve-se ao fato do conhecimento pela
sociedade das suas responsabilidades como principal agente causador de riscos e
impactos distribuídos injustamente a grupos vulneráveis (HABERMANN et al;
2008).
Para Clayton (2000), a justiça ambiental está associada à eqüidade na
partilha dos bens ambientais e à participação da população dos assuntos que
envolvem o meio ambiente; segundo ele, os principais obstáculos para se garantir
esses dois princípios devem-se ao baixo poder reivindicatório das populações
marginalizadas (privação do poder social) (CLAYTON, 2000).
Por outro lado, a injustiça ambiental é traduzida como a iniqüidade na
distribuição dos danos ambientais sobre populações de diferentes condições
socioeconômicas (ALVES, 2007) e pela desigualdade no acesso aos recursos
ambientais, reforçando a relação entre riscos ambientais e desigualdades
socioeconômicas (VEIGA, 2007).
Para Alier, a justiça ambiental pode ser definida como uma corrente
ecológica denominada de “ecologismo dos pobres”, no qual o crescimento
econômico é o principal fator de impactos ambientais não solucionados pela
tecnologia e tão pouco sanados pelas políticas públicas econômicas (ALIER,
2009).
“O movimento pela justiça ambiental, pelo ecologismo popular, o
ecologismo dos pobres, nascidos de conflitos ambientais em nível local,
regional, nacional e global, causados pelo crescimento econômico e
desigualdade social. Os exemplos são os conflitos pelo uso da água, pelo
acesso às florestas, a respeito das cargas de contaminação e o comércio
ecológico desigual (...)” (ALIER, 2009, p. 39).
O autor ainda faz uma ressalva no que diz respeito à ética e o princípio
norteador dessa corrente; para ela, a justiça ambiental é antes de tudo um
“interesse material” pelo meio, utilizado como recurso para subsidência de
populações socialmente excluídas; não há, portanto, uma preocupação ecológica
de preservação da natureza como bem intrínseco. “Sua ética nasce de uma
demanda por justiça social contemporânea entre os humanos” (ALIER, 2009, p.
34).
Vale ressaltar que a condição de injustiça socioambiental está intimamente
associada à omissão do poder público, onde o papel do Estado é o de provedor de
oportunidades e de qualidade de vida aos cidadãos, buscando tirá-los de situações
de vulnerabilidade (VEIGA, 2007).
COCLUSÕES
O artigo teve por objetivo relacionar as necessidades e o acesso aos bens
ambientais à problemática das vulnerabilidades e injustiças ambientais, com base
nos preceitos da economia ecológica.
Ao considerar que a sustentabilidade apóia-se na consideração de questões
ambientais, sociais e econômicas, tem-se como premissa que o uso racional de
recursos naturais deve ser feito levando-se em consideração os limites naturais do
sistema. Nesse sentido, o sistema econômico é um subsistema do sistema
ambiental, sendo considerados os valores econômicos e intrínsecos dos recursos
naturais.
Portanto, considerando-se os limites de uso dos recursos naturais, a
distribuição dos produtos pelos agentes econômicos deve basear-se em uma
melhor distribuição de renda e não em um crescimento econômico ilimitado. Tal
distribuição de renda deve contribuir para uma melhor sustentabilidade dos pontos
de vista social e ambiental, levando em conta a justiça ambiental.
Por fim, a discussão da equidade na partilha dos recursos e bens
ambientais, bem como sua importância direta na questão das necessidades
humanas básicas, deve ser considerada no discurso da economia ecológica, tendo
em vista, problemática das vulnerabilidades e injustiças socioambientais do
processo de desenvolvimento.
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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valoração. 1° Ed. São Paulo: Contexto Editora, 2009.
ALVES, H.P.F. 2007. “Desigualdade ambiental no município de São Paulo:
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