Memorial das Ligas Camponesas:
Um resgate histórico na luta pela reforma agrária e pelos direitos humanos
Iranice Gonçalves Muniz
Doutora em Direito Público (Constitucional) pela Universitat Pompeu
Fabra, Barcelona, Espanha. Atualmente é professora titular do Centro
Universitário de João Pessoa (UNIPE) e pesquisadora do Núcleo de
Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), Paraíba, Brasil.
RESUMO
A presente pesquisa foi realizada junto à diretoria do Memorial das Ligas Camponesas. Este,
criado em 2008, em Barra de Antas, município de Sapé, no Estado da Paraíba, Brasil, por
camponeses interessados em fazer um resgate histórico das Ligas Camponesas iniciadas no
Engenho Galileia, em Pernambuco, mas que houveram uma militância política bastante
consistente, no início da década de 1960, na Paraíba. A pesquisa teve por objetivos analisar as
mudanças ocorridas no meio rural paraibano através das lutas camponesas em defesa da reforma
agrária e dos direitos humanos, iniciadas pelo líder João Pedro Teixeira, assassinado em 02 de
abril de 1962; detectar em que proporções a criação do Memorial tem contribuído para redefinir
as relações entre camponeses(as), no interior do grupo dessa entidade e os assentamentos da
reforma agrária (terras conquistadas) no espaço paraibano; como também analisar a parceria do
Memorial com a Universidade Federal da Paraíba (grupo de pesquisa GESTAR:território,
trabalho e cidadania) visando a troca de saberes, e a catalogação de documentos para o acervo
da entidade. Através da participação nas reuniões ordinárias ocorridas mensalmente na sede
provisória do Memorial foi possível constatar que a relação, entre camponeses (as), Memorial e
o poder público municipal e estadual aproxima-se ao princípio constitucional da cidadania
contemplado no artigo 1º, inciso III da Constituição de 1988. Os sujeitos da pesquisa, são
camponeses que resistiram a opressão dos antigos donos de fazenda e usinas paraibanas, e
tentam criar um espaço para não só revitalizar a memória das lutas, como também criar um
centro de formação para o campesinato da região.
Palavras-chave: Memorial, Camponês, Cidadania, Direitos humanos.
This survey was conducted among the directors of the Memorial of the Peasant Leagues
established in 2008, in Barra de Antas, municipality of Sapé/PB, by peasants interested in
making a historic bailout of the Peasant Leagues started in Engenho Galileia, in Pernambuco,
but there was a fairly consistent political militancy in the early 1960s, in town of Sapé, in the
State of Paraíba, Brasil. The research aimed to analyze the changes in rural areas in the State of
Paraíba through peasant struggle in defense of agrarian reform and human rights initiated by the
leader João Pedro Teixeira, who was assassinated on April 2, 1962; detect in what proportion
the creation of a Memorial has helped to redefine the relations between the peasants, in this
entity group and the agrarian reform settlements (conquered lands) in Paraíba State, but also
examine the relationship between the Memorial end the University of Paraíba in order to
exchange knowledge, and cataloging the collection of documents for the entity. Through
participation in regular meetings occurring monthly (last Saturday of every month) at the
headquarters of the Memorial was established that the relationship between peasants, Memorial
and government seems to agree with the constitutional principle of citizenship contemplated in
Article 1, section III of the 1988 Constitution. They are peasants who resisted the oppression of
the former owners of the farm and plants of Paraíba, and try to create a space to not only revive
the memory of the struggles, but also create a training center the peasantry of region.
Keywords: Memorial, Peasant, Citizenship, Human Rights.
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1. Introdução
Este trabalho discute o resgate da luta pela terra e pelos direitos humanos na
Paraíba, a partir de dois vieses: por intermédio da criação do Memorial das Ligas
Camponesas, e da relação deste com a agroecologia. Um dos objetivos da pesquisa foi
analisar as mudanças ocorridas, no meio rural do Estado da Paraíba, através das lutas
camponesas em defesa da reforma agrária e dos direitos humanos iniciados pelo líder
das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, assassinado em 02 de abril de 1962, mas
que tiveram continuidade em Elizabeth Teixeira e muitos outros camponeses que hoje
tentam com a agroecologia dá um novo sentido à produção de alimentos no Estado.
Metodologicamente, para analisar a criação do Memorial das Ligas Camponesas,
partimos das observações junto à sua diretoria, através dos apontamentos que registram
as reuniões mensais; das fotos (antigas e recentes) de paraibanos que morreram na luta
pela reforma agrária; das filmagens (recentes), das caminhadas em prol da reforma
agrária por parte dos camponeses e da sociedade civil no Município de Sapé/PB; das
entrevistas com Elizabeth Teixeira e com irmã Toni; da leitura de noticias no jornal
UNIÃO na década de 1960 (parte do acervo do Memorial); e da leitura de processos
judiciais que envolveram muitos camponeses na luta pela desapropriação de
propriedades rurais na região da Várzea paraibana.
Para analisar a relação do Memorial com a agroecologia, pesquisamos uma
experiência existente no estado da Paraíba desde o ano de 2001, intitulada “feiras
agroecológicas paraibanas”. Essa experiência consiste na comercialização de alimentos
agroecológicos produzidos em áreas de assentamento rurais da reforma agrária e o
escoamento dessa produção, sem a presença dos atravessadores, para feiras
agroecológicas que acontecem semanalmente no Campus I da Universidade Federal da
Paraíba (UFPB) e no Bairro do Bessa, na Cidade de João Pessoa/PB.
Tendo em vista o fato de o resgate da luta pela reforma agrária e pelos
direitos humanos no Estado da Paraíba ser o eixo central da nossa investigação,
analisamos inicialmente a origem e a atuação das Ligas Camponesas no engenho
Galiléia em Pernambuco, no tocante à história de resistência à opressão, e, ainda que de
forma breve, os remanescentes das Ligas no estado da Paraíba. Posteriormente,
analisamos a criação do Memorial das Ligas Camponesas e em seguida a relação do
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Memorial com os assentamentos rurais que utilizam o paradigma da agroecologia como
modelo de produção agrícola no Estado.
2. Ligas Camponesas e seus remanescentes
A concentração de terra no Estado brasileiro decorre de um processo de
formação territorial no qual a estrutura agrária reflete as mazelas de uma sociedade
altamente desigual. No entanto, essa concentração sempre foi alvo de contestação por
parte de alguns setores da sociedade (Silveira, 2009, 120), principalmente dos
camponeses em diferentes períodos da história, um exemplo vivo dessas lutas é a
história das Ligas Camponesas.
As Ligas Camponesas surgiram como um movimento de resistência à
exploração de milhares de famílias no meio rural, mobilizando o campesinato para
lutarem contra os vários tipos de opressão. Assim, no ano de 1955, diante das realidades
econômicas, políticas e sociais que excluíam os camponeses do processo de
desenvolvimento, foi organizada, no estado de Pernambuco, mais precisamente, no
município de Vitória de Santo Antão, uma associação de foreiros no engenho Galiléia,
SAPPP (Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco) formada por
aproximadamente 140 famílias que sobreviviam em quinhentos hectares de terra.
Segundo Julião (1962), essa associação foi criada por iniciativa dos próprios
camponeses, inicialmente como uma sociedade civil beneficente, seu objetivo principal
era fundar uma escola primária e criar um fundo mútuo para aquisição de caixões
mortuários para enterrar crianças que morriam na região.
José dos Prazeres e Paulo Travassos foram dois importantes articuladores
político das 140 famílias camponesas, do engenho da Galiléia, na sua luta por melhores
condições de vida nesse espaço rural. Com o apoio significativo da população urbana,
em Pernambuco, foi possível formar uma comissão política constituída por pessoas de
vários partidos, dentre elas, destaca-se Francisco Julião membro do PSB e Clodomir
Santos de Morais membro do PTB. Essa comissão contribuiu para a transformação dos
conflitos entre camponeses e latifundiários locais em fatos políticos de interesse
nacional.
A experiência das 140 famílias camponesas, do engenho Galiléia, se
transformou no maior movimento agrário do Brasil, espalhando-se por treze estados
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(GOHN,1995), nesse período, a Revolução Cubana exerceu grande influência sobre as
Ligas Camponesas. Francisco Julião (1962) afirma que:
A vitória da Revolução Cubana trouxe ao movimento camponês
do Nordeste notável reforço. Desde o momento em que Fidel
Castro com os seus barbudos entrou em Havana, ao lado de
Cienfuegos, Guevara, Almeida e Raul, libertando seu povo do
regime cruel de Batista, nunca mais as Ligas perderam de vista
a gloriosa pátria de José Martí. (JULIÃO, 1962, p. 42).
No entanto, o primeiro Congresso das Ligas Camponesas que aconteceria em
junho de 1964 e teria como objetivos, dentre outros, aprovar suas teses programática,
seu novo estatuto e nomear a direção definitiva da organização foi frustrado. O Golpe
Militar em 31 de março interrompeu toda sua programação.
Com o Regime Militar, as Ligas Camponesas foram duramente perseguidas
pelos detentores do poder (militares e latifundiários), e muitos de seus membros e
admiradores passaram a viver clandestinamente. Segundo Lemos (2008), muitos
intelectuais, jornalistas, estudantes, operários, profissionais liberais e parlamentares
também participaram do movimento pela reforma agrária antes do golpe militar.
As Ligas Camponesas deixaram um legado de lutas e de resistência que, ainda
hoje, influencia os movimentos camponeses de grande importância no país, como por
exemplo, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a Via Campesina.
Entre os que vivenciaram o dia-a-dia das Ligas Camponesas, no período de 1958
à 1964, no estado da Paraíba, encontramos depoimentos de 49 (quarenta e nove)
camponeses que tentam reviver a história de homens e mulheres que lutaram por
melhores dias no meio rural brasileiro. São eles e elas: 1. Ana Justino de Oliveira, 2.
Josefa da Conceição, 3. Antonio Amâncio, 4. Antonio Domingos de Oliveira, 5.
Antonio Francisco de Andrade, 6. Antonio Lacerda de Araújo, 7. Antonio Pedro
Eugenio, 8. Artur José de Carvalho, 9. Josefa Davi de Melo, 10. Damião Cardoso de
Farias, 11. Eduardo da Costa, 12. Elias Quirino Pereira,13. Elizabeth Teixeira, 14.
Epitácio Nicolau da Costa, 15. Euclides Justino (irmão de Elizabeth Teixeira), 16.
Expedito Maurício da Costa, 17. Francisco Antonio da Silva, 18. Hilda Maria da
Conceição de Melo, 19. Isabel Regina, 20. Ivan Figueiredo Centro, 21. João José de
Souza, 22. José Félix do Nascimento, 23. Maria José (Zeza), 24. José Hermínio
Dionísio, 25. Juraci Batista de Jesus, 26. Lourdinete (cunhada de Elizabeth Teixeira),
27. Luzia Gonçalves da Silva, 28. Manoel Bento, Manoel Pedro de Araújo, 29. Maria da
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Penha Lima de Souza, 30. Maria do Socorro de Paiva, 31. Josefa Maria da Silva, 32.
José Vicente da Silva, 33. Maria José Luis da Silva, 34. Maria José (filha de João Pedro
Teixeira e Elizabeth Teixeira), 34. Marina Dias Virgínio (Irmã de Nego Fuba), 35.
Mirocem Fr. Do Nascimento, 36. Neves Justino (prima de Elizabeth Teixeira), 37. Nilza
Pereira, 38. Pedro Miguel da Silva, 39. Sebastião Severino Monteiro, 40. Maria José
Gomes, 41. Severina Gomes, 42. Severino Antonio Tertuliano do Nascimento, 43.
Severino Francisco Xavier, 44. Luzilda (prima segunda de João Pedro Teixeira), 45.
Severino Guilhermino de Souza, 46. Severino Lupicínio, 47. Manoel Dantas, 48.
Severino Paulo Luiz e 49. Vicente Guilhermino. Todos eles e elas guardam em suas
memórias a presença de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas em Sapé/PB,
assassinado em 02 de abril de 1962 e de Elizabeth Teixeira que, com a morte de seu
esposo, assumiu a luta pela reforma agrária. Elizabeth Teixeira em 1964 foi obrigada a
abandonar sua família viver na clandestinidade (com outro nome) durante quase todo o
período da ditadura militar.
Elizabeth Teixeira, hoje aos 87 anos de idade, uma “mulher marcada para viver”, foi
protagonista do filme “Cabra marcado para morrer”, do cineasta Eduardo Coutinho (1984). Para
participar do filme, ela retornou ao estado da Paraíba, em 1984, reavivando na memória do
campesinato local, bandeiras de lutas silenciadas pela repressão do período de ditadura militar.
O legado de João Pedro Teixeira, no estado da Paraíba, fez com que os anos 1990 fossem
decisivos na luta pela terra. Com o apoio da sociedade civil, num exercício de cidadania, os
camponeses foram às ruas, ocuparam as praças e os órgãos públicos, para exigir uma postura do
poder público sobre o tema da reforma agrária (MUNIZ, 2000). Como resultado dessas
manifestações, antigos engenhos foram desapropriados e, por conseguinte, antigas casas-grandes
cederam lugar a sedes de associações dos assentamentos. Atualmente, segundo dados do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/PB), existem no estado da Paraíba 295
assentamentos da reforma agrária, o que representa mais de 5% do território paraibano. Fernandes
(1996, p. 86), abordando as novas formas de luta e resistências, assinala:
Configuraram-se movimentos com o objetivo de transformar as suas realidades,
de reconquistar frações do território, lutando contra a miséria e resistindo ao
assalariamento, que tem crescido com a territorialização do capital e,
consequentemente, com a expansão da propriedade capitalista, em detrimento da
propriedade e do trabalho familiar. Essas lutas são parte de um processo de
resistência.
Nesse “novo” espaço rural, o resgate das ligas camponesas se faz importante e parece
ajudar os camponeses a prosseguir nas lutas presentes e futuras em prol da reforma agrária que
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contemple os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais já assumidos
pelo Estado brasileiro através da Constituição Federal e pelos Tratados Internacionais ratificados
pelo Brasil em 1992.
3. Memorial das Ligas Camponesas
A construção de um Memorial das Ligas Camponesas é fruto do movimento
camponês na luta pela terra, reflexo da secular concentração da propriedade existente no
nosso país. Não basta, portanto, desapropriar terras, criar assentamentos se os
camponeses não entendam o significado de suas histórias, suas frustrações e suas
conquistas na luta pela reforma agrária e política agrária no Brasil.
Assim, Irmã Toni, religiosa, de nacionalidade holandesa, com parte de sua vida
dedicada à trabalhos realizados, no Brasil, junto aos habitantes do meio rural,
principalmente no período de ditadura militar (1964-1985), a partir de 1993, na sua
militância junto aos camponeses tentava conscientizá-los da importância de resgatar o
período histórico de suas lutas. A religiosa, que na época participava da Comissão
Pastoral da Terra, ouviu vários camponeses (muitos citados no item anterior) entre os
anos de 1993 à 2006, e catalogou suas falas em fitas cassetes (acervo do Memorial).
Dentre os depoimentos que estão em ditas fitas podemos citar:
No inicio do ano de 1958, foram fundadas as Ligas camponesas, na
cidade de Sapé, à qual foram filiados 227 camponeses, sendo o evento
da fundação realizado no Grupo Escolar Getil Lins, na presença das
seguintes autoridades: Jacob Frantz (deputado estadual), Antonio
Ferreira Vaz (Tenente Coronel), Odilon Pedrosa (pároco da Matriz
local).- (Informação no depoimento de José Hermínio Dionísio).
Para muitos camponeses, ouvidos pela religiosa, era o momento de se criar um
espaço que conseguisse resgatar a memória das lutas pela reforma agrária e construir
um centro de formação para o campesinato futuro. Assim, esses camponeses formaram
uma comissão com vários integrantes e começaram a se reunir em um local que
pertence a paróquia de Sobrado (PB), no povoado Barra de Antas do município de Sapé
(PB), esse local foi denominado pelo grupo de Memorial João Pedro Teixeira.
Após
muitos
encontros,
esses
camponeses,
juntamente
com
outros
representantes da sociedade civil, em 2008, se reuniram, discutiram e elaboraram um
Estatuto criando o Memorial das Ligas Camponesas, e, logo em seguida elegeram sua
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primeira diretoria, composta por um presidente; uma secretária; uma tesoureira; um
diretor de comunicação; um diretor de projetos; três membros do conselho fiscal e seus
suplentes, como também indicaram uma assessoria jurídica. A partir de então, sua sede
passou a funcionar provisoriamente no local denominado Memorial João Pedro
Teixeira, onde se realizam, mensalmente, as reuniões do Memorial.
A dinâmica desses encontros é de uma grande riqueza política, e a organicidade
do grupo (diretoria e parceiro) exige um amplo envolvimento por parte de todos, desde
os camponeses, passando pela assessoria jurídica, pesquisadores do grupo de pesquisa
Gestar: território, trabalho e cidadania da Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
Comissão Pastoral da Terra (CPT), além dos apoios mais eventuais.
Procuramos ao longo da pesquisa participar de vários desses encontros, o que
exigiu o deslocamento (último sábado de cada mês) para o povoado - Barra de Antas -,
visto que a maioria das reuniões da diretoria do Memorial se realizava em sua sede
provisória.
Na pesquisa foi possível obsevar que a filosofia do Memorial é pensada em
grupo, onde a diretoria se encontra, e se articula com os parceiros de vários setores da
sociedade civil e do poder público, por meio de reuniões, redes sociais, ofícios, dossiês,
e de comissões, dentro do Memorial, discutindo eixos temáticos específicos como
infraestrutura, formação, extensão, que convergem para o mesmo caminho, o da
construção de um centro de formação para o campesinato presente e futuro e o de
resgatar a memória através de objetos e documentos relevantes na formação de um
acervo histórico, social, político e cultural no espaço rural brasileiro.
Nessa perspectiva, a desapropriação, a revitalização e o tombamento da área e da
casa, onde viveram João Pedro Teixeira, Elizabeth Teixeira e seus 11 filhos pequenos
passaram a ser meta inicial no processo de criação do Memorial das Ligas Camponesas.
Assim, o ano 2008 foi o ponta-pé inicial para se (re) pensar em uma organização
camponesa que fortalecesse a luta pela reforma agrária e por políticas agrárias e
agrícolas de qualidade nos assentamentos rurais.
Dessa maneira, o Memorial representa tanto o resgate como a continuação de
uma luta histórica imprescindível para a educação cívica de uma população camponesa
que se estende para outros setores da sociedade.
Na fala do presidente do Memorial das Ligas Camponesa, Luiz Damázio, é
possível perceber o sentimento de luta e esperança desse camponês em participar da
história presente e futura do campesinato brasileiro:
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São muitos os apoios, as parcerias, claro que tem assessoria,
mas no final a decisão é dos camponeses e camponesas
membros do Memorial. (...) existe uma formação psicológica
e humana nesse processo, imagina, antes só o medo
prevalecia, a desconfiança dos moradores da redondeza,
esperamos uma maior adesão ao Memorial por parte dos
companheiros assentados da reforma agrária, a partir do
momento que se desaproprie a casa, e se crie um centro de
formação para o campesinato tudo pode mudar, a gente cuida
do Memorial, ele representa a nossa história (Luiz Damazio,
2010 em uma reunião do Memorial ).
Com esse espírito de luta e esperança, em 24 de março de 2010, a diretoria do
Memorial das Ligas Camponesas reunida em Assembleia Extraordinária, para a
substituição de parte de seus membros, contou com a presença de Juliana Elizabeth
Teixeira, neta de João Pedro Teixeira e Elizabeth Teixeira, que passaria a ocupar o
cargo de secretária, substituindo a anterior. A nova diretoria continua então a efetuar
reuniões periódicas, nos últimos sábados de cada mês, para avaliar e dar
encaminhamentos às atividades, por exemplo, as caminhadas que se realizam a cada dia
02 de abril em memória do assassinato de João Pedro Teixeira.
A desapropriação da área em que está situada a casa onde viveu o líder das
Ligas, na Paraíba, foi objeto de várias discussões da diretoria, sobre qual esfera do
poder público iria assumir a responsabilidade. A primeira tentativa foi negociar a
desapropriação com o poder local. Em 31 de março de 2010, a casa e a área de cinco
hectares de terra em seu entorno foi objeto de um Decreto de Utilidade Pública,
expedido pelo prefeito do Município de Sapé/PB.
Porém, passaram-se doze meses sem que tal autoridade tomasse as providencias
necessárias para a desapropriação e imissão de posse. Dessa forma, em 2011, por
ocasião do 49º aniversario da morte de João Pedro Teixeira, em uma manifestação que
contou com a presença de vários (as) camponeses (as), políticos, Universidade Federal
da Paraíba (UFPB), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Comissão Pastoral da
Terra (CPT), setores dos movimentos sociais e do Governador do Estado, Elizabeth
Teixeira reivindicou uma “reforma agrária de verdade”. Em seguida, em público, ao
fazer uso da palavra Juliana Elizabeth Teixeira solicitou audiência no Palácio da
Redenção (sede do Governo) para tratar da desapropriação da casa e do terreno, pelo
Estado. Dita audiência ocorreu no dia 8 de abril de 2011. Nessa ocasião ficou
assegurado, nas palavras do governador, que o Estado tinha interesse na desapropriação
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e no tombamento da área com o objetivo de “resgatar a história do campesinato e em
particular a história dos que tombaram na luta pela reforma agrária na Paraíba e no
Brasil”.
A desapropriação, pelo Estado da Paraíba, se deu em 12 de 10 de 2011 e a
imissão em 02 de 01 de 2012. A revitalização da casa, sede do memorial, está em
andamento. Para essa revitalização foi possível contar com a presença de Elizabeth
Teixeira no local, a mesma indicou os cômodos de cada membro da família, bem como
os utensílios que eram usados no dia a dia do grupo familiar, o que facilita bastante na
organização do acervo do Memorial.
Esse acervo ainda está sendo construído pelos camponeses que guardaram e
recuperaram alguns objetos, como o microfone que João Pedro Teixeira utilisava nas
manifestações e as fotos de lideranças da época das Ligas, como João Alfredo (Nego
fubá), Pedro Fazendeiro, Gregório Bezerra, Franscisco Julião, João Pedro Teixeira,
Elizabeth Teixeira, dentre outros. Os estudantes e pesquisadores têm contribuído com
doações de monografias, dissertações e teses sobre o tema da luta pela terra. Os
admiradores do Memorial doam jornais, revistas e livros, com temas sobre as lutas pela
reforma agrária. Alguns artistas plásticos da região também já doaram alguns quadros
(óleo sobre tela) de representações do líder João Pedro Teixeira. E assim, o acervo vai
crescendo a cada dia.
Não há como pensar em uma democracia no espaço rural esquecendo ou
ignorando a linha histórica de resistência à opressão. A resistência pacífica pode ser o
primeiro sinal de um poder novo (BOBBIO, 2004).
Nos eventos que participamos durante a pesquisa, a exemplo da caminhada de
02 de abril de 2012 (cinquentenário da morte de João Pedro Teixeira) ocorrida no
município de Sapé (PB), foi possível verificar a diversidade de apoios recebidos pelo
Memorial por parte da sociedade civil. Uma parceria que se manifesta de múltiplas
formas. Por exemplo, com doações de direitos autorais pelos artistas (músicas e poesias)
e escritores (livro, Eu Marcharei na tua Luta) bem como a presença de indígenas
(tabajaras), quilombolas, quebradeiras de coco, camponeses, sem teto, estudantes,
professores e pesquisadores nos atos públicos, na praça da cidade de Sapé (PB) e na
inauguração da sede do Memorial das Ligas Camponesas, no Povoado Barra de Antas,
vão-se consolidando, mais do que uma aliança eventual, uma efetiva cumplicidade, que
apontam para o fato de que o Memorial das ligas Camponesas aglutina interesses como:
serviços de educação de qualidade e moradia decente para todos, bem como
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democratização da terra, através da reforma agrária; demarcação e regularização das
terras indígenas, das terras de comunidades quilombolas e de outros povos tradicionais.
No Brasil, a resistência dos índios abstencionistas e dos negros
rebeldes dos quilombos, e mesmo dos colonos brancos e
mestiços mais pobres desprovidos de terras, não deu para
vencer a força opressiva do latifundiarismo (CASTRO, 2006, P.
118).
Sabemos que a ocupação do território brasileiro pelos europeus foi feita desde o
início com imposição contra seus habitantes nativos. Os indígenas, quilombolas,
camponeses e comunidades tradicionais ainda hoje, além da exclusão, enfrentam o
preconceito social e na maioria das vezes, os grupos econômicos e financeiros os vêem
como um empecilho inconveniente, principalmente, quando o tema é a propriedade da
terra.
4. Assentamentos da reforma agrária e o Memorial
Os assentamentos rurais, geralmente são espaços criados a partir de projetos de
reforma agrária com o objetivo de redução tanto da concentração da terra como da
pobreza e da miséria no meio rural, contudo, de maneira geral, as áreas desses
assentamentos são comumente associadas à concentração de pobreza e a crises em
determinados setores produtivos, que levaram a processos de estagnação econômica no
mundo agrário em que se situam (RODRIGUES, 2007; RODRIGUES; MUNIZ, 2009).
No entanto, mesmo com a pobreza que permeia quase sempre a etapa posterior à
desapropriação e imissão de posse, alguns assentamentos rurais na Paraíba procuram, na
agroecologia, sobressair positivamente.
Muito dos camponeses membros e associados do Memorial das Ligas
Camponesas são assentados da reforma agrária e buscam na agroecologia um novo
paradigma de produção alimentar tanto para o campo como para a cidade, exemplo
disso são as feiras agroecológicas na cidade de João Pessoa/PB e Sapé/PB. Assim, o
Memorial está direta e indiretamente envolvido com as mudanças de hábitos no espaço
rural da Paraíba, esta afirmativa decorre do fato, entre outros, do presidente do
Memorial (Luis Damázio), ser membro e ex-presidente da Ecovárzea (Associação dos
agricultores e agricultoras da várzea paraibana), associação responsável pela produção e
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escoamento, de alimentos sem agrotóxico, para as feiras no Campus I da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB) e na Cidade de Sapé/PB.
É importante destacar que os camponeses que passaram por um processo de luta
e resistência no espaço rural paraibano parecem entender melhor o significado das
conquistas obtidas no decorrer dos anos. A análise das informações obtidas com a
pesquisa empírica permite afirmar que aqueles camponeses que entenderam o
significado da luta pela terra fazem a diferença nos assentamentos rurais da reforma
agrária, tendo em vista a evolução consciente alcançada pelo grupo que se manteve
firme na terra.
Esses camponeses que resistiam ao poder dos grandes proprietários de terra, não
tinham assegurado muitos de seus direitos humanos básicos, inclusive o de reuniões.
Muitos deles responderam na justiça por “Crime de formação de quadrilha ou bando”.
No judiciário, o Ministério Público ofereceu denúncia “contra aqueles que se organizam
no Movimento dos Sem Terra” no campo (MUNIZ, 2000).
Evidentemente não seria o caso, aqui, de mencionar as inúmeras críticas que são
feitas à postura do Ministério Público nas questões relacionadas à luta pela terra, não é
nossa pretensão, neste trabalho, analisar os atos do poder judiciário. O ponto chave que
nos interessa, é a constatação da existência de uma lógica de (re) construção social que
está implícita no debate em torno do Memorial das Ligas Camponesas.
Ao analisarmos os processos criminais contra os camponeses da Várzea e
Agreste paraibano, hoje assentados da reforma agrária, encontramos depoimentos
desoladores, e na defesa apresentada pelos advogados registros da resistência dos
camponeses nessa região onde lutou João Pedro Teixeira.
Em juízo os camponeses tentavam demonstrar para o poder judiciário que não
tinham para onde ir, e que a política agrária, no Brasil, está direta e inteiramente
relacionada com a política urbana. Segundo Santos (1988), os camponeses, expulsos do
campo, sem condição de emprego e sem casa na cidade, vivendo em barracos, muitas
vezes não encontram outro caminho que o da criminalidade.
A análise de alguns depoimentos prestados à justiça pelos camponeses revela a
gravidade do problema, constatado a partir do seguinte trecho: Não tenho para onde ir,
preciso plantar para comer, as usinas não dão emprego a gente. (...). Não tenho o que
perder, estou para o que vier. Outro depoimento marcante na luta pela terra vem do
Município de São Miguel de Taipu/PB, Vamos resistir até as autoridades tomarem
providências, não posso deixar minha família ir para a porta de rua, eles só sabem
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trabalhar na enxada. Como diria Lefebvre (1972) as questões do mundo rural são
muito mais diversas e múltiplas do que parece.
Os conflitos agrários e a luta pela reforma agrária também se realizam nesse
espaço (territórios), geralmente em disputa com visões ambientalistas diversas que
muitas vezes ignoram a dimensão social e os princípios da justiça social e ambiental.
A postura desses camponeses que resistiram na terra para garantir seus direitos
humanos básicos como alimentação e habitação, tem continuidade quando se organizam
em associações, como a ecovárzea (associação de agricultores e agricultora da várzea
paraibana), e utilizam técnicas agroecológica para a produção de alimento sem
agrotóxicos. São camponeses que tentam chamar a atenção para a necessidade de uma
nova postura da sociedade em relação à propriedade e uso da terra e concomitantemente
ao meio ambiente - que de acordo com o artigo 225 da Constituição de 1988, este é um
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida de todos. A
preocupação com a preservação ambiental vem se intensificando e repercutindo com
campanhas direcionadas a essa problemática (ROCHA, 2011, p.55).
Neste sentido, há várias experiências por parte dos camponeses de áreas de
assentamentos rurais da reforma agrária que buscam na agroecologia abarcar práticas
que primem pela redução da pobreza no meio rural e das agressões ao meio ambiente.
E, desse modo, estabeleça uma nova relação entre o homem e a terra.
A terra é um instrumento de trabalho qualitativamente diferente
dos outros meios de produção. Quando alguém trabalha na
terra, não é para produzir a terra, mas para produzir o fruto da
terra. O fruto da terra pode ser o produto do trabalho, mas a
própria terra não o é. (MARTINS, 1983, p.159)
Entre as experiências que buscam novas alternativas desenvolvidas desde a
agroecologia para a redução da pobreza e do desequilíbrio ambiental nos assentamentos
rurais se encontram: produção de alimentos sem a utilização de agrotóxicos, a
comercialização desta produção em feiras agroecológicas e formação de agentes
ambientais.
O projeto das Feiras Agroecológicas no estado da Paraíba iniciou-se em 2001,
com o apoio financeiro da Cáritas do Brasil (Arquidioce da Paraíba). Com esse apoio,
os camponeses compraram bancas, balanças, uniformes e alguns outros materiais
necessários para a execução do projeto, que resultou na criação de quatro Feiras em
diferentes bairros da cidade de João Pessoa. A partir desse ponta-pé inicial, a produção
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agroecológica tem conquistado significativa notoriedade ao campesinato paraibano e
tem crescido substancialmente nos últimos anos (RODRIGUES; MUNIZ, 2009).
O grupo de pesquisa Gestar: território, trabalho e cidadania da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB) acompanhou a experiência das feiras a partir dos
assentamentos Dona Helena, Padre Gino, Rainha dos Anjos, Boa Vista e Apasa,
localizados, respectivamente, nos municípios de Cruz do Espírito Santo, Sapé e
Pitimbú, no estado da Paraíba. Estes assentamentos foram contemplados através de um
projeto de extensão universitária Agricultura orgânica e feira agroecológica como
estratégias de complementação de renda em assentamentos rurais da Zona da Mata paraibana,
com apoio da Petrobrás, através do Programa “Desenvolvimento e Cidadania” e tinha como
objetivos precípuos: fortalecer e ampliar a experiência na agroecologia com a
comercialização dos produtos que vem sendo cultivados; complementar a renda dos
camponeses nos assentamentos, e contribuir para formação de agentes ambientais.
A execução do projeto de extensão também contribuiu para a melhoria da infraestrutura de duas feiras agroecológicas que acontecem semanalmente no Campus I da
Universidade Federal da Paraíba – UFPB e no bairro do Bessa, na cidade de João
Pessoa. Durante a pesquisa observamos que as feiras agroecológicas representam uma
nova forma de inclusão social na vida dos participantes. Os camponeses só participam
das feiras após passarem por um acompanhamento técnico, onde são avaliadas a forma
de produção e a qualidade dos produtos.
As feiras agroecológicas possuem regimento interno, que regulamenta
objetivos,
critérios,
participação
e
apresenta
uma
estruturação
sistemática
organizacional, contemplando uma Comissão de Ética e uma Assembléia Geral além de
estabelecer penalidades para o descumprimento desse regulamento. Cada feira conta
com um coordenador, um tesoureiro e um secretário, os quais foram capacitados para
realizarem estas funções e manterem seus afazeres na agricultura e como feirantes.
Durante cada Feira são comercializados os alimentos produzidos nos assentamentos
sem a utilização de aditivos químicos os chamados agrotóxicos.
Outra experiência acompanhada pelo grupo de pesquisa Gestar: território,
trabalho e cidadania foi o projeto Juventude Rural e Empoderamento: formação de
agentes ambientais e troca de saberes no campo da agroecologia, esse projeto
aglutinou 34 adolescentes (filhos de assentados da reforma agrária, muitos dele
membros do Memorial das Ligas Camponesas) entre 11 à 17, anos dos assentamentos
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rurais Padre Gino, Rainha dos Anjos, situados nos municípios de Sapé no estado da
Paraíba.
Os integrantes do projeto atuaram inspirados em Freire (1979), para quem a educação
deve levar à liberdade, estimular a criatividade e a autonomia. Assim, procuraram utilizar-se das
experiências locais no trato com os adolescentes e com o meio ambiente em que eles vivem.
As propostas das oficinas foram elaboradas com a participação das estudantes do curso de
Pedagogia, filhas de assentados da reforma agrária, que foram bolsistas do próprio projeto.
Priorizou-se a diversificação de linguagens, com a utilização de audiovisuais, filmes, vídeos de
curta duração, desenhos, músicas e poesias versando sobre a temática ambiental. Em sua
execução, as oficinas priorizaram a troca de saberes, a partir do diálogo com os adolescentes e
seus familiares. Durante a realização das oficinas, foram feitos os registros orais em cadernos de
campo, com o auxílio de máquina fotográfica e de filmagens. Esses registros permitiram acumular
um acervo de informações importantes para a construção de novas propostas pedagógicas.
Durante a realização das oficinas, procurou-se mapear algumas árvores remanescentes da
Mata Atlântica, bem como a existência de animais silvestres nos assentamentos. Indagou-se, além
disso, sobre as técnicas de produção utilizadas pelo conjunto dos assentados em cada área de
assentamento que os adolescentes conhecem. Além de participarem de aulas teóricas e práticas
nos assentamentos, os adolescentes também participaram de atividades de intercâmbio, como
visitas ao viveiro de mudas, no Município de João Pessoa, à feira agroecológica no Campus I da
UFPB, à estação ciências e ao zoológico na cidade de João Pessoa.
O conteúdo ensinado pela equipe de facilitadores do projeto deixou de ser o centro do
aprendizado. Este passou a ser a relação do grupo com diferentes realidades, as conversas
informais, os filmes, as músicas, as poesias, as visitas, os estudos provocados e, sobretudo, o
plantio das mudas da Mata Atlântica e a troca afetiva entre eles e a natureza.
Ambas experiências apontam para o fato de que, a agroecologia afigura-se como
um importante conceito para o entendimento das novas práticas agrícolas da atualidade,
e deve ser correlacionada a temas como desenvolvimento sustentável, função social da
terra, cidadania ambiental, segurança e soberania alimentar e direitos humanos presentes
na pauta das discussões sobre poluição do meio ambiente. Segundo Cunha (2011), o
conceito de poluição é bastante amplo, abrangendo todos os meios de adulterações do
meio ambiente, tornando-o prejudicial à saúde, ao bem-estar das populações, ou
alterações que causem dano à floresta e à fauna. Para Magalhães (2008) O estudo da
questão ambiental é, acima de tudo, um convite à reflexão sobre o modelo de
desenvolvimento escolhido pelos seres humanos. Ao atribuir a todos o direito ao meio
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ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição brasileira de 1988 atribuiu
também a todos a titularidade do bem ambiental, ratificando a sua posição democrática.
5. Considerações finais
O Memorial das Ligas Camponesas parte da compreensão de que a luta pela
reforma agrária no Brasil é a luta pelo direito, uso e cuidado da terra, esta uma
necessidade vital para o camponês assegurar direitos humanos básicos como
alimentação, trabalho moradia e desenvolvimento. A terra assegura ao camponês
reproduzir a forma de viver, inscrita na memória do grupo, na sua cultura, concebida
como um bem útil pelo trabalho e produção. Um meio de suprir as necessidades
individuais e de uma coletividade. Assim, o modelo capitalista que subordinou o espaço
rural às necessidades da industrialização que excluiu e ainda exclui parte da população
indígena, quilombola, camponesa dentre outras deve ser repensado.
Para os assentamentos da reforma agrária a agroecologia surge como uma
resposta a problemas e desafios reais de grande magnitude, associar o desenvolvimento
nacional à crescimento econômico já não é viável, portanto, mudanças substanciais no
meio rural são indispensáveis. A experiência que vem se desenvolvendo nos últimos
anos resalta, ao mesmo tempo, que estas mudanças são possíveis. A agroecologia nos
assentamentos rurais conta com uma significativa quantidade de oportunidades que
permitem,
no
marco
da
economia
familiar
reduzir
desigualdades
gerando
desenvolvimento nos assentamentos.
A luta pela reforma agrária e pela conservação, preservação e manutenção dos
ecossistemas naturais tem motivado os movimentos sociais e ecológicos na defesa da
terra e do meio ambiente, na tentativa de articular os interesses ecológicos com justiça
social e estabelecer uma visão crítica sobre os grandes projetos econômicos de
desenvolvimento que utilizam-se da exploração tanto dos seres humanos como dos
recursos naturais da terra. Para Leff (2001:348) “Na defesa dos novos direitos cidadãos
– democráticos, ecológicos, de gênero – está se desenhando uma mudança de época”.
Neste sentido, a juventude rural pode ser um excelente caminho para o exercício
dessa cidadania política e ambiental, exigindo dos poderes públicos a observância das
normas que tratam da função social da terra e do meio ambiente. No Brasil ambos os
temas são contemplados na Constituição Federal, mas, parece que falta vontade política
dos poderes públicos para efetivação das normas constitucionais como um todo.
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6. Referências
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marcharei na tua luta: A vida de Elizabeth Teixeira. João Pessoa: eduepb, 2ª edição,
2012.
BOBBIO, Norberto. Era dos Direitos. Rio de Janeiro, Campus, 2004.
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Janeiro: Civilização, 2006.
CUNHA, Belinda Pereira. Direito Ambiental: Doutrina, Casos Práticos e
Jurisprudência. São Paulo: Alameda, 2011.
FERNANDES, Bernardo Mançano. MST: formação e territorialização. São Paulo:
Hucitec, 1996.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e terra,
1979.
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cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 2003.
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LEFEBVRE, Henri. La Revolución Urbana. Madrid: Alianza, 1972.
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MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito constitucional: curso de direitos
fundamentais. São Paulo: Método, 2008.
MARTINS, José de Sousa. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes,
1983.
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ROCHA, Altemar Amaral, Sociedade e Natureza: A Produção do Espaço Urbano em
Bacias Hidrográficas. Vitória da Conquista, Bahia:UESB, 2011.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. O Regionalismo Nordestino. João Pessoa: UFPB,
2009.
RODRIGUES, Maria de Fátima Ferreira. Trajetórias de exclusão, territorialidades em
construção: processo de resistência de negros, índios e camponeses no Estado da Paraíba, Brasil.
Niterói: Anais da ANPEGE, 2007.
RODRGUES, Maria de Fátima Ferreira; MUNIZ, Iranice Gonçalves. Tecnologias
sociais e geração de renda: nota sobre estratégias de “recriação” do campesinato no
Estado da Paraíba, Brasil. Niterói: Anais da ANPEGE, 2009.
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Iranice Gonçalves Muniz