1 EDUCAÇÃO FORMAL DAS MULHERES E FEMINIZAÇÃO DA POBREZA: A PERSPECTIVA DA CEPAL Leda Aparecida Vanelli Nabuco de Gouvêa1 Amélia Kimiko Noma2 O presente trabalho tem como objeto de estudo a educação formal das mulheres na perspectiva da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). Objetiva, a partir da análise de documentos produzidos pela CEPAL pós 1990, explicitar a funcionalidade atribuída à educação formal feminina, a fim de evidenciar articulações entre a referida temática e o caráter focalizado das políticas neoliberais, principalmente no que diz respeito à denominada feminização da pobreza. Parte-se do pressuposto de que a análise de questões referentes à educação formal das mulheres explicitada nos documentos produzidos pela CEPAL não pode ser suficientemente compreendida apenas restringindo-se a aspectos internos dos documentos utilizados. O propósito de explicar a determinação social do objeto em condições históricas específicas só pode ser alcançado a partir da contextualização das questões analisadas no tempo e no espaço histórico em que foram produzidas. Destarte, é fundamental apreender o contexto onde foram geradas as análises, formulações e recomendações da CEPAL para a educação formal das mulheres. A partir daí, pode-se compreender porque a educação formal, como forma de contribuir para a redução da pobreza, auferir crescimento econômico e desenvolvimento social, é um dos elementos constantemente presente nos discursos das agências internacionais e no discurso de governos, empresários e dos próprios trabalhadores. No contexto da fase monopolista e imperialista de desenvolvimento do capitalismo mundial, a CEPAL, como agência regional, vem produzindo desde os anos 1990 um aparato teórico e técnico que sustenta politicamente programas de ajuste estrutural, orientando e operacionalizando o novo modelo de desenvolvimento econômico e social para a região latino-americana e 1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá. Professora colaboradora Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel. Endereço: Rua São Paulo, 769, aptº 1502, Centro, CEP 85.801-020, Cascavel-PR. Telefone: (45) 3224-4841. E-mail: [email protected]. 2 Professora do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá. 2 caribenha. Prioriza como objeto central o desenvolvimento econômico e social, bem como as grandes questões sociais como educação, saúde e trabalho. No documento “Transformação produtiva com eqüidade: a tarefa prioritária do desenvolvimento da América Latina e o Caribe nos anos noventa”, publicado em 1990, após diagnosticar o crescimento massivo da pobreza na região afirma ser o cerne da transformação produtiva com eqüidade a incorporação do progresso técnico, que pressupõe a existência de recursos humanos capazes de se adaptar às mudanças do setor produtivo. A educação e a requalificação contínua da força de trabalho constituem-se condição necessária para que a economia avance para o crescimento sustentável e a eqüidade. Esta agência explicita que o Estado precisa, sobretudo, minimizar o custo social do ajuste, preconizando um lugar destacado aos programas sociais. Custos sociais, que nos estudos realizados por esta agência são mais severos para as mulheres. No projeto da CEPAL de uma transformação produtiva com eqüidade tornou-se essencial investir-se em recursos humanos, sendo a educação o eixo principal, tanto para promover condições para o progresso técnico quanto via para redução da pobreza. Conforme Oliveira (2001) embora a CEPAL não seja uma agência fundamentalmente preocupada com a política educacional, passou a despontar como uma das principais fontes das idéias direcionadoras das políticas educacionais na região. Em 1992, a agência formulou os pressupostos educacionais nos quais os países da região devem embasar-se para implementar suas políticas educacionais, expresso no documento “Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com eqüidade”. Estes pressupostos fundam-se na articulação entre educação, conhecimento e desenvolvimento, tríade central nas estratégias de incorporação do progresso tecnológico, que possam transformar as estruturas produtivas dentro de uma progressiva eqüidade social. Em relação à eqüidade, consta que o Estado deve promover a passagem de uma educação que reforça as desigualdades para aquela que contribua para elevar a igualdade social, se destinar seus melhores recursos para os lugares onde são maiores as necessidades. Em “Eqüidade, desenvolvimento e cidadania” (2000) a agência traz elementos que reforçam aqueles apontados nos documentos anteriores, acentuando a questão da pobreza na região e estabelecendo uma agenda de desenvolvimento para o século XXI direcionada, principalmente, para a redução da pobreza. A educação é apontada como 3 uma das chaves-mestra para gerar o progresso simultâneo em igualdade, desenvolvimento e cidadania, sendo vital para bloquear a reprodução da pobreza via perpetuação de uma geração a outra. Adota o princípio da focalização e seletividade orientando a destinação dos maiores recursos estatais onde há maior carência, ou seja, que as políticas sociais sejam dirigidas a grupos específicos da população, os mais afetados pela pobreza, principalmente se a pobreza estiver concentrada em grupos populacionais específicos. Esta última assertiva é uma questão importante para se compreender o que é denominado de “feminização da pobreza”. No final dos anos de 1990, houve uma ênfase maior na questão da pobreza feminina e na educação das mulheres, principalmente após a IV Conferência Mundial sobre a Mulher de 1995. Nesta, foi salientada a necessidade da inclusão da perspectiva de gênero nas políticas e programas sociais, tendo em vista serem as mulheres mais afetadas pela pobreza que os homens, tanto em países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos. Se a pobreza afeta mais as mulheres, estas devem ser o foco das políticas para a redução da pobreza mundial. Esta idéia geral se estabelece como fio condutor nos demais documentos da agência em questão. No “Panorama Social da América Latina” de 2002/2003, a CEPAL conclui que a pobreza afeta com maior severidade as mulheres. Como sem a importante contribuição feminina não é possível superar a pobreza da região, defende-se a autonomia econômica das mulheres para favorecer o seu “empoderamento”. Os efeitos seriam o incremento de sua capacidade de decisão e ação e a adição dos efeitos positivos da educação das mulheres sobre a saúde infantil e a mortalidade materna. É evidente, para a CEPAL, que investir nas mulheres é imprescindível para que os objetivos de desenvolvimento do milênio sejam alcançados. Dentre os objetivos de desenvolvimento do milênio acordados na Cúpula do Milênio (2000), está o acesso universal à educação primária até o ano de 2015, a promoção da igualdade entre os gêneros e a autonomia das mulheres como meio de combater a pobreza, a fome, enfermidades e de estimular um desenvolvimento “verdadeiramente sustentável”. Na 9ª Conferência Regional da Mulher da América Latina e Caribe, realizada em 2004, reforçou-se o ideário da educação das mulheres como meio de superar a pobreza, enfatizando-se que um dos maiores avanços em relação à eqüidade foi a elevação do número de anos de estudo e o aumento da matrícula feminina. 4 Segundo o documento, as mulheres economicamente ativas têm níveis de estudos que superam ao dos homens. No entanto, como todos os documentos anteriores já apontaram, o nível educacional das mulheres não levou a uma melhor inserção no mercado de trabalho, nem influenciou nas questões salariais. Uma das conclusões do documento resultante da Conferência citada, é de que por ser mulher e pobre, o fator de exclusão do mercado de trabalho torna-se maior. Nesta conferência foi aprovado o “Consenso do México”, no qual os governos da região assumem o compromisso de criar e implementar estratégias de transversalização da perspectiva de gênero nas políticas públicas na região. O processo de integração da perspectiva de gênero nas políticas de desenvolvimento consiste no exame das conseqüências, para homens e mulheres, de qualquer ação pública planificada, incluindo a legislação, as políticas e os programas em qualquer campo. A CEPAL, nos “Objetivos de desenvolvimento do milênio: uma mirada desde a América Latina e Caribe” (2005), apresentou um balanço do seu desempenho na consecução das metas definidas em 2000. Em relação à igualdade de gênero e autonomia das mulheres apresenta dados atualizados que continuam a demonstrar a disparidade entre nível de educação das mulheres e sua situação no mercado de trabalho. Nos documentos analisados, a perspectiva de que as políticas econômicas e sociais passem a focalizar a mulher tornou-se estratégica. Essa proposição não se limita a CEPAL, mas está presente em vários documentos oriundos da UNESCO e Banco Mundial. Questiona-se o ideário e a proposta de redução da pobreza, principalmente via educação, que tem na assertiva de que sendo as mulheres mais afetadas pela pobreza nada mais certo que investir na educação para quebrar o círculo vicioso da pobreza. Argumenta que esta retórica escamoteia as causas reais do processo de empobrecimento humano em escala mundial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CEPAL. Transformacion productiva com equidad. Santiago do Chile, 1990. CEPAL/UNESCO. Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com eqüidade. Brasília: IPEA/CEPAL/INEP, 1995. CEPAL. Equidade, desenvolvimento e cidadania. Rio de Janeiro: Campus, 2002. 5 CEPAL. Panorama Social 2002/2003. Disponível em: <http://www.eclac.cl/cgibin/getProd.asp?xml=/dds/agrupadores_xml/aes31.xml&xsl=/agrupadores_xml/agrupa_ listado.xsl>. Acesso em: 15 mar. 2005. CEPAL. 9ª Conferencia Regional sobre la mujer de América Latina y el Caribe: Caminos hacia la equidad de género en América Latina y el Caribe. Disponível em: <http://www.eclac.cl/mujer>. Acesso em: 25 jul. 2005. CEPAL/ONU. Objetivos de desarrollo del milenio: una mirada desde a América Latina y el Caribe. Santiago: CEPAL, 2005. Disponível em: <http://www.eclac.cl/> . Acesso em: 25 jul. 2005. OLIVEIRA, Ramon de. O legado da CEPAL à educação nos anos 90. Revista Iberoamericana de Educação, 2001. Disponível em: <http://www.campusoei.org/revista/deloslectores/Oliveira.pdf>. Acesso em: 25 de jul. 2005.