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CIDADANIA À BEIRA DO RIO: NOVOS CAMINHOS CONSTRUÍDOS
PARA MULHERES RURAIS EM RONDÔNIA
Elisângela Ferreira de Menezes
Universidade Federal de Rondônia- UNIR
[email protected]
Ana Paula de Aquino Pereira
Universidade Federal de Rondônia- UNIR
[email protected]
Gracimar Moreira de Alencar
Universidade Federal de Rondônia- UNIR
[email protected]
Maria das Graças Silva Nascimento Silva
Universidade Federal de Rondônia -UNIR
[email protected]
RESUMO
A proposta do presente artigo é apresentar os novos caminhos das políticas públicas para a população
rural, especialmente para as mulheres. O estudo em questão se passa em uma comunidade ribeirinha do
norte do país. Essa comunidade localiza-se a 120 km da cidade de Porto Velho, Estado de Rondônia. O
distrito de Nazaré e Boa Vitória, tem uma peculiaridade caracterizada pelo modo de vida ribeirinho, vista
como uma comunidade tradicional e de cultura própria, esta é alvo de duros ataques. Para compor a
referida análise enfocaremos os conceitos de gênero e espaço geográfico e desse modo faz-se necessário
compreender que políticas de desenvolvimento rural têm gerado práticas de cidadania e ao mesmo tempo
gerado conflitos ocasionado pelos grandes projetos de desenvolvimento que provocam mudanças
materiais e imateriais na vida dos moradores do campo.
Palavras- chave: Gênero- Espaço – Mulheres Ribeirinhas – Políticas Públicas
ACORDOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS SOCIAIS
IGUALDADE DE GÊNERO E SEUS IMPACTOS NO BRASIL
PARA
A
As mudanças e reivindicações dos movimentos de mulheres eclodiram após os
anos 80. Em 1979 foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU, a Convenção sobre a
Eliminação de todas as formas e Discriminação contra a Mulher (CEDAW) passou a
vigorar apenas a partir de 1981. No Brasil, entrou em vigor em 1984 com reservas e a
partir de 1994 na sua integralidade (FUNAG/IPRI/Ministério das Relações Exteriores:
2003). Esse fato apontou mudanças significativas para o desenvolvimento de políticas
públicas que garantissem a inclusão e eliminação da discriminação e opressão de
gênero. No artigo 14 da CEDAW estabelece o compromisso dos países em garantir a
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participação das mulheres na elaboração e execução dos planos de desenvolvimento,
assegurando educação e assistência técnica, e em apoiar cooperativas como forma de
obter a igualdade de acesso às oportunidades econômicas, acesso ao crédito, aos
instrumentos de comercialização e à tecnologia apropriada. (ONU, CEDAW, 1975).
Na ocasião desta Conferencia foi aprovado a “Carta do Campesino” que prevê
o compromisso com a igualdade das mulheres nos processos sociais econômicos e
políticos de desenvolvimento rural e nos benefícios da melhoria das condições de vida
das zonas rurais.
As diretrizes tomadas fizeram com que os países presentes se comprometessem
a realizar ações com objetivo de alcançar a igualdade e o desenvolvimento rural. O
reconhecimento da mulher como um ser e cidadã, é de fato importante para o
desenvolvimento de qualquer sociedade.
A carta do Campesino propunha recomendações, mas mudanças mais
profundas precisavam ser feitas, as mudanças legislativas ainda andavam a passos
lentos, com isso nos anos 90 os compromissos foram rediscutidos na IV Conferência
Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, em 1995. A partir desse momento as
medidas foram adotadas pelos governos para diminuir as desigualdades e considerar a
mulher e suas necessidades diante da sociedade.
Os movimentos da sociedade civil contribuíram de forma determinante nesse
processo para efetivação dos direitos das mulheres, bem como o movimento feminista
com a construção de alternativas políticas e econômicas para superação da ordem
hegemônica, o que inclui o reconhecimento do papel das mulheres na agricultura, pesca
e gestão dos recursos naturais, e na afirmação da defesa dos direitos igualitários.
A partir acordos internacionais realizados a partir de 1979 que tem como base
na igualdade e equidade de gênero, várias diretrizes foram realizadas para mudar a
realidade das mulheres. Dessa forma o Brasil se comprometeu a gerar normas e políticas
que se adequassem a essa nova causa, seus impactos podem ser vistos nas regiões e nos
espaços construídos pela sociedade.
A EXPANSÃO CAPITALISTA X POLÍTICAS SOCIAIS NA AMAZÔNIA: A
FORÇA
GERADORA
DE
NOVOS
RUMOS
PARA
POPULAÇÕES
TRADICIONAIS
Nos últimos anos podemos observar as modificações em várias áreas tanto nas
politicas públicas nos projetos de desenvolvimentos, a região amazônica vem passando
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por profundas modificações em seu habitat, momento em que o capitalismo adentra e se
expande, causando a exploração em larga escala dos recursos naturais, pela
modernização dos transportes, dos meios de comunicação, enquanto condições
indispensáveis à expansão capitalista. Tal processo de modernização alcança diferentes
rupturas no espaço regional que de forma direta, ou indireta, com maior ou menor
incursão, todos os espaços são atingidos.
Já são notórias as consequências desse novo projeto de reorganização e
exploração: a pesca predatória, a exploração dos recursos hídricos e florestais, a saída
forçada do homem do campo e do pescador, devastação da fauna e da flora e ameaça de
extinção das atividades tradicionais como a pesca artesanal e atividades extrativistas.
São mudanças que transformam o modo de vida das populações amazônicas levando a
quebra das “raízes”, dos valores e da identidade cultural, dando surgimento a um novo
tipo de organização social, num processo de reordenação que altera as práticas
tradicionais e o contexto social em que estão inseridas.
Neste contexto, é necessária a efetivação de políticas sociais para redução de
dados sociais e ambientais em comunidades ribeirinhas isoladas dos grandes centros
econômicos. Tais comunidades são atingidas diretamente pelas as mazelas geradas pelo
sistema econômico. Devido a estes ciclos exploratórios que nosso estado faz-se
necessário a compensação através da efetivação dos direitos humanos. Cada ciclo traz
em seu bojo problemas diversificado que atingem duramente as famílias e
principalmente as mulheres ribeirinhas.
“O empobrecimento social descomedido, gerado pelo modelo econômico
capitalista, concentrador de rendas, e ampliado pela falta de politicas públicas, faz que
comportamentos adversos instalem no seio familiar”. (Acosta, 2008).
“O empobrecimento da família impõe mudanças significativas na
organização familiar, criando novos desafios e dificuldades para o
exercício de suas funções primordiais de produção, de pertencimento,
de construção de afetos, de educação, de socialização. Frequentemente,
estas funções estão enraizadas na sua cultura, principalmente nas mães
de famílias, que as recebem por um processo de qualificação informal e
contínuo, no qual as representações e as práticas vão se construindo
naturalmente.” (Batista apud Acosta 2008).
Entendemos que a política pública é aquela voltada para toda a população,
independentemente da classe social, e a política social volta-se para um segmento
populacional específico e vulnerável socialmente. As políticas sociais são caminhos
para efetivação da cidadania dessas mulheres, tais políticas devem “empodera-las” para
superação de seus conflitos.
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Apesar de todos esses procedimentos e ações bem como leis e diretrizes para a
equidade de gênero, presencia-se atualmente no espaço urbano e também no rural a
sobrecarga do trabalho feminino, contudo nas áreas rurais a situação da mulher na
maioria das vezes é mais árdua que de algumas mulheres que exercem determinadas
atividades laborais nas cidades. A sobrecarga de trabalho da mulher rural consiste na
lavoura de sol a sol, afazeres domésticos, educação dos filhos e não raro o cultivo de
hortaliças e o cuidar de animais domésticos.
Situação semelhante encontra-se a mulher rural ribeirinha que além executar
todas as atividades já mencionadas, praticam a pesca artesanal e a produção artesanal de
farinha de mandioca, e na época da vazante do rio ainda tem que subir e descer os
barrancos íngremes do rio, e quase sempre, esse esforço laboral da mulher ribeirinha
não é reconhecido como tal.
Diante disso, faz-se necessário uma releitura do espaço rural ribeirinho para
verificar o acesso que as mulheres rurais ribeirinhas têm atualmente às políticas públicas
governamentais, com vistas à visibilidade e valorização do trabalho feminino e suas
potencialidades para o desenvolvimento do lugar e conseqüentemente melhoria na
distribuição dos trabalhos.
Analisar as relações sociais de gênero implica considerar a cultura e
compreender como os homens e mulheres são vistos pela sociedade em que estão
inseridos, visto que gênero é uma característica cultural que cada sociedade cria para
diferenciar as atuações sociais do masculino e do feminino.
O Distrito de Nazaré e Boa Vitória localiza-se a jusante do Rio Madeira no
município de Porto Velho-RO, cerca de 120 km da cidade de Porto Velho-RO, com área
aproximada de 3.739ha, a região inseri-se dentro de um complexo de terras firmes e de
várzeas cuja única via de acesso é a fluvial, por meio de barco recreio que transporta
tanto pessoas com diversos tipos de mercadorias ou por embarcações de menores portes
denominadas pelos ribeirinhos de rabetas, bandeirinhas e voadeiras.
As políticas sociais se referem a ações que determinam o padrão de proteção
social implementada pelo Estado, voltadas, em princípio para a redistribuição dos
benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades sociais e estruturais
produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. As políticas sociais têm suas raízes
nos movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital
e trabalho, no desenvolvimento das primeiras revoluções industriais.
A relação entre Estado e sociedade, o grau de distanciamento ou aproximação,
as formas de utilização ou não de canais de comunicação entre os diferentes grupos e os
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órgãos públicos refletem e incorporam fatores culturais, que estabelece contornos
próprios para as políticas pensadas em sociedade. Indiscutivelmente, as formas de
organização, o poder de pressão e articulação de diferentes grupos sociais no processo
de estabelecimento e reivindicação de demandas, são fatores fundamentais na conquista
de novos e mais amplos direitos sociais, incorporados ao exercício da cidadania.
Em um Estado de inspiração neoliberal as ações e estratégias sociais
governamentais incidem essencialmente em políticas compensatórias, em programas
focalizados, voltados àqueles que, em função de sua “capacidade e escolhas
individuais”, não usufruem do progresso social. Tais ações não têm o poder - e
frequentemente, não se propõem a - de alterar as relações estabelecidas na sociedade.
Com a implementação do Plano Nacional de Políticas para as Trabalhadoras
Rurais, desenvolvido pelo Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento
Agrário-MDA, em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres SPM, às políticas públicas direcionadas ao público feminino vêm se concretizando por
meio de ações como a do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora RuralPNDTR que assegura o acesso a documentação civil básica e trabalhista.
Possibilitando as trabalhadoras rurais acessar as políticas públicas, no caso
especifico das trabalhadoras rurais ribeirinhas o acesso a Carteira de Pesca constitui-se
um avanço no quesito de autonomia financeira.
Outra garantia relevante para as
trabalhadoras rurais é o direito á titulação da terra, que foi ampliado através do
Programa Nacional de Reforma Agrária-INCRA, assegura e estimula a integração das
mulheres na gestão econômica dos assentamentos.
Outras políticas públicas no âmbito rural foram ampliadas para atender as
mulheres, como: Linha de crédito através do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar- PRONAF-MULHER e o Programa de Assistência Técnica e
Sócio Ambiental-ATES que desde o ano de 2008, trabalha articulado com o Programa
de Organização Produtiva de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Agricultura Familiar e
da Reforma Agrária.
Verificamos que o acesso à renda consiste em questão central para cidadania
das mulheres e direito humano básico fundamental, reconhecido em vários instrumentos
e acordos internacionais que tratam da garantia da equidade de gênero, firmados pelo
Brasil (Cairo,Beijing, CEDAW, DESC apud Boschetti 2009).
As Transferências de Renda constituem um dos determinantes imediatos da
redução da pobreza e da queda recente de desigualdade social no País, embora esta se
mantem ainda em índices elevados. O “bolsa família” consiste no repasse de recursos
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financeiros as famílias aferidas como pobre ou em extrema pobreza e que tenham em
sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre zero e doze anos ou adolescentes até
quinze anos. Ao determinar o repasse do recurso mensal contempla prioritariamente as
mulheres, que constituem as responsáveis pelas famílias cadastradas no CadÚnico
(Cadastro Único Para Programas Sociais). Pode se constituir em ação estratégica no
enfrentamento da situação de pobreza em que vivem, em especial, aquelas que são
responsáveis por seus núcleos familiares.
A política pública de Assistência Social realiza-se de forma integrada ás
políticas setoriais, considerando as desigualdades socioterritoriais, visando seu
enfrentamento, á garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para
atender contingências sociais e á universalização dos direitos sociais.
Segundo a Política Nacional de Assistência Social, (PNAS, 2004), a Proteção
Social Básica tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do
desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários. Destina-se á população que vive em situação de
vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou
nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou fragilização de vínculos afetivo
relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por
deficiência, dentre outras).
Os serviço e programas, projetos e benefícios de proteção social básica deverão
se articular com as demais políticas públicas locais, de forma a garantir a
sustentabilidade das ações desenvolvidas e o protagonismo das famílias e indivíduo
atendidos, de forma a superar as condições de vulnerabilidade e prevenir as situações
que indicam risco potencial. É interessante ressaltar a importância dos direcionamentos
dos serviços e programas que garantem com efetividade a cidadania das populações
mais pobres, inclusive das mulheres.
REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO
Compreender o modo de vida ribeirinho constitui-se de fundamental
importância para á análise de suas formas produção do espaço. Espaço que de acordo
com Santos (1987) é o resultado das ações entre os indivíduos em um meio. O espaço
ribeirinho, por sua vez, possui suas características próprias que o distinguem dos demais
espaços, com sua população com seus modos de vida peculiares. Para abranger o
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conhecimento sobre o assunto adota-se o conceito de ribeirinho elaborado por Silva
(2002, p.23).
(...) temos como definição de “ribeirinho” a população constituinte
que possui um modo de vida peculiar que a distingue das demais
populações do meio rural ou urbano, que possui sua cosmovisão
marcada pela presença do rio. Para estas populações, o rio não é
apenas um elemento do cenário ou paisagem, mas algo constitutivo do
modo de ser e viver do homem.
Exatamente por terem como característica principal um modo de vida
diferenciado de outros habitantes de áreas rurais ou da cidade, ainda hoje as populações
ribeirinhas são rotuladas de forma pejorativa como relata, Nascimento Silva (2003,
p.43).
A base da crítica que classifica os ribeirinhos como preguiçosos
fundamenta-se em um método comparativo mal aplicado que não
considera as particularidades de cada grupo. O principal produto
ribeirinho é o peixe. A produção agrícola é de subsistência. Desta
forma simplesmente denominá-los de “preguiçosos” é preconceito.
Configurando-se assim a relevância dos estudos em relação às populações
ribeirinhas, pois visto que as mesmas além das adversidades físicas do local ainda
sofrem com o preconceito em razão da falta de compreensão e entendimento das
peculiaridades do viver ribeirinho.
Os aspectos culturais de vida e reprodução de um povo se dão em uma
construção espacial, considerando nas palavras de (SANTOS, 2006) a natureza do
espaço reside no entendimento do resultado de variáveis naturais, materiais e das ações
humanas através do tempo, ou seja, não existem objetos sem a ação, e toda a ação tem
um sentido e uma intenção. As populações ribeirinhas têm um modo de ver e
transformar o seu espaço, o que lhe é dado pode ser modificado conforme as suas
necessidades. Vejamos então o conceito de espaço:
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não
considerados isoladamente, mas como um quadro único no qual a
história se dá. (SANTOS, 2006, p.63)
A acumulação de símbolos e objetos materiais forma um modo de vida que se
concretiza através das ações direcionadas. No mesmo espaço se constroem também
relações de poder e dominação em que homens e mulheres circulam de forma marcada e
pré-estabelecida por regras e formas de comportamento. Esse padrão estabelecido
socialmente embora pareça ser natural, esconde uma gama elementos que determinam a
vida e o modo de ser homem e mulher, sem que esses percebam que estão sendo
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formatados para cumprir tais papéis. Nesse sentido surge após os anos de 1980 o
conceito gênero que busca compreender as construções sociais do homem e da mulher,
portanto o conceito diz respeito:
A concepção da construção social que transforma fêmeas e machos
humanos em homens e mulheres considera o gênero masculino ou
feminino como papel desempenhado socialmente. Dessa forma, o
conceito de gênero negou a construção universal das diferenças
sexuais e implicou a análise temporal e espacial na configuração das
relações sociais, envolvendo uma perspectiva relacional. (SILVA,
2008, p. 228).
Conforme Maria Joseli da Silva, uma notável geografa que defende as
pesquisas e a construção de uma ciência geográfica que não despreza as questões de
gênero, ao contrário luta para inserir o estudo das mulheres na ciência no qual foi
desprezada por muitos anos. A ciência de uma forma geral não considerava a mulher
como uma ser dotado de intelecto suficiente para ser uma cientista, assim ela levou anos
para ser reconhecida.
Assim o questionamento da hegemonia masculina em certos momentos da
história significou uma quebra de paradigmas que resultou em um avanço nos estudos
científicos sobre a mulher, que naquele momento estava submetida ao patriarcado. Nos
estudos da geografia, foi possível um novo olhar que permitiu uma maneira de enxergar
o espaço e as relações contidas nele, dessa forma (SILVA, 2009) mostra a importância
dessa perspectiva para a geografia feminista:
“A adoção do conceito de gênero pelas geógrafas feministas permitiu
avanços teóricos e metodológicos, além da ampliação do campo de
estudos, já que o espaço passou a ser um importante elemento para a
compreensão das relações de gênero. Cada organização espacial é
produto e condição das relações de gênero instituídas socialmente,
contudo, hierarquizadas, com primazia dos homens em relação às
mulheres.” (SILVA, 2009, p.35)
Diante desses apontamentos a importância de entender as relações de gênero
no espaço rural se dá na perspectiva de perceber que essas relações variam de acordo
com os diferentes espaços e escalas (SILVA, 2009, p.37), buscando compreender que
nesses espaços existe uma organização sexista que ordena as relações sociais, tornando
homem e mulher elementos opostos em que se baseia na inferioridade das mulheres.
Dessa forma a ação humana constrói a realidade generificada (SILVA, 2009, p.41) que
faz com que os sujeitos internalizem valores e ações legitimados socialmente.
Diante das considerações acima entendemos que a participação política e social
das mulheres tem um papel importante na geração de mudanças da realidade, a
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participação política implica na tomada de decisões. O que dificulta as mulheres rurais
de chegarem aos espaços públicos e ter voz são os aspectos culturais que geram
preconceitos e limita a mulher de exercer seu papel de cidadã, consequência disso é a
marginalização das mulheres rurais dos espaços públicos. O Estado deve então intervir
para proporcionar a cidadania:
Na medida em que o Estado é responsável pela elaboração e
implementação de políticas públicas que favorecem, de múltiplas
formas, o aumento de recursos e de “poder de barganha” das
mulheres, seu “apoio” é considerado como parte do processo de
“empoderamento” feminino. (DEERE e LEON, 2002 apud BRUMER
e ANJOS, 2008, p.230)
O desenvolvimento da cidadania voltado para as mulheres demorou a ser
reconhecido, pois as mulheres não eram consideradas cidadãs em um longo período da
história. Podemos notar que este tema gera tensão e conflito e nem sempre as cidadania
consegue ser plena não só para mulheres como também para homens, neste caso
observemos o caso das mulheres através das palavras de SARACENO:
As mulheres, como se sabe, foram longamente excluídas da cidadania
por causa não só dos interesses da comunidade familiar, como
também da sua diferença em relação aos “iguais” –os homens.(...)Com
efeito, a família, que é primário da reprodução social também como
reprodução das desigualdades, constitui uma questão problemática
para as teorias da cidadania. (SARACENO, 1995, p.207)
Conforme a autora, o espaço familiar constitui também em um espaço de
discriminação e desigualdades. Podemos observar essa questão nas relações familiares
no meio rural, em que o homem exerce o poder sobre as mulheres e os filhos. Esses
debates são teóricos e de ordem prática. Nesse sentido a autora chama atenção para o
risco de dependência gerada por politicas de cidadania, essas podem gerar ainda mais
desigualdades e dependência entre as mulheres. A iniciativa de promover políticas que
promovam o princípio da cidadania que é o reconhecimento que abrem as portas para
que ela possa a partir disso lutar por seus ideais seja qual for seus objetivos.
A partir das ideias e conceitos já demonstrados utilizamos como aporte
metodológico o enfoque fenomenológico. A fenomenologia está situada dentro da
categoria filosófica como idealismo subjetivo. Em destaque temos um importante nome
da fenomenologia, Husserl que teve grande influência na filosofia contemporânea, o
existencialismo teve influência da fenomenologia, assim tivemos Sartre, Heidegger,
Merleau-Ponty e outros teóricos, temos um nome importante como o dinamarquês
Soerem Kierkegaard.
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A ideia central da fenomenologia é o conceito de “intencionalidade” onde a
psiquê sempre está dirigida para algo. A “intenção” significa a tendência para algo, ela
oriente o objeto, dessa forma o conhecimento só é possível se tiver atraído por um
objeto. As ideias fenomenológicas tiveram seus representantes na França, Inglaterra e
na Alemanha, de acordo com Eliseu Spósito a fenomenologia pode ser entendida como:
O projeto fenomenológico se define como uma “volta às coisas
mesmas”, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece a consciência, que
se dá como seu objeto intencional”. O conceito de intencionalidade
ocupa um lugar central na fenomenologia, definindo a própria
consciência como intencional, como voltada para o mundo (...).
(SPÓSITO, 2004, p.36)
A ideia de usar esse enfoque está relacionada com valorização do sujeito, não
visto mais como objeto, a pesquisa que busca o subjetivo e a valorização do mundo
vivido relaciona a experiência de cada mulher de forma diferenciada. Desse modo elas
dão o significado às coisas e transmitem suas representações de mundo. A
fenomenologia sempre irá passar pelas vivências que é sempre singular. As essências
mostram o que o fenômeno é de fato e não que deveria ser.
Os instrumentos para a coleta de dados foram a entrevista e questionários,
especificamente cinquenta e três questionários e dez entrevistas, além de conversas
informais com os moradores da comunidade. A pesquisa tem um caráter qualitativo e
quantitativo, mas o aspecto central é analise qualitativa da reprodução e da vida das
mulheres ribeirinhas, a pesquisa qualitativa supõe o contato direto do pesquisar com o
ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra através do trabalho
intensivo de campo” (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.11), buscando a relação de suas vidas
com as politicas públicas e o desenvolvimento.
RESULTADOS
O modo de vida ribeirinho é diretamente relacionado aos ciclos sazonais, em
razão dessa condição durante o período de enchente e vazante, sofrem algumas
limitações no quesito dieta alimentar. Para minimizar essas deficiências os ribeirinhos
contam o apoio de Benefícios do Governo Federal, demonstrados abaixo:
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Fonte: Pesquisa: Assentamento Rural Nazaré e Boa Vitória: Um Olhar na Perspectiva de Gênero
2010/2011.
Constatou-se que os benefícios do Governo Federal estão atendendo parte dos
assentados/as, com uma maior incidência do Programa Bolsa Família em razão dos seus
filhos crianças e adolescentes, visto que uma das finalidades do Programa Bolsa Família
é incentivar a educação.
Quanto ao Seguro Desemprego posto pelos ribeirinhos como: (Seguro Defeso
e Auxílio Pescador), que é uma assistência financeira temporária concedida ao pescador
profissional que exerça sua atividade de forma artesanal, individualmente ou em regime
de economia familiar, ainda que com o auxílio eventuais de parceiros, verificou-se que
as pessoas idosas não recebem o benefício concedido pelo Governo Federal pelo fato de
já serem aposentados por idade. Foi observado durante a aplicação do instrumento de
pesquisa que a concepção e entendimento do ribeirinho diante do direito à aposentadoria
é de que a mesma seja um benefício.
Atualmente a comunidade está recebendo recursos do Governo Federal e
Estadual para implantação de uma agroindústria, desse modo novas configurações irão
se estabelecer nesse espaço geográfico, sendo necessário um estudo e análise de como
os moradores de Nazaré vai lidar com mudanças em seu cotidiano, já que esse tipo de
empreendimento acaba ocasionando mudanças em toda a comunidade.
Outro projeto que está em fase de implantação é o Programa de Aquisição de
Alimentos-PAA esse programa faz parte do Ministério do Desenvolvimento agrário e a
EMATER está executando nas áreas rurais. O PAA compreende em comprar a
produção do agricultor para o consumo das escolas, são 15 escolas do baixo madeira e
tem como objetivo escoar a produção, diminuir a insegurança alimentar e incentivar a
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produção. Para fazer parte desse programa, é exigido a DAP (Declaração de Aptidão
Pronaf).
O governo compra de cada família no máximo R$ 4.500,00 reais por ano. Há
exigências de higiene e o valor nutricional para o consumo desses produtos. É nessa
fase que este programa esbarra nas dificuldades vivenciadas pelas comunidades por
anos de descaso e falta de planejamento.
Durante o tempo efetivo da pesquisa, que se encontra em andamento desde o
ano de 2010 foi observado, a respeito das mulheres no tocante aos auxílios do Governo
Federal, que a grande procura desse público feminino é pelo Bolsa Família que atende
parte significativa das famílias de Nazaré, posteriormente a procura pelo auxílio
maternidade para as mães que tem seus filhos na comunidade, onde foi constatado um
expressivo quantitativo de mães jovens adolescentes menores de dezoito anos, que
engravidam não raro abandonadas pelos parceiros, elas ficam na comunidade e assim
contam com apoio familiar no período de gestação acabam ficando longe da escola e
suas atividades se restringem aos cuidados do lar e dos filhos. Na maioria das vezes os
jovens migram para a cidade com intuito de prosseguir com os estudos. Questões como
a falta de água tratada, saneamento básico e ausência de coleta de resíduos sólidos
acarretam em problemas de saúde para as pessoas que residem no local e são fatores
limitantes para plena execução das políticas públicas.
A educação também se torna algo preocupante quando se observa a migração
dos jovens que procuram a cidade principalmente para dar continuidade aos estudos,
outros simplesmente evadem do ambiente escolar por falta de estrutura física e falta de
professores.
A relação da população com os programas é de certa forma harmoniosa,
contudo um dos entraves é a passividade possivelmente por falta de entendimento dos
objetivos e finalidades das políticas públicas. O material é distribuído em folhetos e se
torna inacessível para o nível de entendimento da maioria das pessoas da comunidade,
pela alta taxa de analfabetismo as explicações que chegam à comunidade são técnicas e
de difícil entendimento para essa população tradicional, muitas vezes por falta de
incentivo, as mulheres não participam das reuniões e preferem ficar em casa.
Com relação aos programas que visam levar a cidadania e o desenvolvimento
rural, é preciso destacar a forte tendência à dependência dessa população, o que não é o
objetivo. Podemos notar que este tema gera tensão e conflito e nem sempre as cidadania
se torne plena não só para mulheres como também para homens. Um viés político e
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partidário acaba dificultando os processos de consolidação da cidadania, uma vez que
devem ter continuidade e a melhor forma de usar os recursos públicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos e pesquisas com enfoque de gênero no espaço rural têm revelado
avanços na diminuição das desigualdades entre homens e mulheres, no entanto o
processo é lento, pois as formas que culturalmente foram construídas as sociedades
demonstram que o patriarcado ainda é forte e presente no cotidiano.
O ritmo desse processo de mudança é a própria sociedade que faz, em suas
continuidades e descontinuidades na maneira de ver o homem e a mulher passa por
formulações e reformulações de idéias e práticas. A mobilização de vários agentes da
sociedade civil e do Estado produz mudanças significativas, mas ainda não foram
suficientes para acabar com as formas de discriminação que sofrem as mulheres rurais.
É necessário enfatizar as políticas sociais que implicam na construção dos
novos caminhos percorridos é resultado de lutas dos movimentos sociais e de
articulações entre a sociedade civil e o Estado. Dentre a geração de ações voltadas para
as mulheres rurais, percebem-se as descontinuidades decorrentes da falta de gestão de
recursos e falta de planejamento do Estado, o que causa um prejuízo na concretização
das ações que uma vez implantadas transformam o espaço geográfico e produzem novas
condições de vida nas comunidades rurais.
Embora seja importante a implementação de políticas públicas de
desenvolvimento e cidadania é válido enfatizar a importância de criar mecanismos de
análise e de avaliação das conseqüências de tais políticas, essas motivam as
comunidades a mobilizar esforços para a busca de uma melhora de vida, porem em
muitas vezes elas não vem de encontro de suas reais necessidades. A implantação da
agroindústria pode modificar o ritmo de vida dos moradores de Nazaré, pode
desenvolver o comercio local e potencial turístico, no entanto suas necessidades de
alimentação de qualidade de vida podem não ser atendidas.
O dilema enfrentado pelas populações do campo especificamente as
populações tradicionais ribeirinhas que vivem a margem do Rio Madeira estão
fortemente ligadas aos grandes projetos de desenvolvimento que prometem trazer
progresso e enriquecimento para o Estado de Rondônia.
No entanto o que se vislumbra é a grande marginalização das populações
tradicionais, sua cidadania fica fragilizada. Na construção dos novos caminhos para as
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mulheres, vive-se um momento de progresso, com as políticas de inclusão, emissão de
documentos pessoais básicos, direito à terra, assistência técnica e financiamento,
produzem oportunidades de autonomia para as mulheres que vivenciam esse momento,
contudo pontos de fragilidade precisam ser observados como a educação e saúde de
qualidade e outros elementos básicos que faltam para essa população. O distanciamento
da cidade não pode servir de justificativa para a falta de iniciativas do Estado. Diante
dos grandes projetos que visam o progresso e o desenvolvimento, essas populações
podem ficar mais excluídas e seus modos de vida poder ser radicalmente modificados e
as conseqüências aparecerão ao longo do tempo.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, de Moreira Gracimar, Relatório Final de Pesquisa PIBIC/UNIR. Porto
Velho – RO, 2010/2011.
________________________.Diário de Campo de pesquisa. Porto Velho – RO,
2011/2012.
ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amália Faller. Família Redes, Laços e
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