Conta do desemprego ainda não chegou ao ABC
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30/06/2014 - 05:00
Conta do desemprego ainda não chegou ao ABC
Por Denise Neumann
O testador de motores na Mercedes-Benz, Alex Sandro Benati, vai ficar cinco meses
em casa, alterando a rotina da esposa Roseli, e dos filhos, Alexya e Renzo
Na última quinta-feira, o metalúrgico Dalvo Pinotti Filho cozinhou carne assada com batatas para o jantar, cardápio
pedido pelo filho Mateus, de 10 anos, que desta vez teve a companhia do pai para assistir a todos os jogos da Copa do
Mundo. Após 23 anos de Volkswagen, ele aproveitou o Programa de Demissão Voluntária (PDV) e se aposentou aos 49
anos. Enquanto Pinotti cozinhava para a família, Alex Sandro Benati também estava em casa, sem se preocupar em jantar
e dormir cedo. Ele integra o grupo de trabalhadores da Mercedes-Benz que está em licença remunerada há dois meses e
entra no chamado "lay off" por cinco meses a partir de terça-feira, situação que alterou a rotina da família.
Dentro dos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Pinotti e Benati são dois dos 3.994
metalúrgicos do ABC paulista que passaram a integrar a lista de empregos fechados desde o fim de 2013 nas fábricas de
material de transporte das sete cidades que compõem a região.
Embora o percentual de redução seja expressivo - 5,4% do total de empregados no fim do ano passado - e pudesse indicar
um quadro de desaceleração da economia na região, a grande maioria dessas vagas não foi efetivamente extinta. Entre os
desligados, estão os trabalhadores afastados pelo "lay off" (que entram na estatística de desempregados porque recebem
bolsa qualificação) e os novos aposentados. Nas contas do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 2,6 mil metalúrgicos estão
afastados temporariamente, enquanto pelos dados do Caged, entre as 4 mil vagas fechadas no setor de material de
transporte de janeiro a maio deste ano, 20% equivalem a aposentadorias. No Brasil todo, o percentual de novos
aposentados entre os demitidos do setor é de 3,6%
O afastamento pode ser temporário, mas muitos metalúrgicos não escondem a preocupação com o futuro. "Nunca passei
por uma situação assim", resume Antônio de Jesus Coimbra, piauiense de Água Branca, que chegou ao ABC em 1988 e
logo entrou na Volkswagen. "Minha carteira tem um carimbo dizendo 'suspensão temporária de trabalho', conta ele,
lembrando que são "700 colegas nessa situação". Pelo sistema do lay off, ele recebe R$ 1.304 do governo via bolsa de
qualificação e a montadora completa o resto do salário.
Coimbra guarda as datas que formam sua preocupação na cabeça: "Saí dia 19 de maio e meu retorno está marcado para 18
de outubro". Casado, com dois filhos - um é motoboy e o outro está na faculdade de marketing e fazendo estágio -, Coimbra
está receoso porque sua renda é fundamental para o sustento da família e ainda faltam alguns anos para sua
aposentadoria. "Claro que estou tenso, mas não tem como fugir. Eu acredito no sindicato, a empresa é boa, mas a
economia está complicada."
Do total de desligados de janeiro a maio na indústria de material de transporte do ABC, a grande maioria tem entre 40 e 64
anos, e nessa faixa etária o salário médio varia de R$ 3,8 a 4,6 mil, segundo dados do Caged. Se todos os afastados
ficassem realmente desempregados e, portanto, sem renda mensal garantida, a economia da região perderia mensalmente
30/06/2014 11:18
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cerca de
R$ 13
milhões ou algo
como R$
170
milhões
Almir Moura, o Grilo, um dos poucos clientes no restaurante Das Meninas
por ano,
sem contar a renda extra obtida por esses trabalhadores a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Como o
rendimento mensal de muitos deles foi preservado, a economia da região ainda não sente falta dessa massa salarial.
Em maio, o desemprego recuou na região (de 11,2% para 10,2%, com abertura de 19 mil vagas em serviços e 2 mil no
comércio e corte de 5 mil vagas na indústria, segundo a pesquisa domiciliar feita pelo Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e o Consórcio Intermunicipal do ABC. Se a pesquisa indica uma região
ainda em expansão apesar da crise automotiva, pontos de comércio com negócio diretamente associado a alguma empresa
já falam em prejuízo.
Na frente da Mercedes-Benz fica a feira da rua Pacaembu, onde feirantes cadastrados na prefeitura vendem sapatos, DVDs,
capas para celulares, sapatos, miniaturas de carros e, claro, artigos para a Copa. "No dia do primeiro jogo do Brasil, em
2010, vendi uns R$ 3 mil. Nesse ano, foram R$ 470", reclama José Correia da Silva, 78 anos, que vende mercadorias na
porta da montadora desde 1979. Sua colega de feira, a portuguesa Ana Pereira, no Brasil desde 1970, só vendeu duas
miniaturas de carro na semana passada, a R$ 15 cada. "Ganhei R$ 10", diz, reclamando do movimento que, se continuar,
não cobrirá a taxa mensal de R$ 73 paga para a prefeitura pelo ponto. No lado informal, a apontadora do jogo do bixo,
E.C.R, 80 anos, também reclamava da redução nas apostas. "Já cheguei a fazer R$ 3 mil, agora caiu para R$ 500 por mês",
contou.
Vizinha à feira, o restaurante "Das Meninas", que oferece buffet livre por R$ 12,99, cortou três dos sete funcionários. "Isso
aqui era lotado na hora do almoço", conta Priscila Domingos Santos Souza, que comanda o negócio da família. Em uma
das poucas mesas ocupadas, o metalúrgico da área de manutenção da Mercedes, Almir Moura, o Grilo, conta que o clima
na fábrica é de "instabilidade", afinal, o lay off veio quando o sindicato interviu para evitar demissões e um novo PDV.
Muitos foram chamados ao RH e lhes foi apresentada a conta do benefício extra que receberiam caso aderissem.
"Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer", diz ele. Operário especializado, com salário de R$ 8 mil, ele está fora do lay
off e não quis aderir ao último PDV, apesar de 36 anos de carteira assinada. "Preciso de mais quatro anos para fechar a
previdência privada", calcula. "O problema, opina, é que as pessoas pensam que quando uma empresa com 11 mil
funcionários demite 100 pessoas, isso é pouco. Mas e essas 100 pessoas, onde vão achar um bom emprego?"
Se
Antes, a feira da rua Pacaembu, em São Bernardo, lotava na hora do almoço
trabalhadores qualificados já ficam preocupados, os pouco qualificados, com currículo "fraco" e sem experiência, estão
ainda mais alertas. Na última sexta-feira, no Centro Público de Emprego e Renda da Prefeitura de Diadema, apesar da
queda no sistema Mais Emprego do Ministério do Trabalho - que impedia o acesso à oferta de vagas -, o conferencista
Cláudio Ribeiro, 32 anos, esperava por um atendimento. Com histórico de alta rotatividade no emprego, ele ficou três
meses na último empresa e está desocupado há um mês.
Ele tem ido aos centros de emprego três vezes por semana à procura de nova chance. "Está bem difícil, tem mais gente
procurando", diz, relatando uma experiência que destoa da realidade mostrada pelas pesquisas domiciliares de emprego,
que apontam mais pessoas desistindo do mercado de trabalho. No mesmo local, André Pereira voltava ao centro com um
diploma de operador de empilhadeira debaixo do braço, esperando ter mais sorte. "Eu vim do interior para o ABC achando
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que ia ser mais fácil. Aqui terminei o ensino médio, senão nem teria chance. Agora fiz o curso, mas estão pedindo
experiência", conta ele, que vive do salário da esposa."
Enquanto Pereira terminou sua primeira qualificação, Alex Sandro Benati se prepara para o quarto curso. Ele é um dos 1,2
mil metalúrgicos que a Mercedes-Benz colocou em lay off e esse é seu segundo afastamento temporário. Há dois anos,
ficou na mesma situação e fez curso de eletrônica embarcada pelo Senai. Agora, serão mais 300 horas de treinamento.
Por enquanto, ele está em casa. "Ele acorda de manhã e pergunta o que vai fazer. Aí mando ele passear com a cachorra,
comprar alguma coisa, levar as crianças em algum lugar", diz, bem-humorada, a esposa, Roseli Aparecida Frutuozo. "Da
primeira vez, fiquei mais preocupada", acrescenta, confiante - como o marido - de que o afastamento será mesmo
temporário e não vai virar demissão mais à frente, como temem outros metalúrgicos da região.
Bastante politizado, Benati não acredita que o país e o setor automotivo estejam em crise. "As empresas estão
pressionando para ganhar mais do governo e também porque não querem a reeleição da Dilma", diz ele, em referência à
presidente da República. Olhando para a própria experiência, ele lembra que voltou do último lay off e logo estava fazendo
horas extras para que a empresa pudesse atender à demanda. "Eu estou calmo porque o governo está preocupado com o
trabalhador, está tirando imposto", explica ele. Apesar de reconhecer as medidas tomadas pelo governo, Benati quer que o
governo zere os impostos sobre o caminhão. "Ele paga como máquina, mas depois todo ano tem que pagar IPVA, paga
pedágio", diz o filho e neto de caminhoneiros, conhecido na fábrica pelo apelido de Bomba.
“Realizei meu sonho de consumo”, diz Dalvo Pinotti Filho, que aproveitou o programa
de demissão voluntária e se aposentou após 23 anos na Volkswagen
Se Benati ainda fica perdido dentro de casa - "atrapalhando a rotina", como diz a filha Alexya, que gosta de jogar
videogame com a mãe e o irmão Renzo Bernardo- ficar em casa é tudo que Dalvo Pinotti Filho planejava desde 1980. "No
meu primeiro dia de carteira assinada, em 1980, comecei a planejar minha aposentadoria", diz ele. Como planejou bem,
viu no último PDV da Volkswagen a oportunidade de adiantar um pouco a aposentadoria e sair com uma grana extra - que
ficará guardada para o futuro. Como tinha 23 de empresa, saiu com 23 salários extras na demissão. "Apareceu muita gente
propondo sociedade. Até para montar uma casa de repouso me convidaram", diz ele.
Como "ganhou" 12 pinos nas costas e na cervical e trabalhou em área de periculosidade, Pinotti teve direito à
aposentadoria especial e tem hoje uma renda mensal de R$ 3,8 mil. Soma a ela três aluguéis - de casinhas construídas com
a poupança dos PLRs e do dia a dia - e não sente falta do salário de R$ 4,8 mil que recebia na montadora, embora se
ressinta do desligamento do plano de saúde. "Eu realizei meu sonho de consumo, que era ter qualidade de vida e parar de
trabalhar", resume Pinotti, lembrando que muitos colegas sentem e pensam diferente. "A mulher de um amigo me disse:
ele não pode parar", relata.
Entre os metalúrgicos do ABC, as razões que levaram à crise do setor são tão discutidas como a Copa do Mundo. Por isso,
eles apostam no fim da crise em função da recente negociação do governo com a Argentina e o reforço dos desembolsos do
BNDES para o programa de juros subsidiados para compra de caminhões. "Desde o começo do ano, com a crise na
Argentina e o corte de produção, já tinha gente preocupada com demissão em massa", conta Caio Cesar de Viveiros, 27
anos, 12 deles dentro da Mercedes. "Mas não vai acontecer"
Soldador, filho de metalúrgico, ele sempre aprendeu a contar com o sindicato. "Nosso sindicato é forte, negociou o lay off
quando a empresa quis demitir", orgulha-se. Durante o afastamento, ele pretende, além do curso de qualificação, fazer um
preparatório para o Enem e buscar uma vaga da Universidade Federal do ABC.
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