EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 Uma reflexão sobre o Trabalho e a Educação Profissional no Brasil. Lia Ciomar Macedo de Faria1, Rosemary Guimarães Aquino2, Silvio Claudio Souza3, Marcos Antonio M. das Chagas4 1 Pós-doutora em Ciências Políticas (IUPERJ), Faculdade de Educação - UERJ/PROPEd 2 Mestranda UERJ-PROPEd, Professora da FAETEC 3 4 Doutorando PPFH/UERJ Mestre em Educação (PUC/RJ), Professor do ISERJ Introdução A educação profissional tem como principal objetivo o desenvolvimento de cursos direcionados ao mercado de trabalho, tanto para os estudantes quanto para aqueles que buscam qualificação e atualização profissional. Esta modalidade de educação começou a ser tratada, mais profundamente, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996), complementada pelo Decreto 2208, de 17 de abril de 1997 e reformado pelo Decreto 5154, de 23 de julho de 2004. Ao mesmo tempo, no texto também da LDBEN, são regulamentadas outras duas áreas de ensino: a educação básica e a educação superior, considerando a especificidade da educação de jovens e adultos e da educação especial. E como um segmento complementar, a lei redesenha ainda as diretrizes da educação profissional. A nova orientação legislativa educacional estabelece a possibilidade de acesso à educação profisional de uma forma mais ampla, conforme o seu artigo 39 e parágrafo único: A educação profissional, integra às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanenete desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. Concomitantemente, a LDBEN estabelece diferentes estágios de educação profissional, que são: O nível básico que é direcionado para indivíduos que possuam qualquer nível de instrução; O nível técnico que é direcionado para discentes que estão cursando o ensino médio ou para as pessoas que já possuem o ensino médio e, O nível tecnológico que é voltado somente para as pessoas que já concuíram o ensino médio. O objetivo deste texto é redefinir os objetivos da educação profissional, tendo em vista as novas exigências do sistema produtivo, hoje profundamente referenciadas pelo conhecimento científico e tecnológico dos agentes da produção (gerentes e trabalhadores). Desta forma, o retorno de cursos técnicos no Brasil se torna uma alavanca ao desenvolvimento científico e tecnológico da nossa população. O próprio EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 mercado de trabalho mostrou sinais de carência de técnicos e tecnólogos preparados para assumir funções inerentes a esta formação. Assim sendo, se até a metade da década de 90 esse nível educacional foi direcionado para as classes economicamente menos favorecidas, atualmente parece haver a compreensão e aceitação deste modelo de educação pelos segmentos economicamente mais favorecidos, o que impulsionou a criação dos atuais cursos de tecnólogos, que possuem como característica principal a menor duração em relação à graduação superior tradicional. Logo, torna-se necessário repensar os desafios da relação educação-trabalho diante das “exigências” impostas pelos contornos econômicos da globalização econômico-financeira. Portanto, na nova ordem mundial, de grandes transformações políticas, econômicas, culturais e sociais, a formação profissional é considerada um elemento estratégico para o desenvolvimento do país. Desta forma, a educação profissional com foco no mercado de trabalho e com curta duração se torna uma aliada às preocupações do governo em relação à geração de emprego e renda, no momento em estimula o desenvolvimento da produtividade em toda a economia brasileira. Por outro lado, o nível de desemprego representa uma ameaça ao equilíbrio socioeconômico nos diversos estados do país. O mercado exige qualificação constante para as novas exigências da economia, ao mesmo tempo este mesmo mercado é altamente seletivo, pois busca profissionais capacitados para o desenvolvimento das suas funções de forma eficiente, porém para um bom preparo profissional é necessária uma educação básica de qualidade e que desenvolva noções de ética e cidadania nos indivíduos, portanto, para a educação profissional é imprescindível uma boa formação geral. Educação Profissional no Brasil: atualizando o debate. Segundo Pablo Gentili (1988, p.80) “a escola constituía-se assim num espaço institucional que contribuía para a integração econômica da sociedade, formando o contingente (sempre em aumento) da força de trabalho que se incorporaria gradualmente ao mercado”. Destacamos que a educação profissional possui diversos objetivos como: a preparação de técnicos de nível médio, a qualificação, a capacitação e a atualização tecnológica permanente de profissionais atuantes ou fora do mercado de trabalho, de forma a proporcionar constante atualização e aprimoramento das habilidades para aprimorar a atuação profissional. Quanto à qualificação humana, Gaudêncio Frigotto (2003, p.31-32) afirma que: diz respeito ao desenvolvimento de condições físicas, mentais, afetivas, estéticas e lúdicas do ser humano capazes de ampliar a capacidade de trabalho na produção dos valores em uso em geral como condição de satisfação das múltiplas necessidades do ser humano. Se o mercado de trabalho é seletista em relação ao preparo profissional é absolutamente necessário que o trabalhador possua conhecimento do seu ramo de atuação, que tenha cultura geral, compreenda os mecanismos produtivos, assim, o conhecimento torna-se um fator preponderante na nova ordem mundial e necessário para a participação numa dinâmica social mutável e inconstante, para tanto a educação EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 profissional precisa ser percebida como uma forma de proporcionar formação continuada, um fortalecimento da cidadania. Outra característica da educação profissional é mostrar a importância do aprender a aprender, de forma que o sujeito seja mais autônomo em relação as suas necessidade de atualização e busque o conhecimento necessário, para tanto é importante novamente ressaltar a importância da educação básica em que ocorra um estímulo e estímulo para dar desafios para as crianças e jovens, de forma a torná-los mais independentes e ativos no processo de ensino-aprendizagem. Para Kuenzer (1998, p.73) esta nova roupagem econômica exige “o desenvolvimento da capacidade de educar-se permanentemente e das habilidades de trabalhar independentemente, de criar métodos para enfrentar situações não previstas, de contribuir originalmente para resolver problemas complexos”. Para tal, na educação básica deveria haver uma correlação dos conteúdos de formação geral com o mundo do trabalho, com uma relação estreita com o mundo externo à escola, de tal modo que as expressões matemáticas sejam ensinadas para a resolução de uma questão cotidiana, como por exemplo, analisar os juros cobrados ao se contratar um empréstimo. Então, a educação básica com formação geral conduziria ao desenvolvimento da cidadania e já direcionando para o preparo para o trabalho. Diante destas considerações, é possível entender a educação profissional necessária, para o desenvolvimento adequado das pessoas que visam à preparação para a inserção no mercado e, também conseqüentemente reduzindo os índices de desemprego na população brasileira. No entanto, a questão cidadã num ambiente de reconstrução democrática ainda esbarra em enormes conflitos, sobretudo quando vemos – também, nesse campo – uma elevada fração de indivíduos em condição de trabalho, mal formados e dependentes da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A bem da verdade, a educação no Brasil, em seu caráter popular, tem se apresentado freqüentemente como via de passagem para o mundo do trabalho. Mesmo quando se buscou acentuar que esta preparação não deveria prescindir do direito à cidadania, como foi o caso da Lei 5692/71. O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania (grifos nossos, Piletti & Piletti, 2000, p. 239). Na mesma proposta anos depois, caminhou a Lei 9394/96, quando no Art. 37, parágrafo 1º, diz que os sistemas de ensino, assegurando a gratuidade, atenderão aos dependentes de EJA devendo considerar [...] as características do aluno, seus interesses, condições de vida e de trabalho. O Projeto original do Programa de Educação Juvenil (PEJ), aprovado pelo Conselho Municipal de Educação do Rio de Janeiro, em 1999, também teve intenção de (...) criar oportunidades aos jovens cidadãos da Cidade do Rio de Janeiro, para completarem seus estudos com qualidade, trabalhando para a construção de uma consciência crítica da realidade e garantindo um exercício mais pleno de cidadania (grifos nossos, Projeto de Educação Juvenil, s/d.). Deste modo, observamos que o comprometimento com o trabalho, a cidadania e a liberdade, entre nós, vem de longa data, estando sempre presente nos textos das EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 políticas públicas, independente da época e da proposta político-ideológica dos governos. Entretanto, sem discordar da inequívoca importância da escola, não cabe a esta, isoladamente, construir de forma difusa a cidadania. Tal concepção tem transferido essa responsabilidade para o interior escolar, não se fazendo acompanhar das melhorias aclamadas por tantos pesquisadores da educação, sobretudo no que diz respeito à crise de identidade do magistério1. Para tanto, outras ações complementares, como mudança da mentalidade dirigente e acesso decente ao trabalho com renda digna às categorias populares, precisam ser garantidas e isto não se dá como ato isolado a partir unicamente dos espaços escolares, mas – sobretudo – por um conceito ampliado de cidadania. É nosso vício, nos dizeres de José Murilo de Carvalho (2001), confundir cidadania com estadania. Na estadania a sociedade se move a partir das iniciativas do Estado, de políticas públicas orientadas pelo crivo político de “especialistas” em contraste com a cidadania. A cidadania para se efetivar, gradativamente, envolve a participação de movimentos independentes à concessão do Estado. Torna-se importante ainda assinalar que nossa tradição política tem sido historicamente de reforço ao Poder Executivo. Ainda, segundo Carvalho (2001). O desprestígio generalizado dos políticos perante a população é mais acentuado quando se trata de vereadores, deputados e a campanha pelas eleições diretas referia-se à escolha do presidente da República, o chefe do Executivo. Dificilmente haveria movimento semelhante para defender eleições legislativas. Nunca houve no Brasil reação popular contra fechamento do Congresso. Há uma convicção abstrata da importância dos partidos e do Congresso como mecanismos de representação, convicção esta que não se reflete na avaliação concreta de sua atuação de senadores.Além da cultura política estatista, ou governista, a inversão favoreceu também uma visão corporativista dos interesses coletivos (p. 222). Então, o que se observa, a partir de tais práticas é que o Legislativo, quando tem o cidadão ausente, também tende a “oferecer-se” ao Poder Executivo em função dos privilégios pessoais e dos poderes locais que passam a atuar contra os interesses populares. Portanto, o decreto de cidadania no papel – peça permanente da atitude política oficial – não tem, por ato de osmose, condições de consignar-se na prática cotidiana indicando em quais espaços deverá ou não ocorrer. Nesse cotidiano de “culto” ao Estado, sempre convivemos com dificuldades em relação às práticas reivindicatórias dos movimentos sociais. Aprendemos, historicamente, por medo ou acanhamento, que é o Estado quem dirige, ou deve dirigir, nossos anseios e expectativas. Ligada à preferência pelo Executivo está a busca por um messias político, por um salvador da pátria. Como a experiência de governo democrático tem sido curta e os problemas sociais têm persistido e mesmo se agravado, cresce também a impaciência popular com o 1 Ver CANDAU, Magistério: construção cotidiana. Trabalho elaborado pelo Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, reunindo estudos sobre dissertações de mestrado e teses de doutorado, diversos, como fonte de reflexão sobre o tema. EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 funcionamento geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisão. Daí a busca de soluções mais rápidas por meio de lideranças carismáticas e messiânicas (idem, p. 221-222). Desta forma, os movimentos sociais, quando surgidos, devem ser interpretados como sintoma de desvio entre a “oferta” política oficial e aquilo que se nega, na prática, no dia-a-dia dos indivíduos. Atenta a essas expressões sociais, as escolas populares podem ter papel importante na educação dos seus alunos. Como a educação das categorias populares, inversamente, tem sido vinculada ao fator emprego, a formação dessa classe recebe uma ideológica influência das relações oriundas do trabalho. Essa influência, devido à necessidade de o indivíduo se manter empregado, fez o local de trabalho, durante muito tempo, atuar como instância educativa, interferindo na condição de liberdade e criatividade do trabalhador. Daí a contradição entre “preparação para o trabalho” e “exercício consciente da cidadania”, exortada constantemente na elaboração das leis quando buscam equalizar trabalho e educação. Essa relação “cultural” entre trabalho e indivíduos tem reforçado, nas ações dos interesses produtivos, uma educação alienadora: não esqueçamos que, famosas no Brasil entre as décadas de 1970 e 1980, foram às campanhas que promoveram o operário padrão nas fábricas brasileiras. Estas incentivavam, através de premiação, a disciplina produtiva no chão de fábrica, reforçando uma hierarquia em que o trabalhador acatava ordens sem participar das decisões gerenciais que envolviam suas condições de trabalho. Esse processo subjugava o trabalhador a um quadro de alienação, revelando um tipo de heterogestão. [...] a heterogestão, na medida em que hierarquiza o trabalho coletivo e educa o operário para o trabalho dividido, surge como uma das formas de garantir a dominação do capital sobre o trabalho (Kuenzer, 2001, p. 13). O cenário, marcado pela submissão ampla do trabalho ao capital, devido às novas demandas sociais que também envolvem a educação – embora, até o presente momento, pouco tenha avançado – tem como ponto-chave a Constituição Federal de 1988 e, em 1996, a LDB atual. Ainda que as relações de trabalho venham mudando acentuadamente nos últimos vinte anos, inclusive acumulando altas taxas de desemprego que timidamente vêm sendo revertidas, as categorias populares, que em boa parte dependem da EJA, ainda são marcadas por uma espécie de alienação, que lhes nega uma cidadania plena, sempre prometida na pena da lei. A educação, tratada dessa forma, tem como função (...) produzir cidadãos que não lutem por seus direitos e pela desalienação do e no trabalho, mas cidadãos “participativos”, não mais trabalhadores, mas colaboradores e adeptos do consenso passivo (Frigotto, apud Corrêa, 2001, p. 61). Daí percebermos que nesse “jogo” surge freqüentemente como prioridade nos discursos oficiais uma dissimulada preocupação com o público jovem dependente da EJA. Entre os que analisam a especificidade de programas de EJA voltados aos jovens está Leôncio Soares (2001, p. 215-16), quando comenta: [As] particularidades juvenis exigem a criação de programas destinados especificamente aos jovens. Ao levantar estudos sobre a diversidade cultural dos jovens, segundo o autor acima citado - Sposito, Dayrell, Freitas e Marques, apontam três características básicas: EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 (i) os jovens não possuem emprego, nem oportunidades educativas; (ii) os jovens dos setores populares passam rapidamente à adolescência, adquirindo responsabilidades próprias dos adultos; (iii) os jovens buscam estudos em consonância com a sua realidade. De acordo com esses três autores verificamos que, os jovens que dependem da Educação de Adultos, representam uma parcela bastante expressiva e que por essa razão necessitariam de maior concentração de esforços por parte da EJA. Diante dessas conclusões, que inegavelmente são importantes, temos dúvidas se, sob um olhar restrito, não corremos o risco de defender interesses específicos, que reforçam uma nova divisão social, agora na EJA, entre moços, que devem chegar resolutamente ao “mundo adulto”, e adultos que aceitem, resignadamente, a velhice sem quaisquer perspectivas de conforto e dignidade. Numa espécie de “justificada” juvenilização. Por outro lado, ressaltando que ações materiais oriundas da omissão política do Estado são danosas em qualquer época. A solução não está no tempo futuro das idades, mas na eliminação imediata das desigualdades que produzem exclusão, sempre, em tempo real; e o real é o que nos acontece enquanto fazemos outros planos. Torna-se importante sinalizar que, sendo um termo categoricamente polissêmico, cidadania – por não pressupor divisões em seu núcleo – deve invariavelmente contemplar a totalidade dos indivíduos que se fazem presentes na sociedade humana, sejam eles jovens ou não. Dando prosseguimento estudos sobre a juventude apontam que 89% dos jovens com 19 anos encontram-se defasados na escolarização idade/série (Soares, Leôncio, p. 215). Portanto, trata-se de um percentual significativo mas que pode vir a reforçar o equívoco de desprezar outras categorias de idade também não atendidas pelo sistema escolar. Enfim, nossa pesquisa levanta a preocupação de que tal entendimento possa reforçar a idéia de que os adultos, após os 25 ou 30 anos, devem se conformar com a sua exclusão do processo de EJA, em troca da recuperação dos mais jovens. Uma reflexão sobre a categoria Trabalho. É importante pontuar que o Trabalho, em seu sentido de produção de bens materiais, de produção de bens simbólicos ou de criador de valores de uso, é condição constitutiva da vida dos seres humanos na sua relação com o outro. Mediante isso, o trabalho transforma os bens da natureza ou os produz para responder, antes de tudo, as suas múltiplas necessidades. E nesse sentido, o trabalho é criador e de vital importância para a reprodução da vida. O animal nasce programado por sua natureza e por isso não projeta ou modifica suas condições de vida, adaptando-se e respondendo instintivamente ao meio; os seres humanos criam e recriam, pela ação consciente do trabalho, sua própria existência. Mas por que meio se constitui a sociedade humana? Karl Marx responde: basicamente, não por meio da consciência comum, mas por meio do trabalho comum. Pois o homem é originalmente um ser econômico. As relações econômicas e, particularmente, as forças produtivas a elas subjacentes são a base (ou a “infra- EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 estrutura”) de sua existência. Apenas na medida em que essas relações econômicas se modificam, também se desenvolvem os modos da consciência, que representam a “superestrutura ideológica”. Desta superestrutura fazem parte o Estado, as leis, as idéias, a moral, a arte, a religião etc. Marx, primeiramente, destaca a importância do trabalho quando concebido como criador e mantenedor da vida humana em suas múltiplas e históricas necessidades e, como decorrência dessa compreensão, princípio educativo: O trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade – é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana. (MARX, 1982, p.50) Entretanto, empreende uma crítica de seu tempo, observando que em seus dias a verdadeira essência do homem, sua liberdade e independência, “a atividade livre consciente”, não se pode fazer valer, pois o trabalho numa sociedade de classes aprisiona o homem. E nessa prisão o homem perde suas autênticas possibilidades de existência. Esse é o sentido daquilo que, segundo essa perspectiva, chamamos de alienação2. Ela significa uma permanente depreciação do mundo do homem. A alienação do homem tem sua raiz em uma alienação do trabalhador do produto de seu trabalho; este não pertence àquele para seu usufruto, mas ao empregador. O produto do trabalho torna-se uma “mercadoria”, isto é, uma coisa estranha ou alheia ao trabalhador, que o coloca em posição de dependência porque ele precisa comprá-la para poder subsistir. O objeto que o trabalho produz, apresenta-se a ele como uma essência estranha, como um poder independente do produtor. Da mesma forma também o trabalho torna-se “trabalho alienado”: não uma exteriorização do ímpeto do trabalhador, mas o meio a ele imposto de sua autoconservação; o trabalho transforma-se em “trabalho forçado”. Esse desenvolvimento atinge sua culminância no capitalismo, no qual o capital assume a função de um poder separado dos homens. A alienação do produto do trabalho conduz também a uma “alienação do homem do homem”. Isso não vale apenas para a luta entre capitalistas e trabalhadores. As relações interpessoais, em geral, passam a ser mediadas pelas mercadorias e pelo dinheiro. Enfim, os próprios trabalhadores assumem caráter de mercadoria; sua força de trabalho é comercializada no mercado de trabalho, no qual se encontra à mercê do arbítrio dos compradores. Seu “mundo interior” torna-se cada vez mais pobre; sua destinação humana e sua dignidade perdem-se cada vez mais. Esta prática que aliena o homem – o trabalho - é apenas uma das dimensões do ser humano. Desta forma, é vital a análise da questão conceitual relativa à natureza do trabalho para que não façamos um deslocamento do sujeito em uma única direção, onde 2 Alienar é uma palavra que vem do latim e significa transferir a outrem o seu direito de propriedade. Karl Marx desenvolve o conceito de alienação para descrever a situação do operário no modo de produção capitalista: “Segundo Marx, a alienação é o processo pelo qual o homem se torna alheio a si, a ponto de não se reconhecer. [...] A alienação é o dano ou a condenação maior da sociedade capitalista. A propriedade privada produz a alienação do operário tanto porque cinde a relação deste com o produto do seu trabalho (que pertence ao capitalista), quanto porque o trabalho permanece exterior ao operário, não pertence à sua personalidade, logo, no seu trabalho, ele não se afirma, mas se nega, não se sente satisfeito, mas infeliz.[...] Na sociedade capitalista, o trabalho não é voluntário, mas obrigatório, pois não é uma satisfação de uma necessidade, mas só um meio de satisfazer outras necessidades. O trabalho exterior, o trabalho em que o homem se aliena, é um trabalho de sacrifício de si mesmo, de mortificação”. (ABBAGNANO, 2000, p.26) EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 sua realização só se concretiza no âmbito da categoria trabalho, onde as outras dimensões possíveis do sujeito passam a não ter relevância, fazendo-o gravitar somente em torno desse eixo. Paul Lafargue,3 em 1883, já nos alertava sobre a “santificação” do trabalho: Uma estranha loucura está a apossar-se das classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta atrás de si misérias individuais e sociais que, há dois séculos, atormentam a triste humanidade. Esta loucura consiste no amor ao trabalho, na paixão moribunda pelo trabalho, levada ao depauperamento das forças vitais do indivíduo e da sua prole. [...] Na sociedade capitalista, o trabalho está na origem de toda a degenerescência intelectual e de toda a deformação orgânica. (LAFARGUE, [19--], p.15-16). Lafargue, em seus escritos, já indicava os caminhos tortuosos ao qual a classe burguesa se lançava. Atualmente, a crise no modo de produção capitalista “arrasta atrás de si misérias individuais e sociais” (Ibid. p.15). Essa miséria se expressa quando se desemprega e precariza uma enorme parcela da força humana mundial que trabalha. Quase 1/3 da força de trabalho mundial está realizando trabalhos precários, parciais e/ou temporários. Isso porque o capitalismo global necessita, cada vez menos, do trabalho estável e, cada vez mais, do trabalho part-time, terceirizado, precarizado, em plena expansão em todo o mundo produtivo industrial e de serviços. Nesse processo ocorre um crescimento vertiginoso de populações, cada vez mais à margem social, isto é, indivíduos sendo “expulsos” do mercado de trabalho em função da “engenharia capitalista de acumulação”. Para atender a um processo ideológico4, a burguesia capitalista industrial/financeira, desenvolve “conceitos” com o objetivo de mascarar a relação capital versus trabalho, podemos citar a noção de empregabilidade5 onde supostamente teríamos com o aumento da qualificação do trabalhador a diminuição do índice de desemprego. Entretanto, parece não se confirmar na estrutura social vigente essa idealização, pois na engrenagem capitalista o que se processa é a máxima acumulação com o menor custo. Considerações finais Ao fim e ao cabo, podemos afirmar que historicamente a educação profissional visou ao mercado de trabalho. Mas somente a partir da Constituição-Cidadã (CF/88) e da nova LDBEN (1996) é que podemos afirmar ter havido uma maior abertura na discussão sobre os sentidos e significados do ensino profissionalizante, seja em nível médio e, ou superior. Se considerarmos a definição pela nova lei dos possíveis estágios de educação profissional: nível básico, nível técnico e nível tecnológico. 3 Paul Lafargue nasceu em Cuba, em 1842, de mãe francesa. A citação é do seu livro “O direito à preguiça” escrito em 1883, que obteve uma rápida popularidade e foi traduzido para quase todas as línguas européias. 4 Estamos utilizando o conceito de ideologia, no sentido marxista onde: “As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas às idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual.” (MARX e ENGELS, 1988, p. 72) 5 A noção de empregabilidade parte do princípio de que os trabalhadores desempregados encontram-se nessa situação porque não se adaptam às novas exigências de qualificação requeridas pelo novo paradigma produtivo. Dentro dessa noção, responsabiliza-se individualmente o trabalhador pelo seu desemprego. Entretanto, o que podemos verificar é que no interior desse novo paradigma produtivo, o alto índice de desemprego (estrutural) passa a ser concebido como um mecanismo “natural e necessário” de qualquer economia de mercado eficiente. EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 Ao mesmo tempo, as novas tecnologias da informação e a vocação do novo século XXI, como o século do conhecimento, passam a exigir uma melhor formação geral e cultural, além da mera visão da especialização em áreas afins, o que só vem aumentar o grande desafio do processo democrático, garantidor do direito à educação. Portanto, não se trata apenas de políticas públicas voltadas para as classes sociais menos favorecidas, mas também assistimos hoje uma grande pressão vinda dos mais variados setores das classes médias, conscientes inclusive, da necessidade da formação continuada e permanente. Por fim, não seria exagero afirmar que cabe nesse momento ao ensino profissionalizante e à concepção de educação para o trabalho, um desafio histórico, jamais anteriormente vivenciado em tal magnitude. Pois, na sociedade pós-moderna marcada pela velocidade e insegurança do mercado e das perspectivas de futuro para a humanidade, nunca foi tão urgente definir para nossas crianças e adolescentes, quais os caminhos possíveis de formação profissional e cidadã, que aliem, de forma integrada, eficiência/eficácia, sem, no entanto, a perda dos valores humanistas. Logo, romper com o circulo da mera competitividade, que exacerba o individualismo e construir praticas solidarias no e para o trabalho deve ser, em nosso entendimento, a principal prioridade, para todos os educadores e pesquisadores envolvidos com as questões pertinentes ao binômio Educação e Trabalho. EDU.TEC - Revista Científica Digital da Faetec – Ano I – v.01 – nº.01 – 2008 – ISSN: 0000-0000 Referências Bibliográficas ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. DUPAS, Gilberto. Tensões contemporâneas entre o público e o privado. São Paulo: Paz e Terra, 2003. FERNÁNDEZ ENGUITA, Mariano. Trabalho, escola e ideologia: Marx e a crítica da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2000. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998. GENTILI, Pablo (org.). Pedagogia da Exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. KUENZER, A. Z. in Frigotto, G. Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998. LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. 3ª ed. 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