UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
CAMINHOS E DESCAMINHOS DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Autor: Marcos da Silva Andrade
Orientador: Prof. Antônio Ney
Rio de Janeiro, março de 2004.
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
CAMINHOS E DESCAMINHOS DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
OBJETIVO:
Apresentação de monografia como condição prévia
do curso de pós-graduação lato sensu em Docência
do Ensino Superior.
Por Marcos da Silva Andrade
AGRADECIMENTOS
À Luiza, minha namorada, pelo seu amor e paciência.
A Severo e Tania, colegas de turma, que me aturaram
nesse período.
DEDICATÓRIA
Aos educadores que se dedicam à educação profissional.
RESUMO
A educação profissional (EP) tem sido um instrumento para promover a
segregação no sistema escolar brasileiro. As diferentes trajetórias escolares permitem
separar os indivíduos pelas suas condições sócio-econômicas.
A EP ocupou espaços significativos nas políticas públicas, sobretudo por
imposição da elite econômica, detentora dos meios de produção, sem, contudo
privilegiá-la como destino para seus filhos.
A legislação educacional vigente permite caminharmos em direção a uma
educação emancipatória, superando o caráter de contenção que marca as políticas
públicas de EP. Para isso, é preciso resgatar o prestígio das ocupações profissionais
intermediárias e romper com o antagonismo entre a EP e a educação superior,
devolvendo-lhes suas finalidades e pondo fim à distinção social que operam.
METODOLOGIA
O estudo apresentado se baseia em livros e artigos que são referência sobre o
tema.
A partir da revisão bibliográfica, o autor desse trabalho monográfico apresenta
suas considerações, sempre em diálogo com as idéias apresentadas nas publicações que
serviram de referência.
Assim, a proposta dessa monografia é apresentar os descaminhos da educação
profissional brasileira no decorrer da história e propor novos caminhos, dentro dos
limites da legislação atual.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
8
CAPÍTULO I –
RETROSPECTIVA HISTÓRICA DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
9
CAPÍTULO II –
OS DESCAMINHOS E OS CAMINHOS DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
21
CONCLUSÃO
33
BIBLIOGRAFIA
35
ÍNDICE
36
INTRODUÇÃO
O mercado de trabalho tem imposto ao trabalhador que se torne cada vez mais
qualificado, seja para o ingresso em uma profissão, seja para não perder sua atual
colocação. Conseqüentemente, muitos têm buscado oportunidades para se qualificar
para o trabalho na educação profissional (EP).
A variedade de espaços destinados à EP e diversidade de cursos, não se deve
somente a atender essa procura, mas aos conflitos de interesses que marcam a EP, ao
longo da história, entre o Estado, os empresários e diferentes segmentos da sociedade.
Meu interesse sobre o tema está diretamente ligado à minha trajetória pessoal,
pois nos últimos 12 dos meus 26 anos de idade, estive de alguma forma envolvido com
a EP, seja como aluno ou docente. Cursei o 2°. grau técnico em Mecânica no Centro
Federal de Educação Tecnológica (CEFET-RJ) e, em seguida, tornei-me instrutor de
Mecânica em uma escola técnica da rede estadual. Paralelamente, fiz a graduação em
Engenharia de Produção, também no CEFET-RJ, e, após conclui-la, tornei-me professor
de Administração e leciono na Escola Técnica Estadual Henrique Lage.
Busquei a especialização em Docência do Ensino Superior para aperfeiçoar
minha prática docente e para preparar-me ao magistério na educação superior. Acredito
que a universidade será o principal centro de formação dos quadros docentes da EP e,
por isso, pretendo estar capacitado para dar minha contribuição à formação desses
docentes, ao aliar à prática profissional aos saberes acadêmicos.
Esse estudo discute as tendências da EP no Brasil, a partir de uma revisão
bibliográfica, que permitiu reunir uma retrospectiva histórica da EP e considerações
sobre a atual legislação educacional e as mudanças no mundo do trabalho.
CAPÍTULO I
RETROSPECTIVA HISTÓRICA
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
RETROSPECTIVA HISTÓRICA
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Esse capítulo aborda os principais acontecimentos da educação profissional
(EP), do fim da escravidão institucionalizada no Brasil ao governo militar.
1.1 – De 1888 a 1934
A abolição da escravatura, a imigração européia e o modelo econômico vigente,
centrado na produção e exportação de café, são os principais fatores que impulsionaram
a EP no início do séc. XX. A elite dominante julgou necessário qualificar mais
profissionais para recompor o operariado urbano, enfraquecendo a hegemonia dos
imigrantes, desarticulando sua organização. Também era necessário ter mais
profissionais qualificados para viabilizar as atividades que se beneficiaram da
comercialização do café: indústrias, bancos, construção civil etc..
No âmbito nacional, o presidente Nilo Peçanha criou, em 1910, dezenove
escolas de EP, uma em cada unidade da Federação (exceto no Distrito Federal e no Rio
Grande do Sul), que formaram uma rede própria que se diferenciava das outras escolas
mantidas pelos governos federal e estadual e das escolas privadas, pois possuíam
currículos, metodologia e edificações diferenciados. Além disso, as condições de
ingresso e o destino dos formandos também eram distintos. A escolha da localização
dessas escolas foi orientada por critérios políticos. Os estados encontravam-se em
diferentes estágios de atividade econômica e, em alguns, a concentração das atividades
manufatureiras não se localizavam nas capitais, onde as escolas foram instaladas.
Quando foi governador do estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha fundou, em
1906, três escolas para formar trabalhadores para atividades manufatureiras e
industriais. Contudo, seus adversários políticos, vitoriosos nas eleições seguintes, não
deram continuidade a esse projeto.
No Distrito Federal, o Asilo de Meninos Desvalidos foi transformado, em 1892,
no Instituto Profissional João Alfredo.
No mesmo ano, no Estado de São Paulo, foi aprovada uma lei que determinava a
criação de cursos noturnos de educação geral com ênfase na aplicação prática no
trabalho. Em 1911, foram criadas as primeiras escolas profissionais públicas. Na
iniciativa privada, a primeira escola a se destacar foi o Liceu de Artes e Ofício de São
Paulo, fundado em 1882, que se beneficiou de recursos públicos e privados para montar
oficinas, nas quais os alunos aprendiam diretamente na produção. A Escola Profissional
Mecânica funcionou nas instalações do Liceu e era mantida por companhias
ferroviárias, com recursos do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Em
1934, surgiu outra escola que adotou um modelo semelhante: o Centro Ferroviário de
Ensino e Seleção Profissional (CFESP). O governo estadual colaborou com os
professores de educação geral e com equipamentos existentes na Sorocabana,
companhia ferroviária que havia sido estatizada. A contribuição financeira para a escola
era proporcional ao número de empregados de cada uma. As empresas também
indicavam seus representantes na gestão da escola. O CFESP serviu de matriz para a
criação, em 1942, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
No âmbito das escolas confessionais, há de se destacar os liceus salesianos. O
primeiro foi fundado em Niterói, em 1883. Em 1905, havia 14 escolas salesianas no
Brasil. Um dos objetivos da sua proposta educacional era se contrapor às idéias
anarquistas e comunistas, muito difundidas entre o operariado urbano e que ameaçavam
a ordem vigente no país. Mas, em pouco tempo, os salesianos passaram a privilegiar o
ensino secundário, destinado à formação da elite dirigente, deixando de lado a EP.
Houve ainda algumas iniciativas no campo da EP por parte de categorias de
profissionais organizados, como a Associação dos Funcionários de Banco do Estado de
São Paulo, a União de Alfaiates (RJ) e a União dos Trabalhadores Gráficos (RJ), que
promoveram cursos de formação profissional, que podiam ser freqüentados pelos filhos
dos trabalhadores sindicalizados. Contudo, o Estado Novo, período ditatorial de Getúlio
Vargas, reprimiu e desmontou a organização sindical existente e, em 1943, criou uma
nova estrutura representativa, atrelada ao Estado. Isso impediu o surgimento de
iniciativas inovadoras desenvolvidas pelos trabalhadores no âmbito da EP.
A EP durante a Primeira República pode ser caracterizada como uma arena em
que diferentes concepções e práticas buscam o seu espaço: a assistencialista,
compensatória e clientelista, promovida pelo Estado e governos estaduais; a voltada
para as necessidades de formação de mão-de-obra para o processo produtivo, em
escolas ligadas a setores empresariais e subvencionadas pelos poderes públicos,
concentradas no estado de São Paulo; a reacionária dos salesianos; e a libertária,
promovida pelos sindicatos.
No período seguinte, predominou a formação profissional voltada para atender
os interesses empresariais, devido ao processo crescimento da atividade industrial
brasileira, impulsionado, primeiramente, pela ocorrência da Primeira Guerra Mundial,
que impediu a importação de produtos de países envolvidos com a guerra. Um outro
fator foi a implementação da política desenvolvimentista do Estado Novo, que criou
grandes empresas estatais e ampliou a máquina burocrática do Estado, a partir da
reestruturação da administração pública.
1.2 – O Estado Novo (1934 – 45)
Destacam-se, nesse período, a reforma educacional de Gustavo Capanema,
Ministro da Educação e Cultura, e a criação do SENAI.
O sistema escolar, em 1942, foi reorganizado da seguinte forma:
o ensino primário, com quatro ou cinco anos de duração, destinado às
crianças de 7 a 12 anos;
o ensino médio, para os jovens, a partir dos 12 anos, divididos em dois
ciclos, cada um dividido em cinco modalidades.
No primeiro ciclo, o jovem cursava uma das seguintes modalidades: ginasial,
formação de professores (normal), industrial, comercial e agrícola.
O jovem que, por exemplo, concluísse o curso ginasial podia optar por qualquer
modalidade do segundo ciclo do ensino médio: industrial, comercial, agrícola, normal e
colegial (única opção que habilitava a prestar exames para qualquer carreira do ensino
superior).
Caso concluísse o curso básico industrial (primeiro ciclo), somente podia
ingressar em um curso técnico industrial, no segundo ciclo do ensino médio. Ao
concluir o curso técnico, se desejasse prestar exames para o ensino superior, somente
podia fazê-lo para carreiras relacionadas à formação obtida no ensino médio.
A legislação do sistema escolar determinava a verticalização como única via
para aqueles que tivessem cursado as modalidades industrial, comercial, agrícola e
normal.
Entretanto, esses que já haviam se especializado profissionalmente, em geral,
optavam por ingressar no mercado de trabalho. Os recursos obtidos pelo exercício
profissional podiam ser destinados tanto para colaborar com os gastos cotidianos da
família, que proveu condições para os estudos, como para a realização de projetos
pessoais.
Ingressar no ensino superior significava a manutenção de contenções
financeiras, para as famílias, e o adiamento de realizações pessoais, para os jovens.
Dessa forma, o ensino superior ficava restrito aos jovens pertencentes às famílias
da elite econômica brasileira, que, anteriormente, haviam cursado a modalidade colegial
(no segundo ciclo).
A nova organização escolar tentou acomodar as diferentes formas de ensino
existentes no Brasil num único sistema, sem que sofressem alterações profundas e que,
ao mesmo tempo, atendessem à reestruturação dos processos produtivos.
A posição ocupada por cada indivíduo na sociedade seria equivalente ao seu
desempenho escolar. As atividades de menor complexidade seriam executadas por
aqueles que não superassem os limites do ensino primário. As profissões intermediárias
seriam ocupadas por aqueles que obtivessem uma habilitação do primeiro ou segundo
ciclo do ensino médio. As camadas dirigentes seriam constituídas por aqueles que
tivessem cursado o ensino superior.
Contudo, sabe-se que as camadas dirigentes “formadas” no ensino superior eram
oriundas da elite econômica, que, por força da reestruturação do modelo econômico
brasileiro, acumulava capital cultural, através do ensino superior, na tentativa de
legitimar e manter a sua hegemonia.
O sistema escolar atendia a dupla função de preparar os indivíduos para as
diferentes ocupações profissionais e de diferenciá-los conforme a sua condição sócioeconômica.
Havia pouquíssima chance de ascender socialmente pela escolarização. Ainda
que um jovem das camadas populares tivesse acesso à escola pública, a necessidade de
ingressar no mercado de trabalho o levaria a procurar uma formação que qualificasse
profissionalmente, em vez de trilhar o longo caminho das habilitações do ensino
superior, possível somente àqueles que possuíssem condições materiais para se
manterem no sistema.
Nesse contexto surge em 1942, por um decreto-lei, o Serviço Nacional dos
Industriários, que posteriormente, veio a se chamar Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), atendendo aos interesses dos empresários dos diversos segmentos
industriais, que ficaram responsáveis por sua gestão, deixando de fora os trabalhadores e
o governo, embora o SENAI seja sustentado, em maior parte, por recursos públicos.
Ao longo de sua história, o SENAI adequou-se às transformações políticas e
econômicas ocorridas no Brasil e continua sendo a maior rede de EP do país.
Seu objetivo inicial era formar a mão-de-obra executante das indústrias. Os
cursos de aprendizagem profissional ministrados pelo SENAI eram suplementares à
formação escolar, não havendo, portanto, equivalência com o ensino oficial. Eram
destinados aos excluídos precocemente do sistema escolar, diminuindo a pressão sobre
o Estado, pois os formandos, geralmente, faziam uma longa carreira nas indústrias.
Os aprendizes eram adolescentes, com baixa escolarização, que praticavam, na
unidade de ensino, tarefas em postos de trabalho, similares aos encontrados nas
indústrias. Para formar um torneiro mecânico, por exemplo, o SENAI dispunha de
tornos para que os aprendizes praticassem tarefas semelhantes às executadas no
cotidiano de um torneiro na indústria.
1.3 – De 1945 a 1964
Não houve alterações profundas na EP em relação ao quadro anterior. Merecem
destaque a criação, à semelhança do SENAI, do Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC), por decreto do Presidente Eurico Dutra, em 1946, atendendo as
aspirações dos empresários do setor terciário da economia, e a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1961.
A nova lei estabeleceu um único ramo no primeiro ciclo do ensino médio, que
era generalista e dava acesso às modalidades do segundo ciclo (colegial, normal,
industrial, comercial e agrícola), que foram mantidas, embora a lei tenha acabado com
as restrições à escolha de carreiras do ensino superior. Ou seja, os egressos de qualquer
modalidade passaram a poder se candidatar aos exames de seleção para qualquer curso
do ensino superior. Contudo, a modalidade colegial permanecia sendo a única com
caráter propedêutico ao ensino superior. Conseqüentemente, os egressos do colegial
tinham mais possibilidades de êxito nos exames que os demais.
Aqueles que concluíssem o ensino primário e necessitassem se qualificar para o
trabalho deviam cursar, primeiramente, o ginásio (primeiro ciclo), para depois cursar
uma das modalidades que os habilitassem profissionalmente no segundo ciclo do ensino
médio.
Caso a necessidade fosse ainda mais precoce, após o primário, o indivíduo devia
buscar uma qualificação chamada aprendizagem profissional, fora do sistema escolar,
onde se destacavam o SENAI e o SENAC.
A aprendizagem profissional não habilitava para o ingresso no segundo ciclo do
ensino médio. Portanto, para se manter no sistema escolar oficial, o indivíduo devia
cursar paralelamente a aprendizagem profissional e o ginásio, que permitia a
continuação dos estudos.
Contudo, a aprendizagem profissional destinava-se aos que realmente
necessitavam obter uma qualificação profissional, servindo como mecanismo de
contenção da pressão sobre o sistema escolar público exercida pelas famílias das
camadas populares, que lutavam por uma escolarização crescente para seus filhos.
1.4 – A Ditadura Militar (1964 – 85)
“Os governos militares (...) optaram por uma estratégia de
desenvolvimento para os grandes projetos nacionais: a construção dos
pólos petroquímicos do Rio Grande do Sul, a expansão dos núcleos de
exploração e produção de petróleo na bacia de Campos, na Bahia e no
Sergipe, a construção das hidroelétricas de Itaipu, os pólos agropecuários e
agrominerais da Amazônia,...” (MANFREDI, 2002, P.104)
Essa estratégia não levou o Brasil ao Primeiro Mundo, conforme o regime
militar alardeou. A ampliação da infraestrutura permitiu, por um lado, a diversificação e
expansão das atividades produtivas no Brasil. Mas, por ter sido executada sobre bases
não sustentáveis, condenou o Brasil ao endividamento externo e à conseqüente
dependência do capital estrangeiro, destinando as gerações seguintes ora à inflação, ora
ao desemprego.
A inflação foi controlada somente em meados da década de 90, a partir do final
do curto governo do Presidente Itamar Franco (1992 – 94). Fernando Henrique foi seu
Ministro da Fazenda no ensejo da implementação do Plano Real, que viabilizou
inicialmente o controle da inflação. Elegeu-se presidente, sucedendo Itamar Franco, e
adotou a política do Estado mínimo em seu governo, conforme o ideário neoliberal,
seguindo as diretrizes de organismos internacionais, como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), que representam os interesses das forças hegemônicas da economia
mundial. Embora a inflação tenha sido mantida sob controle, o país, sob seu governo,
viveu a estagnação econômica, o aumento do desemprego e a diminuição do controle do
Estado sobre empresas que foram “entregues” a grupos estrangeiros, através das
privatizações, a pretexto de atrair, para o país, capitais que alavancassem a economia
nacional. Boa parte dessas empresas compunha a infraestrutura que fora expandida
durante a ditadura militar, com recursos do Estado.
Essa expansão, ocorrida durante o regime militar, teve efeitos positivos, contudo
em curto prazo, ao contrário do que fôra divulgado. Esse período de intensa atividade
econômica foi chamado de “milagre econômico”, que, além de fugaz, foi marcado pela
corrupção, encoberta pela falta de transparência nas instâncias públicas, característica
comum aos governos ditatoriais.
A demanda por qualificação profissional seria suprida por programas de
capacitação rápida, ministrados no SENAI e em Escolas Técnicas Federais (ETF), com
recursos do Programa Intensivo de Formação de Mão-de-Obra (PIPMO), criado por
decreto do presidente João Goulart, em 1963, que junto com os incentivos fiscais
previstos pela Lei 6.297/57, impulsionou a promoção de cursos de formação
profissional pelas próprias empresas, previamente aprovados pelo Ministério do
Trabalho. (MANFREDI, 2002, P. 104 E 105)
O governo militar ainda protagonizou uma nova reforma do sistema escolar (Lei
5.692/71). A nova LDB reuniu o primário e o ginásio, que passaram a formar o 1°. grau,
com o objetivo de sondar aptidões e promover a iniciação ao trabalho, e tornou
universal e compulsória a qualificação profissional no nível seguinte, que passou a se
chamar 2°. grau. O parecer 45/72 estabeleceu 52 habilitações plenas (nível técnico) e 78
habilitações parciais (nível auxiliar). (KUENZER, 2000, P. 17)
“... constituiu-se um avanço significativo o texto da lei não incorporar a
dualidade estrutural... e supera o sentido de equivalência de ramos
distintos, mas estabelece um único ramo — profissionalizante — para todos
(desde que consigam furar o bloqueio da seletividade).” (KUENZER, 2000,
P. 21)
O governo militar acreditava que, com essa medida, solucionaria os problemas
de demanda por trabalhadores qualificados. Mas como as matrículas no 2°. grau
concentravam-se nos centros urbanos e em estados com maior participação na economia
brasileira, perpetuou-se a péssima distribuição de profissionais qualificados: escassez
nas localidades mais pobres em atividade econômica e excesso nos principais centros
urbanos. O excedente nessas localidades é extremamente interessante aos empresários,
pois a disponibilidade de mão-de-obra permite uma maior exploração dos trabalhadores,
que aceitam salários cada vez mais baixos. Em contrapartida, os empresários mantém
sua margem de lucro, ainda que o quadro econômico seja de recessão, por exemplo.
O ensino secundário tornou-se “profissionalizante”, na acepção do paradigma
taylorista-fordista, ou seja, formação para postos de trabalho rigidamente concebidos,
com tarefas delimitadas.
“Realizada em geral no período noturno, essa profissionalização
improvisada e de má qualidade confundiu-se no imaginário das camadas
populares, com a melhoria da empregabilidade de seus filhos. Com isso, a
oferta de curso único integrando a habilitação profissional e o 2°. grau,
com carga horária reduzida, passou a ser estimulada como resposta
política local às pressões da população. (...) O então ensino de 2°. grau
perdeu, nesse processo, qualquer identidade que já tivera no passado –
acadêmico-propedêutica ou terminal-profissional. O tempo dedicado à
educação geral foi reduzido pela metade e o ensino profissionalizante foi
introduzido dentro da mesma carga horária antes destinada às disciplinas
básicas, incrustado como um quisto.” (CORDÃO, 2002)
Não havia recursos para adequar as instalações das escolas onde o 2°. grau era
ministrado. Historicamente, sabe-se que os níveis mais elevados do ensino escolar
foram ocupando os espaços ociosos de escolas que ofereciam formação em níveis mais
elementares. Da mesma forma, não havia investimentos para comprar equipamentos e
para qualificar os docentes das disciplinas “profissionalizantes”. Logo o ensino era
“profissionalizante” nas escolas de 2°. grau, mas essas, de fato, não se tornaram escolas
técnicas. (KUENZER, 2000, P. 23)
“Essa legislação na medida em que não se preocupou em preservar uma
carga horária adequada para a educação geral, ao ser ministrada no então
2°. grau, facilitou a proliferação de classes ou cursos profissionalizantes
soltos, tanto na rede pública de ensino quanto nas escolas privadas. (...)
com a falta de financiamento (...) tais cursos profissionalizantes
concentraram-se quase em sua totalidade em cursos de menor custo..”
(CORDÃO, 2002)
Havia boas escolas técnicas, especialmente, na rede federal, que formavam
técnicos para as indústrias, onde os melhores salários eram pagos. Mas a precariedade
da formação profissional nas escolas privadas e nas escolas das redes estaduais, salvo
exceções, onde predominaram cursos de Contabilidade e Secretariado.
“... as escolas técnicas tradicionais acabaram se tornando a opção
pessoal de estudos propedêuticos, distorcendo a missão dessas escolas
técnicas, que reorientaram seus currículos mínimos muito mais para a
continuidade de estudos que para a efetiva profissionalização técnica.”
(CORDÃO, 2002)
“Como os conteúdos de educação geral, também denominados de
conteúdos propedêuticos por estarem centrados na preparação para o
ingresso
no
ensino
superior,
eram
colados
aos
conteúdos
profissionalizantes, estas escolas foram desfigurando a função para a qual
existiam.” (CARNEIRO, 1998, P. 123)
Ainda hoje, por esse motivo, os Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFET), que se originaram das antigas Escolas Técnicas Federais (ETF), são
freqüentados por jovens que pertencem a famílias das camadas média alta e alta,
majoritariamente, deixando de fora as camadas populares, frustrando suas expectativas
de acesso a uma formação de qualidade que habilite para profissões melhor
remuneradas.
Embora a lei tenha instituído uma única trajetória na escola de 2°. grau, a elite
não demonstrava interesse pela formação profissional, por associá-la ao trabalho
manual, considerado inferior, pois outrora esse era executado exclusivamente por
escravos. Além disso, o ensino de ofícios no Brasil fora destinado aos órfãos e
desvalidos. A elite se interessava apenas pela “cultura geral”, que supostamente podia
legitimar sua condição hegemônica.
Contudo, esse incômodo da elite foi ajeitado na legislação pelo parecer 76/75
que previa que o ensino de 2°. grau era, na verdade, um preparo básico, apenas uma
iniciação a uma atividade profissional, que se consolidaria posteriormente, no emprego
ou no ensino superior. (KUENZER, 2000, P. 24)
“... a velha dualidade ressurgiu no âmbito da legislação com todo o seu
vigor, reafirmando-se novamente a oferta propedêutica, agora chamada de
básica, como a via preferencial para o ingresso no nível superior,
permanecendo os antigos ramos, agora denominados habilitações plenas,
como vias preferenciais de acesso ao mundo do trabalho.” (KUENZER,
2000, P. 24 e 25)
Assim, as escolas privadas (confessionais ou não) responsáveis pela formação da
elite dirigente legitimariam a sua formação voltada exclusivamente à preparação para os
exames de acesso (vestibulares) ao ensino superior, especialmente para os cursos
oferecidos nas universidades públicas, considerados de qualidade superior, deixando a
formação para o trabalho de lado ao incluí-la no currículo apenas formalmente.
A lei 7.044/82 termina com o constrangimento da obrigatoriedade da formação
profissional do 2°. grau, permitindo que as escolas oferecessem, como alternativa, o
curso de formação geral, que era exclusivamente propedêuticos aos vestibulares.
(MANFREDI, 2002, P. 106 E 107)
CAPÍTULO II
OS DESCAMINHOS E OS CAMINHOS
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
OS DESCAMINHOS E OS CAMINHOS
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
2.1 – Ensino médio e ensino técnico: quadro atual
O §2°. do Art. 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei
9.394/96, diz:
“O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá
prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.” (CARNEIRO, 2002, P.
108) [o grifo é meu]
A nova LDB mantém a possibilidade de o ensino médio (nova denominação do
2°. grau) ser articulado com a formação profissional (curso técnico), como uma das
alternativas possíveis. A outra possibilidade é cursar somente o ensino médio.
A lei 7.044/82, citada no capítulo anterior, já havia encerrado a obrigatoriedade
da profissionalização no 2°. Grau. A diferença fundamental entre as leis nesse ponto é
que, anteriormente, o aluno cursava, numa única instituição as formações geral, numa
versão “enxuta”, e técnica.
Quando fui aluno do 2°. grau técnico em Mecânica, no CEFET-RJ, a formação
geral não contemplava, por exemplo, a Química Orgânica e a História Geral, somente a
História do Brasil, diferente daqueles que cursavam somente o 2°. grau em outras
instituições. Ainda assim, o curso durava quatro anos. O 2°. grau sem a formação
técnica durava três anos. Mas havia escolas que ofereciam o 2°. grau técnico em apenas
dois anos!
Atualmente, tomando o exemplo de um outro aluno do CEFET-RJ, este poderá
cursar o ensino técnico em Mecânica no próprio CEFET-RJ e o ensino médio em outra
instituição (concomitância externa). Ou poderá cursar ambos no CEFET-RJ
(concomitância interna). Para obter a certificação, o aluno deverá concluir o ensino
médio anterior ou simultaneamente ao curso técnico, conforme estabelecido no decreto
2.208/97, que regulamenta a educação profissional (EP), no §4° do Art. 8°.:
O estabelecimento de ensino que conferiu o último certificado de qualificação
profissional expedirá o diploma de técnico de nível médio, na habilitação
profissional correspondente aos módulos cursados, desde que o interessado
apresente o certificado de ensino médio. (Carneiro, 2002, p. 210)
Sobre o ensino médio, o Art. 35 da nova LDB diz que:
“O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima
de três anos...” (CARNEIRO, 2002, P. 106) [o grifo é meu]
A lei, por um lado, avança, pois não há mais distinção entre os currículos da
formação geral do 2°. grau técnico e do 2°. grau. As diretrizes curriculares do ensino
médio são únicas.
“... a habilitação profissional... pode ser feita ou na própria escola ou
em instituições especializadas do tipo: escolas técnicas, centros de
formação profissional e empresas... Aqui, parece oportuno já esclarecer
que a educação profissional deixa de ser um nível de ensino “stricto senso”
e passa a ser modalidade de educação complementar à educação básica.”
(CARNEIRO, 2002, P. 111)
A nova LDB encerra a distinção explícita criada pela lei 7.044/82, que
estabelecia diferentes trajetórias no 2°. grau. Os alunos do 2°. grau técnico estavam em
desvantagem, se comparados aos que cursavam somente o 2°. grau, que possuía a
formação geral plena, caso desejassem prestar exames para o ingresso no ensino
superior, pois os currículos da formação geral 2°. grau técnico não possuíam muitos
conteúdos avaliados pelos vestibulares.
2.2 – A segregação escolar e a desvalorização das profissões
intermediárias
Como foi apresentado no capítulo anterior, a lei 5.692/71 havia estabelecido uma
única trajetória: o 2°. grau profissionalizante. O fim da profissionalização obrigatória
atendeu, especialmente, as camadas média alta e alta, onde predomina o interesse pela
formação propedêutica ao ensino superior.
O sentimento de desvalor atribuído às profissões intermediárias vem crescendo
na sociedade brasileira, sobretudo nas três últimas décadas.
O trabalho é considerado, na sociedade brasileira, como uma ocupação humana
inferior e os seus maiores beneficiários são, geralmente, os que menos trabalham ou
sequer trabalham, a saber, as camadas dirigentes. No período da escravidão, esse
mecanismo era explícito. Com o fim da escravidão, o Brasil adota o capitalismo
moderno. A divisão técnica (e social) do trabalho passa a dissimular a exploração do
trabalho alheio, mantendo, contudo, a essência.
A outra razão para esse sentimento de desvalor está no campo educacional, pois
cada vez mais, os indivíduos são rotulados pelas suas diferentes trajetórias escolares,
que têm uma estreita relação com a condição sócio-econômica anterior à escolarização,
que tende a não se alterar, mesmo após o processo de escolarização.
A universalização do acesso à educação, que é uma luta das camadas médias e
populares, está se concretizando gradualmente. Entretanto as trajetórias escolares são
marcadamente diferenciadas. A escola não é a mesma para todos.
A segregação é uma característica marcante da educação brasileira. Quando as
camadas dirigentes freqüentavam as escolas públicas, as crianças oriundas de outros
estratos sociais eram excluídas por meio de mecanismos mais facilmente perceptíveis,
como as reprovações e repetências, que levavam às evasões, por exemplo. As crianças
das camadas populares encontravam mais espaço no ensino profissional do que no
ensino formal.
Posteriormente, as camadas dirigentes deixam as escolas públicas e passam a ser
formadas em escolas confessionais, destinadas à formação das elites brasileiras, pois na
República, há a separação entre Igreja e Estado, e a educação tornou-se uma das
principais estratégias da Igreja Católica para manter seu prestígio e influência. A escola
pública passa a ter uma qualidade inferior, se comparada às escolas confessionais.
No período da ditadura militar, acontece uma proliferação de escolas privadas
não-confessionais. Os proprietários de muitas dessas eram ligados ao governo ou a
militares de alta patente. Algumas dessas escolas passaram a disputar a formação das
elites com as escolas confessionais. A formação humanística, muitas vezes, foi deixada
de lado, passando a prevalecer a preparação para os concursos de admissão às
universidades e escolas técnicas federais. As camadas médias vão progressivamente
deixando as escolas públicas, que ficam cada vez mais desprestigiadas pelo próprio
poder público.
A segregação se dá, portanto, pela proliferação dos espaços educacionais e pelo
tempo de permanência nesses espaços. Essa diferenciação não se dá somente no
processo de escolarização básica, mas também nas trajetórias universitárias.
As universidades públicas possuem, em geral, os melhores cursos, se
comparadas com às instituições privadas de ensino superior. A única via de acesso às
universidades públicas é o vestibular, que, pretensamente, julga-se que seleciona pelo
mérito. Contudo, questiona-se o mérito, quando os candidatos não tiveram as mesmas
oportunidades, embora todos tenham concluído o ensino médio.
Hoje, início de 2004, estamos às vésperas de uma reforma universitária, regida
pelo novo Ministro da Educação, Tarso Genro, que parece ter como objetivo a inclusão
de estudantes negros, pardos e das camadas populares nas instituições privadas de
ensino superior, em troca de incentivos fiscais, que servirão para amenizar a crise pela
qual passam essas instituições. Parece que os espaços privilegiados das universidades
públicas não sofrerão qualquer mudança substancial, permanecendo destinados àqueles
que puderam pagar por uma educação básica que ofereceu subsídios suficientes para tal.
2.3 – As trajetórias universitárias diferenciadas
Ao longo da história, a EP tem servido como um instrumento de contenção de
segmentos que desejam ascender na escala escolar, conforme foi apresentado no
capítulo anterior.
A nova LDB prevê a criação dos cursos superiores em tecnologia, no âmbito da
EP, e dos cursos superiores seqüenciais. Ambas as modalidades são de curta duração:
dois anos, em média. Exigem investimentos menores para implantação e manutenção se
comparados a carreiras tradicionais como a Engenharia. Por um lado, a existência
desses cursos é interessante aos engenheiros atuais e futuros, pois contém a demanda
nos cursos de Engenharia. Mas os conselhos federal e regionais que regulamentam e
fiscalizam o exercício profissional de técnicos e engenheiros resistem ao
reconhecimento dos tecnólogos.
A criação dos cursos superiores de curta duração abre um novo filão para os
empresários do segmento e aumenta a oferta de vagas no conjunto de todo o ensino
superior brasileiro.
Outro agravante é que o mercado de trabalho não tem absorvido os tecnólogos.
O setor industrial brasileiro já estava saturado de tantos técnicos e engenheiros
disponíveis. A criação desses cursos desvaloriza ainda mais os profissionais de nível
técnico.
2.4 - A precarização atual do mercado de trabalho
A crise econômica no Brasil tem levado os trabalhadores a ocuparem posições
profissionais que demandam menos qualificações do que já possuem, contrariando a
afirmação de que o desemprego seria conseqüência da falta de qualificação do
trabalhador.
O discurso da empregabilidade culpa o trabalhador por não “manter-se
atualizado”. Aumentar as oportunidades da EP pode beneficiar alguns, mas não será a
saída para a questão do desemprego, podendo até mesmo agravá-lo.
“... quanto melhor o trabalhador estiver preparado, mais poderá
deslocar outros trabalhadores menos preparados.” (DEMO, 1998)
Ainda que algum trabalhador melhore o seu salário ao requalificar-se, aumentar
as oportunidades da EP teria o resultado contrário, o achatamento salarial.
[A educação profissional] “. pode implicar o efeito do rebaixamento
salarial, porque coloca no mercado capacidades disponíveis para além da
necessidade do mercado. (...) A empresa competitiva está rindo à toa: terá à
sua disposição trabalhadores mais bem preparados e com salários mais
baixos.” (DEMO, 1998)
É comum, nos centro urbanos, encontrar profissionais com o ensino médio
completo desempenhando funções elementares nas empresas. Também é comum
encontrar profissionais graduados em posições intermediárias.
Um exemplo dramático da precarização do mercado de trabalho é encontrar
pessoas com o curso superior completo prestando concursos para ocupações que exigem
somente a 4a. série do ensino fundamental.
2.5 – Caminhos para a educação profissional
Uma das propostas desse estudo é apontar caminhos para a superação do caráter
segregador da EP, dentro dos limites da atual legislação, para que a EP possa dar sua
contribuição para a construção de uma sociedade mais justa.
2.5.1 – A aprendizagem
“... melhorar a aprendizagem nos cursos realizando a promessa de não
se esgotar em simples treinamentos.” (DEMO, 1998)
O Art. 3°. do decreto 2.208/97, estabelece a EP em três níveis: básico, técnico e
tecnológico.
Os cursos do nível básico, muitas vezes não passam de mero treinamento, com
fins assistencialistas, compensatórios e eleitoreiros, não atendendo, conforme diz o
decreto 2.208/97, a “... qualificação e reprofissionalização de trabalhadores...”
(CARNEIRO, 2002, P. 208)
Há cursos técnicos que ainda não tiveram a sua proposta pedagógica revista e,
portanto, desconsideram as mudanças na economia e no mundo do trabalho.
“... o mundo do trabalho está se alterando profundamente, pressupondo
a superação das qualificações restritas às exigências de postos de trabalho
delimitados... É essencial que o profissional tenha uma visão ampla dos
processos produtivos e da prestação de serviços, que transcendem o posto
de trabalho e suas necessidades. É uma questão de sobrevivência, pois os
postos de trabalho estão se alterando contínua e profundamente.”
(CORDÃO, 2002)
Essa nova proposta pedagógica deverá levar em conta as características
específicas das profissões, a volatilidade das demandas do mercado de trabalho e a
cidadania.
“... não se pode incutir na educação profissional apenas a ligação com o
mercado, aliás cada vez mais tênue, mas implicar, com particular força, o
combate à pobreza política do trabalhador.” (DEMO, 1998)
Um curso técnico precisa ser capaz de oferecer experiências significativas que
levem o educando a uma aprendizagem efetiva.
A EP sofreu uma mudança de paradigma por conta das mudanças no mundo do
trabalho. A economia mundial deixou para trás o estágio de acumulação rígida, em que
a demanda por bens para o consumo era crescente e, conseqüentemente, a produção
desses bens era em larga escala. Com a queda da demanda, a economia entra no estágio
de acumulação flexível, em que o capitalista industrial volta-se para a produção
diversificada de bens em escala reduzida. Logo, os processos produtivos tornam-se
flexíveis para atender as variações da demanda. Assim, o trabalhador é levado a
desempenhar várias funções.
No período de acumulação rígida, as escolas de EP reproduziam os postos de
trabalho para que os alunos desenvolvessem tarefas semelhantes àquelas executadas nas
empresas.
No estágio atual, seria inviável e, de fato, desnecessário reproduzir na escola, o
ambiente produtivo das empresas, que estão constantemente alterando seus processos
para ajustar-se às novas demandas.
Contudo, isso não justifica a desresponsabilização das escolas que estão
empobrecendo a formação dos seus cursos técnicos. Se uma escola não possui
condições materiais para ter e manter em funcionamento oficinas e laboratórios
essenciais à formação de uma determinada especialização profissional, essa escola não
deveria sequer oferecer esse curso.
Os recursos para esse fim devem ser provenientes do Estado, para as escolas
públicas, ou das mensalidades, para as escolas privadas, ou de parcerias com as
empresas que irão absorver esses profissionais, para ambas as escolas, públicas e
privadas.
Não há aprendizagem significativa se os docentes não possuem condições
mínimas para trabalhar dialeticamente a teoria e a prática. Sem isso, o educando não
pode reconstruir o conhecimento, de modo a desenvolver as competências necessárias
ao exercício profissional.
2.5.2 – A duração dos cursos e o momento para cursá-los
“... aumentar o tempo de curso, compatível com a autêntica
aprendizagem, isto implica não querer apenas grandes números para
efeitos estatísticos especiais, mais pode contribuir com chances mais
concretas para os trabalhadores, além de permitir um tratamento mais
adequado da cidadania.” (DEMO, 1998)
O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou o Parecer 16/99 que
apresenta vinte áreas em que os cursos técnicos se enquadram e a duração mínima dos
cursos por área, que variam entre 800 e 1.200 horas. Alguns exemplos: agropecuária,
1.200 horas; comércio, 800; construção civil; gestão, 800; indústria, 1.200; informática,
1.000; e saúde, 1.200 (CARNEIRO, 200, P. 120)
O Art. 5°. do decreto 2.208/97 estabelece que:
“A educação profissional de nível técnico terá organização curricular
própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma
concomitante ou seqüencial a este.” (CARNEIRO, 2002, P. 209)
A maior parte dos cursos técnicos é oferecida concomitantemente ao ensino
médio e na mesma instituição (concomitância interna). Geralmente, o SENAI e
SENAC, em suas escolas, oferecem apenas o curso técnico. Ou o indivíduo cursa o
ensino paralelamente em outra instituição (concomitância externa) ou após ter concluído
o ensino médio (seqüencial).
Em escolas onde os alunos cursam simultaneamente o ensino médio e o curso
técnico, muitos desistem da formação técnica na última série ou não fazem o estágio de
prática profissional, que é obrigatório para muitas formações. As razões são diversas.
Pode ser, por exemplo, por já ter sido aprovado em um vestibular, ou por ter se
decepcionado com aquela carreira, escolhida precocemente, ou, ainda, apenas para
tornar a vida menos penosa. Esse abandono, quando ocorre em uma escola pública, é
algo preocupante, pois o aluno não alcançou o objetivo para o qual o Estado subsidiou
seus estudos.
As escolas públicas deveriam “apostar” mais nos cursos técnicos seqüenciais,
especialmente nos centros urbanos, onde estão grandes contingentes de jovens com
ensino médio completo, que é o caso das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São
Paulo.
A duração dos cursos técnicos seqüenciais pode variar de um a dois anos.
Somadas as durações do ensino médio e de um curso técnico seqüencial são quatro ou
cinco anos de formação.
Alguns cursos, como o de Eletrônica e Mecânica, por exemplo, se fundamentam
em conhecimentos avançados da Matemática e da Física. Isso cria dificuldades para os
docentes de algumas disciplinas desses cursos, especialmente quando os alunos só
possuem o ensino fundamental. Essas dificuldades seriam menores se os alunos
tivessem concluído o ensino médio anteriormente.
Muitos jovens estudam em escolas técnicas apenas por saberem que os egressos
dessas escolas têm obtido bons resultados nos vestibulares. Outros não seguem a
profissão por terem escolhido a carreira ainda muito novos, com 14 ou 15 anos de idade.
Enquanto isso, milhares de jovens chegam ao final do ensino médio sem
nenhuma perspectiva. Adquirir uma habilitação profissional em um ou dois anos
poderia ser a solução para muitos.
Um jovem de 14 ou 15, geralmente, ainda possui maturidade para tomar uma
decisão tão importante quanto escolher o caminho profissional a trilhar segundo suas
inclinações.
Para a sociedade, é pior ter jovens de 20 e 21 anos de idade sem uma definição
profissional, do que jovens com 18 e 19 anos. Com o passar dos anos, os jovens se
sentem mais pressionados para ingressar no mercado de trabalho e, nessa faixa etária, há
muitos que passaram pela frustração de terem sido dispensados do serviço militar ou de
não terem ingressado ainda em um curso universitário, seja por não terem sido
aprovados, seja por não possuírem recursos financeiros para tal. Adquirir uma profissão
e exercê-la não significa afastá-los do ensino superior. Os recursos provenientes do
exercício profissional poderão servir para que os jovens mantenham-se no período em
que cursa a universidade, por exemplo.
Mas também é preciso salvaguardar espaços para aqueles que realmente
necessitam cursar, ao mesmo tempo, o ensino médio e o ensino técnico, especialmente
nas localidades onde há poucos jovens que conseguem chegar à conclusão do ensino
médio. Poder cursar o ensino técnico após o ensino fundamental e ingressar no mercado
de trabalho aos 18, 19 anos, com uma boa formação profissional, é um anseio de muitos
segmentos da sociedade.
Com a implantação da nova LDB, o CEFET-RJ diminuiu a duração do ensino
médio e curso técnico concomitante de quatro para três anos. O estágio obrigatório, que
antes era realizado no quarto ano, paralelamente à formação, passou a ser realizado
posteriormente à conclusão do ensino médio. Muitos alunos não realizam o estágio e,
conseqüentemente, não se tornam profissionais de nível técnico. Pode ser até que,
realmente, esse sequer era o interesse seu ou de sua família, antes mesmo de ingressar
no ensino médio.
A redução de quatro para três anos, implicou na permanência do aluno na escola
em tempo integral, enquanto que, antes, o aluno estudava somente no turno da manhã
ou da tarde. É mais caro para a família manter um filho na escola técnica em tempo
integral na escola por três anos do que em tempo parcial por quatro anos. Além disso, é
extremamente desgastante para o aluno permanecer na escola por onze horas, de
segunda a sexta, como é no caso do CEFET-RJ, e de segunda a sábado, como é nas
escolas técnicas estaduais do Rio de Janeiro.
A lei estabelece que a duração mínima do ensino médio é três anos. A nova lei
impossibilita que os dois cursos, médio e técnico, durem apenas dois anos, como
acontecia, anteriormente, em algumas escolas. Isso é um avanço. Mas não há
impedimento legal para que, nas escolas técnicas, o ensino médio dure quatro anos. E
que o estágio obrigatório, assim, pudesse ser realizado antes da conclusão do ensino
médio. Isso poderia inibir as famílias que vêem as escolas técnicas apenas como um
trampolim para as universidades, pois muitas, certamente, considerariam perda de
tempo o ano adicional.
CONCLUSÃO
O fim da escravidão, no final do século XIX, foi o ponto de partida da
retrospectiva histórica da educação profissional (EP) no Brasil, pois esse foi o
acontecimento que marcou as mudanças no âmbito das relações de trabalho. Foi
possível apresentar, a partir desse evento, a evolução da EP no decorrer do século XX,
suficiente para tornar possível a compreensão do quadro atual.
Nesse momento inicial, a EP era destinada às camadas médias urbanas, enquanto
que as famílias das camadas dirigentes destinavam seus filhos à educação geral. As
camadas populares estavam alijadas da educação formal e, por vezes, tinham acesso a
uma EP compensatória.
Em meados do século, prevaleceu a EP com o objetivo de disponibilizar mão-deobra disponível para os segmentos produtivos. A ditadura de Vargas é marcada por
grandes empreendimentos estatais que deram grande impulso à formação profissional.
O final desse período, no campo educacional, acontece o reordenamento do sistema
escolar brasileiro e a criação do SENAI, que ainda é a maior instituição privada de EP.
A elite dirigente deixou as escolas públicas para obter uma formação geral, nas escolas
confessionais, propedêutica aos cursos superiores.
A lei 5.692/71 estabeleceu, entretanto, que o ensino médio, denominado 2°.
grau, se tornasse profissionalizante, compulsoriamente, pondo fim à dualidade estrutural
na legislação educacional, que sempre estabeleceu diferentes trajetórias no sistema
escolar. Mas a lei 7.044/82 restabeleceu os diferentes ramos no ensino médio.
Um dos méritos da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
é o de estabelecer uma única trajetória no ensino médio. A EP passou a ser suplementar
à educação básica, podendo ser cursada paralelamente ou em qualquer outro momento.
Em síntese, esse estudo propõe que a EP não seja mais um instrumento para
políticas assistencialistas e que os cursos técnicos voltem a ser prestigiados.
As boas escolas técnicas públicas são usadas, por muitos, apenas como um
trampolim para as universidades públicas. Essa é uma das piores distorções do quadro
atual, que é anterior a legislação vigente.
As escolas técnicas que oferecem o ensino técnico concomitante ao ensino
médio devem oferecer uma boa formação geral ao educando, pois não há como adquirir
uma boa formação técnica sem um alicerce de qualidade.
Essa monografia não esgotou a discussão sobre a EP e há muitos pontos que
devem ser considerados. Ainda que limitadas, esse estudo apresenta as seguintes
propostas:
1. que os critérios de oferecimento dos cursos técnicos levem em conta as
necessidades locais, a partir do diálogo entre a comunidade e os empresários, mediados
pela escola;
2. que as políticas públicas de EP priorizem o ensino técnico seqüencial ao
ensino médio nas localidades onde há muitos jovens com o ensino médio completo;
3. que, nas demais escolas técnicas públicas, que oferecem cursos técnicos
concomitantes ao ensino médio:
a. o ensino médio tenha a duração de quatro anos;
b. e o ensino técnico e o estágio obrigatório possam ser concluídos antes ou
simultaneamente ao ensino médio.
BIBLIOGRAFIA
CARNEIRO, Moaci Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo. –
8. ed. – Petrópolis, RJ: 2002.
CORDÃO, Francisco. A LDB e a Nova Educação Profissional. Boletim Técnico do
SENAC,
Volume
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Número
1,
janeiro
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abril
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2002
<http://www.senac.br/informativo/BTS/281/boltec281b.htm> (26.03.2004)
DEMO, Pedro. Educação Profissional: Vida e Cidadania. Boletim Técnico do
SENAC,
Volume
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Número
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janeiro
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1998
<http://www.senac.br/informativo/BTS/241/boltec241a.htm> (26.03.2004)
KUENZER, Acácia Zenilda. Ensino médio e profissional: as políticas do Estado
neoliberal. – 2. ed. – São Paulo: Cortez, 2000.
MANFREDI, Silvia Maria. Educação profissional no Brasil. – São Paulo: Cortez,
2002.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I –
RETROSPECTIVA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
1.1 – De 1888 a 1934
1.2 – O Estado Novo (1934 – 45)
1.3 – De 1945 a 1964
1.4 – A Ditadura Militar (1964 – 85)
CAPÍTULO II –
OS DESCAMINHOS E OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
8
9
10
12
14
16
21
2.1 – Ensino médio e ensino técnico: quadro atual
22
2.2 – A segregação escolar e a desvalorização das profissões intermediárias
2.3 – As trajetórias universitárias diferenciadas
2.4 - A precarização atual do mercado de trabalho
2.5 – Caminhos para a educação profissional
24
26
26
27
2.5.1 – A aprendizagem
2.5.2 – A duração dos cursos e o momento para cursá-los
28
30
CONCLUSÃO
33
BIBLIOGRAFIA
35
ÍNDICE
36
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Projeto A Vez do Mestre
Pós-graduação lato sensu
Título da monografia: Caminhos e descaminhos da educação profissional
Data de entrega: 27 de março de 2004.
Avaliado por: __________________________________. Grau: ___________.
ANEXO
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CAMINHOS E DESCAMINHOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL