ANÍSIO TEIXEIRA E O PROJETO DE ESCOLA INTEGRAL – CENTRO
EDUCACIONAL CARNEIRO RIBEIRO (ESCOLA PARQUE).
Denise de Almeida Machado1
Cênio Back Weyh2
Resumo
O trabalho faz parte de uma pesquisa no curso de licenciatura em Pedagogia da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões–Campus de Santo Ângelo,
tendo como tema “O legado do educador brasileiro Anísio Teixeira, em defesa da escola
pública para todos”. O objetivo é situar e resgatar as contribuições do eminente filósofo para o
campo educacional no século XX e, identificar seu projeto de escola integral. Trata-se de uma
reflexão que resulta de uma pesquisa acadêmica de cunho bibliográfico e investigativo. O
corpo do texto apresenta duas partes; primeiramente faz referência ao legado do educador
Anísio Teixeira, em seguida aborda a proposta do Centro Educacional Carneiro Ribeiro
(Escola Parque). Anísio desenvolveu o mais completo projeto de escola de tempo integral,
com a intenção de reconstruir a educação tornando-a mais democrática.
Palavras-Chave: Educação Brasileira. Escola Pública. Anísio Teixeira. Escola Parque
1. Considerações iniciais
Ao longo do século XX, muitos intelectuais marcaram a história da caminhada da
construção de um sistema nacional de educação em nosso país. Desde almejadas reformas
revolucionárias até pequenas mudanças de rota fazem parte do ideário das práticas políticopedagógicas para influenciar o rumo da constituição de um projeto de educação para o Brasil.
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Acadêmica do 6° semestre do curso de filosofia pela Universidade do Noroeste do Rio Grande do Sul. Unijuí/ RS.
Pós-graduada em Orientação Educacional e Graduada em Pedagogia Docência em Educação Infantil pela
Universidade Regional e Integrada do Alto Uruguai das Missões – URI Campus de Santo Ângelo. E-mail:
[email protected]/ Fone (055) 9627 3787
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Dr. em Educação (UNISINOS), prof. do Departamento de Ciências Humanas da URI – Campus de Santo Ângelo e
orientador da pesquisa/monografia. E-mail: [email protected] / Fone (55) 3313-9513
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Uma das curiosidades da pesquisa é perceber o quanto este pensador da educação está
sendo lido pelos acadêmicos e alunas/os dos cursos de Magistério, nas regiões de abrangência
das Missões e grande Santa Rosa. Partimos do pressuposto de que os educadores destas duas
regiões do Estado do Rio Grande do Sul, pouco ou nada lêem a respeito do tema em suas
instituições de origem, uma vez que os programas das disciplinas praticamente silenciam
sobre o autor, objeto de estudo. Por outro lado, entendemos que as idéias e práticas de
Teixeira continuam a permear nossas mais complexas dúvidas e preocupações sobre a
educação.
O educador elaborou um projeto de escola integral conhecida como Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, jamais visto na Américo Latina. O Centro era destinado a uma
melhor qualidade da infância das crianças carentes de Salvador, oferecendo a elas um
ambiente complementador da escola e de suas próprias casas, através de atividades de
cooperação, jogos, recreação, ginástica, canto, teatro, dança, etc.
As questões básicas que impulsionaram essa pesquisa são: Por que não nos falam mais
sobre a Filosofia de Anísio Teixeira e suas lutas por uma educação de qualidade e sem
privilégios? Em sendo um dos pensadores mais marcantes do século passado, um dos
principais introdutores do pragmatismo no Brasil, por que lemos tão pouco este pensador nas
escolas e universidades? Questões como estas e outras levaram-nos ao presente estudo,
decorrente de cunho teórico-bibliográfico sobre o legado do educador, enfocando os
pressupostos filosóficos e pedagógicos que embasaram suas influências sobre o ensino, bem
como suas contribuições para a Educação Brasileira.
2. O Legado do Educador Anísio Teixeira
A obra de Anísio Teixeira como a de tantos outros autores, constituiu um todo as
historia da educação em nosso país, mas assume o sentido de parte na medida em que é
estudada e analisada no contexto que foi em gerada, pois assume um papel determinante de
seu tempo.
Ao desempenhar o papel liberal, poder vigente e em ascensão no período e ao
defender as idéias desse grupo, atua como um “intelectual orgânico” no dizer de Gramsci,
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pelas considerações que faz em torno distribuição e da participação do poder no contexto
delimitado em que viveu.
Anísio atuou em uma sociedade regida pela contradição, de um lado o movimento
liberal, o qual pregava uma falsa democracia e de outro o movimento das classes
trabalhadoras buscando igualdade de classe. Mirene Teixeira faz a seguinte afirmação a
respeito:
Essa contradição se acentua porque Anísio através da defesa da democracia
defende os valores que atendem aos anseios não só da burguesia industrial, como os
que abrem possibilidades de reivindicações para a pequena burguesia e as classes
trabalhadoras, com as quais a pequena burguesia temia se igualar e o governo não
queria enfrentar politicamente (TEIXEIRA, MIRENE 1985, p. 12).
Sendo o sistema capitalista, contraditório e desigual, Anísio Teixeira acreditava que a
educação através de um novo plano possa melhorar o capitalismo chegando a uma coerência
do sistema, passando de uma divisão social antidemocrática a uma sociedade democrática de
classes. O autor propõe não a superação da divisão de classes, mas a divisão democrática das
classes, a escola através da sua administração racional, atuaria como atenuadora dos conflitos
de classe.
Segundo Anísio, a escola é local próprio para construção desta consciência social.
Nela o individuo adquire valores, nela há condições para formar o ser social. A respeito,
Teixeira faz a seguinte colocação:
Como a escola visa formar o homem para o modo de vida democrática, toda
ela deve procurar desde o início, mostrar que o individuo, em si e por si, é somente
necessidades e impotências, que só existe em função dos outros e por causa dos
outros que sua ação é sempre uma transação com as coisas e as pessoas, e que saber
é um conjunto de conceitos e operações destinadas a atender aquelas necessidades,
pela manipulação acertada e adequada das coisas e pela cooperação com os outros
no trabalho que, hoje é sempre de grupo, cada um dependendo de todos e todos
dependendo de cada um (TEIXEIRA, ANÍSIO, 1956, p.10).
Anísio Teixeira acreditou na ciência, como a grande arma do homem moderno. Para
ele, esse novo senso de segurança e de independência do homem vem da consciência de que
sabe que pode mudar as coisas e que deve mudá-las. Pensava que o respeito pela
personalidade humana é a idéia mais profunda dessa grande corrente moderna. Ele faz parte
de uma geração de intelectuais que viu o século XX como uma grande promessa a ser
cumprida e paga pela ciência. Associava a democracia à ciência, a democracia ao incremento
das possibilidades tecnológicas da sociedade.
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Embora o pensador tenha participado do pensamento liberal conservador, vigente em
sua época, manteve sempre uma postura igualitarista em relação aos problemas educacionais.
Empenha-se com as idéias e valores da pequena burguesia, defendendo os princípios da
modernização, da ciência, da laicidade, da racionalidade necessária à transição da sociedade
agrária a sociedade industrial pela via conservadora capitalista. Para ele não bastava semear
escolas e que por trás de um belo jardim esta um jardineiro cuidadoso. Para ele, reformar o
ensino significa aliar investimentos da educação fundamental a um amplo programa de
formação de professores nas universidades.
Em sua obra “Educação no Brasil: Atualidades Pedagógicas” descreve quatro funções
fundamentais, que nas universidades brasileiras se cumpre de forma fragmentado. Afirma que
no Brasil o objetivo dominante das universidades, de modo geral, era preparar o profissional
para as carreiras de base intelectual, científica e técnica, essa seria a primeira grande função.
A segunda é a do alargamento da mente humana, que em contato com o saber e a sua busca,
produzem nos que freqüentam a universidade. A terceira função é as de desenvolver o saber
humano, a universidade faz-se centro de elaboração do próprio saber. E a quarta e última
função, a universidade é transmissora de uma cultura comum. Como filósofo se inquietava
com a negação dessa última função, diz “nisto é que a universidade brasileira falhou, não
constitui uma cultura comum nacional”.
No que tange a expansão do ensino, Teixeira pontuava alguns eixos considerados
fundamentais para garantir a qualidade do ensino. Dentre esses eixos, destacamos três: 1) Ele
acreditava que a articulação da escola com o meio social, priorizando o trabalho coletivo e a
participação do aluno na construção do conhecimento, valorizava a experiência democrática
que o aluno levaria para a sua vida adulta, reproduzindo-a no meio social. De acordo com o
educador, esse aspecto garantiria também, que a escola se tornasse menos formal em seu
modo de funcionamento, preocupando-se antes de atender às demandas dos alunos e da
comunidade em que se inseria, do que em obedecer a leis e normas oficiais; 2) A qualificação
de professores, ao lado da criação de condições para transformar a escola em laboratório de
estudos, experimentos pedagógicos e pesquisas; 3) Junto a esses dois eixos, reforça-se a
expectativa de profissionalizar o campo da Educação adotando regras e conhecimentos
próprios e protegendo-o da interferência de seitas religiosas e de interesses políticopartidários.
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3. Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro ou Escola Parque
O Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro criado na gestão de Anísio Teixeira
na secretaria da educação da Bahia do governo Otavio Mangueira, foi uma das mais
importantes e conhecidas concretizações de Anísio.
O Centro faz parte de uma política pública para a escola primaria. Anísio chamou de
deterioração da escola primaria à redução de tempo da criança nesse ambiente para permitir
uma escola infantil para todos.
Expressando razões para a criação do centro da Educação popular, diz “que a
educação é uma garantia da sobrevivência”, o que pensa ser concordância de todos,
enfatizando que a questão é sobre a escola. Em discurso pronunciado por Anísio Teixeira, na
inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em 1950, diz o seguinte:
Por isso é que este Centro de Educação Popular tem as pretensões que
sublinhei. É custoso e caro por que são custosos e caros os objetivos a que visa.
Não pode fazer educação barata – como não se pode fazer guerra barata. Sabemos
que sem educação não há sobrevivência possível. A questão comosa depois. A
questão sobre a escola que o ceticismo nacional aceita os seus tiros tão certeiros e
eficazes. O brasileiro não acredita que a escola eduque. E não acredita porque a
escola, que possui até hoje, efetivamente não educou (...). Como acreditar em
escolas? Tem razão o povo brasileiro. E para que não tenha razão seria preciso que
construíssemos escolas (TEIXEIRA, Anísio, 1959)
Anísio formula a concepção do Centro Educacional Popular, explicitando sua
organização: instrução na escola-classe e educação na escola-parque, com tempo integral de
estudos para as crianças e, possivelmente a 200 alunos dos quatro mil que freqüentam o
centro, teriam serviços de hospedagem. Seriam propriamente para as crianças abandonadas.
Ao se referir às crianças abandonadas, afirma que “quase toda infância, com exceção
de famílias abastadas, podia se considerar abandonada, pois se tinham pais não tinham lares
em que pudessem ser educados”. Criticava também as escolas que se ofereciam a essas
crianças, as quais haviam passado a simples casa em que as crianças eram recebidas por
seções de poucas horas, para um ensino deficiente e alienante.
Sua intenção era reformular o que havia em educação, ampliando e democratizando a
escola infantil. Os planos eram largos, mas as dificuldades políticas e econômicas lhe
permitiram apenas a concretização do plano prioritário: a construção da Escola Parque, que
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funcionaria em tempo integral. Planejaram-se 9 centros, que não chegaram a ser construídos.
As escolas eram planejadas em bairros pobres da cidade de Salvador, havendo 8 mil crianças
em idade escolar.
O projeto arquitetônico foi considerado excelente em termos de estrutura física e
organização. Nesse ambiente deram início as atividades programadas pelo grupo que seria
responsável pelo desenvolvimento da mais completa proposta de educação integral para a
educação infantil, já vista na América Latina.
4. Estrutura e Objetivos do Centro Educacional de Educação Integral
A obra foi concluída em 1964, com a construção da Escola Classe, apesar de faltar
construir o prédio de residência destinada às crianças abandonadas. Desejava-se que este
ambiente fosse como o segundo lar dessas crianças, onde estudariam ao dia, participariam dos
cursos da Escola-Parque e a noite permaneceriam na residência.
As Escolas Classe contavam com 12 salas de aula cada uma, áreas cobertas, gabinetes
médicos e dentários, salas administrativas, jardins, hortas e áreas recreativas. Os alunos
permaneciam 4 horas na escola, desenvolvendo estudos escolares através das disciplinas;
linguagem, aritmética, ciências e estudos sociais. Após os alunos passarem a manhã na escola
classe encaminhavam-se para a Escola Parque, onde passavam mais quatro horas,
completando o tempo integral com atividades nos diversos setores. A escola era mantida pelo
estado da Bahia.
A escola primária do centro deveria lembrar uma pequena universidade infantil, onde
haveria professores especializados em música, dança atividades dramáticas, artes industriais,
desenho, biblioteca, educação física, recreações e jogos, a fim de desenvolver as capacidades
inerentes a cada criança.
A experiência da escola infantil de tempo integral correu o mundo, com a trajetória de
trabalhos, iniciada na segunda metade da década de 1940 e, ainda no final da década de 1960,
onde segundo Anísio se completou. Verifica-se também que o governo e a saciedade
brasileira não deram prioridade a educação primária de qualidade pra todos. O barato ficou
caro.
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Considerações Finais
Anísio Spínola Teixeira (1900-1970) é tido como um dos maiores educadores do
século passado em todo o mundo. Seu legado a educação brasileira é inestimável, tanto fez
que fica inviável resumir sua trajetória em poucas linhas. Mais difícil que isso somente sua
luta pela reconstrução da educação pública para consolidar a democracia no país e formar
uma nova nação.
O educador foi responsável por uma concepção de homem, de sociedade e de
educação que marcaram o sistema de ensino, trazendo as mais pertinentes reflexões sobre
educação. O escritor Jorge Amado quando solicitado para falar sobre o educador e amigo,
descreve-o como “cidadão íntegro, puro, decente. Anísio Teixeira foi um brasileiro raro. Tão
extraordinário a ponto de ser alvo durante toda a vida de suspeitas e perseguições. O que o
Brasil de hoje possui de melhor deve-se em grande parte a este humanista baiano de grandeza
universal...” (Jorge Amado, 1992).
Após leituras e análises em torno da obra do autor, brota um grande desejo de
mudança e ao mesmo tempo de revolta pela negação da educação de qualidade, a qual como
Anísio, tantos outros sonharam e lutam. Ficam questionamentos e paradoxos como a par de
tantos exemplos e concepções de como resolver determinadas situações educacionais,
pensadas por Anísio. O sistema de ensino sofre pelos mesmos maus da época que viveu o
educador. Um outro grande equívoco é que vivemos em u país mergulhado em uma
dubiedade, como afirma Teixeira. Há um país real e um país legal, das leis. Há uma distância
entre o proclamado e o feito, entre as intenções e as ações realizadas.
O contexto limitador em que viveu Anísio, lhe impôs algumas limitações quanto à
concretização de seus planos de escola pública. Mas o legado, seus sonhos, seus ideais e seus
pensamentos para a educação brasileira não têm limitações. Se a escola-parque, tão
importante e revolucionário projeto de escola primária e pública não vigorou, é porque o
projeto era realmente muito bom para o povo, e, portanto ameaçadora a elite da época.
Infelizmente o que é bom para a maioria da sociedade não é nem um pouco agradável à
burguesia e aos sistemas de poder, aos que competem as grandes decisões em um país
capitalistas e de povo culturalmente pobre.
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Como educador afirmou: “Há educação e educação. Há educação que é treino, que é
domesticação. E há educação que é formação do homem livre e sadio”. Por ter lutado por essa
última educação se tornou um homem íntegro e perseguido. Íntegro para os que sonham e
acreditam em um mundo melhor através da educação e perseguido pelos que também
almejam um mundo melhor, mas apenas para uma pequena parte da população e também
através da educação, mas pelo primeiro modelo mencionado por Anísio.
Anísio Teixeira continua hoje, sem sombra de dúvidas alimentando o ideal de
professores, pesquisadores e de todos os interessados em continuar o trabalhado iniciado por
ele e seus seguidores, da construção de uma Escola Pública inclusiva e de qualidade. Todos
sabem que essa conquista ainda requer muito empenho dos educadores, da comunidade e
principalmente do senso de sensibilização de nossos representantes políticos, na luta por uma
nação mais justa, e que esta não se faz sem educação.
Referência
TEIXEIRA, Anísio. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, Rio de Janeiro, Vol.31, n°73, p. 78-84, jan/mar., 1959.
_______________. A Escola-Parque da Bahia. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Rio de Janeiro, Vol. 47, n° 106, p. 246-253, abr/jun., 1967.
SMOLKA, Ana Luíza B. MENEZES; Maria Cristina. Anísio Teixeira, 1900-2000.
Provocações em Educação. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2000.
PAGNI, Pedro Ângelo. Do “Manifesto de 1932” à construção de um saber pedagógico:
Ensaiando um diálogo entre Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Ijuí: Ed. UNIJUÍ,
2000.
TEIXEIRA, Mirene. O significado pedagógico da obra de Anísio Teixeira. 2. ed. São
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SCHMIDT, Irineu Aloisio. A filosofia da educação de Anísio Teixeira e o pragmatismo.
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TEIXEIRA, Anísio. Educação para a Democracia: Introdução à administração
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