Título: ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL : O OLHAR DE
ANÍSIO TEIXEIRA
Área Temática: História da Educação
Autora: VERA LUCIA PEREIRA DA SILVA (1)
Instituição: Universidade Federal do Paraná - Mestrado em Educação
Este trabalho tem por objeto de estudo uma análise do pensamento de
Anísio Teixeira a respeito da organização do espaço escolar público. Partiremos da visão que o autor tem da educação em geral, seu conceito, suas funções e sua evolução, para que seja possível compreender melhor a sua posição diante da Escola Pública Brasileira.
Com este trabalho pretendemos contribuir para o estudo da proposta de
organização da escola de tempo integral, com uma análise crítica do pensamento de Anísio Teixeira sobre a escola brasileira. Este tema ainda não foi suficientemente explorado pelos que se dedicaram a estudar a sua obra e se faz
atual nesta conjuntura de implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9394/96), que teve como seu redator o senador Darcy Ribeiro, cuja
visão sobre educação é por ele bastante influenciada.
Neste estudo pretendemos identificar, no pensamento formulado por
Anísio Teixeira, a concepção que ele tem de Escola. Pretendemos, também,
destacar os pontos básicos de sua crítica à escola pública brasileira e, ainda,
ressaltar a proposta que ele oferece para que esta possa cumprir a sua finalidade.
A abordagem do tema coloca-nos diante das seguintes questões: que
função tem a escola no tempo de Anísio Teixeira? O que, a seu ver, tem caracterizado a Escola brasileira, ao longo do seu desenvolvimento histórico? Que
reforma será necessária para que esta possa adequar-se ao desenvolvimento
da sociedade brasileira?
Para que possamos cumprir com os objetivos propostos neste trabalho,
é necessário que se desenvolva uma pesquisa histórica das idéias de Anísio
Teixeira. Esta pesquisa será realizada em obras do próprio Anísio Teixeira,
através do levantamento de estudos, conferências, discursos, artigos, relatórios
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e livros, para a identificação do seu pensamento, e em documentos conexos.
Anísio Teixeira no contexto da educação brasileira
Anísio Teixeira nasceu na pequena cidade de Caetité no sertão baiano,
a 12 de julho de 1900.
Cresceu num ambiente de austeridade patriarcal e naturalista, dominado
pelos ideais republicanos. Sua formação intelectual iniciou-se no Colégio São
Luis, de padres jesuítas. Concluiu seus estudos secundários em Salvador, no
Colégio Antonio Vieira, também jesuíta. Formou-se em Ciências Jurídicas e
Sociais, no Rio de Janeiro, com apenas 22 anos.
De volta a Caetité, exerceu, como substituto, o cargo de promotor público. Seu pai pretendia encaminhá-lo para a política. Não o atraíram, porém, a
política partidária, nem o tipo de vida que lhe oferecia a região. Acalentava o
desejo de se tornar padre jesuíta, desígnio este que sempre foi objeto de resistência familiar.
O período de sua vida relacionado à formação colegial e acadêmica foi
profundamente marcado por conflitos interiores, como ele mesmo declara:
Durante os doze ou catorze anos de discípulo dos jesuítas, entre 1911 e
1923, tive a experiência dos ardentes conflitos religiosos, absorvendo, com intensidade e paixão, a formação intelectual e religiosa que me proporcionaram
os padres. [...] Rendi-me ao catolicismo e fiz mesmo projeto de entrar para a
Companhia de Jesus. Cristão novo, vivi ardentemente meu sonho loyoliano,
durante todo o curso acadêmico, em que fui destacado congregado mariano na
Bahia e depois no Rio.(Tavares, Diário de Notícias da Bahia)
Outros caminhos, porém, o esperavam. Convidado pelo Governador
Goes Calmon, passou a dirigir a Instrução Pública do Estado da Bahia, no cargo de Inspetor Geral do Ensino. Dava entrada, assim, no campo da educação,
ao qual se dedicaria até sua morte.
Aos vinte e três anos trouxe para esse trabalho a cultura geral advinda
da formação que recebera dos jesuítas e da Faculdade de Direito. Além dos
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cursos intensivos que o cargo exigiu, teve ainda oportunidade de ir à Europa e
aos Estados Unidos, em viagem de observação.
Ao mesmo tempo em que assume a Instrução Pública da Bahia, escreve
seu primeiro trabalho, de caráter doutrinário, intitulado A propósito da Escola
Única.
Na expressão de Hermes Lima, “seu pensamento pedagógico, neste
tempo, refletia a marca do aristocratismo haurido da formação intelectual jesuítica”. (Lima, p. 43)
Duas viagens aos Estados Unidos, em 1927, com finalidade de observar
a organização escolar americana, e em 1928, para um curso de um ano no
Teachers College da Universidade de Columbia, onde se graduou em Master of
Arts, foram fundamentais para os novos rumos de sua formação intelectual. Na
América, foi aluno de John Dewey, e teve como colegas de estudos Kilpatrick,
Kendel e outros. Mas, certamente, Dewey foi o mais influente nesta etapa de
complementação de sua formação intelectual. No ambiente universitário de Columbia, Anísio encontra-se com as idéias do pensamento deweyano que iriam
marcar uma nova opção para o seu pensamento educacional.
O contato com a filosofia pedagógica de Dewey foi decisivo para a nova
orientação que Anísio Teixeira começara dar ao seu pensamento e à sua atuação no campo educacional. Sobre esta nova fase de sua vida, após as viagens
aos EUA, ele esclarece:
Neste terceiro ciclo, revivi o embate da adolescência entre as duas filosofias que lutavam em meu espírito. Por volta de 1927, senti haver superado
essas imortais contradições, reconciliando-me com a filosofia que primeiro me
influenciara, a do espírito naturalista e científico. [...] Trouxe de meus cursos
universitários na Europa e América, não somente esta paz espiritual, mas um
programa de luta pela educação no Brasil. (Tavares, Diário de Notícias da Bahia.)
Retorna dos EUA, em 1929, com uma nova perspectiva sobre a educação, que se afirmaria diante de suas discordâncias frente às mudanças no contexto educacional brasileiro. Isso o leva a participar no movimento renovador da
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Escola Nova, que começava a ganhar vulto na segunda metade da década de
20. É o Anísio “lapidado pela América”, na expressão de Monteiro Lobato.
(LIMA, 1978, p. 61.)
Esta mudança refletiu-se em seu pensamento pedagógico, veiculado
através de vasta obra escrita, e na sua atuação à frente de vários cargos administrativos na área da educação.
Terminaria, também, sua crise religiosa. Segundo Hermes Lima, “ele
chega católico aos EUA e de lá regressa liberto de qualquer crença revelada”.(Lima, p. 61.) Para este autor, embora ele tenha perdido as crenças formais, não perdera, entretanto, o sentimento religioso e o pendor missionário,
agora voltados para a causa da educação.
Nesta fase de sua formação intelectual, Anísio assume a posição filosófica de Dewey, adotando a concepção de um saber operativo adequado a localizar e definir as dificuldades emergentes das situações de crise. Na concepção
filosófica de Anísio Teixeira, o pensamento tem origem em momentos de crise.
Para ele, “o conhecimento é o resultado de uma atividade que se origina em
uma situação de perplexidade e que se encerra com a resolução dessa situação”.(TEIXEIRA, 1956, p. 312.) Em seu entendimento, todo o domínio do ser
limita-se ao mundo das realidades passíveis de observação e verificação por
parte da inteligência humana.
Embora, quando de sua volta ao Brasil a sociedade brasileira atravessasse uma fase dominada por radicalismos ideológicos e políticos, no confronto
de conservadores e reformistas, Anísio Teixeira nunca chegou a se comprometer com nenhum dos extremismos. Não admitia que a inteligência estivesse
condicionada a esquemas prévios de mudança social pela força. Sempre rejeitou a idéia de luta de classes e da ditadura do proletariado como etapa de
transformação da sociedade, pois a revolução por ele preconizada é aquela
que se origina das condições da era industrial moderna e das conquistas da
ciência, responsáveis pela nova sociedade a ser viabilizada pela educação.
Anísio Teixeira se fez presente em numerosas atividades no contexto
educacional brasileiro: atividades administrativas no campo da educação; participação no movimento dos renovadores; atuação na fase de elaboração e pro-
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mulgação da LDB de 1961.
Anísio Teixeira foi também, integrante do Conselho Federal de Educação, tendo sido relator do Plano Nacional de Educação em 1962. Ocupou interinamente a Reitoria da Universidade de Brasília, que ajudou a criar. Em 1964,
afastou-se de suas atividades educacionais no Brasil e atendendo a convites
das Universidades de Columbia e Califórnia, tornou-se professor visitante desses centros universitários americanos.
De volta dos Estados Unidos, desempenhou a função de Conselheiro da
Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, até a sua morte em 1971.
Atividades administrativas na educação
A sua atuação educacional tem início no estado da Bahia, em 1924. A
obra que lá inicia reflete aquela etapa da sua formação intelectual, marcada pela influência jesuítica.
Esta orientação só mudará no final de sua gestão como Inspetor Geral
do Ensino da Bahia, após seus estudos a respeito da filosofia de John Dewey.
A primeira preocupação foi com a reforma do ensino baiano, que se encontrava dominado pela rotina burocrática, deficiente e sem planos. Procurou,
então, imprimir à sua administração, uma postura crítica, reformadora e criativa. O trabalho de maior repercussão foi o anteprojeto de lei que elaborou e que
se efetivou na Lei nº 1846 de 14 de agosto de 1925, reformando a instrução
pública, homologada pelo decreto nº 4312 de 30 de dezembro de 1925, que
aprovou o regulamento do ensino primário e normal.
Ao final de sua gestão, Anísio Teixeira enviou ao governador do estado
um relatório com suas realizações, acompanhado de severas críticas aos problemas que não tiveram condições de solução. Nesse relatório já é nítida a influência das idéias da “Escola Nova”, no que se refere principalmente às sugestões que oferece para a reorganização do ensino na Bahia. Dentre os muitos
problemas por ele apontados, mais grave era a ausência de relação entre os
programas escolares e as atividades da vida do aluno. Os métodos de ensino
eram artificiais e livrescos, não desenvolvendo as potencialidades da criança.
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Com respeito à escola secundária, havia uma concepção dualista entre escolas secundárias e profissionais, os cursos não passavam de preparatórios para
as provas livrescas e formais.
As suas sugestões eram no sentido de que se realizasse uma pesquisa
sistemática dos problemas da comunidade, que possibilitasse um planejamento
racional da educação, a elevação da escolaridade pública e obrigatória e a revisão dos programas escolares. Para tudo isso, seriam necessários mais recursos financeiros, autonomia administrativa dos órgãos competentes e pessoal
especializado.
A impossibilidade de realização de suas propostas e as reações negativas ao seu trabalho inovador, por parte de grupos conservadores, levaram-no a
pedir demissão do cargo.
Em 1931, Anísio Teixeira recebe o convite de Pedro Ernesto, prefeito do
Distrito Federal, para assumir a diretoria de Instrução Pública do Rio de Janeiro. Assumiu o cargo com a determinação de continuar a obra iniciada por seu
antecessor, Fernando de Azevedo. O seu trabalho pretendia alcançar uma ampla renovação no sistema de ensino da capital federal. Esse empreendimento
levou à concretização das seguintes realizações: organização do Departamento de Educação; administração e organização do ensino primário; reorganização das escolas de ensino secundário; expansão da educação de adultos; formação do professor primário; organização da Secretaria Geral de Educação e
Cultura; e criação da Universidade do Distrito Federal.
Anísio Teixeira conseguiu cercar-se de uma equipe de colaboradores
composta por nomes representativos do cenário educacional do Rio de Janeiro.
Desta forma, foi possível a criação de órgãos técnicos que possibilitaram uma
verdadeira transformação administrativa do sistema educacional. Sua preocupação básica foi a expansão escolar, sobretudo da rede de ensino primário,
que visou não somente o quantitativo, mas também, a qualidade do ensino,
que foi possível com a devida preparação dos professores. O regime de aprovações e reprovações foi substituído pelo de classificação anual dos alunos em
grupos homogêneos, de acordo com o nível de aproveitamento dos mesmos.
O sistema escolar foi ampliado com a introdução do ensino secundário.
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Todo o ensino técnico-profissional foi elevado ao nível de secundário, acabando assim com a discriminação em torno dos cursos profissionalizantes.
Houve um aumento dos recursos para a ampliação e manutenção da escola
pública. Uma das metas prioritárias de sua política educacional era a formação
dos professores. Anísio Teixeira conseguiu fundar o Instituto de Educação, pela
incorporação da antiga Escola Normal, que passou a chamar-se Escola de Professores e, posteriormente, Escola de Educação, núcleo fundador da Universidade do Distrito Federal. Para complementar a formação dos professores foi
criado o Instituto de Pesquisas Educacionais, com a finalidade de elaborar os
planos, programas e métodos de educação e ensino.
Durante sua atuação no Distrito Federal, Anísio Teixeira engaja-se no
movimento dos renovadores da Escola Nova. Em 1932, assinou o “Manifesto
dos Pioneiros”. Anísio Teixeira pretendia realizar, na sua gestão no Rio de Janeiro, uma obra educacional inspirada nos princípios da Escola Nova. Sua atuação, porém, não foi pacífica. Pressionado pelas críticas ao seu trabalho por
grupos conservadores, prefere demitir-se, o que faz em carta dirigida ao Prefeito do Distrito Federal, em dezembro de 1935:
Não sendo político e sim educador, sou, por doutrina, adverso a movimentos de violência, cuja efficacia contesto e sempre contestei. Toda a minha
obra, de pensamento e de acção, ahi está para ser examinada e investigada,
exame e investigação que solicito, para que se lhe descubram outras tendencias e outra significação, senão as de reconhecer que o progresso entre os homens provém de uma acção intelligente e energica, mas pacífica. (TEIXEIRA,
1997, p. 34.)
Anísio Teixeira afastou-se da área educacional por mais de dez anos,
durante esse tempo, dedicou-se a atividade no campo da iniciativa privada, no
Estado do Amapá.
Em 1947, o Governador da Bahia, Octávio Mangabeira, convida Anísio
Teixeira para a Secretaria de Educação do Estado. Inicia por fazer um levantamento e um diagnóstico da situação do ensino no Estado. Tenta formular as
diretrizes para a recuperação da educação na Bahia, preparando o anteprojeto
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da Lei Orgânica de Educação e Cultura. O anteprojeto previa a criação do
Conselho Estadual de Educação e Cultura, com atribuições de definir e dirigir a
política educacional do estado; também estava previsto um Departamento de
Educação e Cultura, com a responsabilidade de administrar o Sistema Estadual
de Ensino. Em relação ao ensino particular, acabavam-se as equiparações e os
estabelecimentos que desejassem dar aos seus cursos valor equivalente ao
oficial, deveriam prestar os exames em estabelecimentos oficiais, no chamado
exame de Estado.
Apesar da importância do anteprojeto para a renovação do sistema escolar, a Assembléia Legislativa nunca o aprovou, alegando que o mesmo feria
a tradição e a mentalidade dominante em matéria de ensino. Este fato não impediu que se realizasse no Estado uma administração inovadora, sobressaindo-se a expansão e a melhoria da qualidade da escola primária.
Foram projetados os Centros Regionais de Educação, obra pioneira no
sistema escolar brasileiro, que compreendiam jardim de infância, escola elementar modelo, escola normal, escola secundária, centro social de cultura, internatos e parque escolar. Os Centros Regionais de Educação não chegaram a
ser criados por falta de verbas. O seu empreendimento de maior repercussão
foi, sem dúvida, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Escola-parque), a primeira experiência pública brasileira de ensino de tempo integral, construído no
bairro da Liberdade, em Salvador. Neste Centro, a escola primária dividia-se
em dois setores: as escolas-classes, destinadas à instrução, e o setor da escola-parque, abrangendo uma variedade de práticas educativas; tais como o pavilhão de trabalhos manuais, teatro, biblioteca, educação física, artes plásticas,
jornal, rádio, serviços gerais, alimentação e assistência à saúde. A sua conclusão e o seu pleno funcionamento, porém, só ocorreriam anos depois de ter
Anísio Teixeira encerrado o seu trabalho como Secretário da Educação na Bahia.
Em 1951, atendendo ao chamado do Ministro Simões Filho, Anísio Teixeira volta ao Rio, desta vez para ocupar um cargo de alcance nacional, na recém criada Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), vinculada ao MEC, da qual se torna secretário geral.
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Ao mesmo tempo, exerce as funções de diretor do Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP). No INEP, cria o Centro Brasileiro e os Centros
Regionais de Pesquisa, localizados nas principais capitais do país.
Teve participação efetiva nos debates que precederam a promulgação
da LDB de 1961 e na elaboração do plano de sistema escolar público de Brasília. Foi criada a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, como órgão informativo e de divulgação do pensamento educacional de muitos educadores brasileiros.
Anísio Teixeira e o movimento dos renovadores
A presença de Anísio Teixeira no contexto educacional brasileiro tem
início na década de 20, no momento em que os reflexos da primeira guerra
mundial se faziam presentes no Brasil, com a aceleração de transformações
em todo os campos da vida nacional.
Os reflexos da primeira guerra mundial propiciam uma nova perspectiva
em torno do problema da educação, despertando os intelectuais para a sua importância. Estabelece-se no país o entusiasmo pela educação, caracterizado
por preocupações quantitativas em relação à expansão do ensino. Estas preocupações visavam a erradicação do analfabetismo e se articulavam com um
tipo de manifestação nacionalista, que pretendia, com a educação, solucionar
todos os problemas brasileiros.
Na década de 20 surgem os primeiros profissionais da educação, preocupados nem tanto com a expansão do ensino mas com a sua qualidade. Inicia-se assim, o fenômeno do otimismo pedagógico, patrocinado por profissionais como Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, que tentam reformar os sistemas educacionais. O otimismo pedagógico caracteriza-se pela preocupação
com o funcionamento eficiente do ensino, sem levar em consideração a realidade no que diz respeito ao sistema econômico, político e social.
Na seqüência, surgem os realistas da educação que, conjugando o entusiasmo pela educação com o otimismo pedagógico, se propõem a tratar as
questões educacionais sem perder de vista a importância da qualidade do en-
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sino e o papel desempenhado pelo sistema educacional na sociedade.
Neste grupo encontramos Anísio Teixeira que, participando do movimento reformista no campo educacional, sempre esteve atento, dentro de uma concepção liberal, aos problemas colocados pela relação entre educação e democracia.
A Escola Nova no Brasil, à qual se incorporava Anísio Teixeira, situa-se
na linha democrática que acentua o papel social da educação com vistas à reconstrução da sociedade brasileira. O movimento escolanovista depende do
plano social, político e educacional, dos postulados liberais firmados nos princípios básicos da liberdade, como suporte da democracia, ressaltando a necessidade de ampliação das oportunidades sociais, em termos de igualdade de
direitos, ignorando, porém, a análise da estrutura econômica do país. Para os
renovadores, a desigualdade de direitos se corrige na educação, pois a concessão de oportunidades escolares a toda a população, possibilitará a superação das injustiças sociais, valendo o mérito de cada um e não os privilégios
econômicos.
Em 1932, Anísio Teixeira assina o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, que propunha novas orientações para a reconstrução do sistema escolar
e para a gestação de uma nova sociedade.
Como participante do movimento renovador, a partir do final da década
de 20, Anísio Teixeira assume as idéias da Escola Nova, com base no pensamento deweyano, pelas quais vai pautar sua atuação no cenário educacional
brasileiro. Daí, então, torna-se defensor de uma escola que visa implantar na
sociedade, mecanismos que aperfeiçoem o sistema democrático, de base liberal.
Para Anísio Teixeira, as transformações da sociedade, oriundas do processo de industrialização, mudam as estruturas de classe, tornando-as abertas
e flexíveis. Ele afirma que a nova sociedade industrial baseada no desenvolvimento científico, não seria uma sociedade igualitária e justa sem a abertura de
uma educação estendida a todos os indivíduos para o nascimento do homem
novo da civilização em mudança.
Anísio Teixeira entende que numa sociedade democrática, o Governo é
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chamado a proporcionar o compartilhamento do poder político por meio de
um regime com a maior descentralização possível. Desta forma, o pluralismo
municipal, estadual e institucional constituem, no Estado democrático, um conjunto de forças criadoras que, guiadas por princípios amplos de unidade, mutuamente se completam no desenvolvimento educacional.
Como integrante da Associação Brasileira de Educação - ABE e à luz
dos princípios da Escola Nova, Anísio Teixeira orienta seus esforços para uma
reconstrução educacional no Brasil, preconizada no Manifesto dos Pioneiros.
Os defensores da Escola Nova encontraram muitos obstáculos, no seu
confronto com as lideranças católicas, representadas pelos integrantes do Centro Dom Vital. Fundamentados na Encíclica Divini Illius Magistri, de Pio XI, os
católicos integrantes desse grupo entendem que a responsabilidade da educação compete à Igreja e à família e deve ser apenas subsidiada pelo Estado.
Levantam-se contra os Pioneiros, por considerá-los comprometidos com um
naturalismo pedagógico, de concepção materialista e atéia, identificando o seu
ideário com as posições comunistas que, a este tempo, se firmavam na sociedade brasileira. O grupo católico era ligado aos setores mais conservadores da
sociedade.
Os debates entre as duas correntes adquirem proporções maiores com a
aproximação da Constituinte de 1934, pelo interesse da inclusão de seus princípios na Constituição do país. A Assembléia Constituinte, mais sensível às
idéias liberais que então dominavam a sociedade, acolhe as reivindicações do
movimento renovador.
Assim, se atribui ao Governo competência para fixar o plano nacional de
educação, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal organizar e manter seus
sistemas educacionais. Aparecem os princípios de gratuidade, obrigatoriedade
e descentralização em matéria de ensino, bem como o princípio da educação
como direito de todos. Foi também incluída a autonomia administrativa, técnica
e financeira dos serviços educacionais. Por outro lado, como uma concessão
ao grupo católico, inclui-se na Constituição o ensino religioso nas escolas oficiais, em caráter facultativo.
Os acontecimentos políticos e sociais que se agravam com a intentona
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comunista de 1935, culminando com o golpe de Estado de 1937, impossibilitaram a plena efetivação da Constituição de 1934 no campo educacional. Com
a nova situação política, diminui o prestígio dos Pioneiros da Escola Nova. Vários deles integram-se aos quadros do Estado Novo, optando por novos rumos
políticos. Diante dos radicalismos existentes na sociedade brasileira, Anísio
Teixeira é identificado com os extremismos reformistas pelas forças conservadoras. Acusado de ser ateu, populista e elitizante, prefere demitir-se da direção
dos serviços educacionais do Distrito Federal, em 1935.
A elaboração e promulgação da Lei de diretrizes e bases da educação nacional
A redemocratização do Brasil em 1945 e o renascimento das idéias liberais estimularam Anísio Teixeira a retornar às atividades educacionais, em
1947, como secretário de educação do estado da Bahia.
Em 1947, o Ministro da Educação, Clemente Mariani, nomeia uma Comissão de educadores para oferecer subsídios destinados à elaboração do Anteprojeto da LDB. Era intenção do Ministro a inclusão do nome de Anísio Teixeira na Comissão. Só não o fez devido às funções deste na secretaria de educação da Bahia, o que não o impediu de assessorar o grupo que discutia o Anteprojeto da LDB.
O Anteprojeto da Comissão tentava conciliar os interesses da escola pública e da escola privada, de acordo com as tendências dos seus integrantes.
Acentuava a linha de descentralização da educação. Enviado à Câmara Federal, foi, posteriormente, modificado pelo próprio ministro, através de outro anteprojeto, que enfatizava maior força decisória do ministério nos negócios educacionais, embora mantendo uma linha descentralizadora. Diante das controvérsias levantadas , o Anteprojeto foi arquivado pelo Senado.
Mesmo assim os debates continuaram, com a predominância em torno
das idéias de centralização e descentralização do ensino. Os educadores ligados à ABE permanecem na defesa da descentralização progressiva dos poderes da União, enfatizando a autonomia dos estados e municípios em matéria
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educacional.
Em 1952, a Comissão de Educação da Câmara reabre o debate, ouvindo educadores sobre o sentido e a importância do projeto. Convocado pela
Comissão, Anísio Teixeira, em seu depoimento, faz uma veemente crítica ao
sistema educacional brasileiro e reafirma as suas sugestões de descentralização do ensino, como contribuição para a LDB:
A verdade é que, à luz da Constituição, os Estados passam a ser responsáveis pela educação primária, pela secundária e, parcialmente, pela superior.[...] Fora esse direito de fiscalizar o exercício das profissões, o Governo
Federal não tem outros poderes senão o de legislar sobre diretrizes e bases da
educação nacional.[...] Toda ação federal (a meu ver) deverá ser, apenas, supletiva. (TEIXEIRA, 1976, p. 182.)
Mesmo reaberto o debate, a Comissão de Educação na Câmara não obteve êxito em levar o Projeto de Lei à discussão em plenário.
No período que vai, aproximadamente, de meados da década de 50 até
depois da promulgação da LDB, calorosos debates são travados no país a propósito do ensino público e privado. Anísio Teixeira envolve-se nessa luta, defendendo os mesmos princípios em que se destacou no movimento dos renovadores da Escola Nova.
Já em 1956, em famosa conferência, proferida no I Congresso Estadual
de Educação Primária, reunido em Ribeirão Preto, na qual traçou, o que para
ele, seriam as linhas de um movimento popular pela educação, colocava a escola pública, universal e gratuita, como seu primeiro fundamento.
Repercussão maior, porém, iria ter o Memorial dos Bispos do Rio Grande do Sul, dirigido ao Presidente da República, denunciando a atuação de Anísio Teixeira na direção do INEP e da CAPES, sob a acusação de que o mesmo, utilizando os cargos que ocupava, fazia-se paladino da escola pública. O
Memorial argumenta, para a defesa da escola privada, com o princípio constitucional da “liberdade do ensino em todos os ramos”. Acusa Anísio Teixeira de
esperar da escola pública os mesmos resultados pré-revolucionários, previstos
pela doutrina socialista”. (MEMORIAL, n. 70, 1958, p. 67.)
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Ao se defender da acusação, Anísio Teixeira declara que é a favor de
que os recursos públicos destinados à educação sejam aplicados para assegurar a cada brasileiro o mínimo fundamental de educação gratuita, a escola primária. E que somente sejam custeados, com recursos públicos, a educação
pós-primária de alunos escolhidos em livre competição a fim de que o favor da
educação gratuita não se faça meio de manter os privilégios, mas de premiar o
esforço e a inteligência dos melhores. (TEIXEIRA, 1958, p. 140.)
O Memorial dos Bispos solicitava ao Presidente da República, providências necessárias e inadiáveis para cessação desse estado de coisas. Diante da
iminência de uma possível demissão de Anísio Teixeira, levantou-se, em todo o
país, uma campanha por parte dos educadores, intelectuais e entidades de
classes, em defesa do Diretor do INEP e em apoio às suas soluções para os
problemas educacionais brasileiros. Diante das pressões, Anísio Teixeira permaneceu no cargo.
Na continuação dos debates sobre a LDB, a tônica continua a ser a divergência entre escola pública e escola privada. No auge das controvérsias,
aparece na Câmara, em 1959, o substitutivo de Carlos Lacerda, consagrando
os princípios privatistas preconizados pela Associação Educacional Católica AEC.
Enérgicas manifestações contrárias ao substitutivo se organizaram no
país. Entre as manifestações contra o substitutivo e a favor da escola pública,
destacou-se o Manifesto dos Educadores, redigido por Fernando de Azevedo e
apoiado por 189 assinaturas de intelectuais, cientistas e educadores, entre os
quais a de Anísio Teixeira. O Manifesto, segundo Fernando de Azevedo, “marca nova etapa no movimento de reconstrução educacional, que se procurou
então demarcar”. (AZEVEDO, 1958, p. 64.)
Como o Manifesto dos Pioneiros de 1932, mas agora com os educadores da nova geração, o documento é dirigido ao povo e ao governo. Enfatiza a
educação liberal e democrática, através da escola pública, o que não significa
monopólio estatal. De acordo com o Manifesto, a escola pública é a única que
está em condições de subtrair-se à imposição de qualquer pensamento sectário, político ou religioso, numa sociedade que transforma a sua estrutura com a
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efetivação do processo de urbanização e industrialização. Pede uma escola
descentralizada, obrigatória e gratuita para todos os brasileiros.
A respeito do substitutivo, Anísio Teixeira escreve que
O seu aspecto mais característico é o de conceder categoria pública ao
ensino privado. Realmente, parece que algo de incoercível compele o país a
fazer do público o privado, ou seja, dar ao privado regalias e privilégios do público. (TEIXEIRA, 1969, p. 94.)
A redação final do Projeto que se converte na Lei n 4.024, promulgada
em 1961, possibilitou uma composição de interesses das duas correntes divergentes. Por sua vez, Anísio Teixeira aplaude a meia vitória conseguida, por
causa do amplo debate em torno do problema educacional do país e da abertura descentralizante, que permitiu aos estados estabelecer sistemas educacionais próprios. “Essa autonomia, esse novo poder dos estados é que desejo
saudar na ocasião em que se vota a primeira Lei Nacional de Educação do
Brasil”. (TEIXEIRA, 1969, p. 228.)
A participação de Anísio Teixeira em todo esse contexto de efervescência em torno da educação brasileira e no decurso dos debates em relação da
LDB, foi fundamentalmente coerente com a mesma linha de princípios que orientam sua atuação no Movimento dos Pioneiros da Educação Nova.
Como integrante do Conselho Federal de Educação, órgão criado pela
LDB, Anísio Teixeira participou da Comissão especial incumbida de relatar o
tema Bases para a Elaboração de planos de Educação destinados à aplicação
dos fundos de Ensino.
Segundo o Relatório do Secretário Geral do CFE citado por Horta,
Coube-lhe articular, num só documento, as metas quantitativas e qualitativas, as normas reguladoras da distribuição dos Fundos Nacionais de Ensino
Primário e de Ensino Médio e as razões que impediam a formulação quanto ao
Ensino Superior. (HORTA, 1975, p. 92.)
O documento, encaminhado ao Ministro da Educação, foi intitulado Plano Nacional de Educação e não chegou a ser posto em prática.
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Em 1964, Anísio Teixeira viaja aos Estados Unidos para ministrar aulas nas Universidades de Columbia e da Califórnia, lá permanecendo até 1965,
quando volta ao Brasil e assume o cargo de Conselheiro da Fundação Getúlio
Vargas, onde permanecerá até sua morte.
Considerações finais
Quando surgiu no Brasil, por volta da década de 20, um maior interesse
pela causa da educação, destacaram-se dois grupos antagônicos: o movimento
das escolas confessionais e particulares e o movimento da Escola Nova, este
como a força de maior expressão na renovação educacional do País. Os escolanovistas defendiam os postulados democráticos, propondo a reconstrução
social através da escola.
Pretendiam a democratização da sociedade, firmados no princípio da
igualdade de oportunidades educacionais para todas as pessoas, supondo que
assim estariam sendo corrigidas todas as injustiças sociais. Para tanto o ponto
básico era a defesa da Escola Pública, como forma de se poder oferecer educação à toda a população, sem discriminações de ordem econômica, política,
religiosa ou de qualquer outro tipo.
Anísio Teixeira privilegiava a educação escolar, como fator mais importante da transformação da sociedade , em face a outros componentes do sistema social. Neste momento, ele toma posição no conflito que se instalou entre
os dois grupos e não mede esforços para continuar a defender a escola pública.
Ao situarmos, ainda que de forma incipiente e sinteticamente, o posicionamento de Anísio Teixeira no contexto educacional do país, visamos a obtenção de subsídios que facilitem uma melhor compreensão de seu pensamento a
respeito da organização do espaço escolar.
Essa primeira aproximação do pensamento de Anísio Teixeira, realizada
na leitura de alguns de seus livros e artigos, nos mostra como suas idéias eram
realmente avançadas para sua época.
Realizada a contextualização da atuação de Anísio Teixeira, o trabalho
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segue, agora, no sentido de aprofundamento das leituras e análise crítica do
seu pensamento a respeito da escola pública brasileira.
O objetivo do trabalho é tentar responder às três questões diante do
quadro político, econômico e social que função tem a escola no tempo de Anísio Teixeira? O que, a seu ver, tem caracterizado a Escola brasileira, ao longo
do seu desenvolvimento histórico? Que reforma será necessária para que esta
possa adequar-se ao desenvolvimento da sociedade brasileira?
Essas questões serão enfocadas na análise realizada ao longo de nosso
trabalho de pesquisa, e pretendem fornecer subsídios para uma melhor compreensão do pensamento de Anísio Teixeira, sua compreensão sobre a escola
brasileira e suas propostas para a transformação da educação no Brasil.
Nota
(1) Mestranda em Educação da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected].
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ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL : O OLHAR DE