ANISIO TEIXEIRA E A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR: PLANEJANDO
ESCOLAS, CONSTRUINDO SONHOS.
CÉLIA ROSÂNGELA DANTAS DÓREA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
Introdução
O presente estudo se constitui em uma das etapas de minha pesquisa de doutorado, na PUCSP, cujo foco recai sobre a organização do espaço escolar nas políticas de edificações
implementadas pelo educador Anísio Teixeira (1900-1971), nos períodos correspondentes às
suas administrações à frente das Secretarias de Educação, no Rio de Janeiro-DF (1931-1935)
e na Bahia (1947-1951). A pesquisa apoia-se em primeiro lugar nos Relatórios
Administrativos e Livros, de autoria do próprio educador, relativos aos períodos estudados,
além de plantas arquitetônicas, fotos e depoimentos de profissionais que participaram do
processo de constituição desses ambientes.
Com base numa perspectiva de história cultural esta pesquisa busca analisar as relações entre
as concepções pedagógicas de Anísio Teixeira e a organização do espaço escolar em cada
momento, com o objetivo de identificar os aspectos pedagógicos e arquitetônicos que
caracterizaram as propostas de “modelos escolares” adotadas nesses dois períodos.
Em suas administrações públicas, na área educacional, Anísio Teixeira deu ênfase especial ao
planejamento das edificações escolares. Para ele, sem instalações adequadas não poderia
haver trabalho educativo e por isso, o prédio, base física e preliminar para qualquer programa
educacional, tornava-se indispensável para a realização de todos os demais planos de ensino.
Assim, enquanto as demais instituições exerciam ação educativa sem plano definido e sem
controle de resultados a escola era “a instituição conscientemente planejada para educar”.
(TEIXEIRA, 1997:255)
Dessa forma, sua obra educacional adquiriu representatividade e ficou caracterizada pela
concepção de uma proposta arquitetônica preocupada em prover a escola de um espaço
especificamente planejado para educar, no caso do Rio de Janeiro, nos anos 30, assim como,
pela proposta pedagógica do modelo de Escola Parque, construída na Bahia, e exemplo de
uma experiência inovadora de escola pública de educação integral, em meados de nosso
século.
A Política de Edificações Escolares no Rio de Janeiro-DF (1931-1935)
Em outubro de 1931, ao assumir a Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal,
Anísio Teixeira encontra um cenário pouco favorável à educação pública na capital do país.
Ao iniciar o Relatório do primeiro ano de sua administração ele observa que para uma
população escolar mínima – crianças de 6 a 12 anos – de 196.000 indivíduos, só existiam
escolas para cerca de 45% das crianças, e acentua:
“o aspecto mais impressionante dos problemas de educação pública, no Rio de Janeiro,
D.F., (...) é o da insuficiência de escolas para atender a milhares de crianças em idade
escolar, que, em plena capital do país, deveriam ter direito, pelo menos, às
oportunidades elementares da educação primária...” (TEIXEIRA, 1932:307)
Para Anísio Teixeira (1932), o mal do brasileiro era a falta de escolas, mas era também a
própria escola existente. Considerava que mais grave do que a negligência em abrir escolas,
era julgar que o programa escolar se limitasse à simples “alfabetização”. A escola deveria
ensinar a criança a “viver melhor”, proporcionando padrões mais razoáveis de vida familiar e
social, promovendo o progresso individual e criando hábitos de leitura, estudo e meditação.
Para ele, outra preocupação básica do sistema escolar deveria ser com a criança do povo, pois
esta só tinha a escola como meio de formação. A escola, que antes visava apenas formar
alguns indivíduos em especialidades, assumia agora a função de educar todos os indivíduos
para a participação numa nova sociedade, intelectual e técnica. E, dessa forma, a educação
primária elementar deveria estar na base desse sistema e deveria ser ministrada,
inevitavelmente, a todos os cidadãos.
Assim, para resolver o problema da escassez da educação pública oferecida à população, que
se dava tanto em quantidade como em qualidade, era preciso resolver primeiro o problema da
quantidade, ou seja, era preciso oferecer mais educação sem que houvesse prejuízo
substancial da qualidade. Dessa forma, além da preocupação com a formação do professor, o
planejamento e a organização das edificações escolares – as instalações físicas da escola – vão
se constituir, nas reformas educacionais implementadas por Anísio Teixeira, no marco
fundamental de todas as suas gestões administrativas.
No Rio de Janeiro, como em todo o Brasil, o problema de edificações escolares, não havia
sido antes objeto de soluções previamente planejadas e sistematicamente seguidas. Segundo o
arquiteto Nereu de Sampaio, chefe do Serviço de Prédios e Aparelhamentos Escolares, a
administração anterior, do diretor Fernando de Azevedo, chegou a esboçar um plano geral
proibindo em lei a compra de propriedades particulares e fixando as dimensões mínimas dos
terrenos a serem adquiridos e, conseguiu deixar construídas quatro grandes escolas: a Escola
Normal (naquela época, Instituto de Educação), a “Uruguai”, a “Estados Unidos” e a
“Argentina”. De resto, grande parte dos prédios escolares, existentes no Distrito Federal até o
ano de 1932, não passava de escolas-pardieiros, como as denominou o próprio Nereu de
Sampaio, escolas estas que repeliam alunos e professores.
O Serviço de Prédios e Aparelhamentos Escolares do Departamento de Educação realizou
inquéritos e levantamentos dos prédios existentes, tanto os públicos como os alugados, e
identificou que a maioria deles se constituía de residências particulares adquiridas pela
Prefeitura, impróprios ou inadequados ao funcionamento escolar. Até as salas de aula,
unidades primordiais do edifício escolar, em sua grande maioria, não tinha a área mínima de
40m2, além dos problemas de localização no prédio, da forma, da iluminação, da aeração, e
dos equipamentos. Além disso, existiam também as deficiências do próprio prédio escolar,
como a localização, a vizinhança, as condições de construção e de instalações.
Com base nesses levantamentos, os prédios escolares foram classificados de acordo com suas
condições de uso. Dos 79 prédios próprios existentes em 1932, apenas 12 deveriam ser
conservados; 32 adaptados, reformados, ampliados ou totalmente reconstruídos, e 35
condenados, podendo ser utilizados para qualquer outra coisa, menos para escolas. Diante
dessa situação o Departamento de Educação avaliou a necessidade de construção de 74
prédios novos, para abrigar uma população escolar de 156.480 alunos, ainda assim, inferior à
população atual. (TEIXEIRA, 1935:196)
Considerando-se um plano de atuação, a ser desenvolvido no período de 10 anos, projetou-se
uma população escolar de 320.000 alunos para o ano de 1942, o que exigiria a construção de
mais 82 novos prédios. Dado a extensão do problema e a impossibilidade de resolvê-lo em um
só período administrativo, adotou-se uma solução progressiva e gradual: a construção de um
plano geral diretor das edificações escolares e um programa anual de construções.
O programa anual de construções foi dividido em dois períodos de 5 anos. O primeiro, o
plano mínimo de construção, a ser realizado até o ano de 1938, compreendia as seguintes
etapas: 16 ampliações de prédios municipais existentes, que ficariam com 306 salas de aula;
74 edificações novas, com o tipo médio de 25 classes, que ficariam com 1.431 salas de aula;
25 prédios que poderiam ser aproveitados, com 219 salas de aula. Assim, dentro de cinco
anos, seriam 1.956 salas de aula que, funcionando em dois turnos, comportariam 156.480
alunos, isto é, aproximadamente 80% das crianças que, no ano de 1932, estavam em idade
escolar. (TEIXEIRA, 1935:198)
Mas, Anísio tinha clareza de que era necessário prover um orçamento específico para o
financiamento da educação pública, que era necessário constituir fundos, independentemente
das oscilações de critério político de nossos administradores. Ele entendia que as instituições
educativas, por sua própria natureza, eram instituições materiais que envolviam despesas de
construção e instalação, que não podiam ser esquecidas nas verbas regulares de sua
manutenção.
Para resolver o problema da escassez de prédios escolares era necessário, também, levar em
consideração as dificuldades encontradas em relação ao terreno, a localização, as condições
do prédio, a economia ou ao programa educacional, principalmente quanto às grandes
concentrações escolares. Era preciso encontrar soluções em que se contrabalançassem as
deficiências de cada um desses elementos, sem diminuir entretanto, as condições
recomendáveis para a escola.
Dessa forma, em sua administração no Rio de Janeiro (1931-1935), Anísio concebe uma
proposta inovadora para as edificações escolares, um “sistema” escolar que conciliava essas
dificuldades e previa edificações de duas naturezas: as escolas nucleares, ou escolas classe e
os parques escolares, onde cada criança deveria frequentar regularmente as duas instalações,
em dois turnos diários. No primeiro turno, a criança receberia em prédio adequado e
econômico (escola-classe), o ensino propriamente dito; no segundo turno, receberia, em um
parque escolar aparelhado e desenvolvido, a sua educação propriamente social, a educação
física, a educação musical, a educação sanitária, a assistência alimentar e o uso da leitura.
Com esse plano, esperava-se resolver os seguintes problemas: (TEIXEIRA, 1935:200)
- O dos terrenos: seriam necessários somente 25% de terrenos de grande área (10.000m2 em
média), uma vez que cada parque escolar serviria a quatro escolas-classe; e os demais terrenos
poderiam ter uma área equivalente a um lote de casa particular (13 m x 40 m).
- O da economia: cada escola possuiria somente o que fosse estritamente indispensável para o
ensino em classe, reduzindo os custos de construção.
- O do programa: nenhum dos objetivos da escola deixaria de ser atendido; a escola seria
educativa, sem a diminuição das suas funções instrutivas.
- O da localização: as crianças teriam escolas mais próximas de casa, e os terrenos menores
seriam mais fáceis de serem encontrados nos locais necessários.
- O do prédio: divididas as funções da escola entre o parque escolar e a escola classe, tornavase mais fácil atender às condições adequadas de instalação.
Assim, no Rio de Janeiro, atendendo as recomendações do plano diretor, os prédios foram
construídos obedecendo a cinco tipos, projetados pelo arquiteto-chefe Enéas Silva, da Divisão
de Prédios e Aparelhamentos Escolares:
- A “Escola Tipo Mínimo”, com 2 salas de aula e uma sala de oficinas, destinava-se a regiões
de reduzida população escolar.
- A “Escola Tipo Nuclear” ou escola-classe era constituída de 12 salas de aula, além de locais
apropriados para administração, secretaria e biblioteca de professores, e deveria ser
complementada com o parque escolar.
- A Escola Platoon 12 classes (6 salas comuns e 6 salas especiais).
- A Escola Platoon 16 classes (12 salas comuns e 4 salas especiais).
- A Escola Platoon 25 classes (12 salas comuns, 12 salas especiais e o ginásio).
Os últimos três tipos obedeciam organizacionalmente ao sistema administrativo “Platoon”.
Esse sistema era constituído de salas de aula comuns e salas especiais para auditório, música,
recreação e jogos, leitura e literatura, ciências, desenho e artes industriais. O seu
funcionamento dava-se pelo deslocamento dos alunos, através de “pelotões”, pelas diversas
salas, conforme horários pré-estabelecidos.
Todos os tipos de prédios escolares tinham ambientes projetados para abrigar as atividades
administrativas, o gabinete médico-dentário e as instalações sanitárias para ambos os sexos,
além das salas de aula. O que os diferenciava era a existência ou não de salas especiais,
bibliotecas e auditório.
Ao final de 1935, época da demissão de Anísio Teixeira, da então Secretaria de Educação, o
Rio de Janeiro contava com 25 novos prédios escolares construídos em conformidade com o
plano diretor. Esses prédios estavam assim distribuídos, de acordo com o tipo arquitetônico
adotado: 02 Escolas Tipo Mínimo de 3 classes, 11 Escolas Tipo Nuclear de 12 classes, 05
Escolas Platoon de 12 classes, 02 Escolas Platoon de 16 classes, 03 Escolas Platoon de 25
classes, 01 Escolas Tipo Especial de 6 classes e 01 Acréscimo de 12 classes.
É importante ressaltar que, embora o Relatório Administrativo de 1935, do próprio
Departamento de Educação, faça referência ao “parque escolar” ou escola-parque, como
complemento aos demais tipos de escola, não encontramos registro de planta baixa, nem
indicação de que tenha sido construído. De fato, as onze escolas nucleares ou escolas-classe,
construídas dentro dessa nova proposta, funcionavam nos antigos moldes impossibilitando,
dessa maneira, a permanência da criança na escola durante os dois turnos, como havia sido
previsto inicialmente. Como se pode observar, a proposta de educação integral idealizada por
Anísio Teixeira, para o Rio de Janeiro, na prática não se efetivou.
A Política de Edificações Escolares na Bahia (1947-1951)
Após a sua demissão do Rio de Janeiro, Anísio Teixeira afasta-se da vida pública por um
período de 12 anos. Acusado e perseguido politicamente refugia-se no sertão da Bahia, região
de Caetité onde, no período de 1935 a 1945, dedica-se à exploração de manganês, à
comercialização de automóveis, à tradução de livros para a Companhia Editora Nacional e à
correspondência com os amigos.
Em 1946 é convidado a participar como Secretário Executivo da UNESCO, em Londres e, em
1947, a convite do governador Otávio Mangabeira assume a Secretaria de Educação e Saúde
do Estado da Bahia (1947-1951), retomando a luta pela causa da educação pública em sua
terra natal.
Em seu Relatório datado de 1949, Anísio apresenta ao governador da Bahia um balanço da
situação em que se encontravam os serviços educacionais e elabora um plano de atuação
específico para o interior e para a capital.
Para o interior do Estado, além do sistema de educação elementar, prevendo atendimento
também para a zona rural, foi planejado um sistema de ensino médio ou secundário, com a
previsão de construção de Centros Regionais de Educação, a serem localizados em 10 regiões
administrativas, e que deveriam compreender: jardim de infância, escola elementar modelo,
escola normal, escola secundária, parque escolar, centro social e de cultura e internatos.
Na capital, o plano escolar compreendia um sistema de escolas elementares, seguido de um
conjunto de escolas secundárias de cultura geral e técnica e da escola de formação de
professores em nível de ensino superior. Mas, segundo Anísio, as escolas elementares teriam
uma organização especial, constituindo os Centros de Educação Popular que, localizados na
periferia da cidade, funcionariam como um núcleo de articulação do bairro, e onde as funções
tradicionais da escola seriam preenchidas em determinados prédios e as de educação física,
social, artística e industrial, em outros. O conjunto compreenderia, assim, escolas-classe e
escola-parque.
Dos dez Centros Populares, planejados inicialmente, só foi possível a construção de um deles:
o Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Localizado no bairro da Liberdade, em Salvador, esse
Centro ficou conhecido como “Escola Parque” e se transformou em obra máxima de seu
idealizador. Uma escola que é marcadamente caracterizada por sua organização espacial e que
se notabilizou pela adoção de uma proposta pedagógica inovadora, uma experiência pioneira
de escola pública de educação integral em meados deste século.
Para uma rápida ilustração de como Anísio Teixeira concebia os Centros de Educação
Popular, apresentamos parte de seu discurso proferido em 1950, por ocasião da inauguração
de três escolas-classe, que integrariam o conjunto do Centro Educacional Carneiro Ribeiro:
“... A escola primária seria dividida em dois setores, o da instrução, propriamente dita,
ou seja, o da antiga escola de letras, e o da educação, propriamente dita, ou seja, o da
escola ativa. No setor instrução, manter-se-ia o trabalho convencional da classe, o
ensino de leitura, escrita e aritmética e mais ciências físicas e sociais, e no setor
educação as atividades socializantes, a educação artística, o trabalho manual e as
artes industriais e a educação física A escola seria construída em pavilhões, num
conjunto de edifícios que melhor se ajustassem às suas diversas funções.(...) Fixada,
assim, a população escolar a ser atendida em cada centro, localizamos quatro
pavilhões, como este, para as escolas que chamamos de escolas-classe, isto é, escolas
de ensino de letras e ciências, e um conjunto de edifícios centrais que designamos de
escola-parque, onde se distribuiriam as outras funções do centro, isto é, as atividades
sociais e artísticas, as atividades de trabalho e as atividades de educação física...”
(TEIXEIRA, 1977:145)
Esse sistema, cujo projeto arquitetônico ficou a cargo dos arquitetos Diógenes Rebouças (da
Bahia) e Hélio Duarte (de São Paulo), foi planejado para atender a um grupo de 4.000 alunos,
em sua capacidade máxima. O conjunto foi constituído de quatro “escolas-classe”, compostas
tão somente de salas de aula e dependências para o professor, para atender a 1.000 alunos,
cada uma, em dois turnos;
e uma “escola-parque” para 2.000 alunos em cada turno,
compreendendo salas de música, dança, teatro, educação artística e social, salas de desenho e
artes industriais, ginásio de educação física, biblioteca, restaurante, serviços gerais e
residência ou internato para as chamadas crianças abandonadas.
A conclusão desse Centro só foi possível graças ao empenho do próprio Anísio Teixeira. Em
1952, ao ser nomeado diretor do INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos),
viabilizou um convênio de colaboração e assistência técnica com a Secretaria de Educação da
Bahia, possibilitando o prosseguimento e a conclusão da obra da Escola Parque. Em 1964,
com o término da construção da Escola-classe nº 4, o Centro foi dado por concluído mas,
ainda assim, sem a construção do orfanato.
Quando acusado de que o “Centro de Educação Popular” se tratava de uma obra cara, Anísio
argumentava:
“É custoso e caro porque são custosos e caros os objetivos a que visa. Não se pode
fazer educação barata – como não se pode fazer guerra barata. Se é a nossa defesa
que estamos construindo, o seu preço nunca será demasiado caro, pois não há preço
para a sobrevivência.” (TEIXEIRA, 1994:175)
Segundo análise de Jayme Abreu (1960), na segunda administração de Anísio Teixeira na
Bahia, a questão de prédios escolares foi daquelas que ganhou os mais seguros critérios
planejados de expansão e de eficácia. Para o autor, o êxito na execução dos planos deu-se pelo
fato de que todo o empreendimento foi acompanhado e desenvolvido dentro da Secretaria de
Educação, sob a coordenação direta do próprio Anísio, que contou com um harmonioso e
constante relacionamento com os responsáveis pelo projeto. (Jayme Abreu. In: ANÍSIO
TEIXEIRA: pensamento e ação, 1960:56)
O empreendimento e a garra com que Anísio defendia o planejamento e a execução das
edificações escolares pode ser traduzido com uma de suas falas, quando ainda era Secretário
de Educação no Rio de Janeiro e, que continuaria valendo para justificar a sua grande obra
educacional concretizada na Bahia:
“...só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar, no Brasil, a
máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública. Mas, não a
escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem mestres devidamente
preparados e, por conseguinte, sem eficiência e sem resultados.” (TEIXEIRA,
1935:181)
E, acrescenta:
“Não desejamos palácios luxuosos, mas construções econômicas e nítidas que apoiem,
como uma simples e forte base física, a obra educacional entrevista pelos que
acalentam os ideais de uma reconstrução da própria vida, pela escola.” (TEIXEIRA,
1935:204)
Considerações Finais
Com base numa rápida incursão pelas políticas de edificações escolares implementadas no
Rio de Janeiro-DF (1931-1935) e na Bahia (1947-1951), cabe-nos indagar sobre as relações
entre as concepções pedagógicas do educador Anísio Teixeira e a organização do espaço
escolar nesses dois momentos. De início, é possível identificar alguns aspectos, pedagógicos e
arquitetônicos, que caracterizaram essas políticas e que nos permitem estabelecer
aproximações entre os “modelos” de escolas aí adotados:
- Proposta de uma educação integral para a escola pública. Esta proposta é anunciada por
Anísio, já no Rio de Janeiro. No Relatório de 1935 ele descreve o “modelo” de escola que
comportaria esse sistema: escolas nucleares e parques escolares, tendo a criança que
frequentar regularmente as duas instalações, em dois turnos diários. Essa proposta
concretizou-se na Bahia, com a construção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Escola
Parque) onde, apesar de todas as dificuldades, a escola pública pode oferecer à “criança do
povo” uma educação integral e de qualidade.
- Opção por uma arquitetura moderna para as edificações escolares. Nesse sentido, Anísio
Teixeira pode ser considerado como “o arquiteto da educação brasileira” tal era o seu
empenho em prover a escola de um espaço especificamente planejado para a educação. Em
suas administrações, as escolas foram projetadas, por arquitetos, com base nos princípios da
racionalidade e funcionalidade, próprios da arquitetura moderna, que determinaram a
concepção de programas arquitetônicos distintos (Tipo Mínimo, Nuclear, Platoon de 12, 16 e
25 classes e Escola Parque), de acordo com a localização e as necessidades de cada escola.
Esses programas buscavam dar conta de uma melhor organização do espaço para atender as
exigências das modernas conquistas pedagógicas e dos novos hábitos de higiene, tudo isso
aliado à economia das construções escolares.
- A escola desempenhando um papel social no ambiente da cidade. Com essas conquistas
pedagógicas e arquitetônicas, a escola passa a incorporar novos ambientes em seus
programas: os anfiteatros, a biblioteca, o refeitório, os jardins e as “áreas livres”, os ginásios
esportivos, etc. que vão promover uma maior inter-relação com a cidade, permitindo que essa
escola funcionasse, muitas vezes, como um núcleo de articulação do bairro ao mesmo tempo
em que possibilitava à criança praticar situações que iria vivenciar na sociedade.
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