Dinâmica Territorial e Gestão Costeira no Brasil
Cláudio A. Gonçalves Egler LAGET/UFRJ [email protected]
Flavia Moraes Lins-de-Barros PPGG/UFRJ - [email protected]
Mariana de Faria Benchimol - PPGG/UFRJ - [email protected]
Margarida Maria Mattos PPGG/UFRJ [email protected]
Ricardo A. de Almeida Voivodic PPGG/UFRJ - [email protected]
Viviani de Mattos Marcelino LAGET/UFRJ [email protected]
Apresentação
O Brasil possui uma linha de costa com 8.698 Km de extensão, apresentando
regiões ambientalmente e socialmente heterogêneas. Áreas urbanas, comunidades
tradicionais, praias, manguezais, estuários, dunas, costões rochosos, etc, são alguns
exemplos que podemos encontrar ao longo desta região. Neste complexo sistema
encontram-se 395 municípios em dezessete Estados, abrigando ¼ da população
brasileira, com uma densidade média de 87hab./Km², cinco vezes superior à média
nacional (17 hab./Km²).
A Zona Costeira do Brasil, conforme definida pelo Decreto 5.300/2004, constitui
um sistema natural complexo e um ambiente frágil. Está sendo profundamente
afetado
pela
dinâmica
territorial
recente,
impulsionada
por
processos
socioeconômicos como o adensamento urbano, a expansão do turismo, a pesca e
maricultura, a produção de petróleo e gás, dentre outros.
A presente sessão coordenada visa discutir os marcos regulatórios envolvendo
a preservação ambiental, o uso sustentável dos recursos e o ordenamento territorial
na Zona Costeira. Isso implica analisar as relações existentes entre atores
governamentais e não governamentais, considerando as limitações da estrutura de
gestão para o espaço costeiro, os conflitos de competência e a fragmentação de
instâncias.
A abordagem estará focalizada no Estado do Rio de Janeiro, que apresenta
uma diversidade de situações ambientais, econômicas e institucionais bastante
representativa das questões envolvidas na gestão da Zona Costeira brasileira. A
seguir apresentamos um resumo das contribuições dos diversos participantes da
seção coordenada.
A Definição dos Conceitos Utilizados no Processo de Gerenciamento
Costeiro Integrado (Mariana de Faria Benchimol
PPGG-UFRJ)
O gerenciamento costeiro integrado (GCI) vem sendo desenvolvido em
diversos países. Esforços para o gerenciamento da zona costeira acompanham a
história da humanidade, pois desde a ocupação destas regiões por populações
humanas, mesmo as mais primitivas, implicaram em manejos e/ou gerenciamentos
da região, mesmo que estes fossem feitos de forma desintegrada, pontual ou
específica.
Na década de 60 foram desenvolvidas ações planejadas com o intuito de
minimizar ou sanear impactos ambientais na zona costeira. Porém, apenas na
década de 70 foi realizada uma medida concreta em relação ao GCI: a formulação
do Coastal Zone Management Act . Este documento foi criado em 1972 pelo
Congresso Americano e pode ser apontado como um marco do início das políticas
públicas para o GCI no mundo. Após isto, diversos países costeiros passaram,
gradativamente, a desenvolver políticas públicas para o desenvolvimento do GCI em
seus territórios.
Na década de 70 questões ambientais começaram a percorrer discussões
acadêmicas, porém apenas na década de 80 as discussões sobre metodologias para
o GCI entram em pauta. Como resposta a este novo paradigma mundial, criou-se no
Brasil a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), a Política Nacional Para os
Recursos do Mar (PNRM) e a Comissão Interministerial Para os Recursos do Mar
(CIRM), o que finalmente impulsionou a formulação do Plano Nacional de
Gerenciamento Costeiro (PNGC) em 1988 (Lei Federal No 7.661/88). O PNGC foi,
sem dúvida, um grande marco para o Brasil no que se refere ao GCI.
Contudo esta política foi formulada no contexto dos paradigmas da época,
onde se pensava de forma matricial e era valorizado sobressalentemente o
mapeamento cartográfico. Relações sociais, cultura e desenvolvimento local eram
pouco valorizados. A lógica de planejamento era centrada no Governo Federal; os
municípios tinham pouca autonomia como órgãos gestores e as políticas públicas se
mostraram como um reflexo desta forma de pensar. O mapeamento é até hoje (e
acredito que continuará sendo) uma ferramenta importante no processo de gestão.
Porém, este deve ser feito de forma veloz para que, ao concluído, represente a
realidade da maneira mais precisa possível. Na década de 80 dois problemas podem
ser ressaltados quanto aos mapeamentos realizados: o primeiro diz respeito à
lentidão na elaboração dos mapas, tanto pela falta de bases cartográficas confiáveis,
quanto pela baixa e onerosa tecnologia da época, resultando em mapas que, ao
finalizados, não representavam mais a realidade mapeada. O segundo problema
refere-se a um levantamento cartográfico que não levava em conta conhecimentos
empíricos e trabalhos de campo para construção dos mapas. Exemplos desta prática
são
facilmente
reconhecidos
em
delimitações
indevidas
de
unidades
de
conservação.
Ao longo da década de 90, esforços relativos ao GCI foram desenvolvidos em
diversos países. Segundo CICI-SAIN & KNECHT (1998), até 1996 havia
aproximadamente 150 esforços relativos ao GCI em 60 países soberanos ou semisoberanos. No Brasil, observamos a Resolução 01/90 da CIRM que detalha o PNGC
e posteriormente à formulação do PNGC II em 1997 (Resolução 05/97 - CIRM) como
exemplos de esforços para o GCI. O PNGC II mostrou-se mais esclarecedor que o
primeiro, apontando principalmente as diferentes competências entre os níveis de
governo (federal, estadual e municipal).
O GCI vem ganhando, gradativamente, importância governamental e
científica. No Brasil, a regulamentação do PNGC através do Decreto Federal No
5.300/04 e o Projeto Orla são exemplos disto. O PNGC está, cada vez mais, sendo
discutido no meio acadêmico e passa a fazer parte esfera municipal. Mesmo ainda
não havendo sido elaborado um Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro
consolidado, o Projeto Orla trouxe avanços significativos para o desenvolvimento do
GCI em escala municipal, mesmo este ocorrendo apenas na orla marítima, e não no
município como um todo integrado.
No entanto, há outros termos ligados ao GCI que, muitas vezes, não possuem
clara definição para gestores, estudiosos e atores sociais como um todo. Como
primeiro exemplo cito as palavras gestão e gerenciamento. Há especulações sobre
uma diferença de escala ao se aplicar estes termos, onde gestão possuiria um
conceito mais abrangente que gerenciamento. Em inglês, por exemplo, apenas a
palavra management corresponde às duas palavras em português, o que leva alguns
a crerem que ambas palavras possuem o mesmo significado.
Aponto dois outros conceitos com definição mais clara perante os atores
sociais e estudiosos: a diferença entre gestão ambiental e gestão costeira. Gestão
ambiental pode ser definida segundo LANNA (2000, apud POLETTE, 2002) como
sendo um processo de articulação das ações dos diferentes agentes sociais que
interagem em um determinado espaço, com vistas a garantir a adequação dos meios
de exploração dos recursos ambientais
naturais, econômico e sócio-culturais
às
especificidades do meio ambiente, com base em princípios e diretrizes previamente
acordados/definidos. (...) e tem como objetivo final promover, de forma coordenada,
o inventário, uso, controle, proteção e conservação do ambiente, visando atingir o
objetivo estratégico de desenvolvimento sustentável .
Além dos mencionados termos, ressalto outros que, de forma menos direta, se
relacionam com o GCI, como as palavras manejo, monitoramento e planejamento.
Estes termos soam auto-explicativos por si próprios; no entanto, o que se verifica na
prática, principalmente junto àqueles que não estudam o assunto diretamente (e que
diversas vezes ocupam cargos de gestores costeiros), é que estas palavras são
confundidas muitas vezes. Observa-se ainda que quando o GCI está sendo
desenvolvido a nível municipal, por falta de mão-de-obra especializada, há uma
acentuação de dúvidas conceituais. Acreditando na necessidade em se desenvolver
o GCI nesta escala de atuação, é preciso uma atenção ao esclarecimento
terminológico junto aos atores sociais locais.
Não obstante, termos como co-gerenciamento, gerenciamento compartilhado,
co-responsabilidade, gestão participativa, co-manejo, dentre outros, permeiam os
processos mais contemporâneos de GCI e, mais uma vez, não apresentam suas
definições esclarecidas na legislação nacional. Ressalto ainda que países como a
Espanha e a França já possuem suas leis costeiras com as devidas definições,
exemplo que poderia ser seguido pelo Brasil.
Articulação Interinstitucional e o problema das escalas: uma análise do
Projeto Orla (Ricardo Augusto de Almeida Voivodic
PPGG-UFRJ)
O objetivo do presente trabalho é analisar a questão da definição das escalas
de atuação e representação dos conflitos interinstitucionais no âmbito do
Gerenciamento Costeiro, bem como avaliar o papel das instituições na definição de
competências e poderes ao longo da implementação do Projeto Orla.
O Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima
Projeto Orla, é uma iniciativa
do Ministério do Meio Ambiente - MMA, em parceria com a Secretaria do Patrimônio
da União
SPU, que busca contribuir, em escala nacional, para aplicação de
diretrizes gerais de disciplinamento de uso e ocupação da Orla Marítima.
Seu arranjo institucional é orientado no sentido da descentralização de ações de
planejamento e gestão deste espaço, da esfera federal para a do município. Dessa
forma, visa articular órgãos estaduais de meio ambiente, Gerências Regionais do
Patrimônio da União
GRPU, administrações municipais e organizações não
governamentais locais, além de outras entidades e instituições relacionadas ao
patrimônio histórico, artístico e cultural, a questões fundiárias ou a atividades
econômicas.
São objetivos estratégicos do Projeto Orla o fortalecimento da capacidade de
atuação e a articulação de diferentes atores do setor público e privado na gestão
integrada da orla; o desenvolvimento de mecanismos institucionais de mobilização
social para sua gestão integrada; e o estímulo de atividades sócio-econômicas
compatíveis com o desenvolvimento sustentável da orla (BRASIL, 2002).
As ações implementadas no âmbito do Projeto Orla tiveram como foco central à
elaboração de Planos de Intervenção para as orlas dos Municípios, e a capacitação
de gestores locais responsáveis pela implementação desses planos, numa
perspectiva de descentralização da gestão da orla marítima. Sabe-se, porém, que os
fenômenos verificados na orla são resultado de uma multiplicidade de atores muitas
das vezes externos ao local, que atuam em outras escalas, como no caso de muitos
procedimentos de destinação de usos de bens da União
Os Planos de Intervenção na Orla Marítima são os produtos finais do processo
de fortalecimento institucional proposto pelo Projeto Orla. A elaboração desses
documentos propiciou, ou deveria propiciar, não só um aumento da capacidade
técnica municipal, mas também a criação de um canal de articulação entre agentes
públicos e comunitários para a gestão da orla.
A partir do Projeto, no entanto, tornaram-se nítidas as lacunas de
implementação existentes entre as distintas escalas de concepção e planejamento
das ações, expondo os conflitos de interesse existentes entre os órgãos estaduais e
federais e os órgãos municipais e as organizações da sociedade civil, assim como
ficaram expostos os conflitos existentes nos vários Municípios e as dificuldades e
possibilidades para a construção de ações integradas.
Os planos refletiram as características de cada local quanto aos seus aspectos
ambientais, sociais, institucionais e às peculiaridades do processo de ocupação
urbana. Entretanto, foi requisitado aos municípios que as ações implementadas não
ultrapassassem os limites sugeridos pela coordenação do projeto, restringindo a
ação planejadora a um espaço extremamente diminuto
cerca de 50 m em áreas
urbanizadas e 200 m em áreas ainda não ocupadas.
Essa delimitação é defendida pela coordenação do projeto como sendo
necessária para que haja um foco em ações concretas que possibilitem o uso das
áreas de domínio da União. Por outro lado, se a implementação do projeto não
estiver vinculada a uma reestruturação da política urbana do município ou a ações de
implementação de infra-estrutura (como saneamento ou drenagem urbana, por
exemplo), as ações sobre o espaço da orla marítima acabam tendo um caráter muito
pontual ou meramente estético-paisagístico, não atingindo a fonte dos problemas e
conflitos existentes na orla.
O conteúdo desses planos é definido de acordo com a realidade e o interesse
de cada Município. Assim, o conjunto dos documentos revela as diferenças de perfil
das equipes gestoras locais, a diversidade da capacidade instalada para o
planejamento e gestão, a maturidade dos arranjos institucionais, o grau de
organização da sociedade civil, assim como as prioridades conferidas para a
intervenção.
Redes logísticas e gestão do território na Bacia de Campos (Cláudio A. G.
Egler e Viviani de Mattos Marcelino
Laboratório de Gestão do Território
UFRJ)
O objetivo do trabalho é examinar o papel das redes logísticas na bacia de
Campos, estado do Rio de Janeiro, principal zona produtora de petróleo e gás no
Brasil. Se do ponto de vista das redes técnicas de infraestrutura, as conexões entre
os lugares e pontos que integram a indústria de petróleo são de âmbito regional,
definindo uma estrutura produtiva que afeta diretamente a inserção dessa área no
conjunto da Zona Costeira.
No plano econômico, a zona costeira tornou-se obrigatoriamente sujeita às
imposições da matriz institucional e objeto da regulação setorial. Para ela
convergem, mais explicitamente, a regulação das atividades petrolíferas, dos
recursos hídricos e ambientais. A inexistência de fronteiras naturais visíveis obriga
o traçado de linhas imaginárias com implicações muito importantes na apropriação
dos recursos nela existentes. O loteamento em blocos para a exploração de petróleo
e gás natural representa a primeira demarcação territorial que viabiliza a apropriação
de parte do substrato marinho por diferentes agentes econômicos nacionais e
transnacionais. As projeções paralelas e ortogonais asseguram, por sua vez, a
apropriação indireta e parcial desses recursos, pelos agentes locais e regionais,
através dos royalties. Há, portanto, uma fusão dos significados institucional e
econômico nesse território.
Dentre as características da indústria de petróleo e gás, ressaltam-se as
seguintes: trata-se de uma atividade extrativa que requer vultosos investimentos com
longo tempo de maturação. Além dessas características, vale sempre lembrar, que
essa indústria ainda desempenha um papel estratégico no funcionamento da
estrutura produtiva dos diversos espaços econômicos, quer pela necessidade de
segurança de aprovisionamento, quer pelos efeitos da variação dos preços
internacionais na balança comercial ou nas taxas de inflação.
No caso brasileiro, a evolução da exploração de petróleo e gás apresenta
estreita relação com os planos e programas de governo da década de 1970 que
adotaram como estratégia principal à segurança de aprovisionamento a partir da
disponibilidade de fontes primárias nacionais. Nesse sentido, duas filières foram
privilegiadas; hidroeletricidade e petróleo. Data desse período os investimentos na
exploração offshore. A exploração em águas profundas representa atualmente 90%
da produção brasileira de petróleo. Cabe aqui uma nota sobre a mudança no
significado do termo segurança no aprovisionamento em energia. Até meados dos
anos de 1980, esse termo era associado à disponibilidade de energia a partir de
fontes internas ao território nacional. Na atualidade o início dos sistemas interligados
em escalas mais amplas como o Mercosul alteraram o sentido do termo que denota
mais o controle dos efeitos sobre a estrutura econômica do que propriamente a
exclusividade e/ou predomínio das fontes nacionais no balanço energético.
A base material da exploração de petróleo e gás no Brasil conheceu uma
expansão considerável a partir do início da década de 1980. Essa expansão esteve
sob comando da Petrobrás, empresa estatal que exercia o monopólio da exploração
e do refino. Assim, os espaços estruturados a partir da extração de petróleo
constituíram, em sua maioria, espaços de ocupação antiga que passaram a exercer
a função de áreas de apoio à produção em águas profundas. Como a distribuição
espacial das refinarias já estava consolidada, as descobertas em águas profundas
não levaram à criação de pólos petroquímicos, por exemplo. Em contrapartida, essa
exploração alterou as funções das cidades nas quais foi localizada a base de apoio
para a exploração offshore.
A exploração deste território exige uma vultosa infra-estrutura de operações e
instalações tanto no mar como em terra. São plataformas, redes de dutos para o
escoamento da produção, bases de apoio, tanques de armazenamento, emissário
para o descarte de águas tratadas, além de complexas operações de abastecimento
de navios e transporte da produção, as quais se localizam em uma área
extremamente valorizada, que é a Zona Costeira.
Assume-se, no contexto deste trabalho, que a expansão da exploração de
petróleo e gás na Bacia de Campos modificou as condições de inserção de alguns
dos lugares, como Macaé, por exemplo, alterando, ao mesmo tempo, as condições
de governança em escala local e regional. A inserção nas redes globais enfraqueceu
a mediação das escalas de governo no nível estadual. Em decorrência, novas
institucionalidades emergem e passam a regular a ação das organizações.
Os gargalos regionais são também de ordem institucional. Qualquer projeto de
desenvolvimento econômico de longo prazo exige uma base institucional
particularmente dinâmica capaz de criar uma ambiente favorável à reestruturação e a
diversificação da base produtiva. Sinergias entre atores públicos, privados e a
sociedade, assim como entre estes últimos e as demais escalas políticoadministrativas
estadual e federal
revelam-se imprescindíveis. No entanto, novos
dispositivos institucionais capazes de sustentar alternativas de desenvolvimento
ainda não emergiram com força no palco social regional.
O caminho percorrido mostra que a relação entre espaço e matriz institucional
é decisiva para a gestão da zona costeira no Brasil, considerando que as mudanças
recentes advindas da criação dos entes reguladores, tais como a Agência Nacional
do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional de Águas (ANA), principalmente nessa
região, submetida à dominância da economia petrolífera.
Proposta metodológica para identificação de áreas críticas e de risco potencial
à erosão costeira no município de Maricá, Rio de Janeiro (Flavia Moraes Linsde-Barros
PPGG- UFRJ)
O debate a respeito da subida do nível do mar e as preocupações com os
seus possíveis efeitos resultaram em uma série de estudos nacionais e
internacionais voltados para avaliação do risco e da vulnerabilidade física e sócioeconômica das costas. Apresentando diferentes abordagens e metodologias estes
estudos muitas vezes discutem conceitos e termos sem, contudo, defini-los de forma
clara. Outro problema freqüentemente observado é a dificuldade de uma abordagem
integrada entre os aspectos físicos e socioeconômicos envolvidos na complexa
questão da erosão costeira. Neste sentido, deve-se ressaltar que muitos avanços
vêem sendo propôs. Traçando um rápido histórico, nota-se que os primeiros
programas de gerenciamento costeiro, a partir da década de 1960, dedicavam-se
quase que exclusivamente para a compreensão dos processos físicos. Atualmente
os processos socioeconômicos, destacando as respostas, adaptações e percepção
da população, assim como dos danos e prejuízos financeiros são, cada vez mais,
considerados relevantes para o estudo da erosão costeira e para o desenvolvimento
de um adequado programa de Gerenciamento Costeiro Integrado (VELLINGA et
al.,1993). Neste sentido a percepção cada vez mais aceita da necessidade de
integração entre planejamento e gerenciamento contribui para um importante
avanço.
Até meados do século XX encarava-se o problema da erosão costeira como
uma batalha entre o homem e o mar
para vencê-la o homem precisava controlar o
mar e fixar a costa. A principal solução era a elaboração de obras de engenharia tais
como muros, enrocamentos, diques, molhes entre outras (RICKETTS, 1986;
KOMAR, 1976). Atualmente esta visão com soluções a partir de obras duras e
rígidas vem sendo substituída por alternativas que incluem obras leves e flexíveis
como a alimentação artificial de praias e dunas artificiais, a re-vegetação, o recuo da
urbanização, entre outras. Esta mudança vem acompanha por uma nova percepção
da relação entre o homem e a natureza e, especificamente entre homem e o mar.
Desta forma, atualmente a erosão costeira pode ser abordada por um
programa de gerenciamento segundo diferente metodologias e conceitos. Ricketts
(1986) afirma que um modelo para o gerenciamento da erosão costeira deve
considerar todas as possíveis estratégias alternativas dando preferência a medidas
como zoneamento do uso e obras leves. Porém, a noção de que é preciso restringir
o desenvolvimento urbano futuro nas áreas costeiras não é facilmente aceita pelos
proprietários e gestores, visto que quase sempre o problema da erosão só é
percebido na curta escala temporal (op. cit.). Observa-se que as respostas mais
comuns da comunidade ou dos gestores têm sido reflexo principalmente dos eventos
erosivos de curta escala tendo sido ignorados planejamentos que podem envolver
ajustes do sistema socioeconômico assim como do sistema biofísico (op. cit.).
A partir dos diferentes conceitos debatidos e da reflexão sobre as
possíveis abordagens metodológicas para o gerenciamento aplicado à erosão
costeira é proposta uma metodologia para identificação de áreas especiais para o
planejamento através da classificação da vulnerabilidade física e do risco à erosão
costeira no litoral de Maricá. Nesta proposta o conceito de risco deve ser entendido
como uma combinação entre o grau de vulnerabilidade física que revela a fragilidade,
resistência e suscetibilidade de determinado ambiente aos perigos e à distribuição
espacial da ocupação humana. O uso do solo, o material das estruturas, a densidade
urbana e populacional também estão relacionados ao risco visto que revelam as
atividades e a quantidade de pessoas expostas ao perigo. O conceito de
vulnerabilidade física, por sua vez, foi definido como sendo o estado de fragilidade
natural de determinada costa a eventos erosivos de curta ou longa escala temporal.
A classificação do litoral de Maricá quanto à vulnerabilidade à erosão costeira
segundo a metodologia apresentada acima demonstrou, de modo geral, elevada
vulnerabilidade física potencial em função principalmente da tendência de recuo da
linha de costa observada e da elevada exposição revelada pela modelagem da
refração (LINS-DE-BARROS, 2005). No entanto, a partir do estudo das variáveis de
resistência, exposição e resiliência e dos indicadores urbanos foi possível distinguir
três segmentos distintos quanto à instabilidade local e ao risco: a praia de Itaipuaçu;
a praia do Francês e a APA de Maricá; e o trecho entre as praias da Barra de Maricá
e Ponta Negra.
Mapa 1
Classificação do Litoral de Maricá quanto ao risco, instabilidade local e indicadores urbanos.
Os danos sofridos pelas construções do município de Maricá após as fortes
tempestades ocorridas nos anos de 1995, 1996 e 2001 refletiram a situação de
vulnerabilidade física e risco predominantemente muito elevados.
O principal tipo de adaptação da população foi à realização de diversos tipos
de obras. Predominou na maioria dos casos uma adaptação reativa e relacionada a
interesses privados visto que foram realizadas pelos próprios moradores sem
qualquer tipo de orientação ou apoio governamental. Os danos sofridos pelas
construções foram responsáveis ainda pela desvalorização das casas e terrenos. O
valor total do prejuízo, considerando as obras realizadas e a desvalorização foi de
aproximadamente R$ 3 milhões (aproximadamente U$ 1.2 milhões). Deste total mais
de 80% corresponde ao prejuízo causado pela desvalorização o que demonstra a
importância deste processo.
Os resultados encontrados demonstraram a necessidade de elaboração de
medidas de planejamento urbano para a orla de Maricá. A atualização do Plano de
Desenvolvimento do Município de Maricá visando a delimitação de uma faixa de
proteção costeira adequada, como proposto por Muehe (2001), torna-se prioridade
para as áreas consideradas de risco potencial e latente. Nas áreas críticas, onde a
urbanização já está mais consolidada, outras ações poderiam ser propostas como
proibição de construção de quiosques, varandas ou deques na faixa de areia.
Acredita-se que tais medidas podem ser elementos importantes para promover aos
poucos um rearranjo espacial e do uso da ocupação da orla revertendo a situação de
elevado risco atualmente vivenciada pela maioria das construções.
Agentes Privados e Regulação Pública na Zona Costeira (Margarida Maria
Mattos
PPGG-UFRJ)
Trata-se neste trabalho das questões relativas aos marcos regulatórios, que
norteiam e condicionam, inclusive em sua ausência, as ações dos agentes
institucionais, públicos e privados refletindo-se na gestão dos territórios envolvidos.
Ainda que tratando, de uma forma geral, da Zona Costeira do país, o foco de atenção
estará voltado para a área da Bacia de Campos, no Estado do Rio de Janeiro e,
setorialmente, para as atividades da chamada Indústria do Petróleo e Gás, que aí
têm sua maior expressão em termos nacionais. Assim, necessariamente, lidar-se-á
com distintas escalas, seja quanto aos agentes considerados, seja quanto às
instituições e marcos regulatórios envolvidos. Para tanto, o trabalho assume a linha
conceitual proposta por North (1990), segundo quem as instituições divergem das
organizações, essas últimas dando suporte às primeiras. Assim, instituições formais,
como leis, regras e normas regulam as atividades de agentes econômicos em
diferentes escalas e setores, estabelecendo parâmetros que às organizações cabe
gerenciar. Em decorrência, criam-se novas territorialidades
espacializadas (Souza, 1995)
relações de poder
cuja dinâmica está diretamente relacionada com a
base do desempenho econômico e sua gestão.
Parte-se das modificações introduzidas Constituição Federal de 1988, desde
a consideração de diferentes regiões do país
entre elas a Zona Costeira
como
patrimônio nacional (§ 4°, art. 225), até a atribuição de maior peso aos estados e
municípios, via redistribuição dos recursos, alterando, por conseguinte, o poder
desses atores institucionais e o equilíbrio de forças até então vigente no cenário
nacional. À consideração dessas mudanças acrescenta-se a análise das profundas
alterações derivadas da quebra do monopólio da exploração do petróleo e as suas
consequências, seja na criação de novas instituições públicas (ANP e OMPETRO,
por exemplo) e privadas (ONIP, IBP, entre outras), seja no aumento da complexidade
das relações entre os atores envolvidos sob novas regulações e as exigências
derivadas do fluxo de informações e tecnologia.
Para a Bacia de Campos, despreparada institucional, econômica e
socialmente para as transformações ocorridas a partir da disponibilidade de royalties,
do crescimento das descobertas offshore, da concentração de pesada infra-estrutura
e adensamento populacional, crescem os riscos ambientais assim como a
necessidade de fortalecer-se institucionalmente, criando as bases de uma
governança local.
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Versão digital - Claudio AG Egler