A erosão costeira como factor condicionante da sustentabilidade
Paulo Borges1, Goreti Lameiras2, Helena Calado2
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Departamento de Geociências, Universidade dos Açores
9501-801 Ponta Delgada, Portugal. [email protected]
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Secção de Geografia, Universidade dos Açores
9501-801 Ponta Delgada, Portugal. [email protected]
RESUMO
A zona costeira é um dos ambientes naturais mais dinâmicos e frágeis, onde o equilíbrio
dinâmico natural pode ser facilmente alterado, assumindo esta situação particular ênfase
em ilhas pequenas. Por razões conhecidas, a faixa costeira tem sido ao longo do tempo
uma das zonas mais apetecíveis ao Homem e em ilhas pequenas, a franja costeira foi, e
é por vezes ainda, o único local que ofereceu condições para o Homem se poder fixar.
Nos dias de hoje, por outras razões (e.g. turismo), o litoral é muito apetecível, existindo
um aumento da pressão antrópica na faixa costeira o que leva por vezes a situações de
newjersyization ou de santabarbarização. A erosão costeira sendo um processo natural,
muitas vezes incrementado pela actividade antrópica, é um perigo costeiro com
dispersão e expressão geográfica diversa mas que em muitas situações constitui um
risco que importa levar em conta, quando se pretende o desenvolvimento e a
sustentabilidade de uma região, nomeadamente em ilhas pequenas, bem como
minimizar as perdas económicas que este risco natural pode implicar. A quantificação
da erosão costeira pode constituir uma ferramenta poderosa no ordenamento, na gestão
e no planeamento ambiental de zonas costeiras.
Palavras-chave: erosão costeira, desenvolvimento sustentável, ordenamento.
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INTRODUÇÃO
O litoral é um dos ambientes naturais mais dinâmicos e produtivos do Planeta, assim
como um dos contextos mais importantes onde a actividade humana, sedimentar e
morfológica interagem, independentemente de ser ocupado por praias, arribas, campos
de dunas, lagunas, estuários ou outro conteúdo geomorfológico. A faixa costeira
mundial totaliza apenas cerca de 500000 km e, todavia, 80% da população mundial
habita nela, não obstante a sua largura ser reduzida. Deste modo, estão concentrados na
faixa costeira a maioria dos centros de decisão política, económica e técnica, bem como
grande parte das indústrias e actividades económicas rentáveis de muitos países. Esta
situação potencia a migração das populações do interior para o litoral, aumentando
assim as pressões sobre uma faixa estreita e dinâmica. Na esmagadora maioria dos
casos, o rápido crescimento populacional e a expansão económica originaram e
originam conflitos entre a ocupação antrópica da faixa litoral e os processos costeiros
que se traduzem nomeadamente pela erosão, pelo assoreamento, pelas transformações
sazonais do perfil de praia, pela mobilidade das dunas, pelo galgamento e inundação
costeira durante eventos tempestuosos e que representam na realidade apenas estados
transitórios de um equilíbrio dinâmico (que decorre em escalas temporais diversas)
entre os agentes modeladores do litoral, os sedimentos neles residentes e as formas
resultantes. Com efeito, existem perigos e riscos inerentes a quem vive no litoral, como
por exemplo o desmonte de arribas pela acção das ondas que podem acarretar o
desmoronamento parcial ou total de casas, de estradas ou de outros edificados
localizados demasiado perto da franja litoral, as inundações tsunamigénicas ou a
passagem de furacões. A crescente ocupação humana da faixa costeira e consequente
exposição aos perigos resultantes dos processos naturais de evolução do litoral levaram
a diversas tentativas de estabilização ou de protecção contra a agressão dos elementos
do clima, nomeadamente contra a actividade destrutiva das ondas do mar, que nem
sempre surtiram os efeitos desejados.
A pequena superfície de ilhas como por exemplo as dos arquipélagos de Cabo Verde e
dos Açores, e o elevado comprimento relativo da sua faixa costeira, os contrastes
fisiográficos entre franja litoral e região interior destas, levam-nos facilmente a perceber
que a linha de costa deste tipo de ilhas tem importância particular na vida quotidiana
dos insulares. Com efeito, o litoral muitas vezes representa uma das poucas parcelas de
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terra que ofereceu e muitas vezes oferece ainda as melhores condições para a fixação do
Homem, apesar dos perigos inerentes à proximidade do oceano.
EROSÃO COSTEIRA
A erosão costeira é um fenómeno global que ocorre essencialmente nas margens
oceânicas mas também lacustres e que vem sendo referida na literatura técnicocientífica há várias décadas (Charlier e Meyer, 1998). Estes autores aludem que parar a
erosão costeira e o recua da linha de costa é uma tarefa impossível, uma vez que se trata
de um processo natural de evolução. Contudo, este processo pode ser retardado ou
minimizado, podendo por vezes as zonas fortemente afectadas pela erosão serem
parcialmente ou totalmente recuperadas mesmo que de uma forma efémera.
A erosão costeira resulta da contribuição de diversos processos e factores que
frequentemente actuam em conjunto (cf. King, 1959; Komar, 1998; Bird, 2000; Davis e
Fitzgerald, 2004 para uma revisão crítica), sendo os mais óbvios as tempestades
costeiras e as ondas associadas, as correntes fortes, o vento, a gravidade, o material em
que as arribas são talhadas e as características morfotexturais das praias. A variação do
nível médio do mar a curto, a médio ou longo prazo, bem como a alteração da
morfologia (paisagem) costeira causada pela acção do homem, por exemplo através da
construção de esporões ou de defesas aderentes, são importantes factores responsáveis
pela erosão costeira e/ou potenciadores da mesma (cf. King, 1959; Komar, 1998;
Charlier e Meyer, 1998; Bird, 2000; Davis e Fitzgerald, 2004 para uma revisão crítica).
A erosão causada directamente por organismos – bioerosão – apesar de ocorrer em
pequena escala, é também importante (Davis e Fitzgerald, 2004).
A erosão das praias e de arribas em determinadas zonas constitui apenas um perigo
natural. Contudo, noutros troços da costa, consequência da ocupação e da pressão
antrópica (e.g. estradas, infra-estruturas e equipamentos turísticos, habitações) a erosão
costeira constitui um risco importante (e.g. Figuras 1 a 3). Como referido anteriormente,
a actividade antrópica é em muitos casos um agente potenciador do processo erosivo.
Efectivamente, a intensa extracção de sedimentos em praias, consequência da pressão
antrópica, pode despoletar a ruptura do equilíbrio de um sistema costeiro, sendo a causa
primária para o estabelecimento e desenvolvimento generalizado de processos erosivos
que, numa primeira fase afectam o enchimento sedimentar da praia (e das dunas), e
posteriormente estendem-se à margem terrestre (cf. Borges et al., 2002; Borges, 2003;
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Figura 4). Noutros casos, como na newjersyization (cf. Bush et al., 1996; Lennon et al.,
1996; Pilkey e Dixon, 1996), é também o próprio Homem ao tentar deter a erosão
costeira que acaba por ser responsável pelo incremento deste processo natural, acabando
por dilapidar o ambiente costeiro e o recurso natural que foram a razão principal pela
sua instalação naquela zona e que presidiu à decisão de a proteger (Figura 5).
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Figura 1 – Rocha Quebrada (São Miguel – Açores): destruição parcial da estrada (A) e
de habitações (B) consequência da erosão costeira (in Borges, 2003).
Figura 2 – Praia do Monte Verde (São Miguel – Açores): escarpa de preia-mar e/ou de
temporal na duna frontal que apresenta uma taxa de erosão da ordem dos 0.4 m/ano,
para os últimos 5 anos. Note-se que o tapete de asfalto implantado sobre a duna se
encontra já ameaçado. Mantendo-se as actuais condições, prevê-se um tempo de vida
útil para a estrada de 5-7 anos (in Borges, 2003).
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Figura 3 – Rocha dos Campos (São Miguel – Açores): destruição da estrada e de
habitações consequência da erosão costeira.
Figura 4 – Santabarbarização ocorre quando a intensa extracção de sedimentos de praias
leva a que a histerese que caracteriza este tipo de sistemas costeiros determine que os
tempos de adaptação das respostas mais importantes do mesmo, sejam diferentes das
dos agentes forçadores levando à mudança de dispositivo morfodinâmico modal
(reflectivo para dissipativo) e ao estabelecimento e desenvolvimento generalizado de
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processos erosivos irreversíveis. Na primeira fase de extracção de sedimentos a mancha
de empréstimo é a berma alta e a duna (quando existe), estendendo-se à baixa praia, ao
litoral próximo e às dunas numa fase posterior e mais intensa de mineração. msl: nível
médio do mar (modificado de Borges et al., 2002; Borges, 2003).
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Figura 5 – Newjersyization: defesas aderentes (paredões) são construídos para parar o
recuo da linha de costa, providenciando contudo, uma estrutura estática contra a qual a
praia vai diminuindo de largura, podendo desaparecer por completo, num processo que
pode levar poucos anos a algumas décadas (modificado de Bush et al., 1996; Pilkey e
Dixon, 1996).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar dos benefícios de viver na faixa costeira, o Homem não tem tido uma relação
difícil com o litoral e ao longo dos tempos, tem por vezes tentado ignorar estes
problemas, ou ajustar-se ou ainda controlar o litoral e os seus processos intrínsecos na
maior parte das vezes sem sucesso (Carter, 1999).
A erosão costeira sendo um processo natural, é um perigo costeiro com dispersão e
expressão geográfica diversa mas que em muitas situações constitui um risco que
importa levar em conta.
O conhecimento das taxas de erosão costeira é importante pois permite o
estabelecimento de zonas de interdição e de zonas tampão, permitindo quantificar o
tempo de rentabilização de investimentos, por exemplo na área do lazer ou do turismo;
noutros casos o conhecimento destas taxas pode levar à deslocalização de pessoas e
bens ou ainda à construção de defesas aderentes ou destacadas, de esporões ou ao
enchimento artificial de praias. Existe pois a necessidade de quantificar a erosão
costeira e de a cartografar. Apesar desta cartografia não excluir a necessidade pontual de
estudos detalhados, constitui uma ferramenta prática e poderosa no ordenamento, na
gestão e no planeamento ambiental de zonas costeiras, sem os quais dificilmente o
desenvolvimento será sustentado.
O desenvolvimento sustentado é o desenvolvimento que vai ao encontro das
necessidades actuais mas sem comprometer a capacidade das gerações futuras verem
satisfeitas as suas próprias necessidades (WCED, 1997 in Masselink e Hughes, 2003).
Deste modo, a sustentabilidade tem de ser um atributo essencial em qualquer iniciativa
de planeamento, ordenamento e gestão territorial e ambiental.
A título de exemplo refira-se que o areal de Santa Barbara na ilha de São Miguel –
Açores – sofreu um processo de santabarbarização. Se assumirmos um valor de 40 € por
metro cúbico de areia extraída e que o lucro da exploração se cifrou em cerca de 60%
(um suposição sobrevalorizada), a riqueza gerada a partir da extracção de areia de Santa
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Barbara rondou um valor médio anual de 380000 €. Trata-se de uma quantia
surpreendentemente pequena quando comparada a mais valia, com os lucros potencias e
com os benefícios sociais que poderiam ter sido obtidos no passado, no presente e
perdurar no futuro, se em vez de ser tomada como região de empréstimo, a zona tivesse
sido de forma ponderada, desenvolvida como área de recreio e de turismo. Importa
ainda acrescentar que as propriedades ribeirinhas a este areal sofrem uma
desvalorização, resultante da perda anual de aproximadamente 600 m2 consequência da
erosão costeira instalada.
Os maus exemplos de santabarbarização e de newjersyization devem servir para que os
planeadores e decisores não cometam no futuro os mesmos erros ou semelhantes,
evitando o gasto desnecessário de recursos, contribuindo assim para um
desenvolvimento sustentado.
A ocupação do litoral pelo homem tem aumentado muito nas últimas décadas e
consequentemente a pressão antrópica sobre essa zona. Contudo, e infelizmente, este
crescimento nem sempre foi, ou é, acompanhado de uma política clara de planos de
gestão, de ordenamento e desenvolvimento sustentado do litoral enquanto recurso
natural.
Porém, nos últimos anos nos media, na opinião pública e nos governantes, a
consciencialização para a problemática da gestão real e do ordenamento do litoral como
factor fundamental para a sustentabilidade tem crescido, implicando uma multiplicação
de estudos na área da geologia costeira que tem permitido a produção de informação
fundamental para ajuizar com objectividade o valor intrínseco do litoral e permitir a
sustentabilidade e a implementação de politicas adequadas de gestão e ordenamento da
faixa costeira, para prever os impactos resultantes de qualquer intervenção nesta faixa.
Esta forma de encarar e valorizar o litoral pode, como refere Andrade (1998), produzir
no futuro um padrão de ocupação da faixa costeira que respeite os valores ambientais
desta, contribuindo para o seu desenvolvimento sustentado, o que em ilhas pequenas
onde os recursos naturais são limitados é fundamental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Lisboa, 88 pp.
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Borges, P., 2003. Ambientes litorais nos grupos Central e Oriental do arquipélago dos
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Geociências Universidade dos Açores, 413 pp (não publicado).
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Bush, D.M., Pilkey, O.H. Jr., Neal, W.J., 1996. - Living by the roles of the sea. Duke
University Press, Durham, 179 pp.
Carter, R.W.G., 1999. Coastal environments: an introduction to the physical, ecological
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Charlier, R.H., Meyer, C.P.D., 1998. Coastal erosion, response and management.
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Lennon, G., Neal, W.J., Bush, D.M., Pilkey, O.H.Jr., Stutz, M, Bullock, J., 1996. Living with the south Carolina coast. Duke University Press, Durham, 241 pp.
Masselink, G., Hughes, M.G., 2003. Introduction to coastal processes &
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Pilkey, O.H., Dixon, K.L., 1996. The Corps and de shore. Island Press, Washington
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