UNIVERSIDADE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO VIVIANE BRITO YANAGUI UNIÃO HOMOSSEXUAL - NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO LEGAL DAS RELAÇÕES AFETIVAS ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO NO BRASIL Trabalho final apresentado ao Curso de Especialização em Direito Legislativo realizado pela Universidade do Legislativo Brasileiro – UNILEGIS e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS como requisito para obtenção do título de Especialista em Direito Legislativo. Orientador: Prof. Alexandre Gazineo Brasília - 2005 RESUMO A homossexualidade já foi o mais mortal dos pecados; crime punível com pena de morte; misteriosa doença psíquica. Hoje, ao menos de forma predominante, é apenas diferença – compreendeu-se que as pessoas têm orientações sexuais diferentes. Alguns entendem a homossexualidade como uma opção, livre e consciente. Para outros, não se trata de uma escolha – visão segundo a qual a pessoa é homossexual por determinação genética, ou se torna homossexual por fatores socioambientais. Há ainda a possibilidade de ambas as explicações terem procedência. O fato é que a homossexualidade existe – e a ciência ainda não determinou de forma definitiva sua origem, suas causas. Tampouco é possível dizer se cresce ou não o número de pessoas homossexuais. O que se afirma é que aumenta o número de pessoas que assumem sua orientação sexual, constituem uniões duradouras com base em laços afetivos que em nada parecem diferir dos que sempre uniram homens e mulheres. Mundo afora, os países têm reconhecido legalmente as uniões homossexuais. No Brasil, frustrou-se uma única tentativa de legislação sobre o tema. Entretanto, a resposta que os tribunais têm dado à questão permite vislumbrar uma evolução jurisprudencial no sentido de maior reconhecimento dessas uniões. A tendência predominante na doutrina é rechaçar a analogia das uniões homossexuais com os institutos familiares existentes, como o casamento e a união estável, o que evidencia a necessidade de dispositivo legal que supra a lacuna de tutela jurídica em que vivem pessoas que – pelo simples e único fato de possuírem orientação sexual diversa da ainda considerada normal – têm subtraídos direitos e o amparo da lei. ii SUMÁRIO 1. Considerações iniciais.............................................................................................1 2. Aspectos históricos..................................................................................................2 3. Tratamento da questão no Direito Comparado........................................................7 4. Posição doutrinária em relação às uniões homossexuais.......................................9 4.1. Possibilidade de aplicação do instituto do casamento à união homossexual..................................................................................................12 4.2. Possibilidade de aplicação da união estável à união homossexual..............................................................................................................13 5. Posição jurisprudencial em relação às uniões homossexuais...............................14 6. Tentativas de regulamentação...............................................................................17 7. Conclusões.............................................................................................................22 8. Notas......................................................................................................................24 9. Referências............................................................................................................26 Anexo I.......................................................................................................................28 Anexo II......................................................................................................................31 iii iv 1. Considerações iniciais O fato social antecede o jurídico, que por sua vez é anterior à lei. Está posto, irrefutavelmente, o fato social: pessoas do mesmo sexo se unem em convivência estável, dotada de laços afetivos e objetivos de vida comum com freqüência cada vez maior. Outro fato indiscutível é que eventualmente essas uniões se desfazem, seja pelo falecimento de um dos parceiros, seja porque simplesmente a relação chegou ao fim, como acontece a todo tempo com casais heterossexuais, ditos tradicionais. Desse modo, impõe-se refletir sobre a disciplina legal possível para enfrentar a lacuna referente aos pactos homossexuais de convivência. Isso porque o início e o fim das uniões homossexuais geram efeitos no mundo jurídico, cabendo aos tribunais a tarefa de solucionar os problemas decorridos desses efeitos. Afinal, “subtrair juridicidade a um fato social implica deixar o indivíduo à margem da própria cidadania, o que não se comporta no âmbito do Estado Democrático de Direito” (DIAS, 2001, p.85). Questões como o destino dos bens de uma pessoa homossexual em união com outra, quando ela morre; o resguardo ao parceiro que permanece vivo; o direito à pensão; a partilha dos bens; a proteção aos terceiros de boa fé nos negócios jurídicos que envolvem parceiros homossexuais, como a venda de um imóvel; todas impõem respostas legais. São inúmeras as decorrências do fato social que é a união homossexual. Muitos dos países mundo afora já perceberam a necessidade urgente de elaboração de normas para reger essa união. Varia, naturalmente, a forma como entenderam regulá-la: se estender o casamento aos homossexuais, se equiparar essas uniões a uniões estáveis entre homem e mulher, se criar um instituto diverso. Independente das variações, o fato é que pessoas homossexuais têm cada vez mais resguardados seus direitos no mundo. O Brasil parece estar trilhando o mesmo caminho, apesar de não ser possível prever se ainda é longa a distância a ser percorrida até que os homossexuais tenham suas uniões legitimadas legalmente. Não há qualquer legislação a respeito no país, mas os tribunais já enfrentam a dificuldade e têm proferido decisões inovadoras nesse sentido. 1 Não se pode esquecer que se trata de um campo complexo, uma vez que interpenetrado por questões culturais, morais e religiosas profundamente arraigadas na sociedade brasileira e na Ocidental de modo geral. Já foi crime ser homossexual; ainda o é, em alguns países – notadamente os muçulmanos. É sabido que o legislador não pode querer sobrepujar uma norma ao entendimento consensual da sociedade em que atua, sob pena de cair tal regramento no limbo da ineficácia. Por outro lado não pode o mesmo legislador omitir-se de regular fatos sociais evidentes – e, não é demais lembrar – em escala crescente. 2. Aspectos históricos Extremamente díspar foi a forma como as diversas sociedades, em diferentes épocas, trataram o fenômeno da homossexualidade. Na Grécia antiga, tempo de filósofos imortais e de profusão cultural singular, eram os relacionamentos homossexuais não somente aceitos, como incentivados mediante determinadas condições. A propósito, a psicóloga Ivone M. C. Coelho de SOUZA (2001, p.103) lembra que “tão invariavelmente evocado nas crônicas, nos discursos, nos afrescos ou nas leis, o amor homossexual na Grécia da Antigüidade inspirou (...) a expressão que se cunharia como ‘amor grego’”. As relações homossexuais no mundo grego eram tidas como a iniciação de jovens homens na vida pública, tratava-se da forma como eles deixavam sua condição infantil e assumiam a masculinidade e o mundo adulto. Os povos dóricos, tal como são retratados pela história, filosofia, antropologia e outras ciências humanísticas, nas quais inclusive se destacaram, concediam-se sob o prisma da sexualidade duas vidas tão distintas quanto harmônicas. Uma decorria privada, com mulheres, fossem estas esposas, concubinas ou escravas, e exercida na intimidade do lar, convenientemente discreta, indevassável. A outra, pública, conveniente em outro sentido, era partilhada com jovens homens, aberta, alvo de prestígio e vantagens sociais. Era esta a que distinguia socialmente o cidadão e o situava em um status de prestígio, enquadrando-o nas obrigações para com a sua classe e para com a sociedade da época (SOUZA, 2001, p.105). Na Grécia Clássica (séculos VI a IV a.C.) o amor entre pessoas do mesmo sexo era considerado uma forma de relação afetiva de caráter superior. O filósofo Sócrates confessou sentir “um fogo” quando via um homem. Até Aristóteles, que considerava o homossexualismo uma “mórbida anormalidade”, defendeu em 2 sua Ética a Nicômano a idéia de que o amor e amizade são plenos somente entre os homens. Posteriormente, a civilização romana também acolheu a homossexualidade entre homens, ainda que sob a condição de não se figurar como o ente “passivo” na relação, identificado com a fragilidade e inferioridade femininas. Em Roma, mais que na Grécia, a situação diante do social podia definir a aceitação ou o rechaço ao amor entre dois homens. Se um patrício ou um homem livre submetesse um escravo, situação muito disseminada, se considerava aceito, mas isso passa a ser execrável se se deixa submeter. (...) O homossexualismo mediante determinadas condições era visto como de procedência natural, ou seja, no mesmo nível das relações entre casais, entre amantes ou de senhor e escravo. Mas, se o patrício romano, ou o simples cidadão, concedesse ser passivo para o escravo, seria definitivamente degradante (SOUZA, 2001, p.109). De acordo com José Carlos Teixeira GIORGIS (2001, p.119), a homossexualidade sempre existiu, “podendo ser encontrada nos povos primitivos, selvagens e nas civilizações mais antigas, como a romana, egípcia e assíria, (...) sendo a pederastia uma virtude castrense entre os dórios, citas e os normandos”. A forma como as relações homossexuais eram encaradas mudou radicalmente na Idade Média, época do domínio da Igreja Católica sobre governos, cultura e pensamento. “Não há indício de verdadeira homofobia na história desta Roma dos Césares, senão a surgida mais tarde, com o advento do cristianismo, herdeiro de conceitos do judaísmo” (SOUZA, 2001, pp.110 e 111). De fato, o cristianismo considerou a homossexualidade uma anomalia, um terrível pecado. Há explicações para isso, como a exposta por GIORGIS (2001, pp. 119 e 120): Alguns teólogos modernos associam a concepção bíblica de homossexualidade aos conceitos judaicos que procuram preservar o grupo étnico e, nessa linha, toda a prática sexual entre os hebreus só se poderia admitir com a finalidade de procriação, condenando-se qualquer ato sexual que desperdiçasse o sêmen; já entre as mulheres, por não haver perda seminal, a homossexualidade era reputada como mera lascívia. Com a Santa Inquisição, a penalização pela prática homossexual fica mais severa. Para a Igreja, a sodomia – então não existia o termo “homossexualismo” – era o maior dos pecados, pior até mesmo do que o incesto entre mãe e filho. A Europa, do século IV até o Renascimento, assistiu implacável perseguição não apenas aos homossexuais, tidos como graves pecadores, contrários 3 aos desígnios divinos e co-responsáveis pelos males do mundo, produtos da ira de Deus, como a todos sodomitas em geral (DAGNESE, 2000, p.16). O III Concílio de Latrão, em 1179, tornou o homossexualismo crime. As legislações dos séculos XII e XIII em geral condenavam a sodomia, inclusive com a pena de morte. No início do século XVI na Europa, irrompe o movimento religioso que veio a ser conhecido como Reforma, liderado pelo sacerdote agostiniano Martinho Lutero. A Reforma sublinha uma situação histórica relevante para a compreensão da mentalidade que presidiu os ordenamentos jurídicos europeus, e, também, os das Colônias, sendo importante verificar se originados de países latinos ou não latinos. Isso porque os ordenamentos jurídicos das nações latinas (Portugal, Espanha) refletiam e submetiam-se à tradição da igreja Católica Romana, de intolerância e massificação em nome da fé, processo do qual a Inquisição foi um elemento de destaque. Por outra parte, as nações que acolheram a Reforma tiveram mais êxito no trato de questões sociais e políticas, quando estas se interpenetravam com o terreno da fé e da religião. Lutero, a partir de 1519, sempre se manifestou sobre questões de cunho social e político. É verdade que distinguia bem entre o que era da ordem da lei e da coexistência entre os homens, âmbito no qual intervinha, se necessário, a coação da norma jurídica, e o que era da alçada da renovação interior do homem, terreno da fé e do conhecimento do Evangelho. Essa separação de campos de consideração do luteranismo permitiu que o líder dos reformistas se manifestasse sobre todos os problemas do seu tempo. Marcou posição face ao casamento, à legislação, ao comércio, destacando, sempre, que “quem luta contra o Direito, luta também contra Deus, que fixa, ordena e dá sustentação a todo direito”. Entretanto, indissociado do pensamento religioso predominante no Ocidente latino, o direito brasileiro da época criminalizava o homossexualismo, referindo-se à sodomia pela primeira vez nas Ordenações Afonsinas (promulgadas no reinado de Afonso V), publicadas em 1446. “No Livro V, Título 17 de tais ordenações aparece a pena de fogo contra a sodomia – pecado de todos o mais torpe, sujo e desonesto” (DAGNESE, 2000, p.28). 4 Seguiram-se as Ordenações Manuelinas (1521, sob o reinado de D. Manuel). “Nelas o crime de sodomia era apenado, além do fogo, com o confisco dos bens e infâmia dos filhos e descendentes, sendo crime de lesa-majestade” (idem). As Ordenações Filipinas – aplicadas por mais de dois séculos – determinaram até a sanção do Código Criminal em 1830, quando então a sodomia desapareceu da legislação pátria: Toda pessoa, de qualquer qualidade que seja, que pecado de sodomia por qualquer maneira cometer, seja queimado e feito por fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memória, e todos seus bens sejam confiscados para a Coroa de nossos Reinos, posto que tenha descendentes; e pelo mesmo caso seus filhos e netos ficarão inabilitados e infames, assim como os daqueles que cometem o crime de Lesa Majestade. E esta lei queremos que também se estenda e haja lugar nas mulheres, que umas com as outras cometem pecado contra a natureza, e da maneira que temos dito nos homens.1 Já no século XIX, com a consagração do discurso cientificista, a idéia de homossexualismo como pecado dá lugar à noção de que se trata, na verdade, de uma doença. É nessa fase que são cunhados os termos “homossexual” e “heterossexual”. O sexo então se tornara objeto de pesquisa da ciência ocidental. “Aquilo que era visto como imoralidade passou a ser tratado como doença; assim como o vício da bebedeira se transmutou na doença do alcoolismo, o pecado da sodomia foi sucedido pelo diagnóstico da perversão sexual” (RIOS, 2001, pp. 40-41). Hoje, a validade científica da idéia de homossexualismo-doença se encontra superada. Em 1985, o Código Internacional de Doenças (CID) foi revisado, mudando-se o homossexualismo, então entre os distúrbios mentais, para o capítulo dos sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais, ou seja, um desajustamento social decorrente da discriminação religiosa ou sexual. Em 1995, na última revisão, o sufixo “ismo”, que significa doença, foi substituído pelo sufixo “idade”, que designa um modo de ser, concluindo os cientistas que o fenômeno não podia mais ser sustentado enquanto diagnóstico médico. Isso porque os estudiosos entenderam que os transtornos dos homossexuais derivavam mais da discriminação e da repressão social, oriundos de um preconceito do seu desvio sexual (GIORGIS, 2001). A mudança na concepção da homossexualidade está ligada ao surgimento de grupos organizados de homossexuais, lutando por reconhecimento e 5 direitos. A década de 60 marca o nascimento do movimento gay contemporâneo, advogando pela liberdade sexual. Concomitantemente à revolução sexual, os homossexuais começaram a se aperceber de que a aceitação do sexo homossexual livre não implicaria o fim da solidão dos indivíduos da referida minoria, sem que, junto com as liberdades, códigos de comportamento ético também surgissem (DAGNESE, 2000, p.24). Atualmente, algumas correntes concebem a idéia de que a categoria “homossexual” não passa de uma construção social, criada para justificar a dominação do grupo hegemônico sobre outro considerado minoritário. A concepção da homossexualidade como construção social advoga, em última instância, a abolição das categorias homossexual/heterossexual na identificação dos sujeitos, caminho considerado apropriado para a superação da exclusão e discriminação dos indivíduos em função de suas preferências sexuais (RIOS, 2001, p.60). Segundo o historiador Morton HUNT (1994), a civilização grega, ao deslocar a questão do sentimento puro para o terreno da filosofia, teria acabado por “inventar” o amor. No entendimento deste autor, os gregos tinham uma palavra para tudo, da teoria dos átomos à metafísica. Assim, eles criaram uma palavra para designar o sentimento entre homens e mulheres. A idéia suscitada por HUNT conduz, inevitavelmente, a uma outra ordem de consideração, em tudo relacionada com o tema proposto. Se o “amor” é uma “palavra”, e esta palavra é etimologicamente estabelecida como um signo de representação para a relação “homem e mulher”, é válido sugerir que o amor heterossexual pode, em boa medida, ser considerado um mero signo cultural, uma apropriação pela palavra de uma idéia maior que, necessariamente, não se reduz à sua própria representação. Esse pensamento é reforçado quando se considera que do grego foram herdados boa parte dos termos constantes do dicionário amoroso moderno: afrodisíaco, erotismo, hermafrodita, ninfomania, poligamia e homossexualismo. Construção social ou não, a tendência atual é de crescente reconhecimento do direito do homossexual de ser o que não optou por ser, de não ser discriminado por isso e de ter seus relacionamentos reconhecidos como os têm os heterossexuais. Nesse sentido, desde 1991, a Anistia Internacional considera a proibição da homossexualidade uma violação aos direitos humanos. 6 3. Tratamento da questão no Direito Comparado As diversas nações no planeta dão diferentes tratamentos a seus cidadãos homossexuais, conforme seu grau de desenvolvimento social e cultural. Esse tratamento se reflete na esfera legal. Os diferentes ordenamentos jurídicos permitem que os países sejam “classificados” conforme o respeito à liberdade de orientação sexual. Nesse sentido, os países islâmicos e muçulmanos encontram-se no grupo de extrema repressão. Como na Idade Média, ainda lá a pena de morte é imposta à manifestação da homossexualidade, tanto masculina quanto feminina. Segundo dados da Anistia Internacional, mais de 70 países consideram a homossexualidade um crime (DIAS, 2001). Em um modelo intermediário estão os países que descriminalizaram as práticas homossexuais e proibiram medidas discriminatórias, porém não adotam iniciativas positivas. É o caso do Brasil. Nos Estados Unidos foi aprovada em 1996 uma lei “em defesa do casamento”, que permite aos Estados não aceitarem uniões entre pessoas do mesmo sexo legalizadas em outros lugares. Na contramão, o Estado de Vermont, cuja lei de 2000 reconhece explicitamente o caráter familiar das uniões homossexuais, denominadas uniões civis, valendo mencionar a expressa extensão da possibilidade de adoção. Connecticut também reconhece as uniões civis homossexuais. No Havaí o direito de homossexuais casarem-se acabou reconhecido pela Suprema Corte, fundamentado no princípio constitucional da igualdade. Somente em um Estado, Massachusetts, é autorizado desde 2004 o casamento entre casais homossexuais. No chamado modelo expandido estão os países que adotam ações afirmativas, apoiando as organizações homossexuais, notadamente os países europeus. Nesse sentido, o Parlamento Europeu emitiu em 1994 uma resolução acerca da paridade de direitos de homossexuais na União Européia, recomendando aos países membros a instituição de direitos iguais especialmente relativos a limites de idade para o consentimento no ato sexual, igualdade de oportunidades no 7 trabalho público e privado, direitos e vantagens decorrentes do casamento, regime parental e adoção. A Dinamarca foi o primeiro país a reconhecer a união de homossexuais, em 1989. Hoje, as nações nórdicas de modo geral – Dinamarca, Suécia, Noruega e Islândia – têm instituída a concepção de “parceria”, ou “convivência registrada”. Assim, casais homossexuais podem registrar seus relacionamentos, daí reconhecendo-se direitos e obrigações mútuas, de assistência moral e material. Ressalte-se que nesses países há impedimento à adoção. Porém, quem primeiro autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi a Holanda, em 2001. O same-sex marriage tem iguais direitos e deveres aos do casamento heterossexual, sendo permitida até a adoção, mas somente de crianças holandesas. Lá já vigia, desde 1998, a “parceria registrada” e o “contrato de coabitação”. Esses institutos são dirigidos a pessoas impedidas ou que não desejam casar-se, abrangendo hetero e homossexuais. Já nos países escandinavos os pactos de parceria são reservados somente aos homossexuais. Na Bélgica, a lei que autoriza os matrimônios entre homossexuais entrou em vigor no dia 1º de junho de 2003. Desde fevereiro de 2004, é aplicada aos estrangeiros. Para que uma união seja válida, basta que um dos dois cônjuges seja belga ou resida na Bélgica. Os casais homossexuais têm os mesmos direitos dos heterossexuais, especialmente em matéria de herança e de patrimônio, mas não podem adotar crianças. Em 2001 entrou em vigor na Alemanha a lei reconhecendo as uniões entre homossexuais, concedendo direitos similares aos do matrimônio tradicional, como a possibilidade de mudança de nome. Também em termos de herança, de patrimônio, de seguros de saúde ou desemprego. Porém, não concede direitos fiscais e não permite a adoção. No Canadá, uma província reconheceu, em 1997, a possibilidade de tutela e adoção por homossexuais. Em 2000, a Assembléia Nacional de Quebec aprovou uma lei regulamentando a união dos “cônjuges de fato do mesmo sexo”. A Câmara dos Comuns de Ottawa aprovou em 2005 um projeto de lei que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo e lhes concede o direito de adotar. Na Hungria, a Corte Constitucional estendeu aos homossexuais o common law marriage, semelhante à união estável brasileira, excetuando-se o 8 direito à adoção. Os húngaros aprovaram uma lei que concede o direito a herança e pensão aos casais homossexuais. Em dezembro de 2004 entrou em vigor na Inglaterra uma lei que oferece aos casais homossexuais a possibilidade de formar uma "associação civil". O parlamento aprovou em novembro de 2002 uma lei autorizando os casais homossexuais a adotarem crianças. A França foi a primeira nação católica a reconhecer legalmente a união homossexual, ao aprovar o “Pacto Civil de Solidariedade”, em 1999, dispondo sobre direitos e deveres entre casais hetero ou homossexuais, não vinculados pelo matrimônio. Assim, pessoas de mesmo sexo tiveram garantido o direito à imigração, sucessão e declaração de renda conjunta, excetuada a adoção. Na Espanha, trinta cidades registram a união civil entre pessoas do mesmo sexo – como Barcelona, Córdoba, Ibiza e Toledo. O parlamento Português aprovou em 2001 uma lei que regula as situações jurídicas de duas pessoas, independente do sexo, que vivem em “união de fato” há mais de dois anos. São assegurados direitos previdenciários e sucessórios, conquanto a adoção somente seja permitida a casais heterossexuais. Na América do Sul, desde 2003, o governo de Buenos Aires autorizou as uniões civis de casais homossexuais, tornando essa cidade a primeira latina a igualar os direitos entre casais de gays e lésbicas e casais heterossexuais. 4. Posição doutrinária em relação às uniões homossexuais Não é possível negar a existência de uniões homossexuais. Entretanto, na ausência de dispositivo legal sobre o tema, como a doutrina brasileira tem classificado essas uniões? Há divergência. Grande parte reconhece nas uniões entre pessoas do mesmo sexo meras “sociedades de fato“, restando-se a elaboração de um contrato de convivência para regular ditas sociedades. Os defensores dessa tese aludem ao Código Civil, quando, em seu art. 981, concebe a formação de contrato de sociedade entre pessoas que, reciprocamente, obrigam-se quanto à reunião de bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica. A tese encontra firmes opositores. Assim, conforme MELO (2005, p.26): 9 Se a norma acima mencionada preconiza a conjugação de capital e esforços com fim econômico, estaria sendo atribuída à relação entre homossexuais natureza de cunho friamente patrimonial, sem garantias dos direitos de família. As sociedades de fato podem ser formadas por pessoas do mesmo sexo e se enquadram no contexto do art. 981 do Código Civil e nem por isso identificam comunhão homossexual. Assim, a interpretação da convivência da relação entre homossexuais diante do dispositivo citado não encontra guarida quando considerado o desprezo da situação afetiva. Para DIAS (2001, p.93), “visualiza-se exclusivamente um vínculo negocial, como se o fim comum do contrato de sociedade não fosse uma relação afetiva com as características de uma família”. A autora entende que a atribuição de mera sociedade de fato às uniões homossexuais priva essas pessoas de direitos inerentes às relações familiares, tais como meação, herança, habitação, alimentos, benefícios previdenciários. De fato, se considerada a união homossexual como uma sociedade civil de fato, a competência para julgamento de lides dessas sociedades seria das varas cíveis comuns, e não das varas de família. “Os direitos sucessórios seriam previstos em testamentos, a partilha de bens previamente convencionada, assim como ocorre com a formação das demais sociedades” (MELO, 2005, p.29). A inadequação da idéia de sociedade de fato reside em que esta desconsidera a relação de afeto existente entre os ditos “sócios”. Problema que leva os doutrinadores a questionar se não seria possível considerar-se a união homossexual como entidade familiar. José Carlos Teixeira GIORGIS (2001, p.117) lembra a existência do entendimento ainda existente no Brasil de que, Por mais estável que seja, a união sexual entre pessoas do mesmo sexo, que morem juntas ou não, jamais se caracteriza como uma entidade familiar, o que resulta não de uma realização afetiva e psicológica dos parceiros, mas da constatação de que duas pessoas do mesmo sexo não formam um núcleo de procriação humana e de educação de futuros cidadãos. Entretanto, considerável parte da doutrina tem compreendido que a noção de família já não cabe no conceito tradicional, relacionado à “procriação humana”. A afetividade passou a ser o elemento principal quando se pensa em família. “As relações familiares impregnaram-se de maior autenticidade, (...) deixando de lado a falsidade institucionalizada e a submissão à legalidade estrita” (DIAS, 2001. p.63). Conforme GIORGIS (2001, p.139), “a família não suporta mais a estreita concepção de núcleo formado por pais e filhos, já que os laços biológicos, a 10 heterossexualidade (...) cederam lugar aos compromissos dos vínculos afetivos”. Por isso, “se a prole ou a capacidade procriativa não são essenciais para que o relacionamento de duas pessoas mereça a proteção legal, não se justifica deixar ao desabrigo do conceito de família a convivência entre pessoas do mesmo sexo” (DIAS, 2001, p.67). De fato, o modelo tradicional hierárquico e patriarcal de família vem se dissolvendo ao longo das últimas décadas. Mesmo sem legitimidade estatal, outros tipos de união começaram a surgir. Famílias formadas por pessoas saídas de outras relações aglutinaram-se em novos núcleos. Foi o direito obrigado a atualizar-se. Assim surgiu a lei do divórcio, por exemplo, e não por outro motivo a Constituição de 1988 passou a prever a igualdade de direitos entre os cônjuges e a união estável. Para RIOS (2001, p.108): O direito de família contemporâneo ruma cada vez mais para a valorização das uniões de pessoas em que se estabelece uma comunhão de vida voltada para o desenvolvimento da personalidade, mediante vínculos duradouros, sem depender mais de vínculos formais e de finalidades reprodutivas. O que importa agora é o reconhecimento da comunidade afetiva resultante da vida em comum e da conjugação de mútuos esforços, constituída da partir do entrelaçar de sexo e afeto, presentes na construção cotidiana da vida de cada um dos partícipes da relação. Se a união homossexual é uma entidade familiar, cabe interrogar de que gênero seria, e se estaria abrigada pelas disposições legais existentes. A Constituição considera a existência de três espécies de entidade familiar (art.226): as decorrentes do casamento, da união estável, e as “comunidades formadas por qualquer dos pais e seus descendentes”, as chamadas famílias monoparentais. A esse respeito, LÔBO (2002, p.3) esclarece: A interpretação dominante do art. 226 da Constituição, entre os civilistas, é no sentido de tutelar apenas os três tipos de entidades familiares, explicitamente previstos, configurando numerus clausus. Esse entendimento é encontrado tanto entre os "antigos" civilistas quanto entre os "novos" civilistas, ainda que estes deplorem a norma de clausura que teria deixado de fora os demais tipos reais, o que tem gerado soluções jurídicas inadequadas ou de total desconsideração deles. Considerando unicamente as hipóteses de entidade familiar previstas na Constituição, cabe questionar se não poderiam ser aplicadas às uniões entre pessoas do mesmo sexo, ainda que por analogia. Exclui-se, por incompatível, a hipótese de família monoparental. 11 4.1. Possibilidade de aplicação do instituto do casamento à união homossexual O casamento é uma das instituições mais antigas e tradicionais do mundo civilizado. Sua celebração preserva características milenares, envoltas em simbolismos. O perfil de família gerado por essa instituição foi construído sob moldes patriarcais e hierarquizados. Por meio do casamento a mulher se tornava relativamente capaz, era obrigada a adotar o sobrenome do marido, a quem cabia administrar os bens da família e dar a última palavra na sociedade conjugal. Incluir, pois, as uniões homossexuais nas comunidades familiares decorrentes do casamento é uma hipótese que não encontra respaldo na doutrina nem na jurisprudência nacionais. O entendimento é que a distinção dos sexos é inerente ao conceito de casamento. Assim, como explica a desembargadora Maria Berenice DIAS (2001, pp.90-91), Alguns países dispensam expressa previsão legislativa sobre o gênero dos nubentes, tendo como implícito que só possa ocorrer casamento entre pessoas de sexo diverso. Mais cautelosa é a doutrina. Praticamente todo conceito de casamento traz a expressão “entre um homem e uma mulher” como elemento essencial do instituto. Ainda, de acordo com VARELLA (2000, p.27): Todos os textos legais que o tempo nos permitiu examinar, Constituições, Códigos, Leis esparsas e demais, respeitadas as peculiares maneiras de se expressar, firmaram-se no princípio da heterossexualidade do casamento, ou seja, na união consensual entre o homem e a mulher, pessoas naturalmente de sexos diversos. Em síntese, “a doutrina, mesmo para aqueles que defendem a possibilidade de reconhecimento das relações homossexuais, é unânime ao considerar a impossibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo” (BIGI, 2003, p.426). Hoje, apesar de o quadro referente ao casamento ter se distanciado bastante do modelo original, com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, o divórcio e os direitos iguais entre cônjuges, trata-se ainda de instituição que guarda vínculos com preceitos religiosos, com o conceito tradicional de família geradora de prole. 12 4.2. Possibilidade de aplicação da união estável à união homossexual Para esse questionamento a doutrina já não dispõe de resposta unânime. Pela estrita leitura do texto normativo, não poderia uma união homossexual ser enquadrada na categoria de união estável. Em seu art. 226, § 3º, a Constituição da República dispõe: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. O Código Civil é ainda mais explícito ao determinar: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (art. 1.723). Observa-se, portanto, exigência expressa de que a união seja entre um homem e uma mulher. Porém duas ordens de respostas têm sido dadas a essa restrição. Uma sustenta a inconstitucionalidade do art. 226, § 3º, ao restringir o conceito de união estável, por ferir os princípios da dignidade humana e da igualdade. Dessa forma, para PINHEIRO (2005, p.11), o referido artigo: É norma marcadamente discriminatória, pois viola o princípio da igualdade que, no artigo 3º, inciso IV do mesmo Diploma, proíbe o preconceito e a diferenciação das pessoas em razão de seu sexo, vale dizer, de sua preferência sexual. BIGI (2003, p.429) é contra esse entendimento: Nem toda discriminação contida na lei é inconstitucional. Há que se verificar a razão lógica que existe entre a norma, no caso o art. 226, § 3º da Constituição, e o fator de discriminação. Existindo certa lógica entre um e outro, não haverá ferimento entre a norma e a discriminação feita. No caso, as relações entre pessoas do mesmo sexo escapam aos padrões de normalidade moral e natural da sociedade, sendo exceção à regra. Para o autor, o princípio da igualdade equivale a tratar desigualmente os desiguais, não podendo as relações homossexuais ser tratadas como as relações heterossexuais, por serem terem natureza distinta, uma sendo a regra – o natural – e outra, a exceção. Outra ordem de resposta inclui as uniões homossexuais no âmbito das uniões estáveis por meio de uma interpretação extensiva dos direitos fundamentais, por analogia, ou mesmo por exclusão. É como pensa DIAS (2001, p.69): 13 Se o convívio homoafetivo gera família e se esta não pode ter a forma de casamento, necessariamente há de ser a união estável. Não há outra opção. Trata-se de uma alternativa entre duas opções. Daí, é forçoso reconhecer que a união estável é um gênero que admite duas espécies: a heteroafetiva e a homoafetiva. A autora prossegue o raciocínio, dizendo que Nada justifica o estabelecimento da distinção de sexos como condição para a identificação da união estável. Dita desequiparação, arbitrária e aleatória, estabelece exigência nitidamente discriminatória. Frente à abertura conceitual levada a efeito pelo próprio legislador constituinte, nem o matrimônio nem a diferenciação dos sexos ou a capacidade procriativa servem de elemento identificador da família. Por conseqüência, de todo descabida a ressalva feita no sentido de só ver como entidade familiar a união estável entre pessoas de sexos opostos” (DIAS, 2001, p.80). Já RIOS (2001, p.123) discorda: A união estável distingue-se das uniões homossexuais precisamente em virtude do requisito da diversidade sexual entre os companheiros, expressamente consignado no texto do artigo 226, § 3º, bem como na determinação constitucional de se facilitar sua conversão em casamento, aspecto que também afasta as uniões homossexuais da união estável. Por sua vez, VARELLA (2000, pp.33-34) é conclusivo ao afirmar, em consonância com o pensamento doutrinário que parece ainda ser o dominante: No Brasil, somente uma construção hermenêutica muito sólida, fincada sobretudo no direito de igualdade, de intimidade e da vida privada, poderá vencer a crueza literal das disposições pertinentes do Texto Constitucional. Com efeito, dos parágrafos de seu art.226, não há como concluir diferente: o casamento, assim como a união estável, é formado pelo homem e pela mulher. 5. Posição jurisprudencial em relação às uniões homossexuais Posições doutrinárias à parte, é no dia-a-dia dos tribunais que a realidade se impõe. As uniões homossexuais não podem ser simplesmente esquecidas, postas de lado enquanto não se chega a um consenso sobre como discipliná-las. São fatos sociais, e como tais, carecem de tutela jurídica. Em 1998, o Superior Tribunal de Justiça2 reconheceu a existência de sociedade de fato entre dois homens, conferindo ao companheiro sobrevivente o direito à partilha dos bens adquiridos na constância de relação homossexual, pela aplicação do artigo 1.363 do antigo Código Civil. Nesse caso, a orientação sexual não alterou ou impediu a aplicação do referido artigo – princípio da igualdade. 14 Entretanto, a jurisprudência desse tribunal superior não deixa margem a outro entendimento que não o do reconhecimento puro e simples da sociedade de fato entre homossexuais, como explicita a ementa dessa outra decisão, de 20043: Competência. Relação homossexual. Ação de dissolução de sociedade de fato, cumulada com divisão de patrimônio. Inexistência de discussão acerca de direitos oriundos do Direito de Família. Competência da Vara Cível. Tratando-se de pedido de cunho exclusivamente patrimonial e, portanto, relativo ao direito obrigacional tão-somente, a competência para processá-lo e julgá-lo é de uma das Varas Cíveis. Recurso especial conhecido e provido. Também em 1998, em decisão paradigmática, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região considerou inconstitucional4 discriminação contra homossexual na vedação contratual de inclusão, como dependente em plano de saúde, de companheiro do mesmo sexo. Na ementa, o tribunal considerou que estavam preenchidos os requisitos exigidos pela lei para percepção do benefício: vida em comum, laços afetivos, divisão de despesas. Em outra decisão5, o TRF da Região Sul confirmou liminar em ação civil pública destinada a reconhecer, em todo o território nacional, direitos previdenciários a companheiros homossexuais, decisão esta fundada no princípio constitucional da igualdade. Essa decisão levou o INSS a expedir instrução normativa6 com vista a regular procedimentos a serem adotados para a concessão de pensão por morte de companheiro ou companheira homossexual em todo o território nacional. Em 2003, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região garantiu direitos previdenciários a um parceiro homossexual7, fundamentando que “a sociedade, hoje, não aceita mais a discriminação aos homossexuais. O juiz não deve abafar a revolta dos fatos contra a lei”. Passando ao âmbito estadual, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu acórdão em 19998, definindo a competência das Varas de Família da Comarca de Porto Alegre para o julgamento de demandas discutindo partilha de bens decorrente da dissolução de união entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com a ementa, “Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das varas de família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais”. 15 Em outra decisão9, o TJ gaúcho reconheceu a proteção jurídica patrimonial ao companheiro do mesmo sexo, tendo em vista o vínculo afetivo que uniu o par homossexual. Paradigmática é a ementa dessa decisão: Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados destas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em apelação cível10, foi ainda precursor ao determinar: Homossexuais. União Estável. Possibilidade Jurídica do Pedido. É possível o Processamento e o Reconhecimento de União Estável entre Homossexuais, ante Princípios Fundamentais esculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto a União Homossexual. E justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida. Já em 1999, em decisão então inédita e ainda controversa, a magistrada gaúcha Judith dos Santos Monttecy11 havia considerado como união estável o relacionamento entre parceiros do mesmo sexo. A sentença permitiu ao parceiro o recebimento de herança, por não ter o de cujus deixado descendentes. Decisão bastante polêmica foi a do Tribunal Superior Eleitoral12, dando provimento e modificando o acórdão anterior do Tribunal Regional Eleitoral do Pará. O TSE reconheceu a existência de relação afetiva estável de um casal homossexual feminino, ao negar o registro da candidatura à Prefeitura de Viseu, município do Estado do Pará, para a deputada estadual Maria Eulina Rabelo de Sousa Fernandes (PFL), por ser ela parceira da então prefeita (reeleita em 2000), Astrid Maria Cunha e Silva. De acordo com a decisão do tribunal, a deputada enquadrar-se-ia na previsão de inegibilidade do art.14 da Constituição, qual seja: 16 São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. A ementa da decisão dispôs que “os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14, § 7.º, da Constituição Federal”. Questiona-se: se a equiparação com a união estável foi considerada válida para impor restrição a parceira homossexual, por que igualmente não o seria para garantir-lhe direitos e benefícios? 6. Tentativas de regulamentação Na visão de RIOS (2001, p.127), a respeito das uniões homossexuais: Sem depender da sujeição aos tradicionais esquemas de casamento, união estável ou de concubinato, tais relações apresentam todas as notas distintivas do fenômeno humano ora juridicizado pelo direito de família. Sua concretização, iniciada pela jurisprudência, reclama a adequada intervenção legislativa, criadora de um regime jurídico familiar peculiar. O ordenamento jurídico brasileiro não criminaliza a prática de atos homossexuais e proíbe a discriminação por orientação sexual13, não se podendo falar, contudo, da instituição de ações afirmativas da diversidade com base na orientação sexual. A jurisprudência caminha no sentido do crescente reconhecimento das uniões homossexuais, mas há um limite que o juiz não pode transpor, que é o limite da lei. Assim, cabe averiguar como anda a produção legislativa a respeito do tema, ou seja, o que pensam os representantes do povo no Congresso. Uma pesquisa no “homossexual” site 14 da Câmara dos Deputados com base no argumento revela a existência de 30 proposições, entre indicações, requerimentos, projetos de lei e duas propostas de emenda à Constituição. Idêntica pesquisa no site do Senado Federal15 localizou apenas dois requerimentos, ambos de 2003. Um (1.054/2003), do senador Arthur Virgílio (PSDB/AM), pedindo ao Secretário Nacional de Direitos Humanos “informações acerca das investigações policiais em curso e versando sobre o crescimento do 17 número de assassinatos de homossexuais no país”. O segundo requerimento (1.575/2003), da senadora Ideli Salvatti (PT/SC) pede um “voto de censura do Senado Federal à iniciativa reprovável do Prefeito de Bocaiúva do Sul, Paraná, Sr. Élcio Berti, ao proibir, através de decreto municipal, ‘a concessão de moradia e a permanência fixa de qualquer elemento ligado à classe de chamados homossexuais’”. Com relação às proposições em tramitação na Câmara dos Deputados, serão listadas as mais significativas para o debate em curso. Há uma indicação (INC 4.823/2005) da Comissão de Legislação Participativa sugerindo ao Ministério da Justiça a criação de Delegacias especializadas em crimes e discriminação contra homossexuais. Há também um requerimento (REC 36/2005) de Iriny Lopes (PT/ES) e outros, para a realização de audiência pública com objetivo de avaliar a implementação do Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homossexual (Brasil sem Homofobia) e as proposições referentes à promoção dos direitos e da cidadania de gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais. Para tornar crime o preconceito ou discriminação em razão de orientação sexual há duas propostas em tramitação: PL 4.243/2004, do deputado Edson Duarte (PV/BA) e PL 5/2003, autora Iara Bernardi (PT/SP). Outros três projetos já arquivados – de anos anteriores – pretendiam o mesmo. No mesmo sentido, porém mais rigoroso, é o PL 3.817/2004, da deputada Maninha (PT/DF), que estabelece como crime hediondo o cometido contra homossexuais em razão de sua orientação sexual. Foi encontrado ainda o projeto (PL 3.770/2004) do deputado Eduardo Valverde (PT/RO), que “dispõe sobre a promoção e reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, identidade e preferência sexual”, tramitando em conjunto com o PL 5.003/2001, da deputada Iara Bernardi (PT/SP), que estabelece sanções para as empresas que discriminarem as pessoas por motivo de orientação sexual, como inabilitação para contratar com a administração pública ou ter acesso a créditos concedidos pelo Poder Público. A deputada Laura Carneiro (PFL/RJ) pretendeu com o PL 379/2003 instituir o Dia Nacional do Orgulho Gay e da Consciência Homossexual, enquanto a 18 deputada Nair Xavier Lobo (PMDB/GO) sugeriu ao Poder Executivo a criação do Conselho Nacional dos Direitos dos Homossexuais (INC 3.306/2002). A proposta de emenda à Constituição (PEC 392/2005), do deputado Paulo Pimenta (PT/RS) e outros, dá nova redação ao inciso IV do art. 3º e ao inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal, estabelecendo entre os objetivos fundamentais da República a inexistência de preconceito em relação ao estado civil, orientação sexual16, crença religiosa e deficiência; proibindo, também, a diferença salarial e a utilização desses critérios para admissão no emprego. Esta PEC tramita em conjunto com a PEC 66/2003, da deputada Maria do Rosário (PT/RS) e outros, de mesmo teor. Enfim, é possível observar, com base nas proposições legislativas em tramitação, que a grande preocupação do legislador é coibir a discriminação e o preconceito por motivo de orientação sexual. Há exceções, como o projeto de lei (PL 5.816/2005) do deputado Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP), de cunho claramente preconceituoso, que prevê “apoio psicológico às pessoas que desejarem deixar a homossexualidade”. Do mesmo deputado foi a sugestão presente no PL 2.279/2003, este já arquivado, pretendendo tornar “contravenção penal o beijo lascivo entre pessoas do mesmo sexo em público”. Outra exceção à tendência legislativa é a indicação (INC 2.478/2004), do deputado Milton Cardias (PTB/RS), sugerindo que o Ministério das Relações Exteriores parabenize e apóie o presidente dos Estados Unidos, George Bush, quanto à sua manifestação contrária ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Da análise das propostas e idéias dos congressistas brasileiros extrai-se que o país ainda está distante da maturidade de ter uma lei sobre parceria entre homossexuais. Apesar da crescente demanda nos tribunais pela solução das questões que envolvem uniões e dissoluções de uniões entre pessoas do mesmo sexo, o tema não “vingou” na pauta nacional. Dos estágios em que se encontram os países no mundo (“extrema repressão”, “modelo intermediário” e “expandido”), o Brasil parece ainda ter um longo caminho no sentido do avanço à terceira etapa, seguindo tendência mundial. Nesse sentido, é interessante observar uma tentativa de se instituir plebiscito, a fim de que ficasse a cargo do povo brasileiro decidir sobre a 19 necessidade, ou não, de legislação para regular as parcerias homossexuais. Tratase do PDC 467/2000, do deputado Inocêncio Oliveira (PFL/PE), que estabelecia “consulta plebiscitária sobre o aborto, união civil entre pessoas do mesmo sexo e a prisão perpétua por ocasião de eleições gerais de 2002”. A sugestão foi arquivada em 2003. Contudo, em meio a todas as proposições relacionadas ao tema, uma merece especial destaque: a da parceria civil registrada, não somente pela divulgação que recebeu pelos meios de comunicação face à polêmica suscitada, como também por aspectos particulares com que oferece uma solução legislativa para a legitimação das uniões homossexuais. O projeto de parceria civil registrada (PL 1.151/95)17, de autoria da exdeputada Marta Suplicy, tem como objeto regular a união entre pessoas do mesmo sexo. Foi apresentado em outubro de 1995, constando atualmente como “pronto para pauta”18. Em dezembro de 1996 a Comissão Especial designada para analisar a proposta apresentou parecer favorável, conforme substitutivo do relator, exdeputado Roberto Jefferson19. Desde então, a apreciação da matéria em plenário vem sendo adiada. “De tal ordem a polêmica que rodeia o tema, que a matéria entrou em pauta seis vezes, sem nunca ter ido a plenário. Juntaram-se as igrejas, todas as religiões e credos e empreenderam uma verdadeira cruzada contra sua aprovação” (DIAS, 2001, p. 138). A última ação constante no andamento do projeto dá conta de ter sido ele “retirado de pauta, em face de acordo entre os líderes” (31/05/2001). Denominado inicialmente de “união civil”, o projeto teve o nome alterado no substitutivo para “parceria civil registrada” – para afastar semelhança com o termo “união estável”. Assegura “a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua parceria civil registrada, visando à proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais regulados nesta lei”. Para a desembargadora Maria Berenice DIAS (2001, p.139), “a proposta legislativa tem por finalidade chancelar a vontade manifestada por duas pessoas do mesmo sexo, independente da existência de vínculo afetivo ou homossexual entre elas”. De fato, não há qualquer referência no projeto ao termo “homossexual”. Porém a justificativa deixa clara a intenção da proposta: resguardar o interesse de casais homossexuais. 20 Apesar disso, a própria então deputada Marta Suplicy, em entrevista à imprensa à época, avaliou: “este é um projeto que uma avó pode assinar com a neta, desde que, por exemplo, a avó seja viúva e a neta, solteira. Não existe a palavra homossexual no projeto. Trata-se de uma parceria civil entre pessoas do mesmo sexo” (VARELLA, 2000, p.93). Ao que tudo indica, não explicitar o termo “homossexual” no projeto de lei foi uma forma encontrada por sua autora para facilitar a aprovação do texto e do instituto pela sociedade brasileira. Ainda conforme exposto na justificativa, a união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde nem com o instituto do casamento, regulamentado pelo Código Civil brasileiro, nem com a união estável, prevista no parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal. “É mais uma relação entre particulares que, por sua relevância e especificidade, merece a proteção do Estado e do Direito”. O projeto contempla a regulação familiar e obrigacional. Apesar de não mencionar termos como “família”, “entidade familiar”, “relações familiares” ou “casamento”, prevê efeitos não-patrimoniais ao registro da parceria: direito à sucessão, benefícios previdenciários, qualidade de dependência para fins tributários, composição de renda para a aquisição de moradia e direitos obrigacionais perante planos de saúde e seguros em grupo. Na esfera pessoal, o projeto deixa aos parceiros o poder de disposição sobre coabitação, fidelidade e obrigações alimentares, bem como prevê a prioridade da curatela ao parceiro em caso de incapacidade superveniente do outro e a facilitação da aquisição da nacionalidade brasileira (RIOS, 2001). Em relação às restrições do projeto, são vedadas disposições sobre mudança de nome e alteração de estado civil durante a vigência do contrato, além de adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros – esta última incluída pelo texto substitutivo. Apesar das restrições impostas ao instituto da parceria civil, e da necessidade da criação de tal instituto para resolver as questões judiciais que envolvem parceiros homossexuais, o projeto não logrou aprovação. Dez anos se passaram desde sua apresentação e, no atual cenário político, nada indica que volte logo à pauta de discussões do Congresso. 21 7. Conclusões Urge atualizar-se o Direito de Família para conferir legitimidade jurídica a uma situação real, inquestionável e progressivamente crescente: a escala crescente de pessoas do mesmo sexo que, em busca de sua felicidade e realização pessoal, se unem em laços afetivos duradouros e estáveis. Acima de tudo, é preciso resguardar os princípios da igualdade, da dignidade humana e da intimidade, valores caros à Lei Maior do país e à convivência em sociedade. Mundo afora, os países têm encontrado formas próprias de regularizar a situação de seus cidadãos homossexuais. A corrente ruma no sentido do reconhecimento desses relacionamentos. No Brasil, houve uma tentativa, em 1995, de se seguir a tendência mundial, com o projeto de parceria civil registrada da então deputada Marta Suplicy. Porém diversos segmentos da sociedade brasileira se levantaram contra o projeto – em especial, religiosos e militares – em uma demonstração da dificuldade ainda existente no país de lidar com a diferença de orientação sexual. Enquanto a doutrina discute se as uniões homossexuais podem ser consideradas entidades familiares, o projeto de parceria civil é claro ao afirmar que não se pretendia conferir tal status às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Tentava-se, apenas, resguardar dessas pessoas os direitos à propriedade, sucessão, previdenciários e outros. Com a ressalva de que o texto da proposta em nenhum momento se refere a relações homoafetivas, abrindo a possibilidade de haver um registro de parceria entre – como exemplificou a deputada – uma neta e sua avó. Pode ser que as relações homossexuais estejam trilhando o árduo caminho percorrido pelos relacionamentos extramatrimoniais há algumas décadas. O reconhecimento legal das uniões estáveis é fruto dessa evolução no âmbito do Direito de Família. Parece, entretanto, que a distância que leva a um diploma legal ainda é extensa. Reconhecer as uniões homossexuais – ainda que de forma tímida, sem dar-lhes status de entidade familiar – é coibir injustiças relacionadas à destinação dos bens dessas pessoas e amparar parceiros que se vêem sós ao fim de seu 22 relacionamento. Não há que se pensar em “incentivo” à homossexualidade, argumento utilizado por setores religiosos e conservadores contrários à parceria civil registrada – ou instituto semelhante –; não parece sensato supor que o país verá a “proliferação” de homossexuais somente porque há uma norma legal que trate de seus direitos. Deve haver no Brasil uma lei que regule as uniões homossexuais porque legitimá-las é restituir a cidadania a milhares de pessoas que querem nada mais que ter garantida sua livre vivência de orientação sexual e afetiva. Porque em uma sociedade democrática, a diversidade humana não pode justificar exclusões sociais. 23 8. Notas 1 Excerto do Título XIII do Quinto Livro das Ordenações Filipinas (RIOS, pp.37-38). 2 No recurso especial nº 148.897-MG, relator ministro Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 10/02/1998. 3 REsp 323370 / RS; RECURSO ESPECIAL 2001/0056835-9, rel. Ministro Barros Monteiro, j. 14/12/2004. 4 Na AC nº 96.04.55333-0/RS, unânime, j. 20/08/1998. 5 Ação civil pública nº 2000.71.00.009347-0, distribuída à 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre, agravo na suspensão de execução de liminar nº 2000.04.01.0431810/RS, rel. juiz Fábio Bittencourt da Rosa. 6 Instrução Normativa nº 25, de 7 de junho de 2000. 7 Agravo de Instrumento 200301000006970 UF: MG, j. 29/4/2003, relator des. Tourinho Neto. 8 Agravo de Instrumento nº 599075496, relator des. Breno Moreira Mussi, j. 17/06/1999. 9 Apelação nº 700001388982, relatada pelo des. José Carlos Teixeira Giorgis. 10 N. 598362655, rel. Jose Ataides Siqueira Trindade, j. 01/03/2000. 11 Ação Ordinária n. 01196089682, j. 24/02/99. 12 No Recurso Especial n. 24.564/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 1.º.10.2004. 13 A Constituição da República dispõe: Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - .............. II - ............. III - ............ IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 14 Pesquisa realizada em 5 de setembro de 2005. 15 Pesquisa realizada em 9 de setembro de 2005. 24 16 Ficaria, portanto, expressa na Constituição a proibição de discriminação por orientação sexual, hoje apenas implícita no art. 3º, sob a expressão “e quaisquer outras formas de discriminação”. 17 Para inteiro teor, ver anexo I. 18 Conforme pesquisa efetuada no site da Câmara dos Deputados em 10/09/2005. 19 Ver anexo II. 25 9. Referências BIGI, José de Castro e VIANA FILHO, Flávio (colaborador). “União estável X relações homossexuais”, in ALVIM, Arruda; CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira e ROSAS, Roberto (orgs). Aspectos controvertidos do novo Código Civil – Escritos em homenagem ao ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003; DAGNESE, Napoleão. Cidadania no Armário – uma abordagem sócio-jurídica acerca da homossexualidade. São Paulo: LTr, 2000; DIAS, Maria Berenice. União homossexual – O preconceito & a justiça. 2ª ed, revisada e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001; DIAS, Maria Berenice. “Vínculos hetero e homoafetivos”, in INSTITUTO INTERDISCIPLINAR DE DIREITO DE FAMÍLIA – IDEF (coord.). Homossexualidade – discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001; FOLHA ONLINE, “Veja países que já legalizaram união homossexual”. Matéria de 26 jul. 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/turismo/noticias/ult338u5119.shtml>. 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Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6495>. Acesso em: 25 set. 2005; RIOS, Roger Raupp. A Homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Esmafe, 2001; SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. “Homossexualismo, uma instituição reconhecida em duas grandes civilizações”, in INSTITUTO INTERDISCIPLINAR DE DIREITO DE FAMÍLIA – IDEF (coord.). Homossexualidade – discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001; VARELLA, Luiz Salem. Homoerotismo no Direito Brasileiro & Universal – parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. Campinas, SP: Agá Juris Editora, 2000; 27 Anexo I Projeto de Lei nº 1.151, de 1995 Disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º - É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil, visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais assegurados nesta Lei. Art. 2º - A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais. § 1º - Os interessados e interessadas comparecerão perante os oficiais de Registro Civil exibindo: I - prova de serem solteiros ou solteiras, viúvos ou viúvas, divorciados ou divorciadas; II - prova de capacidade civil plena; III - instrumento público de contrato de união civil. § 2º - O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de união civil. Art. 3º O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. Parágrafo único - Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação do patrimônio comum. Art. 4º - A extinção da união civil ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II - mediante decretação judicial. Art. 5º - Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil: I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando desinteresse na sua continuidade. § 1º - As partes poderão requerer consensualmente a homologação judicial da extinção da união civil. 28 § 2º - O pedido judicial de extinção da união civil, de que tratam o inciso II e o § 1º deste artigo, só será admitido após decorridos 2 (dois) anos de sua constituição. Art. 6º - A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no instrumento público. Art. 7º - O registro de constituição ou extinção da união civil será averbado nos assentos de nascimento e casamento das partes. Art. 8º É crime, de ação penal pública condicionada à representação, manter o contrato de união civil a que se refere esta lei com mais de uma pessoa, ou infringir o § 2º do art. 2º. Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Art. 9º - Alteram-se os artigos da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações: "Art. 33 - Haverá em cada cartório os seguintes livros, todos com trezentas folhas cada um: (...) III - B - Auxiliar - de registro de casamento religioso para efeitos civis e contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: (...) 35 - dos contratos de união civil entre pessoas do mesmo sexo que versarem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação: (...) 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de união civil entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro." Art. 10 - O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de união civil com pessoa do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 11 - Os artigos 16 e 17 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 16 (...) 29 § 3º. Considera-se companheiro ou companheira a pessoa que, sem ser casada, mantém com o segurado ou com a segurada, união estável de acordo com o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, ou união civil com pessoa do mesmo sexo nos termos da lei. Art. 17 (...) § 2º. O cancelamento da inscrição do cônjuge e do companheiro ou companheira do mesmo sexo se processa em face de separação judicial ou divórcio sem direito a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença judicial, transitada em julgado". Art. 12 Os artigos 217 e 241 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 217. (...) c) a companheira ou companheiro designado que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei. (...) Art. 241. (...) Parágrafo único. Equipara-se ao cônjuge a companheira ou companheiro, que comprove a união estável como entidade familiar, ou união civil com pessoa do mesmo sexo, nos termos da lei." Art. 13 - No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham a união civil com pessoa do mesmo sexo. Art. 14 - São garantidos aos contratantes de união civil entre pessoas do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão regulados pela Lei nº 8.971, de 28 de novembro de 1994. Art. 15 - Em havendo perda da capacidade civil de qualquer um dos contratantes de união civil ente pessoas do mesmo sexo, terá a outra parte a preferência para exercer a curatela. Art. 16 - O inciso I do art. 113 da Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 113. (...) I - ter filho, cônjuge, companheira ou companheiro de união civil ente pessoas do mesmo sexo, brasileiro ou brasileira". Art. 17 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 18 - Revogam-se as disposições em contrário. 30 Anexo II Substitutivo adotado pela Comissão Especial ao Projeto de Lei nº 1.151, de 1995 O Congresso Nacional decreta: Art. 1º - É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua parceria civil registrada, visando à proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais assegurados nesta Lei. Art. 2º - A parceria civil registrada constitui-se mediante escritura pública e respectivo registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais na forma que segue. § 1º - Os interessados comparecerão perante os Oficiais de Registro, apresentando os seguintes documentos: I - declaração de serem solteiros, viúvos, ou divorciados; II - prova de capacidade civil absoluta, mediante apresentação de certidão de idade ou prova equivalente; III - instrumento público do contrato de parceria civil. § 2º - Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser registrada em livro próprio no Registro Civil de Pessoas Naturais. § 3º - O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do contrato de parceria civil registrada. Art. 3º O contrato de parceria civil registrada será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado e versando sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas. § 1º - Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso tenha havido concorrência para formação do patrimônio comum. § 2º - São vedadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros. Art. 4º - A extinção da parceria civil registrada ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II - mediante decretação judicial; III - de forma consensual, homologada pelo juiz. 31 Art. 5º - Qualquer das partes poderá requerer a extinção da parceria civil registrada: I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando o desinteresse na sua continuidade. Art. 6º - A sentença que homologar ou decretar a extinção da parceria civil registrada conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no contrato. Art. 7º - É nulo de pleno direito o contrato de parceria civil registrada feito com mais de uma pessoa ou quando houver infração ao § 2º do art. 2º desta lei. Parágrafo único. Ocorrendo a infração mencionada no caput, seu autor comete o crime de falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do art. 299 do Decreto-Lei nº 2.948, de 7 de dezembro de 1940. Art. 8º - Alteram-se os arts, 29, 33 e 167 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que passam a vigorar com as seguintes redações: "Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: (...) IX - Os contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. § 1º - Serão averbados: g) a sentença que homologar ou decretar a extinção da parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 33 - Haverá em cada cartório os seguintes livros: (...) VII – E de registro de contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I - o registro: (...) 35 - dos contratos de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo que versem sobre comunicação patrimonial, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer das partes, inclusive os adquiridos posteriormente à celebração do contrato. II - a averbação: (...) 14 - das sentenças de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do casamento e de extinção de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro." 32 Art. 9º - O bem imóvel próprio e comum dos contratantes de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo é impenhorável, nos termos e condições regulados pela Lei 8.009, de 29 de março de 1990. Art. 10 - Registrado o contrato de parceria civil de que trata esta Lei, o parceiro será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado. Parágrafo único. A extinção do contrato de parceria civil implica o cancelamento da inscrição a que se refere o caput deste artigo. Art. 11 - O parceiro que comprove a parceria civil registrada será considerado beneficiário da pensão prevista no art. 217, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 12 - No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através de legislação própria, os benefícios previdenciários de seus servidores que mantenham parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo. Art. 13 - São garantidos aos contratantes de parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão, nas seguintes condições: I – O parceiro sobrevivente terá direitos, desde que não firme novo contrato de parceria civil registrada, ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste; II – O parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III – Na falta de descendentes e ascendentes, o parceiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança; IV – Se os bens deixados pelo autor da herança resultarem de atividade em que haja a colaboração do parceiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens. Art. 14 – O art. 454 da Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, passa a vigorar acrescido do § 3º, com a redação que se segue, passando o atual § 3º a § 4º: “Art. 454 (...) § 3º - Havendo parceira civil registrada com pessoa do mesmo sexo, a esta se dará a curatela”. 33 Art. 15 – O art. 113 da Lei 6.815, de agosto de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 113 VI – Ter contrato de parceria civil registrada com pessoa de nacionalidade brasileira”. Art. 16 – É reconhecido aos parceiros o direito de composição de rendas para aquisição de casa própria e todos os direitos relativos a planos de saúde e segurode-grupo. Art. 17 – Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de legislação tributária. Art. 18 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 19 - Revogam-se as disposições em contrário. Sala da Comissão, em 10 de dezembro de 1996. Deputado Roberto Jefferson Relator 34 35