TARDÍGRADOS
sobreviventes no tempo e no espaço
50 μm
FICHA TÉCNICA
Edição: Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM / Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Texto: Paulo Fontoura – Fotos: Paulo Fontoura, Nuno Gomes Oliveira e João L. Teixeira / Arquivo PBG
Revisão: J. Gomes
Execução gráfi ca: Orgal Impressores
Depósito legal: 345733/12
ISBN: 978-989-96860-8-3
Tiragem: 2.500 ex.
Julho de 2012
Este folheto de divulgação dos Tardígrados foi editado por ocasião do 12th International Symposium on Tardigrada,
de 23 a 26 de julho de 2012, no Parque Biológico de Gaia, organizado pela Faculdade de Ciências da Universidade do
Porto e pelo Parque Biológico.
TARDÍGRADOS
sobreviventes no tempo e no espaço
50 μm
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Tardígrados? O que são?
Os Tardígrados são animais de pequenas dimensões (0,05 a 1,5 mm) que constituem um filo independente, aparentado com os Artrópodes (grande grupo zoológico que inclui insetos, crustáceos,
aracnídeos, miriápodes…). Os raríssimos registos fósseis de Tardígrados apontam para uma origem há cerca de 600 milhões de anos no Pré-Câmbrico.
Terão sido observados pela primeira vez em 1773 por J. A. E. Goeze, pároco duma pequena localidade alemã (Quedlinburg, Harz), que os designou “Kleiner Wasser Bär”, em português Ursinhos-de-água. O nome Tardígrado foi atribuído em 1776 por Lazzaro Spallanzani, professor de História
Natural na Universidade de Pádua, Itália, vem do latim tardus = lento + gradus = passo, tendo
sido inspirado na forma como estes animais se movimentam.
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Um tardígrado da classe Heterotardigrada. Repare-se na cutícula subdividida em placas dorsais.
Um tardígrado da classe Eutardigrada. Repare-se na cutícula lisa e no aparelho
bucal visível por transparência.
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Onde se encontram?
Conhecem-se cerca de 1000 espécies, desde formas marinhas, de água doce e limnoterrestres, isto
é, de ambientes semi-aquáticos, tais como as gotículas de água que existem em musgos, líquenes,
manta-morta, solo, etc. Podem encontrar-se em praticamente todos os locais do mundo, mesmo
aqueles em que as condições de vida são muito adversas, desde regiões secas a florestas húmidas,
altas montanhas, Antártida, etc. As formas marinhas estão presentes em todos os oceanos, desde
zonas costeiras intertidais até profundidades abissais, vivendo em sedimentos mais ou menos finos, rochas e algas. Também se podem encontrar em estuários de água salobra. Pensa-se que a dispersão dos Tardígrados deverá ser fortemente influenciada pelas correntes e ventos. Os Tardígrados alimentam-se dos fluidos celulares de bactérias, algas, outros pequenos invertebrados (como
nematodes e rotíferos), conhecendo-se apenas uma espécie marinha parasita de holotúrias.
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Foto: Nuno Gomes Oliveira
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Foto: João L. Teixeira / Arquivo PBG
Habitat típico de tardígrados limnoterrestres.
Habitat típico de tardígrados marinhos.
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Qual é o seu aspeto morfológico?
Os Tardígrados são caracterizados por possuírem um corpo robusto subdividido em cinco segmentos, o primeiro correspondente à zona cefálica, os restantes, cada um com um par de pés não
articulados, chamados lobópodes, constituem o tronco. Cada um dos oito pés termina em dedos,
discos adesivos ou garras. O corpo é coberto por uma cutícula por vezes dividida em placas ornamentadas e pigmentadas. O crescimento, tal como nos Artrópodes, dá-se por mudas (ecdysis).
Há evidências de que os Tardígrados são animais eutélicos, nome dado aos organismos em que,
durante o crescimento, não há multiplicação do número de células, mas antes um aumento do
volume de cada uma delas.
Apresentam sistema nervoso com órgãos sensíveis à luz e outras estruturas sensoriais; sistema
excretor, músculos desenvolvidos, e um aparelho digestivo completo com uma região buco-faríngea
sugadora única e muitíssimo complexa. Não têm aparelho respiratório nem sistema circulatório.
A cavidade do corpo (hemocélio) está preenchida por um fluido no qual se movimentam células
especiais, os glóbulos cavitares, que desempenham funções respiratórias, circulatórias e, eventualmente, também excretoras. O aparelho reprodutor é constituído por uma gónada ímpar colocada
dorsalmente.
Com base nas características morfológicas, o filo Tardigrada foi subdividido em três classes: HETEROTARDIGRADA, EUTARDIGRADA e MESOTARDIGRADA.
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Os Heterotardigrada são caracterizados por possuírem uma cutícula subdividida em placas; cirros
cefálicos e papilas sensoriais e, geralmente, quatro garras, dedos ou discos adesivos em cada lobópode. Nos Eutardigrada a cutícula, geralmente lisa, não é subdividida em placas, o bolbo bucal
apresenta placóides (barras cuticulares dispostas em fiadas) separados, e, em cada lobópode há
duas diplogarras (garra com dois ramos, um principal e um secundário). A classe Mesotardigrada,
com características intermédias, é hoje considerada duvidosa. Com efeito, esta classe é representada por uma única espécie descoberta em 1937 numa fonte termal no Japão. Acontece que as
preparações microscópicas usadas na descrição original se perderam e não voltaram a ser encontrados novos exemplares dessa espécie.
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Aspeto das garras de tardígrados
Quatro garras separadas típicas dos Heterotardigrada;
Diplogarras típicas dos Eutardigrada. Barra da escala = 10µm.
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Como se reproduzem?
Nos Tardígrados conhecem-se formas dióicas em que há sexos separados. Nestas formas, os machos fixam-se tenazmente às fêmeas durante a cópula com a ajuda das garras do primeiro par
de patas. Há também formas hermafroditas em que os indivíduos têm possibilidade de autofecundação, e formas partenogenéticas. Nos Tardígrados a reprodução partenogenética designa-se
telitoquia. Trata-se de uma forma muito interessante de partenogénese em que não há machos. As
fêmeas produzem ovos que não são fecundados mas dos quais se originam novas fêmeas.
Os ovos são postos isoladamente e podem ter o corion ornamentado com processos mais ou menos
complexos, ou então são depositados na velha cutícula no momento da muda. A ornamentação dos
ovos constitui uma importante ferramenta taxonómica, pois é diferente de espécie para espécie.
Por vezes os indivíduos pertencentes a duas espécies distintas são idênticos mas a ornamentação
dos ovos de cada uma dessas espécies é diferente. O desenvolvimento é direto, quer isto dizer que
não há metamorfoses, sendo os juvenis muito semelhantes aos adultos. Estes juvenis são por vezes
chamados larvas pois, relativamente aos adultos, apresentam um número mais reduzido de garras
em cada lobópode (geralmente duas em vez de quatro) e tanto o ânus como o orifício genital estão
ausentes.
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Detalhes do aparelho bucal de quatro espécies diferentes de Eutardígrados.
Barra da escala = 10µm.
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Criptobiose?
Os Tardígrados são os campeões da criptobiose. Com efeito, uma das características mais interessantes deste grupo de animais reside no facto de serem capazes de reduzir drasticamente o
metabolismo, mantendo-se num estado de dormência (anabiose) que pode chegar a uma situação
em que não se detetam sinais de atividade metabólica (criptobiose), durante períodos de tempo
em que as condições ambientais lhes são desfavoráveis. De acordo com o tipo de condição desfavorável a criptobiose pode assumir diferentes formas: Anidrobiose em resposta à secura; anoxibiose
em resposta à falta de oxigénio; osmobiose em resposta a alterações de pressão; e criobiose em
resposta a temperaturas extremamente baixas. Desta forma podem sobreviver à secura extrema,
a temperaturas da ordem de -270º C. Os Tardígrados também são capazes de resistir a altas concentrações de substâncias tóxicas (álcool absoluto, por exemplo), ao vácuo a altas radiações, etc.
Podem regressar ao estado ativo ao fim de cerca de uma dezena de anos em criptobiose (nunca os
mais de 100 anos que alguns relatos fantasiosos indicam).
São verdadeiros sobreviventes no tempo e no espaço.
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A extremidade anterior de um tardígrado (Heterotardigrada), sendo visíveis
os apêndices cefálicos e algumas estruturas sensoriais, como os olhos e a clava
(dilatação na base dos apêndices). Barra da escala = 10µm.
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Investigação futura?
Os Tardígrados constituem um grupo animal ainda muito enigmático. O estudo científico destes
animais foi, no passado, muito negligenciado. As causas para este estado de coisas residirão nas
dificuldades de estudo, sobretudo de ordem técnica, e no facto de estes animais serem aparentemente destituídos de interesse económico. Contudo, devido às suas particularidades fisiológicas,
assiste-se atualmente a um forte avanço na investigação sobre a sua biologia. Com efeito, foram-lhes reconhecidas capacidades únicas, nomeadamente ao nível da reparação do ADN, com potencial aplicação em investigação médica (oncologia e envelhecimento) e biotecnológica. É ainda
interessante referir a sua recente utilização como modelo em Astrobiologia. Estes organismos, no
âmbito do projecto TARDIS (TARDigrades In Space) e TARSE (TArdigrade Resistance to Space
Effects) da Agência Espacial Europeia, participaram em várias missões, tendo sido submetidos a
experiências sobre sobrevivência em condições extremas, em espaço aberto, tendo suportado o
vácuo, raios cósmicos e radiações ultravioletas mil vezes superiores às da Terra. Apesar destes
aspetos tão interessantes e inovadores, há ainda um árduo trabalho a desenvolver no âmbito da investigação mais tradicional, sendo inúmeras as oportunidades de investigação em domínios como
a evolução, filogenia e diversidade, a dinâmica de populações, a zoogeografia, o comportamento, a
fisiologia e bioquímica, etc.
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Diversos aspetos da ornamentação das placas dorsais em diferentes
espécies do género Echiniscus (Heterotardigrada). Barra da escala = 10µm.
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Ovos de diferentes espécies de Eutardigrada. Ovos isolados e postura na muda.
Repare-se nos diferentes tipos de ornamentação dos ovos postos isoladamente.
Num desses ovos é visível o aparelho bucal do embrião. Barra da escala = 10µm.
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