Metodologia em design design e engenharia de software: qual é a relação entre essas áreas de conhecimento? * AZEREDO PEREIRA BARRETTO, Vera Mestre em Design, Universidade Anhembi Morumbi, [email protected] CASTILHO, Kathia Doutora em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, [email protected] BARRETTO, Marcos Ribeiro Pereira Doutor Doutor em Engenharia, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, [email protected] Resumo Este artigo busca contribuir com o estudo da metodologia em design ao comparar etapas projetuais percorridas por designers de diferentes áreas e propor uma reflexão acerca do uso dos patterns de Alexander (1979), metodologia amplamente adotada pela Engenharia de software, como fator capaz de favorecer a consolidação e disseminação do conhecimento, além de incrementar a produtividade, sem quaisquer prejuízos ao processo criativo. Palavras Chave: metodologia, design, patterns. 1. Introdução Muitos pensam que o designer faz parte de um seleto grupo de profissionais constantemente abençoados com grandes “insights”. Ao contrário de graça divina, as idéias surgem a partir do repertório cultural e embasamento teórico do profissional. A criatividade é, certamente, um elemento importante na vida do designer. No entanto, deve ser colocada a serviço da solução de um problema. Não basta uma idéia brilhante, é preciso que seja viável, passível de ser projetada e executada. Deve, ainda, atender os requisitos éticos, estéticos e específicos da demanda, afinal o papel do design é, sobretudo, encontrar soluções aos problemas propostos por seus clientes – ou pela sociedade –, empregando sua capacidade intelectual e bagagem cultural nessa empreitada. Design é solução. Solução é resultado do projeto – e projeto é metodologia. É claro que quanto mais prática o profissional tem, e quanto mais simples for seu problema, mais instintivamente ele percorre os passos metodológicos e menos conta se dá de que eles existem. Podemos, porém, afirmar que a criatividade não é um dom divino proporcionado a poucos eleitos. Ela está diretamente relacionada com a formação cultural e intelectual do indivíduo, (pois toda idéia parte do que se conhece), sua capacidade de análise e analogias e as técnicas que domina, tanto para expressar suas idéias quanto para organizar o seu problema. (PERROTTA, 1995, p.98) Desenvolver uma metodologia de trabalho é tarefa árdua, mas é fundamental imprimir esse esforço para que o processo possa ser reproduzido, especialmente quando o produto do designer é desenvolvido por uma equipe. Sem um sistema abrangente capaz de descrever, organizar as etapas do processo de criação, guiar as decisões a serem tomadas, abrangendo todos os aspectos envolvidos, não há como assegurar a qualidade dos projetos elaborados, que passarão a depender tão somente de rompantes de criatividade sem assegurar a possibilidade de continuidade no desenvolvimento da produção. Um designer experiente jamais inicia o desenvolvimento de seu projeto do zero. Aproveita a experiência adquirida em trabalhos anteriormente desenvolvidos – e o aprendizado advindo de erros e de acertos –, processos esses que foram aperfeiçoados ao longo do tempo. 2 Recorrer à sua vivência, recursos intelectuais e conhecimentos adquiridos no passado é colocar sua experiência no desenvolvimento de seus projetos, conhecendo profundamente o contexto a ser atendido e o usuário final do produto; seus desejos, suas necessidades e expectativas. Se em momento algum o profissional retomasse o aprendizado, estaria perdendo a oportunidade de incrementar sua produtividade e de subtrair do projeto em lapidação parcela das chances de sucesso – ou ao menos deixando de favorecê-las. O permanente resgate da experiência aliada ao estudo de novas tecnologias para a resolução de problemas que objetivam soluções diferenciadas parece-nos uma importante associação para o desenvolvimento projetual em design. A estruturação de uma metodologia que permita a sistematização das informações e processos vivenciados, das escolhas realizadas, dos procedimentos executados, promove o conhecimento e tomada de consciência do processo de criação que se instaura nas diferentes fases do projeto em design. A prática facilmente confirma que, nas mais diversas áreas de conhecimento e particularmente na área do design, desenvolver um primeiro projeto é sempre mais difícil. Sem a experiência anterior, o designer – que certamente dispõe de uma capacitação alcançada através de estudos, de vivências e do refletir, além de sua própria vida como sujeito e usuário daquilo que existe a seu redor - não conta com conhecimentos adquiridos ao longo de uma trajetória profissional, aprendizado esse que permitiria antecipar alguns problemas no desenvolvimento de projetos. Ademais não teria em seu repertório muitas das soluções concebidas para projetos anteriores e poderiam ser utilizadas novamente, com algumas adaptações ou em outras recombinações. Da mesma forma, num terceiro projeto, o designer utiliza-se de soluções encontradas nos dois projetos anteriores, o que lhe assegura um ferramental cada vez mais complexo e sofisticado resultando em soluções de crescente qualidade. A idéia está presente nos mais variados campos de atuação: do design de produtos ao design gráfico; da literatura à arquitetura de sistemas e muitas outras áreas. 3 2. Estruturas metodológicas nas diversas áreas do design Ao analisar a metodologia aplicada ao design gráfico e ao design industrial – ou de produto, Redig (2006) o faz a partir do próprio processo projetual percorrido no desenvolvimento de seus projetos. O designer agrupa os procedimentos que fazem parte do design em cinco tipos de ação: 1) Atender – “resolver os problemas e necessidade dos usuários do produto”, através de cuidadoso levantamento de dados junto aos envolvidos no problema; compreender o usuário e seu contexto; conhecer os produtos concorrentes ou coexistentes; informar-se acerca das tecnologias industriais para optar pela tecnologia mais adequada à produção – unitária ou em série - do objeto em questão; 2) Abranger - analisar todos os aspectos do problema – questões humanas ou técnicas -, trabalhando com equipes multidisciplinares, capazes de entender e atender da forma mais abrangente possível; 3) Depurar - os esforços voltam-se para minimizar os custos produtivos e maximizar o desempenho do produto. Menciona, ainda, a preocupação em “utilizar os mesmos componentes estruturais para diferentes funções ou necessidades” –ponto que nos interessa e que retomaremos a seguir; 4) Inovar - quando fala em inovar, Redig propõe pesquisar e experimentar diferentes soluções para o mesmo problema, visando descobrir a melhor delas 5) Sedimentar - em sedimentar o designer destaca a importância do amadurecimento das idéias para o aprimoramento do projeto “a produção industrial pode ser rápida, mas sua preparação é lenta e cuidadosa” e o produto do design deve ter durabilidade. Rech (2002) aborda a metodologia aplicada ao produto de moda que, segundo a autora, é aquele que apresenta simultaneamente “as propriedades de criação (design e tendência de moda), qualidade (conceitual e física), vestibilidade, aparência e preço a partir das vontades e anseios do segmento no mercado ao qual o produto se destina” (Rech, 2002, p.37). 4 Baseada nos princípios de Slack (1997 apud Rech, 2002, p.69) Rech identifica cinco fases no desenvolvimento de produtos de moda: 1) Geração de conceito – possibilita aproximar tendências de mercado e desejos do consumidor; 2) Triagem – seleção de uma vertente – ou mais – dentre as possibilidades apontadas pelo mercado; 3) Projeto preliminar – desenhos, painéis de referência (imagens ou materiais) e estudos de viabilidade; 4) Avaliação e melhoramentos - análise do material coletado nas etapas anteriores e seleção final do material a ser utilizado; 5) Prototipagem e projeto final - finalização e acabamentos das peças selecionadas que depois de acabadas poderão ser então produzidas. Para Montemezzo (2003) – que também se ocupa da metodologia aplicada ao produto de moda - o processo de desenvolvimento parece ser ainda mais amplo e complexo uma vez que a metodologia proposta pela autora enfatiza a conduta projetual e propõe as seguintes etapas: 1) Planejamento coleta e análise de dados; 2) Especificação do projeto – delimitação do problema – síntese do universo consumidor/usuário 3) Delimitação conceitual; 4) Geração de alternativas; 5) Avaliação e elaboração – seleção das melhores alternativas e 6) Realização. 5 O mesmo acontece em outras áreas das ciências humanas como, por exemplo, na literatura. Perrotta (1995) compara o processo de criação da obra “O Nome da Rosa”, com o processo de criação em design, abrangendo: 1) Definição do problema – enunciar, de forma clara, o problema; 2) Levantamento de dados – recolher informações pertinentes ao problema enunciado; 3) Determinação de limites – delimitar o problema a partir do mapeamento e levantamento de dados; 4) Geração de alternativas para solução do problema – analisar o problema sob vários aspectos e estabelecer possíveis caminhos a serem seguidos; 5) Avaliação das alternativas – avaliar, dentre os possíveis caminhos, quais seriam os mais adequados – mais interessantes no caso de Perrotta ou, por exemplo, mais lucrativos numa questão comercial; 6) Revisão – analisar todo o universo no qual o problema está inserido e avaliar os dados coletados assegurando-se de sua acuidade e, portanto, garantindo o rigor científico necessário; 7) Detalhamento – na literatura, desenvolvimento do texto, ou detalhamento da solução e 8) Acabamento – em “O Nome da Rosa” trata-se da revisão final e ajustes, no caso de outros projetos, poderíamos chamar de testes do protótipo e desenvolvimento do projeto final 3. Como transformar experiência prática em aprendizado aprendizado As etapas processuais seguidas por designers das mais variadas áreas ganham nomes diferentes ou ainda são descritas segundo nível de detalhamento diferenciado; mas são, em essência, muito semelhantes e é possível encontrar um grande número de exemplos capazes de ilustrar essa teoria. Na realidade as metodologias descritas anteriormente seguem um método geral de conhecimento, tomada de consciência e de solução de 6 problemas que pode ser aplicado às mais diversas as áreas do conhecimento humano: medicina, engenharia, arquitetura, matemática, design e outras tantas. Percebe-se, contudo, que nenhuma das metodologias descritas anteriormente inclui uma atividade de sistematização do conhecimento. Em Engenharia, a sistematização da recuperação de informações de projetos anteriores remonta à Segunda Grande Guerra, quando foram estabelecidos os princípios de Tecnologia de Grupo (LUGGEN, 1991). O foco principal da Tecnologia de Grupo é o de buscar semelhanças entre projetos (de produtos ou de processos de fabricação) anteriormente elaborados e, a partir dessas semelhanças, encontrar soluções que possam ser aplicadas a um determinado conjunto de problemas, o que reduziria o tempo empregado no desenvolvimento de cada projeto, (HYER & WEMMERLÖV, 1984). Entretanto, foi com a Engenharia de Software e o texto fundamental de Gamma; Johnson; Helm & Vlissides (1994), conhecidos como Gof4 (Gang of 4) que este conceito tomou outra profundidade ao propor questões acerca da disseminação da informação: como documentar experiências práticas de sucesso? Como ensinar “boas práticas” aos profissionais com menor experiência? A origem das idéias da Gof4 foram os patterns1 de Alexander. Em seu trabalho, Alexander conceitua que um pattern é uma solução para um problema, dado um determinado contexto. Esta solução pode ser aplicada milhares de vezes, sem nunca se repetir. 1 Neste texto, mantém-se a expressão em inglês, “pattern”, ao invés de utilizar-se padrão ou alguma outra de suas traduções, para reforçar que se trata de um conceito que transcende o significante normalmente utilizado. Para aprofundar-se na questão, leia ALEXANDER, C.; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M.; JACOBSON, M.; FIKSDAHL-KING, I. e ANGEL, S. A Pattern Language. New York: Oxford University Press, 1977. 7 Cada pattern é composto por um tripé de forças em equilíbrio que expressa a relação entre um determinado contexto, um problema e sua solução. (…) Como um elemento no mundo, cada pattern estabelece um relacionamento entre um determinado contexto, um certo sistema de forças que ocorrem repetidamente em cada contexto e num determinado sistema de forças que ocorrem repetidamente num contexto, e uma certa configuração espacial. Como um elemento de linguagem, um pattern é uma regra, que mostra como esta configuração espacial pode ser utilizada, repetidamente, para solucionar um determinado conjunto de forças, sempre que o contexto mostrar-se relevante. (ALEXANDER, 1979) 2 O arquiteto austríaco Christopher Alexander desenvolveu a teoria dos patterns a partir da observação do trabalho de estamparia executado pela indústria de moda japonesa: como esses padrões eram aplicados para equacionar problemas de pequenos espaços (peças menores) ou de grandes espaços (peças de maior extensão). A partir dessa análise e de como as justaposições poderiam enganar o olhar humano, dificultando a percepção de repetições, Alexander extrapolou e aplicou no urbanismo e na arquitetura o conceito que aprendera com a indústria têxtil. Como enunciado por Lea (1994), um pattern deve ter as seguintes propriedades: 1) Encapsulamento (Encapsulation) – um pattern encapsula um problema completo, independente, específico e bem definido; 2) Generalidade (Generality) – um pattern deve ser de uso geral, no sentido de que deve servir tanto ao profissional mais experiente, quanto ao iniciante; 2 Each pattern is a three-part rule, which expresses a relation between a certain context, a problem, and a solution. (…) As an element in the world, each pattern is a relationship between a certain context, a certain system of forces which occurs repeatedly in that context, and a certain spatial configuration which allows these forces to resolve themselves. As an element of language, a pattern is an instruction, which shows how this spatial configuration can be used, over and over again, to resolve the given system of forces, wherever the context makes it relevant (ALEXANDER, 1977). Tradução dos autores. 8 3) Equilíbrio (Equilibrium) – um pattern identifica uma solução que equilibra as forças e as restrições. Em outras palavras, deve ser uma “boa” solução para o problema; 4) Abstração (Abstraction) – um pattern representa uma abstração da experiência empírica, do conhecimento de todo dia, embora não precise, necessariamente, ser universal; 5) Extensibilidade (Openness) – um pattern deve poder ser estendido, em graus de detalhamento menores ou maiores; 6) Composibilidade (Composability) – patterns podem compor-se em estruturas relacionadas hierarquicamente, permitindo que interajam entre si Diversas formas de relatar um pattern estão propostas na literatura. Alexander propõe o seguinte modelo: 1) Nome – um nome familiar, descritivo, que será utilizado por todos na referência. Neste sentido, um pattern é uma linguagem, por estabelecer um significante novo para um determinado termo; 2) Problema – descrição das forças relevantes e das restrições inerentes ao problema; 3) Solução – apresentação das relações estáticas e dinâmicas que descrevem como construir artefatos de acordo com o pattern. Freqüentemente, oferece uma lista de variantes e formas de ajustá-la a circunstâncias específicas. Patterns relacionados são freqüentemente citados; 4) Contexto – delineamento das situações em que o pattern se aplica. Normalmente, inclui discussões acerca das razões de existência do pattern e evidências de sua generalidade; 5) Exemplo – um exemplo de aplicação. 9 4. Um exemplo prático aplicado ao design de marca Para demonstrar a hipótese, apresenta-se dois exemplos de pattern aplicado ao design de marca. 4.1. PATTERN 1 Nome: abordagem emocional Problema: atingir um público que não reconhece a marca como potencial provedora de produtos / serviços que atendam seus anseios e necessidades. Solução: traduzir em um espaço tridimensional um ambiente familiar ao público-alvo, que contenha elementos que lhes são caros, além de estímulos sensoriais, evidenciando que a marca compreende o universo de seu público-alvo e é capaz de atuar de forma a atender suas expectativas. Contexto: Considere uma marca que venha ao longo de sua trajetória dirigindo-se a um público específico, tendo, portanto, seus valores alinhados e seu discurso adequado a esse público. Ao decidir-se por atuar num outro segmento de mercado poderia optar por uma abordagem intensiva – e mesmo invasiva – dos consumidores pertencentes ao novo grupo alvo. No entanto, sem que haja por parte dos integrantes desse grupo uma predisposição a ouvir a proposta da marca, o discurso não atingirá seus objetivos, podendo inclusive parecer falso. É preciso primeiro envolver o destinatário da comunicação, certificar-se do que realmente é importante a seus olhos, de quais são suas preocupações, anseios e expectativas para, a partir daí, construir o discurso e, de forma não invasiva, estabelecer o relacionamento. Este fato é ainda mais importante ao trabalhamos com uma marca fortemente baseada em seus aspectos relacionais e semióticos (Semprini, 2006), construindo seu discurso com base nas relações holísticas do indivíduo consigo mesmo e com a sociedade em que vive, ao invés de baseá-la na mediação produto / consumidor. 10 Nesse caso, para preservar os pilares da marca, a abordagem direta seria inadmissível, os aspectos emocionais e sensoriais ganham importância e permeiam todo o relacionamento marca/consumidor. Exemplo: Imagine, por exemplo, que uma marca fortemente identificada com o público feminino resolva lançar uma linha de produtos para o público masculino, ou para o público infantil. A abordagem direta, como a tradicionalmente adotada por muitas empresas, seria o lançamento através de uma maciça campanha publicitária. A abordagem emocional, ao contrário, indica como mais adequado à criação de um espaço de vivência, criado especificamente para o público-alvo em questão e que se configure como um ambiente familiar ao este consumidor. Pode-se ter, por exemplo, uma marca de bolsas femininas, lançando uma linha de malas e roupas esportivas. Um ambiente tridimensional poderia ser uma mini-academia ou ainda uma quadra de squash, a ser freqüentada exclusivamente pelos homens. 4.2. PATTERN 2 Nome: abordagem arquetípica Problema: atingir um público refratário ao uso de uma determinada classe de produto. Solução: adentrar o universo do público-alvo, compreender como a classe de produto pode ser nele inserida e apresentar cada produto no contexto adequado ao imaginário do segmento a ser atingido, salientando as características e situações de uso mais relevantes para os consumidores alvo, que então terão derrubado as barreiras e estarão aptos a perceberem os diferenciais do produto. Contexto: Muitas vezes o consumidor deixa de exercer suas opções por barreiras sócioculturais. Em situações como essa, enfatizar as qualidades do produto destacando toda a tecnologia empregada em seu desenvolvimento pode representar um grande desperdício de tempo e dinheiro. É preciso, antes, compreender o que está no imaginário do grupo a ser 11 atingido, entender os conceitos – e preconceitos – envolvidos no uso do produto em questão. Buscar valores aceitos sob sua ótica e identificar no produto aspectos capazes de atender a estes requisitos e incentivar a aproximação que seria seguida da conquista. Apenas depois de iniciado o relacionamento, paulatinamente, apresentar outros aspectos do produto, como benefícios adicionais aos inicialmente pactuados, ao invés de tentar mudar um comportamento para, depois, estabelecer a relação. Exemplo: Vender produto de beleza para homens ou vender cerveja para mulheres maduras. 4.3. CASE NATURA: combinando combinando patterns A Natura, empresa brasileira do segmento de cosméticos, precisava relançar a linha Sr. N, voltada ao público masculino, que ganhara novas embalagens e nova formulação. O briefing destacava como objetivos: relançar a linha de produtos Sr. N; atrair o público masculino para a Casa Natura e destacar os benefícios da nova linha de produtos, reforçando os valores da marca Natura. Logo de início, uma análise fria do processo, evidencia a marca Natura como um entrave, afinal a empresa é bastante eficiente na criação de vínculos com o público feminino, através de inúmeras linhas de produtos de higiene e cuidados pessoais. É, também, uma marca representativa para homens e mulheres de ambos os sexos com preocupações sócioambientais e que, portanto, admiram a empresa por suas práticas e políticas de responsabilidade social, ambiental e empresarial (oportunidade de uso do pattern abordagem emocional). Ademais, linha Sr. N na época de seu lançamento, em 1979, estava à frente de seu tempo: trazia produtos que, ainda hoje, despertam certa resistência junto aos homens, fato que, para além da percepção no cotidiano, foi constatado em pesquisa que analisou hábitos e 12 atitudes masculinas em relação à higiene e beleza – estudo encomendada pela Natura e realizado pela consultaria CPM Research, cujo relatório final destaca: “Atender o universo masculino no cuidar-se, não é uma tarefa nada fácil, pois ainda requer muita sutileza, um refinamento permanente tanto na escolha dos produtos, na seleção dos detalhes das embalagens, no uso das palavras, enfim, na forma de estar junto, pois a conquista desse cliente ainda está no começo, a criação de um vínculo está distante e o desconforto da masculinidade ser colocada à prova a cada passo ainda está presente.” (CPM Research, 2005). Os produtos Sr. N conquistaram muitos clientes fiéis, mas alguns produtos da linha – justamente por ainda não apresentarem grande aceitação junto ao público-alvo – foram descontinuados ao longo dos anos. Na nova linha Sr. N a fragrância, que havia fidelizado inúmeros consumidores, seria mantida. No entanto, a formulação dos produtos acompanharia os avanços tecnológicos alcançados pela indústria cosmética, o logotipo seria atualizado e a embalagem renovada. Outro aspecto a ser considerado é o fato da linha Sr. N estar ancorada em dois pilares: tradição e bem estar bem (este segundo, um valor institucional). Sem dúvida um obstáculo adicional uma vez que tradição é um valor que raramente é encontrado no universo dos jovens brasileiros e, ao contrário, é justamente entre os homens mais maduros que, em geral, detecta-se alguma valorização da tradição. O entrave é que entre os homens há uma certa resistência em assumir a preocupação – ou mesmo ocupação - os cuidados pessoais. “Ainda há preconceitos e sua masculinidade ainda passa pela demonstração fictícia de ‘desprendimento’ quanto ao cuidar-se, ser vaidoso e procurar informação sobre cuidados pessoais.”(CPM Research, 2005). Os homens ainda apóiam-se em justificativas mais racionais para cuidar-se: ao invés de beleza, sentem-se mais confortáveis em assumir a busca da saúde, do conforto, ou hábitos de limpeza / higiene, que são valores mais racionais e mesmo tidos como necessários. Este 13 comportamento é ainda mais forte justamente no grupo que teria mais aderência ao conceito de tradição, ou seja, entre homens mais maduros, acima de 45 anos. Um outro desafio seria atrair o público masculino para a Casa Natura, vencendo a barreira representada por um ambiente fortemente caracterizado pelo feminino, que foi concebido e preparado para receber e agradar mulheres de diferentes idades e classes sociais. Buscamos na pesquisa realizada oportunidades de incrementar sua aceitação e identificamos: a. Quando se trata de higiene pessoal, todos afirmam usar produtos. Contudo, na hora de assumir qualquer preocupação com selecionar esses produtos, somente os mais jovens afirmam fazê-lo. Homens acima dos 45 anos sentem-se confortáveis apenas quando relacionam o cuidar-se à saúde; b. O perfumar-se parece estar presente em várias faixas etárias e usualmente relacionado à conquista “ficar cheiroso para atrair / ser bem sucedido na conquista”; c. O barbear-se, no entanto é algo presente no cotidiano de homens de todas as classes sociais e distintas faixas etárias. Para muitos homens é o único cuidado realmente assumido, talvez por ser encarado como uma necessidade. Apesar do prazer contido nesse ato ser disfarçado por muitos, uma ligeira abertura mostrou-se uma constante: a inegável importância da “pele lisinha” – ou em linguagem mais característica do público masculino “uma barba bem feita, bem escanhoada”. Com isso, o barbear configurava-se como o caminho que ofereceria menor resistência entre os homens. Mas ainda era preciso detectar quais os elementos importantes presentes nesse ato cotidiano no imaginário masculino e como a linha Sr. N poderia inserir-se nesse contexto: a. Tradição - Aspecto que remete ao ambiente das antigas barbearias, algumas delas ainda em pleno funcionamento não apenas em São Paulo, mas também em Campinas. 14 b. Bem estar bem - O atendimento personalizado e o ambiente de camaradagem característico das barbearias antigas, além do prazer da barba bem feita, validam o caminho do barbear a moda antiga. Assim, parece estar delineada a solução a ser adotada. Combinando os patterns abordagem emocional e abordagem arquetípica, criar um ambiente inspirado nas antigas barbearias, um espaço exclusivamente masculino dedicado aos cuidados pessoais e capaz de trazer mais prazer ao ritual da barba e enfatizar os benefícios dos produtos Natura, relacionando os cuidados com a pele à saúde. A proposta era traduzir em um espaço tridimensional um momento único de cuidado pessoal e prazer no ato cotidiano do barbear-se. Um espaço exclusivamente masculino, onde os homens podem estar em sintonia com aquilo que realmente lhes interessa. Uma barbearia capaz de aliar os avanços da ciência traduzidos em modernos produtos para cuidados corporais à tradição do barbear feito com um atendimento personalizado e com o esmero “dos velhos tempos”. Para assegurar a efetividade da ação era preciso adentrar o universo masculino para compreender qual era o espaço que a barbearia ocupava em seu imaginário. Detectou-se que, tradicionalmente, a barbearia funcionava como o clássico ponto de encontro masculino. Um local onde os homens se reuniam para discutir os assuntos do dia e conversar, com as tesouras do barbeiro zunindo ao fundo. E lá falavam sobre o que realmente lhes interessa: futebol, política e mulheres. Um aspecto importante da barbearia reside justamente no fato de ser um reduto masculino onde os homens desfrutavam de um tempo só deles – um dos poucos que se permitem há muitos anos. Um outro elemento importante da barbearia é o próprio barbeiro, longe de configurar-se apenas como um hábil profissional, caracteriza-se pelo relacionamento próximo, como fosse um velho conhecido que oferece a seus clientes – a todos, sem exceção – um tratamento especial e diferenciado. 15 Há, ainda, que considerar que a maioria dos homens de hoje foi conduzido pela primeira vez à barbearia pelas mãos da figura paterna – ou de algum parente mais velho. Havia um certo orgulho nesse verdadeiro rito de passagem, a admissão num mundo só dos homens – rito este que ainda conseguimos perceber em muitas famílias, onde mesmo homens que pouco se ocupam dos cuidados com seus filhos, fazem questão de levá-los ao barbeiro, desde o primeiro corte. Identificados todos os elementos emocionais, restava elencar os aspectos concretos presentes nas barbearias. Pesquisas iconográficas possibilitaram agrupar elementos de uma barbearia antiga: cadeira do barbeiro era uma constante. A maioria original e exibindo os mais variados estados de conservação. O avental, as toalhas quentes, os pincéis de barba, os potes para espuma também sempre presentes. Os pentes de ossos quase todos substituídos por similares em plástico e a antiga navalha deu lugar a um modelo mais recente que permite o uso de lâminas descartáveis. Ao lado do barbeiro, outra figura constante nas barbearias antigas é o engraxate. Nas paredes e nas prateleiras, frascos de vidro disputam lugar com quadros que apresentam imagens de um tempo no qual a barbearia ocupava um lugar ainda mais importante no universo masculino. Na área de espera, revistas e jornais trazendo mais do que notícias, o início de uma boa conversa. Todos esses elementos reunidos, com os devidos ajustes para assegurar a adequação à verba disponível e eis que surge uma barbearia inspirada nos anos 60 em Campinas. O projeto obteve amplo sucesso. A Casa Natura recebeu, entre os dias 12 e 17 de março, 350 homens uma média de 60 homens/dia de ação. A aceitação foi tão grande que foi preciso ampliar o período e manter a barbearia aberta mais dois dias. Ao final, mais de 450 homens haviam passado pela Barbearia Natura. 16 5. Considerações finais Inúmeros autores reforçam a natureza projetual do design ao comparar a metodologia usada por designers nas mais diversas áreas. No entanto, parece que haveria um benefício substancial caso a essas metodologias fossem acrescidas preocupações e introduzidas modificações que contemplassem a documentação dos passos percorridos ao longo do desenvolvimento do projeto de forma clara e simples a ponto de possibilitar o aprendizado e sua reutilização, além de propor a reavaliação do processo à luz dos resultados alcançados – aí reside a maior diferença entre a metodologia adotada em projetos da engenharia de software em relação à dos projetos em design. A adoção da metodologia de Alexander além de incentivar o retorno ao objeto analisando com profundidade todos os aspectos envolvidos, favorece a consolidação e disseminação do conhecimento, além de permitir que a experiência adquirida no desenvolvimento de determinado projeto represente uma redução no desenvolvimento de um próximo projeto similar, sem qualquer prejuízo para a flexibilidade do processo criativo, mas com ganhos de produtividade da equipe e melhoria dos resultados alcançados. 17 6. Referências Bibliográficas ALEXANDER, C. The Timeless Way of Building. Oxford Univ. Press, 1979. CPM RESEARCH. Painel Apolo: relatório de pesquisa. São Paulo, 2005. GAMMA, Erich; JOHNSON, Robert; HELM, Richard & VLISSIDES, John. Design Patterns Elements of Reusable Object-Oriented Software. Addison Wesley Professional, 1994. LEA, D. Christopher Alexander: an introduction for object-oriented designers . ACM SIGSOFT Software Engineering Notes Volume 19 , Issue 1, pg. 39-46 . January 1994 LUGGEN, W.W. Flexible Manufacturing Cells and Systems. Prentice Hall, 1991. MONTEMEZZO, M.C.F.S.. Moda: por um fio de qualidade. Florianopolis: Editora da UDESC, 2002. PERROTTA, Isabella. O Nome da Rosa – um caso de metodologia de projeto. Estudos em Design, vol III, n.1. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 1995. RECH, Sandra R. Diretrizes Metodológicas para o projeto de produtos de moda no âmbito acadêmico. Dissertação (Mestrado em Design Industrial). Bauru, SP: Univ. Est. Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2003. REDIG, Joaquim. Design é metodologia: procedimentos próprios do dia-a-dia do designer, In: Design Método, Luiz Antonio L. Coelho (organizador), Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 2006. SEMPRINI, A. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São Paulo: Estação das Letras Editora, 2006. 18 Vera Azeredo Pereira Barretto é Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi. Especialista em Gestão Estratégica da Comunicação Integrada pela ECA-USP. É sóciadiretora da Shopfitting, empresa especializada em Visual Merchandising, Experiência de Marca e Comunicação Visual. Membro da Diretoria do POPAI Brasil – Point of Purchase Advertising International. Atua como professora de Branding e Visual Merchandising nos cursos de graduação em Negócios da Moda e Design de Marcas da Universidade Anhembi Morumbi. [[email protected]] Kathia Castilho é doutora e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Pesquisadora convidada do Grupo ETHOS: Comunicação, Comportamento e Estratégias Corporais da ECO-UFRJ e do GEMM – Estudos de Marketing de Moda – USP-SP. É professora do Mestrado em Design da Universidade Anhembi Morumbi – SP. É coordenadora da coleção de livros Moda e Comunicação da Editora Anhembi Morumbi na qual é autora do livro Moda e Linguagem. São Paulo; Anhembi Morumbi, 2004 e Discursos da Moda: semiótica, design e corpo. São Paulo:2005 e Diretora da Editora Estação das Letras em São Paulo. Marcos Ribeiro Pereira Barretto é professor doutor em Engenharia Mecânica (1993) e mestre em Engenharia Elétrica (1988) pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Atua como professor da Escola Politécnica da USP desde 1983. Em mais de 20 anos de atuação em TI realizou projetos junto à área financeira (Cetip, CIP, Bamerindus, Tecban, Investvale), industrial (Petrobrás, IBM, Viapol, Fort Knox, Fabrima, Ensec, Rigesa, Dataregis), consultoria (CONAM, Summa, Engecorps, GNK, FDTE), governamental (Departamento de Águas e Energia Elétrica/DAEE-SP, Agência Nacional da Água/ANA, Centro Tecnológico de Hidráulica/CTH, Trensurb, FEPASA, Secretaria da Educação do Estado de São Paulo), entre outras empresas. É autor de mais de 60 artigos em congressos e revistas nacionais e internacionais, além de capítulos de livros e outras publicações. 19