Metodologia em design
design e engenharia de software:
qual é a relação entre essas áreas de conhecimento?
*
AZEREDO PEREIRA BARRETTO, Vera
Mestre em Design, Universidade Anhembi Morumbi,
[email protected]
CASTILHO, Kathia
Doutora em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
[email protected]
BARRETTO, Marcos Ribeiro Pereira
Doutor Doutor em Engenharia, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo,
[email protected]
Resumo
Este artigo busca contribuir com o estudo da metodologia em design ao comparar etapas
projetuais percorridas por designers de diferentes áreas e propor uma reflexão acerca do
uso dos patterns de Alexander (1979), metodologia amplamente adotada pela Engenharia
de software, como fator capaz de favorecer a consolidação e disseminação do
conhecimento, além de incrementar a produtividade, sem quaisquer prejuízos ao processo
criativo.
Palavras Chave: metodologia, design, patterns.
1. Introdução
Muitos pensam que o designer faz parte de um seleto grupo de profissionais
constantemente abençoados com grandes “insights”. Ao contrário de graça divina, as idéias
surgem a partir do repertório cultural e embasamento teórico do profissional. A criatividade
é, certamente, um elemento importante na vida do designer. No entanto, deve ser colocada
a serviço da solução de um problema. Não basta uma idéia brilhante, é preciso que seja
viável, passível de ser projetada e executada. Deve, ainda, atender os requisitos éticos,
estéticos e específicos da demanda, afinal o papel do design é, sobretudo, encontrar
soluções aos problemas propostos por seus clientes – ou pela sociedade –, empregando
sua capacidade intelectual e bagagem cultural nessa empreitada. Design é solução.
Solução é resultado do projeto – e projeto é metodologia.
É claro que quanto mais prática o profissional tem, e quanto mais simples for seu problema,
mais instintivamente ele percorre os passos metodológicos e menos conta se dá de que eles
existem. Podemos, porém, afirmar que a criatividade não é um dom divino proporcionado a
poucos eleitos. Ela está diretamente relacionada com a formação cultural e intelectual do
indivíduo, (pois toda idéia parte do que se conhece), sua capacidade de análise e analogias e
as técnicas que domina, tanto para expressar suas idéias quanto para organizar o seu
problema. (PERROTTA, 1995, p.98)
Desenvolver uma metodologia de trabalho é tarefa árdua, mas é fundamental imprimir esse
esforço para que o processo possa ser reproduzido, especialmente quando o produto do
designer é desenvolvido por uma equipe. Sem um sistema abrangente capaz de descrever,
organizar as etapas do processo de criação, guiar as decisões a serem tomadas,
abrangendo todos os aspectos envolvidos, não há como assegurar a qualidade dos projetos
elaborados, que passarão a depender tão somente de rompantes de criatividade sem
assegurar a possibilidade de continuidade no desenvolvimento da produção.
Um designer experiente jamais inicia o desenvolvimento de seu projeto do zero. Aproveita a
experiência adquirida em trabalhos anteriormente desenvolvidos – e o aprendizado advindo
de erros e de acertos –, processos esses que foram aperfeiçoados ao longo do tempo.
2
Recorrer à sua vivência, recursos intelectuais e conhecimentos adquiridos no passado é
colocar sua experiência no desenvolvimento de seus projetos, conhecendo profundamente o
contexto a ser atendido e o usuário final do produto; seus desejos, suas necessidades e
expectativas. Se em momento algum o profissional retomasse o aprendizado, estaria
perdendo a oportunidade de incrementar sua produtividade e de subtrair do projeto em
lapidação parcela das chances de sucesso – ou ao menos deixando de favorecê-las. O
permanente resgate da experiência aliada ao estudo de novas tecnologias para a resolução
de problemas que objetivam soluções diferenciadas parece-nos uma importante associação
para o desenvolvimento projetual em design.
A estruturação de uma metodologia que
permita a sistematização das informações e processos vivenciados, das escolhas
realizadas, dos procedimentos executados, promove o conhecimento e tomada de
consciência do processo de criação que se instaura nas diferentes fases do projeto em
design.
A prática facilmente confirma que, nas mais diversas áreas de conhecimento e
particularmente na área do design, desenvolver um primeiro projeto é sempre mais difícil.
Sem a experiência anterior, o designer – que certamente dispõe de uma capacitação
alcançada através de estudos, de vivências e do refletir, além de sua própria vida como
sujeito e usuário daquilo que existe a seu redor - não conta com conhecimentos adquiridos
ao longo de uma trajetória profissional, aprendizado esse que permitiria antecipar alguns
problemas no desenvolvimento de projetos. Ademais não teria em seu repertório muitas das
soluções concebidas para projetos anteriores e poderiam ser utilizadas novamente, com
algumas adaptações ou em outras recombinações. Da mesma forma, num terceiro projeto,
o designer utiliza-se de soluções encontradas nos dois projetos anteriores, o que lhe
assegura um ferramental cada vez mais complexo e sofisticado resultando em soluções de
crescente qualidade. A idéia está presente nos mais variados campos de atuação: do design
de produtos ao design gráfico; da literatura à arquitetura de sistemas e muitas outras áreas.
3
2. Estruturas metodológicas nas diversas áreas do design
Ao analisar a metodologia aplicada ao design gráfico e ao design industrial – ou de produto,
Redig (2006) o faz a partir do próprio processo projetual percorrido no desenvolvimento de
seus projetos. O designer agrupa os procedimentos que fazem parte do design em cinco
tipos de ação:
1)
Atender – “resolver os problemas e necessidade dos usuários do produto”, através
de cuidadoso levantamento de dados junto aos envolvidos no problema;
compreender o usuário e seu contexto; conhecer os produtos concorrentes ou
coexistentes; informar-se acerca das tecnologias industriais para optar pela
tecnologia mais adequada à produção – unitária ou em série - do objeto em
questão;
2)
Abranger - analisar todos os aspectos do problema – questões humanas ou técnicas
-, trabalhando com equipes multidisciplinares, capazes de entender e atender da
forma mais abrangente possível;
3)
Depurar - os esforços voltam-se para minimizar os custos produtivos e maximizar o
desempenho do produto. Menciona, ainda, a preocupação em “utilizar os mesmos
componentes estruturais para diferentes funções ou necessidades” –ponto que
nos interessa e que retomaremos a seguir;
4)
Inovar - quando fala em inovar, Redig propõe pesquisar e experimentar diferentes
soluções para o mesmo problema, visando descobrir a melhor delas
5)
Sedimentar - em sedimentar o designer destaca a importância do amadurecimento
das idéias para o aprimoramento do projeto “a produção industrial pode ser
rápida, mas sua preparação é lenta e cuidadosa” e o produto do design deve ter
durabilidade.
Rech (2002) aborda a metodologia aplicada ao produto de moda que, segundo a autora, é
aquele que apresenta simultaneamente “as propriedades de criação (design e tendência de
moda), qualidade (conceitual e física), vestibilidade, aparência e preço a partir das vontades
e anseios do segmento no mercado ao qual o produto se destina” (Rech, 2002, p.37).
4
Baseada nos princípios de Slack (1997 apud Rech, 2002, p.69) Rech identifica cinco fases
no desenvolvimento de produtos de moda:
1)
Geração de conceito – possibilita aproximar tendências de mercado e desejos do
consumidor;
2)
Triagem – seleção de uma vertente – ou mais – dentre as possibilidades apontadas
pelo mercado;
3)
Projeto preliminar – desenhos, painéis de referência (imagens ou materiais) e
estudos de viabilidade;
4)
Avaliação e melhoramentos - análise do material coletado nas etapas anteriores e
seleção final do material a ser utilizado;
5)
Prototipagem e projeto final - finalização e acabamentos das peças selecionadas
que depois de acabadas poderão ser então produzidas.
Para Montemezzo (2003) – que também se ocupa da metodologia aplicada ao produto de
moda - o processo de desenvolvimento parece ser ainda mais amplo e complexo uma vez
que a metodologia proposta pela autora enfatiza a conduta projetual e propõe as seguintes
etapas:
1)
Planejamento coleta e análise de dados;
2)
Especificação do projeto – delimitação do problema – síntese do universo
consumidor/usuário
3)
Delimitação conceitual;
4)
Geração de alternativas;
5)
Avaliação e elaboração – seleção das melhores alternativas e
6)
Realização.
5
O mesmo acontece em outras áreas das ciências humanas como, por exemplo, na
literatura. Perrotta (1995) compara o processo de criação da obra “O Nome da Rosa”, com o
processo de criação em design, abrangendo:
1)
Definição do problema – enunciar, de forma clara, o problema;
2)
Levantamento de dados – recolher informações pertinentes ao problema enunciado;
3)
Determinação de limites – delimitar o problema a partir do mapeamento e
levantamento de dados;
4)
Geração de alternativas para solução do problema – analisar o problema sob vários
aspectos e estabelecer possíveis caminhos a serem seguidos;
5)
Avaliação das alternativas – avaliar, dentre os possíveis caminhos, quais seriam os
mais adequados – mais interessantes no caso de Perrotta ou, por exemplo, mais
lucrativos numa questão comercial;
6)
Revisão – analisar todo o universo no qual o problema está inserido e avaliar os
dados coletados assegurando-se de sua acuidade e, portanto, garantindo o rigor
científico necessário;
7)
Detalhamento – na literatura, desenvolvimento do texto, ou detalhamento da solução
e
8)
Acabamento – em “O Nome da Rosa” trata-se da revisão final e ajustes, no caso de
outros projetos, poderíamos chamar de testes do protótipo e desenvolvimento do
projeto final
3. Como transformar experiência prática em aprendizado
aprendizado
As etapas processuais seguidas por designers das mais variadas áreas ganham nomes
diferentes ou ainda são descritas segundo nível de detalhamento diferenciado; mas são, em
essência, muito semelhantes e é possível encontrar um grande número de exemplos
capazes de ilustrar essa teoria. Na realidade as metodologias descritas anteriormente
seguem um método geral de conhecimento, tomada de consciência e de solução de
6
problemas que pode ser aplicado às mais diversas as áreas do conhecimento humano:
medicina, engenharia, arquitetura, matemática, design e outras tantas.
Percebe-se, contudo, que nenhuma das metodologias descritas anteriormente inclui uma
atividade de sistematização do conhecimento. Em Engenharia, a sistematização da
recuperação de informações de projetos anteriores remonta à Segunda Grande Guerra,
quando foram estabelecidos os princípios de Tecnologia de Grupo (LUGGEN, 1991). O foco
principal da Tecnologia de Grupo é o de buscar semelhanças entre projetos (de produtos ou
de processos de fabricação) anteriormente elaborados e, a partir dessas semelhanças,
encontrar soluções que possam ser aplicadas a um determinado conjunto de problemas, o
que reduziria o tempo empregado no desenvolvimento de cada projeto, (HYER &
WEMMERLÖV, 1984).
Entretanto, foi com a Engenharia de Software e o texto fundamental de Gamma; Johnson;
Helm & Vlissides (1994), conhecidos como Gof4 (Gang of 4) que este conceito tomou outra
profundidade ao propor questões acerca da disseminação da informação: como documentar
experiências práticas de sucesso? Como ensinar “boas práticas” aos profissionais com
menor experiência?
A origem das idéias da Gof4 foram os patterns1 de Alexander. Em seu trabalho, Alexander
conceitua que um pattern é uma solução para um problema, dado um determinado contexto.
Esta solução pode ser aplicada milhares de vezes, sem nunca se repetir.
1
Neste texto, mantém-se a expressão em inglês, “pattern”, ao invés de utilizar-se padrão ou alguma
outra de suas traduções, para reforçar que se trata de um conceito que transcende o significante
normalmente utilizado.
Para aprofundar-se na questão, leia ALEXANDER, C.; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M.;
JACOBSON, M.; FIKSDAHL-KING, I. e ANGEL, S. A Pattern Language. New York: Oxford University
Press, 1977.
7
Cada pattern é composto por um tripé de forças em equilíbrio que expressa a relação entre um
determinado contexto, um problema e sua solução. (…) Como um elemento no mundo, cada
pattern estabelece um relacionamento entre um determinado contexto, um certo sistema de
forças que ocorrem repetidamente em cada contexto e num determinado sistema de forças que
ocorrem repetidamente num contexto, e uma certa configuração espacial. Como um elemento
de linguagem, um pattern é uma regra, que mostra como esta configuração espacial pode ser
utilizada, repetidamente, para solucionar um determinado conjunto de forças, sempre que o
contexto mostrar-se relevante. (ALEXANDER, 1979)
2
O arquiteto austríaco Christopher Alexander desenvolveu a teoria dos patterns a partir da
observação do trabalho de estamparia executado pela indústria de moda japonesa: como
esses padrões eram aplicados para equacionar problemas de pequenos espaços (peças
menores) ou de grandes espaços (peças de maior extensão). A partir dessa análise e de
como as justaposições poderiam enganar o olhar humano, dificultando a percepção de
repetições, Alexander extrapolou e aplicou no urbanismo e na arquitetura o conceito que
aprendera com a indústria têxtil.
Como enunciado por Lea (1994), um pattern deve ter as seguintes propriedades:
1)
Encapsulamento (Encapsulation) – um pattern encapsula um problema completo,
independente, específico e bem definido;
2)
Generalidade (Generality) – um pattern deve ser de uso geral, no sentido de que
deve servir tanto ao profissional mais experiente, quanto ao iniciante;
2
Each pattern is a three-part rule, which expresses a relation between a certain context, a problem,
and a solution. (…) As an element in the world, each pattern is a relationship between a certain
context, a certain system of forces which occurs repeatedly in that context, and a certain spatial
configuration which allows these forces to resolve themselves. As an element of language, a pattern is
an instruction, which shows how this spatial configuration can be used, over and over again, to resolve
the given system of forces, wherever the context makes it relevant (ALEXANDER, 1977). Tradução
dos autores.
8
3)
Equilíbrio (Equilibrium) – um pattern identifica uma solução que equilibra as forças e
as restrições. Em outras palavras, deve ser uma “boa” solução para o problema;
4)
Abstração (Abstraction) – um pattern representa uma abstração da experiência
empírica, do conhecimento de todo dia, embora não precise, necessariamente,
ser universal;
5)
Extensibilidade (Openness) – um pattern deve poder ser estendido, em graus de
detalhamento menores ou maiores;
6)
Composibilidade (Composability) – patterns podem compor-se em estruturas
relacionadas hierarquicamente, permitindo que interajam entre si
Diversas formas de relatar um pattern estão propostas na literatura. Alexander propõe o
seguinte modelo:
1) Nome – um nome familiar, descritivo, que será utilizado por todos na referência.
Neste sentido, um pattern é uma linguagem, por estabelecer um significante novo
para um determinado termo;
2) Problema – descrição das forças relevantes e das restrições inerentes ao problema;
3) Solução – apresentação das relações estáticas e dinâmicas que descrevem como
construir artefatos de acordo com o pattern. Freqüentemente, oferece uma lista
de variantes e formas de ajustá-la a circunstâncias específicas. Patterns
relacionados são freqüentemente citados;
4) Contexto – delineamento das situações em que o pattern se aplica. Normalmente,
inclui discussões acerca das razões de existência do pattern e evidências de sua
generalidade;
5) Exemplo – um exemplo de aplicação.
9
4. Um exemplo prático aplicado ao design de marca
Para demonstrar a hipótese, apresenta-se dois exemplos de pattern aplicado ao design de
marca.
4.1. PATTERN 1
Nome: abordagem emocional
Problema: atingir um público que não reconhece a marca como potencial provedora de
produtos / serviços que atendam seus anseios e necessidades.
Solução: traduzir em um espaço tridimensional um ambiente familiar ao público-alvo, que
contenha elementos que lhes são caros, além de estímulos sensoriais, evidenciando que a
marca compreende o universo de seu público-alvo e é capaz de atuar de forma a atender
suas expectativas.
Contexto: Considere uma marca que venha ao longo de sua trajetória dirigindo-se a um
público específico, tendo, portanto, seus valores alinhados e seu discurso adequado a esse
público. Ao decidir-se por atuar num outro segmento de mercado poderia optar por uma
abordagem intensiva – e mesmo invasiva – dos consumidores pertencentes ao novo grupo
alvo. No entanto, sem que haja por parte dos integrantes desse grupo uma predisposição a
ouvir a proposta da marca, o discurso não atingirá seus objetivos, podendo inclusive parecer
falso. É preciso primeiro envolver o destinatário da comunicação, certificar-se do que
realmente é importante a seus olhos, de quais são suas preocupações, anseios e
expectativas para, a partir daí, construir o discurso e, de forma não invasiva, estabelecer o
relacionamento. Este fato é ainda mais importante ao trabalhamos com uma marca
fortemente baseada em seus aspectos relacionais e semióticos (Semprini, 2006),
construindo seu discurso com base nas relações holísticas do indivíduo consigo mesmo e
com a sociedade em que vive, ao invés de baseá-la na mediação produto / consumidor.
10
Nesse caso, para preservar os pilares da marca, a abordagem direta seria inadmissível, os
aspectos emocionais e sensoriais ganham importância e permeiam todo o relacionamento
marca/consumidor.
Exemplo: Imagine, por exemplo, que uma marca fortemente identificada com o público
feminino resolva lançar uma linha de produtos para o público masculino, ou para o público
infantil. A abordagem direta, como a tradicionalmente adotada por muitas empresas, seria o
lançamento através de uma maciça campanha publicitária. A abordagem emocional, ao
contrário, indica como mais adequado à criação de um espaço de vivência, criado
especificamente para o público-alvo em questão e que se configure como um ambiente
familiar ao este consumidor. Pode-se ter, por exemplo, uma marca de bolsas femininas,
lançando uma linha de malas e roupas esportivas. Um ambiente tridimensional poderia ser
uma mini-academia ou ainda uma quadra de squash, a ser freqüentada exclusivamente
pelos homens.
4.2. PATTERN 2
Nome: abordagem arquetípica
Problema: atingir um público refratário ao uso de uma determinada classe de produto.
Solução: adentrar o universo do público-alvo, compreender como a classe de produto pode
ser nele inserida e apresentar cada produto no contexto adequado ao imaginário do
segmento a ser atingido, salientando as características e situações de uso mais relevantes
para os consumidores alvo, que então terão derrubado as barreiras e estarão aptos a
perceberem os diferenciais do produto.
Contexto: Muitas vezes o consumidor deixa de exercer suas opções por barreiras sócioculturais. Em situações como essa, enfatizar as qualidades do produto destacando toda a
tecnologia empregada em seu desenvolvimento pode representar um grande desperdício de
tempo e dinheiro. É preciso, antes, compreender o que está no imaginário do grupo a ser
11
atingido, entender os conceitos – e preconceitos – envolvidos no uso do produto em
questão. Buscar valores aceitos sob sua ótica e identificar no produto aspectos capazes de
atender a estes requisitos e incentivar a aproximação que seria seguida da conquista.
Apenas depois de iniciado o relacionamento, paulatinamente, apresentar outros aspectos do
produto, como benefícios adicionais aos inicialmente pactuados, ao invés de tentar mudar
um comportamento para, depois, estabelecer a relação.
Exemplo: Vender produto de beleza para homens ou vender cerveja para mulheres
maduras.
4.3. CASE NATURA: combinando
combinando patterns
A Natura, empresa brasileira do segmento de cosméticos, precisava relançar a linha Sr. N,
voltada ao público masculino, que ganhara novas embalagens e nova formulação. O briefing
destacava como objetivos: relançar a linha de produtos Sr. N; atrair o público masculino
para a Casa Natura e destacar os benefícios da nova linha de produtos, reforçando os
valores da marca Natura.
Logo de início, uma análise fria do processo, evidencia a marca Natura como um entrave,
afinal a empresa é bastante eficiente na criação de vínculos com o público feminino, através
de inúmeras linhas de produtos de higiene e cuidados pessoais. É, também, uma marca
representativa para homens e mulheres de ambos os sexos com preocupações sócioambientais e que, portanto, admiram a empresa por suas práticas e políticas de
responsabilidade social, ambiental e empresarial (oportunidade de uso do pattern
abordagem emocional).
Ademais, linha Sr. N na época de seu lançamento, em 1979, estava à frente de seu tempo:
trazia produtos que, ainda hoje, despertam certa resistência junto aos homens, fato que,
para além da percepção no cotidiano, foi constatado em pesquisa que analisou hábitos e
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atitudes masculinas em relação à higiene e beleza – estudo encomendada pela Natura e
realizado pela consultaria CPM Research, cujo relatório final destaca:
“Atender o universo masculino no cuidar-se, não é uma tarefa nada fácil, pois ainda requer
muita sutileza, um refinamento permanente tanto na escolha dos produtos, na seleção dos
detalhes das embalagens, no uso das palavras, enfim, na forma de estar junto, pois a
conquista desse cliente ainda está no começo, a criação de um vínculo está distante e o
desconforto da masculinidade ser colocada à prova a cada passo ainda está presente.” (CPM
Research, 2005).
Os produtos Sr. N conquistaram muitos clientes fiéis, mas alguns produtos da linha –
justamente por ainda não apresentarem grande aceitação junto ao público-alvo – foram
descontinuados ao longo dos anos. Na nova linha Sr. N a fragrância, que havia fidelizado
inúmeros consumidores, seria mantida. No entanto, a formulação dos produtos
acompanharia os avanços tecnológicos alcançados pela indústria cosmética, o logotipo
seria atualizado e a embalagem renovada.
Outro aspecto a ser considerado é o fato da linha Sr. N estar ancorada em dois pilares:
tradição e bem estar bem (este segundo, um valor institucional). Sem dúvida um obstáculo
adicional uma vez que tradição é um valor que raramente é encontrado no universo dos
jovens brasileiros e, ao contrário, é justamente entre os homens mais maduros que, em
geral, detecta-se alguma valorização da tradição. O entrave é que entre os homens há uma
certa resistência em assumir a preocupação – ou mesmo ocupação - os cuidados pessoais.
“Ainda há preconceitos e sua masculinidade ainda passa pela demonstração fictícia de
‘desprendimento’ quanto ao cuidar-se, ser vaidoso e procurar informação sobre cuidados
pessoais.”(CPM Research, 2005).
Os homens ainda apóiam-se em justificativas mais racionais para cuidar-se: ao invés de
beleza, sentem-se mais confortáveis em assumir a busca da saúde, do conforto, ou hábitos
de limpeza / higiene, que são valores mais racionais e mesmo tidos como necessários. Este
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comportamento é ainda mais forte justamente no grupo que teria mais aderência ao
conceito de tradição, ou seja, entre homens mais maduros, acima de 45 anos.
Um outro desafio seria atrair o público masculino para a Casa Natura, vencendo a barreira
representada por um ambiente fortemente caracterizado pelo feminino, que foi concebido e
preparado para receber e agradar mulheres de diferentes idades e classes sociais.
Buscamos na pesquisa realizada oportunidades de incrementar sua aceitação e
identificamos:
a.
Quando se trata de higiene pessoal, todos afirmam usar produtos. Contudo, na
hora de assumir qualquer preocupação com selecionar esses produtos,
somente os mais jovens afirmam fazê-lo. Homens acima dos 45 anos sentem-se
confortáveis apenas quando relacionam o cuidar-se à saúde;
b.
O perfumar-se parece estar presente em várias faixas etárias e usualmente
relacionado à conquista “ficar cheiroso para atrair / ser bem sucedido na
conquista”;
c.
O barbear-se, no entanto é algo presente no cotidiano de homens de todas as
classes sociais e distintas faixas etárias. Para muitos homens é o único cuidado
realmente assumido, talvez por ser encarado como uma necessidade. Apesar
do prazer contido nesse ato ser disfarçado por muitos, uma ligeira abertura
mostrou-se uma constante: a inegável importância da “pele lisinha” – ou em
linguagem mais característica do público masculino “uma barba bem feita, bem
escanhoada”.
Com isso, o barbear configurava-se como o caminho que ofereceria menor resistência entre
os homens. Mas ainda era preciso detectar quais os elementos importantes presentes
nesse ato cotidiano no imaginário masculino e como a linha Sr. N poderia inserir-se nesse
contexto:
a.
Tradição - Aspecto que remete ao ambiente das antigas barbearias, algumas
delas ainda em pleno funcionamento não apenas em São Paulo, mas também
em Campinas.
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b.
Bem estar bem - O atendimento personalizado e o ambiente de camaradagem
característico das barbearias antigas, além do prazer da barba bem feita,
validam o caminho do barbear a moda antiga.
Assim, parece estar delineada a solução a ser adotada. Combinando os patterns
abordagem emocional e abordagem arquetípica, criar um ambiente inspirado nas antigas
barbearias, um espaço exclusivamente masculino dedicado aos cuidados pessoais e capaz
de trazer mais prazer ao ritual da barba e enfatizar os benefícios dos produtos Natura,
relacionando os cuidados com a pele à saúde.
A proposta era traduzir em um espaço tridimensional um momento único de cuidado pessoal
e prazer no ato cotidiano do barbear-se. Um espaço exclusivamente masculino, onde os
homens podem estar em sintonia com aquilo que realmente lhes interessa. Uma barbearia
capaz de aliar os avanços da ciência traduzidos em modernos produtos para cuidados
corporais à tradição do barbear feito com um atendimento personalizado e com o esmero
“dos velhos tempos”.
Para assegurar a efetividade da ação era preciso adentrar o universo masculino para
compreender qual era o espaço que a barbearia ocupava em seu imaginário. Detectou-se
que, tradicionalmente, a barbearia funcionava como o clássico ponto de encontro masculino.
Um local onde os homens se reuniam para discutir os assuntos do dia e conversar, com as
tesouras do barbeiro zunindo ao fundo. E lá falavam sobre o que realmente lhes interessa:
futebol, política e mulheres.
Um aspecto importante da barbearia reside justamente no fato de ser um reduto masculino
onde os homens desfrutavam de um tempo só deles – um dos poucos que se permitem há
muitos anos. Um outro elemento importante da barbearia é o próprio barbeiro, longe de
configurar-se apenas como um hábil profissional, caracteriza-se pelo relacionamento
próximo, como fosse um velho conhecido que oferece a seus clientes – a todos, sem
exceção – um tratamento especial e diferenciado.
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Há, ainda, que considerar que a maioria dos homens de hoje foi conduzido pela primeira vez
à barbearia pelas mãos da figura paterna – ou de algum parente mais velho. Havia um certo
orgulho nesse verdadeiro rito de passagem, a admissão num mundo só dos homens – rito
este que ainda conseguimos perceber em muitas famílias, onde mesmo homens que pouco
se ocupam dos cuidados com seus filhos, fazem questão de levá-los ao barbeiro, desde o
primeiro corte.
Identificados todos os elementos emocionais, restava elencar os aspectos concretos
presentes nas barbearias. Pesquisas iconográficas possibilitaram agrupar elementos de
uma barbearia antiga: cadeira do barbeiro era uma constante. A maioria original e exibindo
os mais variados estados de conservação. O avental, as toalhas quentes, os pincéis de
barba, os potes para espuma também sempre presentes. Os pentes de ossos quase todos
substituídos por similares em plástico e a antiga navalha deu lugar a um modelo mais
recente que permite o uso de lâminas descartáveis.
Ao lado do barbeiro, outra figura constante nas barbearias antigas é o engraxate. Nas
paredes e nas prateleiras, frascos de vidro disputam lugar com quadros que apresentam
imagens de um tempo no qual a barbearia ocupava um lugar ainda mais importante no
universo masculino. Na área de espera, revistas e jornais trazendo mais do que notícias, o
início de uma boa conversa. Todos esses elementos reunidos, com os devidos ajustes para
assegurar a adequação à verba disponível e eis que surge uma barbearia inspirada nos
anos 60 em Campinas.
O projeto obteve amplo sucesso. A Casa Natura recebeu, entre os dias 12 e 17 de março,
350 homens uma média de 60 homens/dia de ação. A aceitação foi tão grande que foi
preciso ampliar o período e manter a barbearia aberta mais dois dias. Ao final, mais de 450
homens haviam passado pela Barbearia Natura.
16
5. Considerações finais
Inúmeros autores reforçam a natureza projetual do design ao comparar a metodologia
usada por designers nas mais diversas áreas. No entanto, parece que haveria um benefício
substancial caso a essas metodologias fossem acrescidas preocupações e introduzidas
modificações que contemplassem a documentação dos passos percorridos ao longo do
desenvolvimento do projeto de forma clara e simples a ponto de possibilitar o aprendizado e
sua reutilização, além de propor a reavaliação do processo à luz dos resultados alcançados
– aí reside a maior diferença entre a metodologia adotada em projetos da engenharia de
software em relação à dos projetos em design.
A adoção da metodologia de Alexander além de incentivar o retorno ao objeto analisando
com profundidade todos os aspectos envolvidos, favorece a consolidação e disseminação
do conhecimento, além de permitir que a experiência adquirida no desenvolvimento de
determinado projeto represente uma redução no desenvolvimento de um próximo projeto
similar, sem qualquer prejuízo para a flexibilidade do processo criativo, mas com ganhos de
produtividade da equipe e melhoria dos resultados alcançados.
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6. Referências Bibliográficas
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CPM RESEARCH. Painel Apolo: relatório de pesquisa. São Paulo, 2005.
GAMMA, Erich; JOHNSON, Robert; HELM, Richard & VLISSIDES, John. Design Patterns Elements of Reusable Object-Oriented Software. Addison Wesley Professional, 1994.
LEA, D. Christopher Alexander: an introduction for object-oriented designers . ACM
SIGSOFT Software Engineering Notes Volume 19 , Issue 1, pg. 39-46 . January 1994
LUGGEN, W.W. Flexible Manufacturing Cells and Systems. Prentice Hall, 1991.
MONTEMEZZO, M.C.F.S..
Moda: por um fio de qualidade. Florianopolis: Editora da
UDESC, 2002.
PERROTTA, Isabella. O Nome da Rosa – um caso de metodologia de projeto. Estudos
em Design, vol III, n.1. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 1995.
RECH, Sandra R. Diretrizes Metodológicas para o projeto de produtos de moda no
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Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2003.
REDIG, Joaquim. Design é metodologia: procedimentos próprios do dia-a-dia do
designer, In: Design Método, Luiz Antonio L. Coelho (organizador), Rio de Janeiro: Editora
PUC Rio, 2006.
SEMPRINI, A. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade
contemporânea. São Paulo: Estação das Letras Editora, 2006.
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Vera Azeredo Pereira Barretto é Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi.
Especialista em Gestão Estratégica da Comunicação Integrada pela ECA-USP. É sóciadiretora da Shopfitting, empresa especializada em Visual Merchandising, Experiência de
Marca e Comunicação Visual. Membro da Diretoria do POPAI Brasil – Point of Purchase
Advertising International. Atua como professora de Branding e Visual Merchandising nos
cursos de graduação em Negócios da Moda e Design de Marcas da Universidade Anhembi
Morumbi. [[email protected]]
Kathia Castilho é doutora e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
Pesquisadora convidada do Grupo ETHOS: Comunicação, Comportamento e Estratégias
Corporais da ECO-UFRJ e do GEMM – Estudos de Marketing de Moda – USP-SP. É
professora do Mestrado em Design da Universidade Anhembi Morumbi – SP. É
coordenadora da coleção de livros Moda e Comunicação da Editora Anhembi Morumbi na
qual é autora do livro Moda e Linguagem. São Paulo; Anhembi Morumbi, 2004 e Discursos
da Moda: semiótica, design e corpo. São Paulo:2005 e Diretora da Editora Estação das
Letras em São Paulo.
Marcos Ribeiro Pereira Barretto é professor doutor em Engenharia Mecânica (1993) e
mestre em Engenharia Elétrica (1988) pela Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo. Atua como professor da Escola Politécnica da USP desde 1983. Em mais de 20 anos
de atuação em TI realizou projetos junto à área financeira (Cetip, CIP, Bamerindus, Tecban,
Investvale), industrial (Petrobrás, IBM, Viapol, Fort Knox, Fabrima, Ensec, Rigesa,
Dataregis), consultoria (CONAM, Summa, Engecorps, GNK, FDTE), governamental
(Departamento de Águas e Energia Elétrica/DAEE-SP, Agência Nacional da Água/ANA,
Centro Tecnológico de Hidráulica/CTH, Trensurb, FEPASA, Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo), entre outras empresas. É autor de mais de 60 artigos em congressos
e revistas nacionais e internacionais, além de capítulos de livros e outras publicações.
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