Impasse nas Negociações entre Mercosul e União Européia
Carol Proner*
A suspensão das negociações entre Mercosul e União Européia para a construção de um acordo de
livre comércio, no último dia 12 de agosto, frustra não apenas as expectativas de ganhos futuros com “acesso
a mercados” (dois bilhões de dólares, segundo estimativa da Confederação Nacional de Agricultura e
Pecuária, CNA), mas também o sentimento de otimismo gerado pelo exercício negociador da equipe
brasileira nas semanas anteriores.
A repentina mudança de rumo dos negociadores europeus pode ser avaliada como contraditória,
considerando-se os avanços do acordo de 1º de agosto, embora não se possa encarar como motivo de surpresa
se a análise considerar, além dos principais interesses daqueles países, a reiterada prática da UE de excluir ou
de protelar a abertura de mercados em áreas sensíveis, mantendo, ao mesmo tempo, um equilíbrio induzido
em seus mercados por meio de protecionismos.
No entanto, o negociador-chefe da Comunidade Européia, Karl Falkenberg, atribuiu a
responsabilidade pelo fracasso nas negociações ao Mercosul que, segundo o mesmo negociador, além de
manter-se inflexível, não apresentou propostas concretas e melhoradas nas demais áreas de interesse
(serviços, investimentos, compras governamentais e bens industriais). Falkenberg também afirmou que a UE
“não fez nenhuma oferta”, referindo-se ao setor agrícola.
As negociações terão seguimento nos meses de setembro e outubro, mas o impasse vai além de um
cronograma. Produz-se uma relação de desconfiança com a aparente disponibilidade do continente europeu
em abrir suas fronteiras para os produtos agrícolas. Mesmo assim, o resultado inexpressivo deve ser tomado
como um “exercício de soberania” por parte dos países do Mercosul.
Contrariando a opinião de alguns analistas da pós-modernidade, para os quais o Estado-nação está
em franca decadência, a força dos grupos de negociação (G-20 e G-90 no caso da agricultura) unidos por
interesses comuns e, muitas vezes, contra-hegemônicos revela outra lógica. Ainda que concessões em áreas
sensíveis aos países desenvolvidos impliquem contrapartida em áreas nevrálgicas para países em
desenvolvimento (como serviços, investimentos e propriedade intelectual) o foro multilateral tem se revelado
como espaço mais seguro quando comparado a outros espaços, como acordos bilaterais ou setoriais de
comércio, nos quais existe maior possibilidade de exercícios unilaterais e práticas protecionistas por Estados
desenvolvidos.
Em tal processo, o Brasil se destaca. O trabalho de construção de liderança continental apresenta-se
como marca registrada do atual governo. O acordo sobre agricultura (firmado em 1º de agosto) e as vitórias
contra a União Européia no caso do açúcar e contra os Estados Unidos no caso dos subsídios ao algodão
revelam capacidade negociadora de um Estado que busca – no lugar de protecionismos – defender seus
interesses com base tanto nos princípios do multilateralismo quanto nas cláusulas fundamentais de comércio,
como cláusula do tratamento nacional e cláusula da nação mais favorecida.
Além da difícil tarefa de manter abertas as portas da Europa aos produtos agrícolas, a liderança do
país será efetivamente testada quando se colocar em exercício a capacidade brasileira de encontrar vias de
cooperação e consenso entre os países do Mercosul, em especial em relação à Argentina, com o firme
empenho de amenizar rivalidades comerciais a fim de promover uma integração estratégica e determinante
para o desenvolvimento da América Latina.
*
Professora de Relações Internacionais e Direitos Humanos da UNIBRASIL. [email protected]
Download

Impasse nas Negociações entre Mercosul e União Européia Carol