EDUCAÇÃO ENTRE PARES: UM DEBATE Educação entre pares para a formação de líderes de opinião popular e prevenção do HIV: solucionando resultados discrepantes e implicações para o desenvolvimento de programas comunitários eficazes J. A. Kelly1 CAIR – Center for AIDS Intervention Research (Centro de Pesquisa para a Intervenção da Aids), Escola de Medicina de Wisconsin, Milwaukee, Wisconsin, EUA Resumo Uma série de ensaios em nível comunitário realizados nos Estados Unidos nos últimos 10 anos, estabeleceu a eficácia de uma intervenção para a prevenção do HIV que sistematicamente identifica, recruta, treina e engaja líderes de opinião popular (LOP) de uma população para atuar no apoio a mudanças comportamentais. Recentemente, vários pesquisadores relataram fracassos em suas tentativas de implantar programas de educação entre pares para homens que fazem sexo com homens, no Reino Unido, questionando a eficácia e viabilidade desses programas. O LOP, no entanto, é uma intervenção extremamente especializada, com fundamentação teórica, e os programas de educação entre pares implantados no Reino Unido não incorporaram diversos elementos centrais ou essenciais. Por conseqüência, não eram avaliações do LOP. Neste artigo, apresentam-se os elementos centrais do modelo do líder de opinião popular; são feitas interpretações sobre as possíveis razões para os resultados discrepantes entre a educação entre pares no Reino Unido e as intervenções LOP nos Estados Unidos, e são discutidas questões práticas para o desenvolvimento do programa. Introdução Intervenções comunitárias que sejam capazes de reduzir a prevalência de comportamentos sexuais de alto risco em populações vulneráveis são essenciais para as nossas tentativas de prevenir a transmissão do HIV (Kelly, 1999). Um dos programas comunitários que a literatura mostrou ser eficaz é conhecido como abordagem do “líder de opinião popular” (LOP). O LOP utiliza técnicas etnográficas para sistematicamente identificar membros populares e socialmente influentes da população alvo, recrutá-los e treiná-los para comunicar mensagens de apoio para a redução do risco de infecção pelo HIV a seus pares durante conversas rotineiras, e trabalhar junto com eles para sustentar as atividades de advocacia da prevenção do HIV. Baseado na teoria da difusão social (Rogers, 1983), esse modelo de intervenção parte da premissa de que a mudança comportamental de uma população pode ser iniciada e “difundida” se uma quantidade suficiente de líderes de opinião naturais e influentes dessa população adotar, endossar e apoiar visivelmente um comportamento inovador. Em essência, os líderes de opinião alteram as normas referentes a sexo seguro, facilitando aos demais iniciar e manter mudanças de comportamento para redução de risco. No caso da prevenção do HIV, as mudanças comportamentais incluem usar camisinha e evitar atividades sexuais de alto risco. A teoria da difusão da inovação e a influência dos líderes de opinião no estabelecimento de novas tendências comportamentais foram objetos de extensos estudos nas últimas décadas e os programas baseados nessa abordagem também foram usados amplamente e com sucesso na agricultura, no marketing e em áreas relativas a desenvolvimento de comunidades (Rogers, 1983). Mais recentemente, as intervenções com líderes de opinião foram adaptadas para a prevenção do HIV. Vários estudos demonstraram que as intervenções baseadas no modelo LOP podem reduzir a prevalência e frequência de comportamentos sexuais de alto risco em populações de homens que frequentam bares gay em pequenas cidades norte-americanas, em geral reduzindo os níveis de comportamento de risco em cerca de 30% (Kelly et al., 1991, 1992, 1997). Os mesmos resultados foram reproduzidos em vários ensaios com diferentes comunidades, incluindo um grande estudo aleatório que envolveu múltiplas cidades (Kelly Endereço para correspondência: Jeffrey A. Kelly, PhD, Center for AIDS Intervention Research (CAIR), Department of Psychiatry and Behavioral Medicine, Medical College of Wisconsin, 2071 N. Summit Avenue, Milwaukee, WI 53202, EUA. Tel: +1 414 456 7700; Fax: +1 414 287 4209; e-mail: [email protected]. Educação entre Pares: um debate 1 et al., 1997). Nesse último estudo, ocorreram reduções significativas na frequência média de sexo anal desprotegido (de 1,68 ocorrências nos últimos 2 meses na pesquisa inicial para 0,59 na pesquisa de acompanhamento realizada após um ano) e aumento da proporção de sexo anal com camisinha (de 45% para 67%), de acordo com os resultados envolvendo grandes amostras de homens de bares gays onde a intervenção LOP foi realizada. Nas cidades controle da pesquisa, onde apenas os materiais educativos sobre a aids foram distribuídos, não se observaram mudanças comportamentais. Além dos estudos especificamente desenvolvidos para avaliar o modelo LOP, as intervenções que incluíram o recrutamento e treinamento de líderes de opinião popular como parte do programa produziram resultados similares com relação a mudanças comportamentais, conforme estudos na comunidade realizados com mulheres de áreas urbanas (Sikkema et al., 2000), homens profissionais do sexo (Miller et al., 1998) e homens jovens gays (Kegeles et al., 1996). Recentemente, vários programas de educação entre pares direcionados a homens gays no Reino Unido relataram não ter havido resultados positivos quanto à redução nos comportamentos sexuais de alto risco em nível de população. Estão incluídos nesses programas um projeto realizado com homens gays em cinco academias de ginástica em Londres (Elford et al., 2001, 2002b) e um estudo conduzido em bares gays em Glasgow e Edimburgo, Escócia (Flowers et al., 2002). Os estudos norte-americanos analisaram os resultados referentes ao sexo anal desprotegido com parceiros do sexo masculino nos últimos 2 meses, enquanto que os estudos ingleses observaram resultados de comportamentos de risco com parceiros casuais ou cujo status sorológico era desconhecido, durante os últimos 3 a 12 meses. Ao contrário dos resultados positivos encontrados nos estudos norte-americanos, as pesquisas pré e pós-intervenção dos frequentadores dos bares e academias nos projetos ingleses não apresentaram mudança dos comportamentos sexuais de risco; assim, os autores concluíram que os programas com base em pares não foram eficazes nas circunstâncias em que foram testados. Embora cada um dos estudos ingleses tenha citado extensivamente a literatura sobre a teoria da difusão social (Rogers, 1983) e o modelo do líder de opinião popular (Kelly et al., 1991, 1992, 1997) como bases para o desenvolvimento das intervenções, nenhum deles é representativo de testes verdadeiros ou adequados da intervenção LOP e de sua fundamentação conceitual. Na intervenção realizada por Flowers et al., um número pequeno de homens e mulheres – por exemplo, funcionários de uma organização de combate à aids – foram remunerados para atuar como funcionários num programa de extensão de meio turno distribuindo nos bares materiais educativos com temas relacionados à saúde sexual, como hepatite B, teste do HIV e o risco do HIV. Os educadores em saúde contratados para esses cargos não tinham sido identificados como líderes de opinião popular na população alvo. Assim o estudo constitui uma avaliação de um programa de extensão de educação para o HIV em escala limitada e não um teste da difusão social ou do modelo LOP. Com relação ao estudo de Elford et al., um número pequeno de educadores foram treinados e permaneceram no projeto, enquanto que a maioria informou que o contato com seus pares se resumia a fornecer breves informações sobre a aids (Elford et al., 2002a,b). Nessas circunstâncias, a ausência de impacto significativo desses programas sobre o comportamento sexual de risco da população não surpreende. Ao mesmo tempo, os resultados desapontadores dos projetos ingleses, em comparação aos encontrados nos estudos anteriores (Kelly et al., 1991, 1992, 1997; Sikkema et al., 2000), são instrutivos porque destacam os fatores conceituais e práticos que exercem influência na eficácia ou não desse tipo de programa de prevenção do HIV. Essa questão não tem interesse apenas para a pesquisa científica, mas também é significativa para a aplicada, considerando-se o uso amplo de programas baseados em pares para a prevenção do HIV e outras campanhas de promoção da saúde. O objetivo mais geral desse artigo é considerar as questões teóricas e práticas relevantes à realização de programas de prevenção do HIV com base em pares e, mais especificamente, dos programas baseados em líderes de opinião popular. Examinaremos as diferenças entre os estudos do Reino Unido e da intervenção LOP que possam explicar a fraca eficácia dos projetos ingleses e algumas das dificuldades enfrentadas na sua implantação. A “educação entre pares” é um conceito genérico e mal definido. A descrição de um projeto desse tipo é vaga e fornece poucas informações sobre as características, métodos, escopo, conteúdo e objetivos Educação entre Pares: um debate 2 importantes de um programa, a não ser pelo fato de que indivíduos vistos como “similares” aos membros da população alvo entregam algum tipo de comunicação a outros. A percepção de que mensagens sobre saúde possam ter maior credibilidade quando são fornecidas por alguém que é visto com “um semelhante” pelo recipiente da mensagem é lógica e atraente. É necessário, entretanto, examinar o funcionamento de um programa com base em pares mais atentamente para determinar as probabilidades do seu impacto sobre a população alvo. Elementos centrais do modelo do líder de opinião popular 1. O LOP é direcionado a uma população alvo identificável, em locais comunitários bem definidos, onde o tamanho da população pode ser estimado. 2. Técnicas etnográficas são usadas sistematicamente para identificar os segmentos da população alvo e reconhecer as pessoas mais populares, estimadas e dignas de confiança em cada segmento da população. 3. Durante a vida do programa, 15% da população alvo encontrada no local da intervenção são treinadas como LOP. 4. O programa habilita os LOP a iniciar mensagens sobre a redução de comportamentos de risco com amigos e conhecidos em conversas rotineiras. 5. O programa de treinamento ensina aos LOP características da comunicação eficaz de mensagens para a mudança efetiva de comportamento, tendo como alvo atitudes, normas, intenções e autoeficácia. Durante as conversas, os LOP pessoalmente endossam os benefícios de comportamentos mais seguros e recomendam os passos práticos necessários para implantar a mudança. 6. Grupos de LOP encontram-se semanalmente em sessões que utilizam instrução, modelos facilitadores e diversos exercícios de dramatização para auxiliá-los a aprimorar suas habilidades e ganhar autoconfiança nas suas comunicações com outros membros da comunidade sobre prevenção efetiva contra a aids. Os grupos devem ser pequenos o suficiente para possibilitar oportunidades de exercícios práticos; dessa forma, todos os LOP podem desenvolver suas habilidades comunicativas e se sentir à vontade para transmitir mensagens. 7. Entre as sessões, os LOP estabelecem metas para o engajamento em conversas com amigos e conhecidos da população alvo sobre a redução de comportamentos de risco. 8. Os resultados das conversas são revistos, discutidos e reforçados nas sessões de treinamento subsequentes. 9. Logomarcas, símbolos e outros artifícios são empregados como marcadores conversacionais na interação entre os LOP e outros membros da comunidade. Os modelos de intervenção fundamentados nos princípios da difusão da inovação, como o LOP, não são sinônimos de educação entre pares. A abordagem do LOP representa um programa bastante específico, com fundamentação teórica baseada em pares. A tabela 1, preparada para este artigo, resume os elementos básicos do modelo LOP. Os elementos centrais do LOP se relacionam a: 1) identificação e seleção de líderes de opinião popular representantes dos diferentes segmentos da população alvo e treinados para oferecer mensagens sobre redução de risco; 2) atingimento de uma “massa crítica” de LOP, grande o suficiente para estabelecer novas normas e comportamentos dentro da comunidade; 3) desenvolvimento de mensagens de prevenção que não se referem somente à educação sobre a aids, mas que são direcionadas de modo específico a determinantes psicossociais fundamentos na teoria da mudança comportamental, relevantes para a população; 4) uso de reuniões semanais com pequenos grupos para cuidadosamente treinar e engajar os LOP para oferecer mensagens de endosso à mudança comportamental durante conversas que ocorrem de maneira natural com outros membros da população alvo; 5) inspiração e motivação contínua dos LOP para a manutenção de seus papéis de aprovadores da prevenção do HIV e 6) estabelecimento de um programa contínuo, com momentum suficiente para estabelecer e manter a mudança comportamental como uma nova norma social que atua, na verdade, como um movimento social em expansão. Portanto, é possível afirmar que os projetos do Reino Unido não foram experiências com o modelo do líder de opinião, pois não empregaram a maioria desses elementos centrais. Educação entre Pares: um debate 3 Elementos Centrais Identificação de líderes de opinião popular como pares Testes da teoria de difusão de inovação (Rogers, 1983) demonstram que novas tendências comportamentais podem ser estabelecidas quando alguns líderes naturais e queridos, membros da população alvo, são vistos por seus pares adotando e aprovando uma inovação comportamental e quando a mudança é percebida pelos demais como boa, na moda e benéfica. Os líderes de opinião não são apenas pares. Na verdade, são aqueles membros da população alvo cujas visões, atitudes e comportamentos podem influenciar os demais em virtude de sua posição social. Além disso, qualquer população – mesmo as que parecem uniformes, como os homens em um específico bar gay ou academia – é socialmente complexa e composta de muitos diferentes segmentos populacionais e redes sociais. Alguns desses podem ser definidos por suas características sociodemográficas. Em nosso trabalho anterior com populações de bares gays, a observação sociodemográfica revelou que havia segmentos identificáveis no clube, tais como homens mais jovens e mais velhos, aqueles que dançavam e os que não dançavam, maiorias e minorias étnicas, profissionais do sexo e outros grupos. Mesmo em um único segmento demográfico, há múltiplas redes sociais ou conjuntos de pessoas formando grupos. De modo geral, os líderes de opinião de um segmento não são de outro. Por conseqüência, a mudança comportamental abrangendo toda a população só pode ser alcançada mediante identificação e engajamento dos diferentes líderes de opinião dos múltiplos segmentos e redes sociais, especialmente daqueles que apresentam risco maior. Técnicas diversas podem ser empregadas para identificar os segmentos de uma população alvo e, a seguir, identificar os líderes de opinião de cada um. Essas técnicas incluem observações etnográficas aprofundadas da população, feitas por funcionários treinados para identificar os segmentos, as redes e os líderes sociais; observações feitas por porteiros, informantes e outros membros da população que detenham grande conhecimento dos segmentos sociais nos locais onde o programa será implantado; métodos de nomeação ou sociométricos que solicitam aos membros da população alvo a nomeação de outros da mesma população, dos quais gostam ou em quem confiam; uso de LOP já identificados para ajudar na identificação de outros líderes de opinião em seus grupos sociais, e métodos similares. Um período de intenso estudo etnográfico é necessário para identificar os segmentos da população e os líderes de opinião de cada um dos diferentes segmentos. O objetivo mais importante, a partir da perspectiva da fundamentação conceitual da difusão social do modelo LOP, não é simplesmente recrutar pares, mas identificar e recrutar aqueles indivíduos específicos que são os líderes de opinião popular de cada um dos múltiplos segmentos sociais que formam a população alvo. Quando um conselho verbal relativo à prevenção do HIV e exemplos pessoais partem de pessoas apreciadas e conhecidas, o impacto das mensagens é maior. Atingimento de uma “massa crítica” de LOP cuja voz possa estabelecer uma nova tendência A teoria da difusão social afirma – e pesquisas confirmam – que aproximadamente 15% dos membros de uma população são líderes de opinião ou são os primeiros a adotar uma inovação, e que suas ações influenciam os outros, sendo capazes de modelar novas normas comportamentais (Rogers, 1983). Até o momento não foram realizadas pesquisas sistemáticas para determinar – no contexto de uma intervenção – quantos líderes de opinião são necessários para estabelecer uma tendência inovadora. É provável que dependa da natureza e atratividade do comportamento inovador, das características de comunicação dos membros da comunidade, da facilidade com que a população pode observar os LOP demonstrando a inovação, dentre outros fatores. Entretanto, os programas que identificam e treinam 15% da população alvo para oferecer mensagens de prevenção têm maior probabilidade de serem sólidos e consistentes com relação aos fundamentos da teoria de difusão. Isso requer que, como parte essencial do planejamento do programa, se determine o tamanho da população que se espera atingir durante o desenvolvimento da intervenção e então se realize o programa LOP para atingir essa massa crítica. Se o tamanho estimado de uma população de homens gays freqüentadores das academias de Londres for superior a 2.000 – como ocorreu durante os períodos de análise do projeto de Elford et al (2001) – a aplicação da “regra” dos 15% exigiria a identificação, treinamento e envolvimento de aproximadamente 300 LOP e não os 27 indivíduos que foram treinados e Educação entre Pares: um debate 4 retidos no estudo de Elford et al. No estudo de Flowers et. al. (2002), cálculos baseados nas taxas de resposta da pesquisa inicial indicam que cerca de 1.640 homens estavam presentes nos bares gays de Glasgow durante o período de quatro semanas da coleta de dados. O número de educadores entre pares nesse projeto (apenas 42) ficou muito abaixo do número necessário para iniciar uma nova tendência. Nos projetos de Kelly et al. (1991, 1992, 1997), a proporção de membros da população identificados, recrutados e treinados como LOP foi de 7-8% do número total de homens presentes nos bares gays durante os períodos de observação inicial. Em contraste, o projeto de Elford et al. (2001) engajou apenas cerca de 1,3% e o projeto de Flowers et al. (2002) apenas 2,6% do total da população da pesquisa inicial para que se tornassem educadores entre pares. Assim, mesmo que os educadores entre pares nos dois projetos ingleses tivessem sido selecionados com base nas características dos LOP discutidas acima, a quantidade não alcançou os níveis necessários para estabelecer novos comportamentos em nível da comunidade mediante o mecanismo de difusão de inovação. O resultado que atesta esse fato é que apenas 3% dos homens gays freqüentando academias no projeto londrino – a população alvo no estudo de Elford et al. – informaram na pesquisa de acompanhamento ter participado de uma conversa com um educador entre pares. Com níveis tão baixos de exposição à intervenção, é impossível produzir ou detectar efeitos dela na população. Portanto, os projetos do Reino Unido foram modestos demais e apenas uma proporção muito pequena da população foi exposta a mensagens de prevenção entregues por seus pares. Como Elford e colegas (2002 a,b) observam, o projeto das academias londrinas refletiu não apenas um teste malsucedido de intervenção, mas também o fracasso na promoção da educação entre pares planejada. Transmissão pelos LOP de mensagens eficazes, focadas e teoricamente fundamentadas que atingem determinantes psicossociais relevantes da mudança do comportamento de risco. O termo “educador entre pares” implica oferecer mensagens de prevenção do HIV de forma educativa ou informacional. É o que parece ter ocorrido nos dois projetos do Reino Unido com relação ao risco sexual do HIV. Se uma população tem pouco conhecimento acerca da aids ou se a comunidade desconhece os passos para a redução de risco, as mensagens educativas básicas sobre como evitar o risco são adequadas. Entretanto, esse certamente não é o caso para a grande maioria dos homens gays no Reino Unido, nos Estados Unidos e em outros lugares do Ocidente. Quando observamos que o conhecimento sobre aids e redução de risco já é alto em uma população e que outros fatores psicossociais são determinantes mais fortes da mudança comportamental, então é necessário direcionar as mensagens da intervenção a esses fatores. Oferecer informações factuais sobre o HIV e os passos para a redução de risco a pessoas que já possuem essas informações é basicamente uma tentativa de educar pessoas já educadas. Há grande probabilidade de que sejam percebidas como desnecessárias ou irrelevantes (“Já sei disso, por que está me perturbando?”); além disso, é possível que não sejam estimuladoras para quem vai atuar como educador entre pares. Nos últimos 15 anos, muitas pesquisas buscaram examinar os fatores psicossociais relacionados à continuação de comportamentos de alto risco ou à adoção de sexo seguro por parte dos homens gays ou bissexuais e de outras populações vulneráveis à aids. Atualmente, a falta de conhecimento sobre aids e redução de risco raramente aparece como um forte determinante raramente aparece como um forte determinante do sexo de risco entre HSH. Ao contrário, o comportamento de risco é mais influenciado por fatores psicológicos, como os seguintes: percepção do indivíduo sobre as normas do parceiro e dos pares relativas ao sexo seguro; as atitudes referentes a práticas do sexo seguro; a força da intenção de mudança de comportamento sexual e de redução de risco; a percepção da vulnerabilidade pessoal para contrair o HIV e a autoeficácia ou confiança em sua capacidade de adotar o sexo seguro, bem como fatores situacionais e relacionais (Catanai et al., 1990; Fishbein & Ajzen, 1975; Fisher & Fisher, 1996; Kelly, 1995; Kelly et al., 1990). As mensagens de prevenção precisam enfocar essas determinantes diretamente. Note-se que a epidemia do HIV já tem mais de 20 anos. É possível que a aids seja vista como uma ameaça menos imediata que no passado, que o desenvolvimento de terapias antirretrovirais tenha reduzido a percepção da gravidade da doença e que algumas pessoas estejam se cansando de manter a prática do sexo seguro. À medida que a epidemia evolui, diferentes mensagens de prevenção são necessárias. Educação entre Pares: um debate 5 Pesquisas anteriores demonstram que é possível ensinar os líderes de opinião popular a comunicar, em conversas informais, mensagens que atingem diretamente ou influenciam normas, atitudes, percepção de risco pessoal, intenções de mudança comportamental e autoeficácia, dentre outros. Nos projetos de Kelly et al. (1991, 1992, 1997), os LOP não foram treinados diretamente para transmitir informações educativas sobre a aids. Ao invés, ofereciam a amigos e conhecidos mensagens informais enfatizando que o sexo seguro está se tornando uma norma local socialmente aceita entre homens gays ou bissexuais; e, identificavam os benefícios e vantagens de manter o sexo seguro de modo a criar atitudes mais positivas e recomendavam maneiras práticas de realizar a mudança comportamental (assim como carregar consigo camisinhas e tê-las sempre à mão, evitar o sexo depois de beber muito e conversar com parceiros novos ou regulares sobre suas expectativas quanto ao sexo mais seguro). Os projetos de Kelly et al. também ensinaram os LOP a comunicar, durante as conversas, que aprovavam pessoalmente os benefícios da mudança comportamental para redução de risco. Alguns dos LOP adotaram comportamentos pessoais seguros e conversavam com os demais sobre os passos que tinham seguido para continuar livres de risco. Outros LOP não adotavam comportamentos tão seguros e foram encorajados a conversar sobre as mudanças que estavam começando a fazer, tentando fazer ou considerando fazer. Independente do caso, a abordagem LOP não treina os pares para se tornar educadores sobre aids. O modelo recruta pessoas já populares para que pessoalmente endossem o valor da mudança comportamental para redução de risco junto a amigos ou conhecidos, em suas conversas rotineiras, e conversem com seus pares sobre maneiras de fortalecer as normas de prevenção do risco, as atitudes, as intenções e a confiança para fazer a mudança. Um dos fatores que possivelmente contribuiu para o sucesso dos programas nos Estados Unidos foi a transmissão das mensagens para pessoas que já eram conhecidas dos líderes de opinião e que gostavam deles, em vez de pessoas estranhas. Treinamento e engajamento dos LOP para a comunicação de mensagens de prevenção do HIV em conversas rotineiras Os dois relatórios realizados no Reino Unido indicam que foi difícil engajar pares para conversar com outros sobre práticas de alto risco e sexo seguro. É possível que esse resultado decorra do fato de que os voluntários do programa de extensão do projeto de Flowers et al. tenham distribuído, basicamente, materiais escritos e discutido temas que não abordam questões delicadas, como a disponibilidade do teste de HIV e serviços de vacinação contra a hepatite, e os pares no programa de Elford et AL tenham transmitido informações educativas de pouca extensão. É de fundamental importância não subestimar a dificuldade inerente a treinar e engajar pessoas comuns para conversar com os outros explicitamente endossando e recomendando o sexo seguro. Esses não são temas que surgem naturalmente em conversas rotineiras. Ao contrário, precisam ser introduzidos e ativamente desenvolvidos pelos LOP durante suas conversas com amigos e conhecidos. É preciso lembrar que temas envolvendo sexualidade e aids são delicados de abordar até mesmo entre amigos. Além do mais, para o sucesso do modelo LOP não basta que os líderes de opinião transmitam informações factuais sobre a aids, mas outro fator de grande importância é que suas conversas incorporem características de uma comunicação eficaz e sejam direcionadas aos fatores psicossociais mencionados anteriormente. É impossível, no entanto, que isso seja alcançado sem um treinamento intensivo dos líderes de opinião, com foco no desenvolvimento de habilidades, e sem oferecer oportunidades para que pratiquem, discutam e voltem a praticar, recebam apoio e solucionem as dificuldades que encontraram ao desempenhar esses papéis. Uma diferença importante entre as abordagens de treinamento utilizadas por Kelly et al. (1991, 1992, 1997) e as empregadas nos estudos do Reino Unido envolve a maneira pela qual os pares foram ensinados e assistidos na comunicação de mensagens. Elford et al. realizou uma oficina com duração de 1 dia para treinamento do líder, com acompanhamento limitado via e-mail ou ligações telefônicas aos educadores entre pares após o treinamento. Flowers et al. Recorreu a uma oficina com duração de 2 dias para os voluntários do programa de extensão. Para efeito de contraste, Kelly et al. (1997) treinou os líderes de opinião em sessões com menos de 20 participantes que se reuniram semanalmente em cinco sessões de duas horas cada. Durante as sessões, os LOP aprenderam acerca das características de mensagens eficazes sobre saúde e todos eles dramatizaram repetidamente exemplos de conversas possíveis com amigos e conhecidos no dia a dia. Como Flowers et al e Elford et al, descobrimos que, a princípio, muitos LOP não se sentiam à vontade discutindo a aids e aspectos explícitos de temas relacionados a sexo seguro; muitos Educação entre Pares: um debate 6 preferiam mensagens que abordassem apenas informações educativas. No entanto, empregamos técnicas de grupo, como: fornecimento de exemplos de mensagens direcionadas a normas, atitudes, intenções, auto-eficácia e endosso explícito do LOP em defesa do sexo seguro; demonstração de conversas “exemplares” pelos facilitadores; criação de oportunidades múltiplas para cada LOP dramatizar, durante as sessões, conversas que poderia conduzir, e o fornecimento de feedback e apoio amplos pelos facilitadores do grupo após cada dramatização. Essas técnicas auxiliaram a formação de estilos comunicativos eficazes e permitiram o desenvolvimento de habilidades tanto para iniciar as conversas na vida real como também para superar o desconforto inicial. Os participantes foram sempre encorajados a incorporar em suas conversas componentes de mensagens eficazes e teoricamente fundamentadas, independentemente de outros aspectos relacionados ao estilo natural de cada um. O formato do programa de treinamento LOP, composto de sessões semanais, foi utilizado nos projetos de Kelly et al porque, à medida que os LOP ficavam mais capacitados e proficientes na condução de conversas, podia-se então solicitar que tivessem conversas com amigos entre as reuniões e reportassem os resultados nas sessões seguintes. Caso o programa de treinamento tivesse se limitado a uma única sessão, as discussões detalhadas em grupo e a atenção dada aos resultados de cada uma das conversas não teriam sido possíveis. Dessa forma, semanalmente os líderes de opinião recebem apoio para desempenhar seus papéis, uma vez que o formato de intervenção adotado lhes possibilita praticar intensivamente as conversas durante as reuniões do grupo, planejar e estabelecer metas para conversar com outros durante a semana seguinte, conduzir conversas na vida real e então receber feedback positivo para os sucessos obtidos mais a oportunidade de discutir os problemas encontrados. A quantidade de participantes das oficinas de treinamento nos projetos do Reino Unido não foi especificada. A intervenção de Kelly et al. limitou cada grupo a, no máximo, 20 participantes, a fim de assegurar a cada LOP amplas oportunidades de dramatizar as conversas em cada sessão e de discutir os resultados das conversas conduzidas na vida real nas sessões subseqüentes. Com reuniões semanais, com duração inferior a 2 horas, os participantes não precisaram abrir mão de um ou dois dias inteiros, o que seria o caso se as oficinas fossem longas; além disso, as múltiplas reuniões estimularam o desenvolvimento de um sentimento de camaradagem e de apoio do grupo aos líderes de opinião. O “ingrediente ativo” essencial para o impacto da intervenção LOP não é apenas o simples treinamento dos líderes de opinião, mas a qualidade e número de conversas que cada líder tem com os outros. O modelo requer que os LOP não sejam treinados em um único momento e depois deixados sozinhos, mas sim que suas ações sejam revistas, apoiadas e mantidas ao longo do tempo. Apesar dessas circunstâncias, é difícil, mesmo para indivíduos populares e socialmente hábeis, iniciar conversas com mensagens de endosso à prevenção da aids, sobretudo no decurso de interações naturais. Todos os projetos de Kelly et al também utilizaram dicas ambientais como marcadores conversacionais para criar oportunidades para os LOP. Por exemplo, pôsteres mostrando a logomarca intencionalmente ambígua do semáforo, mas sem texto ou explicações, foram colocados nos bares gays das cidades que receberam a intervenção, estimulando a curiosidade. À medida que os LOP se sentiram prontos para começar a conduzir as conversas, cada um usou um botão com a mesma logomarca. Muitos líderes de opinião foram então abordados nos bares por pessoas que queriam saber o significado do semáforo que antes havia aparecido nos pôsteres e agora estava nos botões. Todas as vezes que essa pergunta era feita, os LOP aproveitavam a oportunidade para iniciar uma conversa. A estratégia reduziu a dificuldade para iniciar espontaneamente as conversas, facilitando aos LOP comunicar suas mensagens de prevenção do HIV. O surgimento de um grande grupo de LOP usando o mesmo botão serviu para identificar, de modo sutil, as pessoas mais populares dos clubes como proponentes do sexo seguro, fortalecendo ainda mais as normas de que o comportamento seguro era socialmente aceito. Inspirar e motivar os LOP a manter seus papéis de apoio à prevenção do HIV É difícil isolar um único fator responsável por inspirar e motivar os LOP a adotar e manter atividades de endosso à prevenção do HIV. No momento do primeiro contato e recrutamento dos líderes de opinião, foi essencial ganhar sua confiança, assim como mostrar que a comunidade realmente precisava de seu Educação entre Pares: um debate 7 empenho. No momento do contato inicial, dissemos aos líderes de opinião, de maneira clara e direta, que eles tinham sido identificados como as pessoas mais queridas e populares do bar, que essa popularidade tornava suas palavras importantes para as pessoas e que estavam literalmente na posição de salvar vidas em suas comunidades. Quando abordadas dessa maneira, todas as pessoas se sentem valorizadas e foram poucos os líderes identificados que não se interessaram em aprender mais sobre o programa. A seguir, esclarecemos que esse não era “apenas mais um” programa educativo, que não iria repetir as informações que já possuíam ou levar a discussões desconfortáveis sobre o comportamento deles; que o programa tinha como objetivo ensinar habilidades comunicativas eficazes e que a liderança natural de cada um já os colocaria na vanguarda dos esforços para ajudar outros em suas próprias comunidades. Embora os líderes de opinião tenham recebido uma pequena remuneração ($15 ou $20) pelo seu tempo participando das sessões de treinamento, não receberam nada pelas conversas. Caso tivessem sido remunerados, seus papéis de lideres de opinião teriam sido substituídos pela função de funcionários remunerados, alterando as motivações altruísticas e autopercepções. A entrega da intervenção minimizou as barreiras para a participação. O horário das reuniões semanais foi decidido após consulta aos LOP, de modo a contornar o maior número possível de conflitos. Se um LOP faltasse a uma das reuniões, uma reposição era marcada antes da sessão regular da semana seguinte. Os funcionários do projeto tentavam contatar cada LOP pessoalmente antes de cada reunião, sobretudo aqueles que haviam faltado à reunião anterior. A estrutura da intervenção LOP, seu formato e entrega foram desenvolvidos nos projetos de Kelly et al com o intuito de maximizar o interesse dos participantes no programa, reduzir barreiras para a participação e permitir que os LOP adquirissem habilidades e recebessem reforço contínuo para suas atividades. Essas diferenças também podem explicar as altas taxas de participação nos programas de Kelly et al quando comparados com os conduzidos no Reino Unido. Embora de difícil operacionalização, as características das pessoas que atuam como facilitadores das sessões de grupo também exercem um papel básico para o sucesso ou fracasso do programa. O conhecimento que o facilitador tem sobre o conteúdo do programa é insuficiente para motivar a participação e inspirar os LOP. Assim, são considerações essenciais na contratação de funcionários para esses programas: habilidades para a facilitação de grupos; capacidade de demonstrar e, a seguir, conduzir as dramatizações dos LOP; habilidade para fornecer reforço e feedback após as dramatizações, de modo a desenvolver as habilidades comunicativas e mensagens eficazes e, acima de tudo, a habilidade de motivar e inspirar as atividades conversacionais dos LOP com outros após as sessões. Por fim, os projetos de Kelly et al. (1991, 1992, 1997) e outros programas bem sucedidos que usaram componentes do LOP (Kegeles et al., 1996; Miller et al., 1998; Sikkema et al., 2000) escolheram locais para estudo de natureza primariamente social. Os bares gays em pequenas cidades norte-americanas, por exemplo, não são apenas pontos comerciais para venda de bebidas e sim pequenas comunidades sociais onde as pessoas se encontram e socializam. Áreas comuns e eventos sociais em áreas residenciais de baixa renda tinham a mesma função no projeto de Sikkema et al (2000) envolvendo mulheres. Nesses cenários, as conversas – incluindo aquelas sobre temas pessoais – ocorrem naturalmente e os locais eram lógicos e adequados para que os LOP conversassem com seus amigos e conhecidos. As conversas que poderiam surgir de modo natural e normal em ambientes sociais da comunidade podem soar esquisitas, fora de lugar e artificiais quando conduzidas por educadores entre pares em academias – onde as pessoas vão principalmente para malhar – ou nos bares das grande cidades, orientados para a bebida e busca de parceiros. Estabelecimento de momentum e impacto para o programa Uma das lições aprendidas em todas as áreas de promoção da saúde, bem como no campo específico da prevenção do HIV, é que programas de intervenção rápidos em geral produzem poucos ou breves efeitos. Uma intervenção com o objetivo de produzir mudanças comportamentais na população precisa ser substancial o suficiente para criar mudanças duradouras nas normas e comportamentos. Do nosso ponto de vista com relação aos programas LOP, o objetivo não é apenas expor os membros da população a mensagens de prevenção fornecidas por seus pares. Nossa meta é que os membros da população alvo ouçam repetidas mensagens de endosso à prevenção do HIV, muitas vezes e com diferentes palavras, Educação entre Pares: um debate 8 procedentes de diferentes líderes de opinião em seus próprios círculos sociais. Esse processo é necessário para produzir mudanças comportamentais duradouras. As avaliações de acompanhamento em cidades onde a intervenção LOP foi realizada em bares gays mostraram a manutenção das reduções nos comportamentos de alto risco da população no período entre 1 e 3 anos após a intervenção (Kelly et al., 1997; St. Lawrence et al., 1994). Também foi possível observar, no acompanhamento, correlações entre um número maior de mensagens de endosso à prevenção do HIV “recebidas” e os níveis mais baixos de comportamentos de risco relatados pelos entrevistados, indicando uma relação entre a exposição às mensagens e comportamentos mais seguros (Kelly et al., 1991). Nossos projetos de pesquisa que utilizaram o modelo LOP de intervenção não envolveram e treinaram apenas uma “onda” de líderes de opinião. Ao contrário, uma “onda” de LOP recebeu o treinamento e foi seguida por sucessivas ondas de novos líderes de opinião que também receberam o treinamento e reforçaram ou mantiveram as mensagens da primeira onda (Kelly et al., 1991,1992, 1997). Além disso, pode-se pensar em um processo ideal em que não são recrutadas e treinadas apenas duas ondas sucessivas de LOP, mas em que haja ondas múltiplas de novos grupos de LOP continuamente identificados, recrutados e treinados, até que 15% dos membros da população tenham sido envolvidos. Reuniões regulares ou sessões de reforço – com a participação dos “graduados” de ondas anteriores de treinamento – podem manter o momentum e a motivação, e apoiar os esforços dos líderes de opinião para criar ambientes sociais em que o comportamento mais seguro é uma norma aceita. O objetivo da intervenção, portanto, não é produzir um breve período de contato entre pares, mas construir um movimento social, iniciado pelos líderes de opinião dentro de populações comunitárias de risco, que apóia normas de comportamento para o sexo seguro. Elford et al. (2002b) observa que o programa de educação entre pares nas academias de ginástica londrinas exigiu empenho e tempo consideráveis dos funcionários do projeto. Contudo, não é realista acreditar que programas comunitários de prevenção do HIV de grande escala possam ser conduzidos com sucesso sem um corpo funcional razoável ou que programas educativos de baixa exposição possam exercer grande impacto. As intervenções que não são sólidas o bastante para produzir mudanças comportamentais não conseguem ser alta relação custo-benefício. Ao mesmo tempo, com populações em que os comportamentos de risco e a vulnerabilidade ao HIV são altos, o modelo LOP se mostrou altamente rentável ao evitar infecções pelo HIV (Pinkerton et al., 1998). Uma questão final e básica para o planejamento do programa é que as intervenções LOP realizadas nos Estados Unidos foram implantadas com sucesso, enquanto que os programas do Reino Unido não conseguiram recrutar e manter o envolvimento de um número adequado de pares. Portanto – além das muitas divergências essenciais no conceito, nos métodos, na seleção dos pares, nos procedimentos referentes ao treinamento que tornaram as intervenções nos EUA e no Reino Unido muito diferentes –, os programas do Reino Unido nunca conseguiram alcançar a escala ou o momentum necessário para causar impacto nos comportamentos de risco da população. Os pesquisadores do Reino Unido sugeriram ainda que as intervenções bem sucedidas nos EUA poderiam, por razões desconhecidas, não ser bem sucedidas no Reino Unido (Elford et al., 2002a,b; Flowers et al., 2002). É difícil chegar a essa conclusão quando os elementos centrais e os procedimentos dos dois programas de educação entre pares – o norte-americano e o inglês – foram tão diferentes. Entretanto, as dificuldades de implantação percebidas nos projetos do Reino Unido realçam a importância de desenvolver programas, procedimentos e métodos utilizando inputs substanciais da própria comunidade para que se torne viável atender as metas, necessidades e preferências da comunidade que se pretende atingir. Em artigos anteriores, discutimos um processo mediante o qual as intervenções para a prevenção do HIV – inclusive o LOP – que se mostraram eficazes na literatura podem ser adotadas com sucesso por provedores de serviços que desejam realizar os mesmos programas baseados em evidências em suas comunidades (Kelly et al., 2000a,b). Sugerimos que as intervenções sejam concebidas com base nos elementos centrais ou características consideradas essenciais para o sucesso da abordagem, tanto em teoria como na prática. Os elementos centrais do LOP estão resumidos na tabela 1. É importante que os esforços para a replicação de uma intervenção mantenham fidelidade aos elementos centrais e detalhes Educação entre Pares: um debate 9 fundamentais dos procedimentos. Ao mesmo tempo em que observam a fidelidade, as intervenções também precisam ser adaptadas e customizadas, sobretudo quando realizadas com populações em ambientes, países ou culturas diferentes daquela em que a intervenção se mostrou bem sucedida inicialmente. Os projetos do Reino Unido não incorporaram muitos dos elementos centrais do LOP. Também é possível que esses projetos não obtiveram êxito quando adaptaram a intervenção para atender as necessidades e circunstâncias da população alvo. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, que o LOP – em virtude de sua dependência de interações conversacionais naturais – não seria o modelo de intervenção mais apropriado para HSH malhando nas academias londrinas, mas que talvez fosse adequado para locais sociais, tais como cafés freqüentados por HSH jovens. Para concluir, a intervenção LOP testada nos Estados Unidos foi realizada em locais comunitários gays de pequenas cidades (Kelly et al., 1991, 1992, 1997) e, mais tarde, com mulheres que moravam em conjuntos residenciais de baixa renda (Sikkema et al., 2000). Esses programas foram direcionados a populações alvo relativamente pequenas em locais bem definidos, por dois motivos: assegurar uma alta exposição à intervenção e possibilitar uma mediação confiável das mudanças comportamentais da população. Caso fosse direcionado a uma população maior, como toda a comunidade gay de uma grande cidade, a escala e escopo da intervenção precisariam ser bem maiores para alcançar uma exposição similar. Entretanto, pode ser difícil – na prática – orquestrar as atividades da intervenção necessárias para atingir uma quantidade tão grande de locais, segmentos populacionais e redes sociais que compõem uma população maior. Esses grupos podem variar quanto ao seu comportamento de risco, suas percepções das normas sobre sexo mais seguro e até mesmo sobre como falar sobre camisinhas. Nessas circunstâncias, é mais viável, apropriado e rentável focar as atividades da intervenção em segmentos menores da população ou nas redes sociais que apresentam risco maior e que possam ser atingidas em um número mais limitado de locais comunitários. Conclusão A identificação de um programa de prevenção do HIV como “educação entre pares” informa muito pouco sobre o conteúdo, métodos, bases teóricas, desafios da implantação e impacto esperado do programa sobre os comportamentos de risco de uma população. “Líder de opinião popular” e “educação entre pares” não são descrições sinônimas ou intercambiáveis de intervenções. O LOP é uma forma muita específica de prevenção do HIV com elementos centrais derivados da teoria da difusão social e com procedimentos também baseados nessa teoria bem como na literatura sobre mensagens comunicativas eficazes e processos de mudança comportamental. Uma característica atraente do modelo LOP é a natureza intuitiva e baseada no senso comum da abordagem e sua aplicabilidade transcultural. Entretanto, essa característica intuitiva não minimiza a importância de um planejamento cuidadoso das intervenções LOP, mantendo fidelidade aos componentes conceituais centrais do modelo e conduzindo-as de maneira a promover seu sucesso em níveis práticos. Agradecimentos Este estudo foi financiado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, Estados Unidos, mediante a subvenção P30-MH57226. O autor estende seus agradecimentos a Steve Pinkerton, Janet St. Lawrence, Willo Prequegnat, Allan Hauth e Yuri Amirkhanian pelos seus comentários. Educação entre Pares: um debate 10