Avaliação dos aspectos de Segurança do Projeto da Usina
Nuclear Angra 3*
Celio Bermann**
Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia
Universidade de São Paulo
* Estudo encomendado pelas ONGs alemãs Greenpeace e Urgewald.
** Dr. Celio Bermann possui o grau de PhD em Engenharia Mecânica da
FEM/UNICAMP, é Professor do Programa de Pós-graduação em Energia do Instituto
de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, e é pesquisador do CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Como especialista
em energia, o Dr. Bermann tem acompanhado de forma estreita o desenvolvimento dos
projetos das usinas nucleares de Angra e publicou diversos artigos sobre estes e outros
projetos de energia no Brasil.
Nota: O autor agradece as sugestões e comentários de Barbara Happe e Heffa
Schuecking.
Fevereiro de 2012
2
Índice
Resumo
Introdução
1. Riscos Locais Específicos do Projeto da Usina Angra 3
1.1 Riscos de deslizamentos nas encostas da região de Angra dos Reis
A) O evento de janeiro de 2010 na região de Angra dos Reis
B) A fragilidade do solo em função das chuvas e suas conseqüências na
rodovia Rio-Santos na região de Angra dos Reis
1.2 Riscos de terremotos
1.3 Contenção contra movimentos do mar (tsunamis) e eventos climáticos
extremos
2. Avaliação dos atuais planos de evacuação
A) A precariedade no sistema de alerta
B) O limitado Plano de Evacuação
C) A precariedade das condições de transporte e da rota de fuga
3. A reação do governo brasileiro e da Eletronuclear após o desastre da usina de
Fukushima no Japão, em 11 de março de 2011.
3.1 A ausência de uma agência independente para fiscalizar as atividades
nucleares no Brasil
4. Conclusões
Referências Bibliográficas
3
Resumo
Este estudo (Título original: “Expert Opinion on Safety Aspects of the Angra 3 Nuclear
Project”) foi elaborado pelo Prof. Dr. Celio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e
Energia da Universidade de São Paulo, Brasil, por solicitação das ONG’s alemãs
Greenpeace-Alemanha e Urgewald, para ser apresentado aos Deputados e Senadores do
Parlamento Alemão que vão analisar a solicitação de crédito formulada pelo Governo
brasileiro para as obras de conclusão da usina nuclear Angra 3.
O estudo mostra que os deslizamentos de terra que ocorrem com freqüência na região de
Angra dos Reis são os principais problemas sob o ponto de vista da segurança do
projeto de construção da usina Angra 3 na região. Tais problemas não estão sendo
considerados pela empresa Eletronuclear e pelas autoridades responsáveis pela
segurança das usinas nucleares no Brasil com a importância que os riscos de catástrofes
impõem.
Este estudo também demonstra que existem vigorosos problemas com os Planos de
Emergência e de Evacuação para situações plausíveis de ocorrência de interrupção do
suprimento de energia elétrica nas usinas nucleares de Angra 1 e 2, em função dos
deslizamentos nas encostas da região. Nenhuma ação concreta está sendo tomada pela
empresa para reduzir ou afastar estes riscos.
Ainda, este estudo indica que é limitado o raio de 3-5 km que a empresa Eletronuclear
considera para efeitos de evacuação (como o acidente em março de 2011 na usina de
Fukushima no Japão demonstrou). Além disso, as rotas de fuga são precárias senão
impeditivas, para o deslocamento em condições adequadas de uma quantidade
significativa de pessoas, incluindo os próprios funcionários das usinas, e os moradores
do entorno das usinas, cujo número pode chegar a 200 mil pessoas, se o raio de 20 km
for considerado para o Plano de Evacuação.
Ainda, não é considerado o grande número de turistas que procuram a região no período
de férias no verão, que é ao mesmo tempo a época de chuvas.
O estudo também mostra como o treinamento da população potencialmente incluída no
atual Plano de Evacuação limitado aos 3 e 5 km, é precário e as condições de transporte
desta população em situação emergencial são também precárias, e como são inexistentes
as condições adequadas de abrigo para esta população no caso de ser removida por
ocasião de um evento de exposição aos radioisótopos na eventualidade de um acidente
nuclear similar ao verificado em março de 2011 na usina de Fukushima no Japão.
Em suma, a região de Angra dos Reis não é adequada para a instalação de usinas
nucleares devido aos altos riscos de deslizamentos e os precários planos de emergência
existentes.
Nestas condições, a construção de uma terceira usina na região de Angra dos Reis vai
multiplicar os problemas e ampliar de forma desnecessária e irresponsável os riscos aqui
apontados.
Frente aos problemas apontados neste estudo, e fartamente documentados, a empresa
Eletronuclear apresenta apenas ações insuficientes e não efetivas para reduzir ou evitar
tais problemas, e apresentar condições satisfatórias de segurança nas usinas nucleares
existentes e projetadas na região de Angra dos Reis.
4
O acidente nuclear de Fukushima foi minimizado pelas autoridades nucleares
brasileiras. As iniciativas governamentais foram evasivas, e os planos de construção de
novas usinas nucleares não sofreram alteração.
O Brasil não depende da energia nuclear. A participação da energia nuclear na
capacidade de produção de energia elétrica no Brasil é de apenas 1,8%. O Plano
Decenal de Expansão de Energia 2020 (MME/EPE, 2011) prevê nos próximos anos um
extraordinário crescimento das fontes renováveis de energia, com uma expansão média
anual de 12%, notadamente através da energia eólica, biomassa (cogeração a partir do
bagaço da cana-de-açúcar e outros resíduos agrícolas, além do biogás) e a energia solar
fotovoltaica. Estas três formas de produção de energia apresentam na Alemanha um
formidável desenvolvimento tecnológico e uma capacitação técnica que poderia ser
utilizada com grandes vantagens para ambos os países.
Considerando os grandes riscos aqui apontados, este estudo recomenda a não
aprovação da concessão de crédito para a conclusão da construção da usina Angra
3.
5
Introdução
A região de Angra dos Reis, no sul do estado do Rio de Janeiro, foi escolhida para a
instalação do complexo nuclear brasileiro por apresentar algumas facilidades. A
principal é a proximidade dos grandes centros consumidores, pois assim a usina pode
fornecer energia através de linhas relativamente curtas. Angra fica a uma distância em
linha reta de 220 km de São Paulo, 130 km da cidade do Rio de Janeiro e 350 km de
Belo Horizonte, que são grandes centros consumidores de energia elétrica no Brasil. A
proximidade do mar é outro aspecto fundamental, uma vez que as usinas são do tipo
PWR (Pressurized water reactor) utilizam uma grande quantidade de água, em
circulação, para resfriar o vapor produzido para acionar a turbina e ligar o gerador
elétrico.
A decisão de localização das usinas nucleares foi restrita a uma avaliação econômica,
sem uma avaliação comparativa rigorosa com outras alternativas de localização, sob os
pontos de vista de segurança e análise de riscos. Não foi levada em consideração a
necessidade de estudos geológicos mais profundos (geomorfologia, geologia estrutural e
sedimentologia, entre outros), que pudessem se contrapor, de maneira efetiva, ao
conhecimento da população indígena da região, que denominou o local onde as usinas
nucleares foram construídas de praia de ITAORNA, que na língua tupi-guarani tem o
significado de TERRA PODRE.
- As centrais nucleares no Brasil - histórico
A primeira central nuclear brasileira (Angra 1) começou a ser construída em 1971, a
partir de um projeto contratado na forma de turn-key desenvolvido pela empresa norteamericana Westinghouse, subsidiária da General Electric, com uma capacidade
instalada de 657 MW, sendo conectada à rede em abril de 1982 e com início da
operação comercial em janeiro de 1985. Os primeiros anos de operação foram
caracterizados por freqüentes interrupções por motivos técnicos, resultando num fator
de capacidade extremamente baixo, da ordem de 20%.
Em 1975, ainda sob o regime militar, o Brasil firmou com a Alemanha um acordo de
cooperação na área nuclear. Pelo acordo, seriam instalados mais oito reatores no país:
dois em Angra dos Reis, ao lado de Angra 1, e outros seis no litoral sul do estado de São
Paulo. Mesmo em pleno período da ditadura militar, a população de São Paulo impediu
a construção das usinas através da criação de uma estação ecológica exatamente no
local onde seriam implantadas as centrais nucleares.
Assim, das oito usinas previstas, apenas Angra 2 foi concluída, com uma capacidade
instalada de 1350 MW. O projeto foi desenvolvido pela empresa alemã Siemens-KWU
(Kraftwerk Union A.G.) Sua construção, iniciada em junho de 1976, foi marcada por
problemas técnicos e constantes atrasos no cronograma. Começou a operar
comercialmente somente em fevereiro de 2001, a um custo final de cerca de US$ 10
bilhões.
6
Figura 1: Localização das usinas Angra 1 e Angra 2.
Figura 2: Localização das usinas Angra 1 e Angra 2.
Como segundo resultado do acordo nuclear Brasil-Alemanha, a terceira usina nuclear,
Angra 3, seguiu o mesmo padrão tecnológico de Angra 2. Trata-se de um reator do tipo
PWR, desenvolvido pela Siemens-KWU, com capacidade de 1350 MW. O início das
obras foi em junho de 1984, mas a partir de abril de 1986, sua construção foi paralisada.
Neste período foram investidos US$ 750 milhões na compra de equipamentos. Sua
construção foi retomada em junho de 2010, e durante estes 24 anos foram gastos US$
20 milhões por ano para a manutenção destes equipamentos.
7
Figura 3: Localização do projeto da usina Angra 3.
Figura 4: Localização do projeto da usina Angra 3.
A conclusão das obras da usina Angra 3 está prevista para dezembro de 2015, com um
investimento total necessário para sua conclusão de US$ 6,5 bilhões. O BNDES-Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, participará com cerca de 60% dos
recursos (US$ 3,8 bilhões). Um grupo de bancos liderado pelo banco francês Société
Générale, com a participação do BNP Paribas, Crédit Agricole, Santander e CNC,
financiarão no valor de 1,6 milhões de dólares a compra de equipamentos da AREVA.
Cabe assinalar que este crédito só será liberado com o aval da Agência de Créditos à
Exportação Hermes, ao governo alemão.
8
Ainda, é importante assinalar que ,para facilitar a compra de equipamentos, em 30 de
dezembro de 2010 foi aprovada a criação do Renuclear-Regime Especial de Incentivos
para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares com isenção de IPI (Imposto sobre
Produtos Industrializados) e do Imposto de Importação. Trata-se de uma renúncia fiscal
que prejudica o equilíbrio fiscal do Brasil, apenas para assegurar uma aparente
competitividade em relação às outras alternativas energéticas.
Todavia, os problemas com a operação das duas usinas Angra 1 e 2 também são
econômicos. A energia elétrica produzida pelas usinas Angra 1 e 2 é adquirida pela
empresa estatal Furnas por US$ 84/MWh que a revende para as empresas de
distribuição a US$ 53/MWh. Esta diferença representa para esta empresa pública um
prejuízo anual de US$ 315 milhões 1.
- As condicionantes ambientais mais importantes para a operação da usina Angra 3
A licença de operação da usina Angra 3 está condicionada à satisfação de 6
condicionantes gerais e 44 condicionantes específicas, entre as quais a definição do
local para a disposição final dos rejeitos radioativos de alta intensidade. Vale assinalar
que estes rejeitos, no caso de Angra 1 e 2, permanecem acondicionados nas piscinas
dessas usinas, sendo que a capacidade de armazenamento da piscina de Angra 1 já está
atingindo o seu limite. A esse respeito, existe um projeto de construção de uma piscina
externa com prazo de conclusão em 2020, que será capaz de receber os rejeitos de toda
a vida útil das usinas. Entretanto, não se conhece maiores detalhes deste projeto.2 Para
justificar esta “solução”, é apontada como exemplo a usina nuclear de Olkiluoto
(Finlândia). Entretanto, sabe-se que o acidente em Fukushima foi ampliado justamente
pelo fato dos rejeitos estarem fora do prédio de contenção.
A empresa Eletronuclear negociou com o órgão ambiental Ibama a substituição da
definição do Depósito Final por um Depósito Intermediário de Longa Duração para
Combustíveis Usados, cujo cronograma estabelece os seguintes prazos:
- 2009: Apresentação de proposta (Nota: que não foi ainda cumprido)
- 2013: Validação em protótipo
- 2014: Início do projeto
- 2017: Seleção de local
- 2019: Início da construção
- 2026: Início da operação
1. Riscos Locais Específicos do Projeto da Usina Angra 3
1.1 Riscos de deslizamentos nas encostas da região de Angra dos Reis
A região onde estão localizadas as usinas nucleares Angra 1 e 2 é sujeita a situações
extremas decorrentes de deslizamentos nas encostas, notadamente nos períodos de
1
Jornal Folha de São Paulo, 30/09/2010.
Ver a exposição de Roberto C. A. Travassos, gerente de planejamento e orçamento da Eletronuclear,
“Ciclo do combustível nuclear no Brasil: salvaguardas para a operação de centrais nucleares”, agosto de
2010. Disponível em:
http://www.nipeunicamp.org.br/enumas2010/apresentacoes/Roberto%20Travassos%20-%201908%20Ciclo%20do%20Combustivel.pdf. Acesso em 16.02.2012.
2
9
grande pluviosidade, que ocorrem no verão, nos meses de Novembro a Março. Estudos
mostram que esta ocorrência é regular na região.3
Em 1985, fortes chuvas causaram um deslizamento que soterrou o Laboratório de
Radioecologia da Eletronuclear, quase fechando a saída de água da refrigeração de
Angra 1.
Figura 5: Localização das usinas em proximidade das encostas.
Figura 6: Localização das usinas em proximidade das encostas.
3
Cf. Soares, E. P. Caracterização da precipitação na região Angra dos Reis e a sua relação com a
ocorrência de deslizamentos de encostas. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PEC/COPPE/UFRJ,
2006. Disponível em: http://www.coc.ufrj.br/. Acesso em 10.02.2012.
10
Figura 7: Localização das usinas nas encostas da Serra do Mar na região
de Angra dos Reis.
Em 2002 ocorreram deslizamentos de terra e inundações que atingiram a cidade de
Angra dos Reis, deixando, aproximadamente, trinta mortos.
Já em 2010 aconteceu o maior desastre natural registrado na cidade de Angra dos Reis,
que acarretou a morte de 55 habitantes em desabamentos e desmoronamentos de terra
devido às chuvas fortes e de longa duração 4.
A) O evento de janeiro de 2010 na região de Angra dos Reis
Nas figuras seguintes, são apresentadas uma série de informações de caráter visual da
natureza e dimensão dos deslizamentos de terra ocorridos nas encostas da cidade de
Angra dos Reis, nas suas vias de acesso e na rodovia Rio-Santos, principal via de
ligação rodoviária na região:
4
Em Janeiro de 2011, enchentes e deslizamentos de terra atingiram o estado do Rio de Janeiro. Foram
contabilizados quase 1000 mortos. O centro das enchentes se localizou a cerca de 200 km das usinas
nucleares. Até mesmo a cidade do Rio de Janeiro entrou em estado de atenção por razão das fortes chuvas
A tragédia foi considerada como o maior desastre climático da história do país e foi classificado pelo
ONU como um dos 10 piores deslizamentos jamais registrados no mundo. De acordo com cientistas, as
chuvas não são a causa única do deslizamento de encostas. A falta de planejamento urbano e a ausência
de fiscalização e controle do Poder Público também estão na base do problema.
11
Figura 8: Deslizamento de terra no Morro da Carioca, no centro de Angra dos Reis
Fonte: Foto de Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil; 02/01/2010.
Figura 9: Deslizamento de terra nas encostas da região de Angra dos Reis
Fonte: Foto da AP-Associeted Press; 02/01/2010.
12
Figura 10: Equipes de resgate no Morro da Carioca em Angra dos Reis.
Fonte: Foto de Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil; 02/01/2010.
Figura 11: Comprometimento das vias de acesso ao centro de Angra dos Reis.
Fonte: Foto de Danielle Viana/AE-Agência Estado; 01/01/2010.
13
Figura 12: Caos no acesso rodoviário em função dos deslizamentos na
região de Angra dos Reis.
Fonte: Foto de Jadson Marques/AE-Agência Estado; 01/01/2010.
B) A fragilidade do solo em função das chuvas e suas conseqüências na
rodovia Rio-Santos na região de Angra dos Reis
Figura 13: Deslizamento de terra arrasta pista da rodovia Rio-Santos na
região de Angra dos Reis.
Fonte: Foto de Manoel Francisco de Oliveira/O GLOBO; 10/05/2011.
14
Figura 14: Deslizamento de pedras interdita a Rio-Santos, na altura de
Conceição do Jacareí na região de Angra dos Reis.
Fonte: Foto de Roberto Bonfim, disponível em: http://oglobo.globo.com/transito/deslizamentode-pedras-interdita-trecho-da-rodovia-rio-santos-3024814.
Em função das graves conseqüências sofridas pela cidade de Angra dos Reis (estrada
BR 101 interditada por razão de deslizamentos) por ocasião das chuvas no início de
janeiro de 2010, o prefeito Tuca Jordão solicitou à empresa Eletronuclear a paralisação
das operações das usinas nucleares Angra 1 e 2 5.
Em resposta, seu presidente Othon Luiz Pinheiro da Silva informou, por meio de uma
nota à imprensa no dia 03/01/2010, que não iria desligar o complexo nuclear como
pedido pelo prefeito, pois seria preciso ter uma “real necessidade técnica para isso” e
desligar as usinas seria “um ato de gestão irresponsável”. 6
Verifica-se, pois, que a atitude da empresa Eletronuclear por ocasião das chuvas que
atingiram a região de Angra dos Reis em janeiro de 2010, não pode ser classificada
como uma atitude responsável, ao colocar questões de ordem ténica e econômica acima
das questões de segurança da população da região do entorno das usinas.
O principal problema é a vulnerabilidade que as usinas se encontram em face da
ocorrência de um deslizamento nas encostas que danifique as torres de transmissão que
transportam a energia elétrica necessária para alimentar o sistema de bombeamento de
água para resfriamento dos reatores.
Somente no final do mês de março de 2011, a empresa Eletronuclear apresentou um
plano de construção de uma central hidrelétrica de pequeno porte para abastecer as
5
Conforme a BBC, em reportagem de 03/01/2010 sob o título “Brazil landslides 'may close nuclear
plants'”, the Mayor Mr Jordao said that with roads blocked there was no way to quickly evacuate the
city's inhabitants in case of a catastrophe at the nuclear plants. There are no operational problems at
Angra I and Angra II... but if landslides persist in the hills, we'll need to shut them down," said Mr
Jordao. "We don't want any risk. We want to avoid a future problem". Disponível em:
http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/8438842.stm
6
Fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1433471-5606,00-ELETRONUCLEAR+NAO+VAI
+DESLIGAR+USINAS+EM+ANGRA+DOS+REIS.html
15
usinas nucleares de Angra dos Reis, no Rio, em casos de emergência. Outra medida
para aumentar a segurança das instalações seria a construção de uma linha de
transmissão de energia exclusiva para as usinas. A energia produzida pela hidrelétrica
seria direcionada para a central nuclear em casos de falha no sistema de abastecimento.
Atualmente, as usinas nucleares Angra 1 e 2 contam com 12 geradores a diesel, que
podem alimentar as bombas de resfriamento dos reatores em situações de emergência.
É preciso destacar que a construção de uma pequena central hidrelétrica, que estaria
localizada nas proximidades das usinas nucleares, não resolve o problema de segurança.
As linhas de transmissão da energia elétrica proveniente desta central hidrelétrica
continuariam sujeitas à ocorrência de deslizamentos nas encostas que podem danificar
as torres que transportam a energia.
A empresa também anunciou ainda a contratação de uma consultoria externa para rever
o monitoramento das encostas próximas às três usinas localizadas em Angra dos Reis.
Construídas próximo a encostas, as usinas também correm o risco de que deslizamentos
danifiquem instalações auxiliares, como depósitos de rejeitos 7. Restringir o problema à
contratação de uma consultoria para fazer uma revisão do monitoramente está longe da
necessidade de medidas concretas e efetivas para reduzir os riscos de deslizamentos,
como foi aqui visto e analisado.
1.2 Riscos de terremotos
Conforme o documento elaborado pela empresa Eletronuclear “Critérios de segurança
adotados para as usinas nucleares Angra 1, Angra 2 e Angra 3", de 10/05/2011, as
usinas de Angra foram construídas numa região com probabilidade muito baixa de
ocorrência de eventos sísmicos, tendo sido projetadas para resistir a terremotos. O
documento indica que “diversos sistemas garantem, de forma segura, o desligamento
das usinas após qualquer abalo que atinja as especificações consideradas no seu projeto”
(p.9).
Ainda, conforme o documento, “esse projeto se baseia em normas de segurança
internacionais, que consideram uma aceleração horizontal na rocha de 0.10 g
(aceleração da gravidade, 10 m/s2). Especialistas da PUC/RJ e do Instituto de
Astronomia e Geofísica da USP (IAG/USP) estimam que a probabilidade de ocorrência
de um abalo dessa proporção nas proximidades da Central Nuclear é extremamente
baixa, de uma a cada 50 mil anos” (p.9). O referido documento indica que “seria
necessário que ocorresse um abalo de magnitude 5 a menos de 12 km; ou um terremoto
de magnitude 6 a menos de 37 km da Central Nuclear” para provocar acelerações
superiores às previstas no projeto (p.10).
O maior terremoto registrado na região Sudeste do Brasil, nas últimas décadas, ocorreu
em 22 de abril de 2008, atingiu 5,2 graus na escala Richter e teve seu epicentro no
Oceano Atlântico, a 215 km da cidade de São Vicente, no litoral paulista, e a 315 km da
Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA).
Contudo, o próprio Estudo de Impacto Ambiental da Usina Angra 3 indica que o
volume de dados atualmente disponível "é insuficiente para definir zonas sismogênicas
ou províncias sismotectônicas que possam ser usadas com segurança na determinação
de parâmetros de sismicidade para avaliação de risco nesta região" (Berrocal et al.,
1984). 8
7
Jornal Folha de São Paulo, 29/03/2011.
Dados obtidos a partir de http://www.eletronuclear.gov.br/hotsites/eia/v02_06_diagnostico.html (ponto
6.2.2.)
8
16
Reconhecendo a escassez de dados disponíveis, não se deve portanto, excluir a
possibilidade de que um terremoto de intensidade além da magnitude considerada no
projeto ocorra nesta região.
1.3 Contenção contra movimentos do mar (tsunamis) e eventos climáticos extremos
Embora o perigo da ocorrência de Tsunamis seja muito mais acentuado no oceano
Pacífico, é também conhecida sua ocorrência no oceano Atlântico. De fato, um dos
primeiros assentamentos europeus no Brasil, a vila de São Vicente, foi destruída por um
tsunami em 1541.
O tsunami mais severo no Atlântico teve lugar em 1755 causado por um terremoto de
grande magnitude nas proximidades da Costa de Portugal. De acordo com um estudo de
Barkan et al. (2009) ) "the large tsunami-wave generated by the earthquake also caused
damage in the eastern Lesser Antilles, as far north as Newfoundland, Canada and as far
south as Brazil“. 9 Embora nenhum grande dano tenha sido constatado no Brasil em
1755, este exemplo mostra, no entanto, que mesmo eventos sísmicos muito distantes
podem impactar o litoral brasileiro.
Apesar do fato de que Tsunamis no Atlântico são ocorrências raras, um grupo de
geólogos marinhos, geofísicos, engenheiros geotécnicos e modeladores hidrodinâmicos
começaram, no entanto, a avaliar fontes de tsunami com potencial de impacto sobre a
costa atlântica dos Estados Unidos, como parte de um projeto financiado pela Comissão
Reguladora Nuclear dos Estados Unidos. Seu trabalho assinala que maremotos não são
apenas causados por terremotos "offshore", mas também podem ser o resultado de
deslizamentos submarinos de terra.
De acordo com este estudo, "landslides that occur undersea, or have impact into water,
can generate tsunamis. Massive landslides can also generate megatsunamis, which are
usually hundreds of meters high". 10 Isto é especialmente verdadeiro para as áreas
situadas em baías: em 1958, um deslizamento de terra causou um tsunami na Baía de
Lituya, no Alasca com uma onda de mais de 500 metros.
Como estudos comparáveis ainda foram desenvolvidos para o Brasil, é difícil avaliar o
risco potencial de um tsunami atingindo as centrais nucleares de Angra.
Enquanto a empresa Eletronuclear tenha, pelo menos, declarado sua intenção de
contratar um consultor externo para avaliar o risco de tsunamis, não está claro qual será
o escopo do estudo e que tipo de impacto poderia ocorrer enquanto que a Eletronuclear
mantém a sua não disposição em adiar a construção da central nuclear.
Uma outra questão que a empresa Eletronuclear mantém até agora completamente
ignorada, é a possibilidade de ocorrência de eventos climáticos extremos, que poderiam
afetar a instalação da usina de Angra 3. Especificamente neste aspecto, os estudos da
Eletronuclear não fazem nenhuma referência aos eventos extremos que já vêm
ocorrendo em várias regiões do Brasil, em função do processo global de mudanças
climáticas.
9
Cf. Barkan et al. “Far Field tsunami simulations of the 1755 Lisbon earthquake: Implications for
Tsunami hazard to the U. S. East coast and Caribbean”. International Journal of Marine Geology, August
2009.
10
Cf. Brink, U. “Tsunami hazard along the U. S. Atlantic coast”. International Journal of Marine
Geology, March 2009. (Tradução: "deslizamentos de terra que ocorrem sob o mar, ou que têm impacto na
água, pode gerar tsunamis. Deslizamentos de terra de grande magnitude podem também gerar
megatsunamis, que geralmente são de centenas de metros de altura".
17
A esse respeito, cabe lembrar o ciclone tropical ocorrido em 2004, no litoral do estado
de Santa Catarina, no sul do país. Não é excessivo afirmar que existe uma tendência de
eventos similares afetarem outras áreas da costa brasileira, como o sul do estado do Rio
de Janeiro.
Com efeito, esta tendência tem sido considerada em recentes avaliações do IPCC (2007)
no que se refere ao aumento da duração e intensidade de tempestades e tormentas e sua
forte correlação com as variações de temperatura na superfície dos oceanos nas áreas
tropicais. Nestes estudos, foi verificada a ocorrência de eventos climáticos extremos
(ciclones, tufões) em áreas onde nunca anteriormente tinham sido observados. Segundo
o IPCC (2007), utilizando diversos modelos de previsão, existe uma probabilidade
maior do que 66% de que o contínuo aumento do aquecimento da superfície dos
oceanos conduza a uma maior intensidade de ocorrência de ciclones tropicais, com
maiores velocidades dos ventos e maiores precipitações pluviométricas.11
Sabe-se que a região do litoral sul do estado do Rio de Janeiro apresenta com freqüência
anual a ocorrência de fortes chuvas na época do verão (durante os meses de Novembro a
Março). Não se pode descartar a possibilidade destas ocorrências se intensifiquem em
função do quadro global de mudanças climáticas.
2. Avaliação dos atuais planos de evacuação
A região onde estão instaladas as usinas nucleares Angra 1 e Angra 2 possui um Plano
de Emergência Local (PEL) que tem como objetivo proteger a saúde e garantir a
segurança dos trabalhadores das usinas e do público em geral presente na Área de
Propriedade da Eletronuclear em qualquer situação de emergência radiológica em Angra
1 e/ou Angra 2. O PEL abrange toda a área das Centrais Nucleares, a Vila Residencial
de Praia Brava e a região de Piraquara de Fora. A empresa Eletronuclear não dispõe
informações sobre o número de funcionários e população que vive na área do PEL, mas
estima-se que existam cerca de 250 pessoas na área correspondente ao raio de 3 km no
entorno das usinas.
Para as demais áreas próximas das usinas, e que não estão sujeitas às ações do PEL, a
empresa Eletronuclear definiu um Plano de Emergência Externo (PEE/RJ). No PEE/RJ
constam ações específicas a serem implementadas nas Zonas de Planejamento de
Emergência – ZPE -, que são áreas vizinhas à CNAAA, delimitadas por círculos, com
raios, respectivamente, de 3 km, 5 km, 10 km e 15 km, centrados no Edifício do Reator
de Angra 1. Essas áreas são nominadas ZPE-3, ZPE-5, ZPE-10 e ZPE-15:
11
Cf. IPCC (2007). Ver também Woodworth & Blackman (2004); Emanuel et al. (2008). Woth et al.
(2006).
18
Figura 15: Zonas de Plano de Emergência das usinas nucleares em Angra.
Conforme indica a Eletronuclear, “este plano foi submetido à Comissão Nacional de
Energia Nuclear (Cnen), responsável pelo licenciamento de instalações nucleares no
Brasil, e está sob a coordenação dos órgãos de Defesa Civil”.
O planejamento prevê apenas a proteção da população residente em uma área de até 5
km em torno da Central Nuclear. Esta região conta com um sistema de som constituído
de 8 sirenes localizadas no raio de 5 km, conforme indicam as Figuras 16 e 17:
Figura 16: Localização das 6 sirenes na região de raio até 5 km.
19
Figura 17: Localização das demais 2 sirenes na região de raio até 5 km.
A) A precariedade no sistema de alerta
O sistema de alerta é testado todo dia 10, às 10 horas da manhã, como medida de
segurança para as populações moradores das áreas próximas às oito sirenes.
Entretanto, diversas situações demonstram que a população residente no raio de até 5
km das usinas não está preparada para situações de emergência, como ocorreu em 1989,
quando um raio atingiu a sirene, localizada na comunidade do Frade, durante uma
tempestade, e fez disparar o alarme.
Conforme depoimento da Sra. Elizabete Moreira Rodrigues, de 41 anos, “os moradores
acharam que era para valer. Todo mundo abandonou tudo, correu para a pista, veio até
gente embrulhada na toalha. Não tinha socorro na hora, mas o pessoal conseguiu sair de
carro e caminhão até Angra dos Reis. Aí adianta? Se acontecer um desastre desses, acho
que morreria todo mundo.” 12
Um anos antes, em 1988, faltou luz elétrica na central nuclear e a sirene disparou fora
da data de simulação. Conforme o Sr. Evandro Vieira, de 41 anos, presidente da
associação de moradores do Frade, “Foi um caos, as pessoas saíram de pijama nas ruas
sem saber para onde ir. Não acho que mudou muita coisa de lá pra cá.” 13
Existem dois tipos de Exercícios para testar o Plano de Emergência nas usinas nucleares
de Angra dos Reis: nos anos pares são feitos os exercícios parciais e nos anos ímpares
são realizados os exercícios gerais. Tendo como cenário a simulação de um acidente na
usina nuclear Angra 2, o último exercício geral foi realizado nos dias 31 de agosto e 1º
de setembro de 2011.
Muito embora a estimativa da população atual que mora na região de Angra no raio de 5
km das usinas nucleares seja de 15 mil habitantes, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ)
estima que “no máximo, 300 pessoas participem ativamente dos treinamentos. A
população não é bem informada.” 14
12
Agência BBC Brasil, 26/04/2011.
Jornal O Estado de São Paulo, 27/04/2011.
14
Jornal O Estado de São Paulo, 27/04/2011.
13
20
B) O limitado Plano de Evacuação
O Plano de Evacuação 15 deve ser implantado em situações extremas, quando será
removida a população localizada a 3 km do entorno das usinas (estimada em 250
pessoas), e posteriormente, a população localizada a 5 km (estimada em 15.000
pessoas).
Cabe aos inspetores da CNEN presentes no interior das centrais nucleares notificar um
evento não usual e com isso, dar início ao processo definido no Plano de Emergência.
Este procedimento não é o mais indicado por duas razões. A primeira se refere ao fato
de que a CNEN exerce o duplo papel de produção e desenvolvimento das atividades
nucleares no Brasil, e ao mesmo tempo, de órgão regulador e fiscalizador destas
atividades. A inspeção das atividades no interior das centrais nucleares deve ser
exercidade por um órgão autônomo e independente da produção da energia elétrica de
origem nuclear (a esse respeito, ver item 3 deste estudo - sessão A). A segunda diz
respeito ao exemplo dado pelas autoridades japonesas por ocasião do acidente de
Fukushima em março de 2011, que procuraram minimizar e esconder a todo custo a
natureza e amplitude do que estava acontecendo nos quatro reatores da usina.
Há que se acrescentar que, em diversas ocasiões em que ocorreram problemas na
operação das usinas Angra 1 e Angra 2, a Eletronuclear só reconheceu publicamente os
problemas depois que a prefeitura do município de Angra ou as ONGs ambientalistas da
região procuraram a imprensa para denunciar a ocorrência e manifestar preocupação.
Tal situação se verificou em 2001, quando ocorreu um vazamento no sistema primário
de refrigeração na usina de Angra 1.
C) A precariedade das condições de transporte e da rota de fuga
A única rota de remoção da população em situação de emergência é a rodovia RioSantos (BR-101). Conforme a Prefeitura de Angra dos Reis, só os 90 km que cortam o
município têm 18 pontos com alto risco de deslizamento. Sabe-se que, frequentemente
caem barreiras na rodovia Rio-Santos quando chove, e mesmo em dias normais há
engarrafamentos na entrada da cidade de Angra dos Reis.
A figura 18 indica a única rota de remoção em situação de emergência, a rodovia RioSantos (BR-101), e sua localização em relação ao sítio onde estão localizadas as usinas
nucleares e as áreas próximas:
15
Conforme informações do Coronel Saul Zardo Filho (Ministério da Ciência e Tecnologia), do Tenente
Coronel Jerri A. Pires (Corpo de Bombeiros do Estado do RJ), e do Tenente Coronel Roberto Sobral (Defesa
Civil do Estado do RJ), disponíveis no site: http://www.eletronuclear.gov.br/seguranca/perguntas.php
21
Figura 18: A rodovia Rio-Santos (BR-101) e a região das
usinas de Angra dos Reis.
Segundo a Eletronuclear, o transporte da população a ser removida será realizado por
empresas de ônibus da região previamente cadastradas e ônibus da Eletronuclear. É
indicado que estes ônibus estarão “previamente colocados antecipadamente, antes que
haja qualquer tipo de liberação de material radioativo”. Nada é dito sobre como estes
ônibus estarão previamente colocados antes da liberação de material radioativo.
Dependendo da natureza do acidente, a pluma radioativa pode se deslocar a partir do
reator da usina até atingir o raio de 5 km em dezenas de minutos, o que exigiria que
estes ônibus estivessem disponíveis para o transporte de forma permanente, o que não
ocorre.
Além disso, conforme depoimento do presidente do Sindicato dos Rodoviários, Sr.
Marcelo Barbosa, os motoristas da região não estão preparados para fazer parte de uma
evacuação, porque não receberam qualquer tipo de treinamento ou incentivo financeiro
para ficar permanentemente de plantão. 16
Os pontos de reunião para cada uma das localidades onde a população será removida em
caso de acidente estão previamente fixados e identificados através de placas, ao longo
da rodovia Rio-Santos. Esta é a única rota prevista para a remoção.
No fim de 2010, o Ministério dos Transportes anunciou que a duplicação da rodovia Rio
–Santos entre as cidades de Itacuruçá e Paraty seria incluída no PAC 2 – segunda etapa
do Programa de Aceleração do Crescimento. O trecho, de 160 quilômetros, inclui o
percurso das usinas de Angra até a capital do Rio de Janeiro. A obra deveria ser licitada
em meados do ano de 2011 (Nota: nada foi feito até o momento!) e deverá levar no
mínimo 18 meses para ficar pronta.
Entretanto, estas obras, se forem algum dia iniciadas, deverão levar muito mais tempo
para serem concluídas. Por exemplo, em dezembro de 2011, foram inauguradas obras de
duplicação de 26 quilômetros da rodovia entre Itacuruçá e Santa Cruz , que levaram
quatro anos e custaram R$ 245 milhões (equivalente a 106 milhões de Euros).
16
Fonte: htttp://costazulfm.com.br/novosite/noticias.asp?vNoticia=4081
22
No momento, a Eletronuclear anuncia que estuda alternativas à estrada para o Plano de
Evacuação, como a construção de quatro píeres (Mambucaba, Praia Vermelha, Praia
Brava e Frade) para remoção da população por barcos, e ainda quadras poliesportivas
que possam servir como heliportos, dentro da Zona de Planejamento de Emergência.
Também existe o projeto de ampliação do aeródromo de Angra, que só tem espaço para
aviões de pequeno porte, para virar um aeroporto. No entanto, estas soluções são ainda
só projetos, e são apenas paliativas pois as condições adequadas para remoção só serão
alcançadas com a construção de outras rodovias e a duplicação da rodovia Rio-Santos,
no trecho da cidade do Rio de Janeiro até a cidade de Paraty.
A precariedade do Plano de Evacuação se estende às condições para abrigar a população
removida. A Eletronuclear indica que foram cadastradas escolas estaduais e municipais
para receber a população, e para o caso da população das ilhas, o abrigo é na Escola
Naval, na cidade de Angra dos Reis. Nada é informado sobre as condições de abrigo
(quantidade de leitos, condições de higiene e abastecimento de alimentos para a
população evacuada).
Finalmente, para concluir esta avaliação, é necessário novamente destacar que o Plano
de Emergência não considera a remoção da população nas áreas de 10 e 15 km das
usinas (ZPE-10 e ZPE-15). Dentro da ZPE-15, localiza-se a área urbana da cidade de
Angra dos Reis, com uma população de 170 mil habitantes 17, e que nos meses de verão
recebe um grande número de turistas.
Segundo a Eletronuclear, o Plano de Emergência não considera a hipótese de que a
pluma radioativa cobriria a cidade de Angra dos Reis ou a cidade do Rio de Janeiro sob
a alegação de que os ‘estudos científicos’ não admitem estas possibilidades, conforme o
depoimento do Coronel Saul Zardo Filho, do Ministério da Ciência e Tecnologia,
disponível no site da Eletronuclear na web.18
No entanto, a empresa Eletronuclear não faz referência sobre a natureza e rigor de tais
“estudos científicos”, o que levanta ainda mais incertezas sobre sua confiabilidade.
A figura 19 indica a localização da cidade de Angra dos Reis, das demais áreas urbanas
na região e das inúmeras ilhas existentes na baía da Ilha Grande em relação às usinas
nucleares, demonstrando a precariedade e limitação do raio de evacuação atualmente
restrito pela empresa Eletronuclear, aos 5 km de raio.
17
18
Cf. IBGE, Censo Demográfico, 2010.
Cf: http://www.eletronuclear.gov.br/seguranca/perguntas.php
23
Figura 19: Localização das usinas nucleares (A) e a proximidade
das áreas urbanas e ilhas na região de Angra dos Reis.
Esta precariedade e limitação do Plano de Evacuação ficam ainda mais evidentes
quando lembramos que o desastre na usina nuclear de Fukushima no Japão em 11 de
março de 2011, levou as autoridades japonesas a estender o Plano de Evacuação, um dia
após o início da constatação de vazamento de material radioativo, dos iniciais 3 km para
10 km de raio das usinas.
No mesmo dia, após a explosão dos gases contendo alta concentração de hidrogênio que
se acumularam no prédio de contenção de um dos reatores da usina de Fukushima, a
evacuação foi estendida para 20 km e, após uma nova explosão na unidade 2 no dia 15
de março, a população residente no raio entre 20 e 30 km foi aconselhada a não sair de
suas casas, sendo orientada a proceder à uma evacuação voluntária. 19
Convém também recordar, que o governo americano criticou de forma veemente a
decisão do governo japones de ainda restringir o raio de evacuação aos 20 km, e
recomendou aos cidadãos americanos residentes na área de 80 km da uisna de
Fukushima a deixar suas residencias e procurar abrigo em áreas mais distantes.
A representação da ONG Greenpeace no Japão, por sua vez, realizou medições de
radiação e constatou, nos dias que se seguiram ao desastre nuclear, que elas superiores a
10 micro Sieverts a uma distância de 40 km do local onde estavam os quatro reatores da
usina de Fukushima.
O Gráfico 1 indica a relação entre a população estimada na região de Angra em função
dos raios de Evacuação (3-5-15-20 Km) que deveriam ser considerados no Plano de
Emergência da empresa Eletronuclear:
19
Cf. IAEA. Mission Report–Fukushima Dai-Ichi NPP accident following the great east Japan earthquake
and tsunami. Division of nuclear installation safety/Department of nuclear safety and security. Japan, 24
May-2 June 2011, p.127-135.
24
o
N Habitantes
250.000
200.000
200.000
170.000
150.000
100.000
50.000
250
0
0
15.000
3
5
10
15
20
Raio (Km)
Gráfico 1: População da região de Angra dos Reis em função dos raios de Evacuação
que deveriam ser considerados no Plano de Emergência
Fonte: Elaboração própria.
Verifica-se a insuficiência do atual Plano de Emergência da empresa Eletronuclear ao
restringir os raios de evacuação a 3-5 km, desconsiderando outros cerca de 185.000
habitantes que vivem na região de Angra dos Reis, a 20 km das usinas (sem considerar
o fluxo de turistas).
Entretanto, a simples extensão do Plano de Evacuação para 15 ou 20 km não vai alterar
as condições de segurança das usinas para a população moradora na região, na
eventualidade de um acidente nuclear severo. As limitações e as precariedades dos
vários aspectos avaliados neste estudo não só vão ser mantidas como ampliadas.
Na próxima sessão deste estudo é analisada a reação das autoridades brasileiras com
respeito aos eventos ocorridos na usina de Fukushima no Japão, em março de 2011.
3. A reação do governo brasileiro e da Eletronuclear após o desastre da usina de
Fukushima no Japão, em 11 de março de 2011.
Cinco dias após o acidente nuclear de Fukushima, o ministro da Ciência e Tecnologia
na época, Aloizio Mercadante, o chamou de "incidente" que deveria ensejar uma revisão
da política de segurança nas usinas brasileiras. “Mas nada seria feito agora”, segundo o
ministro. 20
O Brasil não tem um plano de contingência para esvaziar a cidade de Angra dos Reis
caso problema semelhante ao da usina japonesa de Fukushima 1 ocorra. Como foi
observado, o Plano de Emergência de Angra estabelece a retirada da população – cerca
de 15 mil pessoas no total - num raio de 5 km das usinas, o mínimo exigido pela
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Segundo o presidente da CNEN
(Comissão Nacional de Energia Nuclear), uma remoção em 20 km, como a feita no
20
Jornal Folha de São Paulo, 16/03/2011.
25
Japão, "começa a pegar a cidade de Angra e é mais complicada". O governo brasileiro
"vai pensar" em revisar o plano de emergência. 21
However, as explained above, the 5 km minimum turned out to be not sufficient in the
Fukushima case. And after the accident the head of IAEA Yukiya Amano told an
emergency meeting of his board of governors in Vienna that the current emergency
response framework needs to be re-examined along with the role of IAEA’s safety
standards. 22
Em agosto de 2011, a Eletronuclear anunciou um plano de investimentos de R$ 300
milhões (equivalente a 130 milhões de Euros) para os próximos cinco anos. Segundo a
empresa, este plano é resultado de estudos que tiveram início logo após o acidente
nuclear no Japão. Está prevista uma nova avaliação de encostas, altura de ondas e
intensidade de chuvas. Um dos pontos contemplados é a contratação de uma consultoria
externa para reavaliar o serviço de monitoramento das encostas no entorno do complexo
nuclear de Angra dos Reis.
Observa-se que o plano se restringe a estudos de avaliação e reavaliação. Não há
indicação de nenhuma obra que irá reduzir ou superar os problemas que são atualmente
identificados, como indicado no presente estudo. Mesmo a pequena usina hidrelétrica,
que como já destacamos, não irá resolver o problema da segurança no suprimento de
eletricidade em situações emergenciais (ver sessão 1.1 deste estudo), não tem seus
custos contabilizados no orçamento do plano, e ainda serão estimados. 23
A Eletronuclear ainda anuncia que o plano será submetido à Comissão Nacional de
Energia Nuclear (Cnen), responsável pela fiscalização das usinas, que poderá fazer
outras exigências.
Essa providência não altera nada, pois é justamente a Cnen que se constitui no grande
problema institucional do uso da energia nuclear no Brasil.
A) A ausência de uma agência independente para fiscalizar as atividades
nucleares no Brasil
A estrutura atual da área de fiscalização da radioproteção e segurança nuclear no Brasil
apresenta riscos inerentes para a população e o meio ambiente em função da ausência de
segregação das funções de regulação, definição de política nuclear e condução das
atividades operacionais.
Figura 20: Organograma do setor nuclear brasileiro
Fonte: http://energianuclearbr.blogspot.com/2010/10/o-setor-nuclear-brasileiro.html
21
Jornal Folha de São Paulo, 15/03/2011.
"Nuclear emergency response must be upgraded in light of Japanese crisis – UN atomic chief", UN
News Centre, 21/03/2011. Cf: http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=37834&Cr=japan.
23
Jornal O Globo, 22/08/2011.
22
26
As principais ações do setor nuclear brasileiro estão distribuídas em três ministérios. O
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), através da Comissão Nacional de Energia
Nuclear (CNEN), licencia e controla as atividades nucleares, fornece produtos e
serviços e promove pesquisas do setor. Também integram o MCT a INB, que é
responsável pelo ciclo do combustível nuclear, e a Nuclep, fabricante de equipamentos
pesados para usinas nucleares. No Ministério das Minas e Energia (MME) está a
Eletronuclear, que opera as usinas nucleares Angra1 e Angra 2. O Ministério da
Defesa, através da Marinha Brasileira, pesquisa e desenvolve o uso de energia nuclear
para propulsão naval, tendo como principal projeto um submarino nuclear.
Hoje, comparando a estrutura regulatória dos países que têm ambição de
desenvolvimento na área nuclear, poucos países apresentam estrutura de fiscalização e
regulação das atividades nucleares semelhantes a do Brasil. A estrutura deste é
centralizada, sem a segregação necessária das atividades de fomento, produção e
desenvolvimento das de regulação e fiscalização. Deve-se ressaltar que foi esta estrutura
centralizada que possibilitou a existência no Brasil de um Programa Nuclear sigiloso
com o objetivo de produzir artefatos nucleares para fins militares.
Em função desta estrutura que a faz “fiscal de si mesma”, muitas instalações nucleares e
radioativas da própria Cnen não estão licenciadas ou certificadas e apresentam-se
fragilmente fiscalizadas, incluindo-se aí as Indústrias Nucleares do Brasil – INB, que
pertencem à Cnen, e realizam as etapas de mineração, beneficiamento e enriquecimento
do urânio.
É necessária a criação de uma agência para regular o setor nuclear no Brasil. Entretanto,
a proposta de criação de uma agência nacional está parada desde 2009 aguardando uma
análise pelos 11 ministérios integrantes do comitê de gerenciamento do setor nuclear do
Brasil, mas o comitê não se reúne desde aquele ano. A futura ARNB (Agência
Reguladora Nuclear Brasileira) dividiria papéis com a Cnen - que hoje responde por
todos os assuntos relativos a material radioativo - desde autorizar aparelhos de raio-X
até licenciar usinas nucleares de bilhões de reais. Conforme a proposta, que não possui
nenhum prazo para sua consolidação, a Cnen ficaria com a área de pesquisa e a ARNB
cuidaria das usinas, além de "elaborar e executar o plano de atendimento a emergência
nuclear ou radiológica." 24
4. Conclusões
Este estudo mostrou que o problema mais grave em Angra dos Reis diz respeito à
instabilidade do terreno onde as usinas estão assentadas, sujeito a deslizamentos após
chuvas fortes, como sucedeu na região há um ano, bloqueando a única estrada por onde
a população poderia ser evacuada em caso de acidente nuclear, que é a Rio-Santos (BR101).
Este estudo também demonstrou que existem vigorosos problemas na implementação
dos Planos de Emergência e de Evacuação para situações plausíveis de ocorrência de
interrupção do suprimento de energia elétrica nas usinas nucleares de Angra 1 e 2, em
função dos deslizamentos nas encostas da região. Apenas ações insuficientes e não
efetivas está sendo tomadas pela empresa para reduzir ou afastar estes riscos.
Ainda, este estudo indicou que é limitado o raio que a empresa Eletronuclear considera
para efeitos de evacuação, e que as rotas de fuga são precárias senão impeditivas, para o
24
Jornal Folha de São Paulo, 16/03/2011.
27
deslocamento em condições adequadas de uma quantidade significativa de pessoas,
incluindo os próprios funcionários das usinas, e os moradores do entorno das usinas,
cujo número pode chegar a 200 mil pessoas, se o raio de 20 km for considerado para o
Plano de Evacuação.
O estudo também mostrou como o treinamento da população potencialmente incluída
no atual Plano de Evacuação limitado aos 3 e 5 km, é precário e as condições de
transporte desta população em situação emergencial são também precárias, como são
inexistentes condições adequadas de abrigo para esta população no caso de ser removida
por ocasião de um evento de exposição aos radioisótopos na eventualidade de um
acidente nuclear similar ao verificado em março de 2011 na usina de Fukushima no
Japão.
Nestas condições, a construção de uma terceira usina na região de Angra dos Reis
vai multiplicar os problemas e ampliar os riscos aqui apontados.
Por seu turno, a empresa Eletronuclear apenas apresenta suas “boas intenções” em
aumentar as condições de segurança nas usinas nucleares da região de Angra dos Reis.
Seus dirigentes, como o próprio governo brasileiro, acreditam que planos e projetos que
estão sendo apresentados com a intenção da satisfazer as condicionantes de segurança
solicitadas pelo Parlamento Alemão, serão suficientes para assegurar à agência Hermes
e ao governo alemão a concessão do crédito para conclusão das obras de construção de
uma terceira usina nuclear em Angra.
A iminente decisão do governo alemão de aprovar a garantia de crédito de 1,3 milhões
de Euros com o aval da agência Hermes, através do fornecimento de equipamentos e
serviços de engenharia nuclear da empresa AREVA para finalizar a construção da usina
de Angra 3 no Brasil, pode ser considerada como uma atitude irresponsável, pois o
governo alemão quer apoiar a construção de usinas nucleares nos outros países ao
mesmo tempo em que o próprio governo alemão, num formidável exemplo para o
mundo, decidiu fechar todas suas usinas nucleares até 2023.
O acidente nuclear de Fukushima foi minimizado pelas autoridades nucleares
brasileiras. As iniciativas governamentais foram evasivas, e os planos de construção de
novas usinas nucleares não sofreram alteração.
A própria AIEA é evasiva em relação à questão da necessidade de revisão dos
procedimentos para acidentes nas usinas nucleares. A necessidade de redefinição das
Zonas de Planejamento de Emergência, estendendo a obrigatoriedade de Planos de
Evacuação para raios superiores aos atuais 5 km, ainda se encontra em fase de estudos.25
Enquanto que o governo brasileiro solicita à Alemanha a concessão do crédito para
finalizar a usina de Angra 3, uma recente pesquisa realizada pela agência IBOPE
Inteligência no Brasil, em articulação com a agência WIN-Worldwide Independent
Network of Market Research, no período de 21 de março a 10 de abril de 2011 em 47
países, para avaliar as repercussões do acidente nuclear de Fukushima na opinião
pública internacional, identificou que 54% dos brasileiros são “contra” o uso de energia
nuclear como forma de gerar eletricidade, enquanto que na média mundial são 43%
contra. Vale assinalar que antes do acidente de Fukushima, a proporção dos brasileiros
25
“No emergency classification system is in use in the sense of the respective IAEA guidance. A single
emergency planning zone has been defined for every nuclear facility; this is about 8-10 km for a nuclear
power plant. Introduction of the notion of Urgent Protective action planning Zone and the extension of the
planning zone to the size as recommended by IAEA is under consideration”. (cf. in IAEA. Mission
Report–Fukushima Dai-Ichi NPP accident following the great east Japan earthquake and tsunami. Japan,
24 May-2 June 2011, p.123).
28
contra a energia nuclear era de 49%. A pesquisa também indicou que 57% dos
brasileiros estão preocupados com a possibilidade de um incidente nuclear no país,
frente a uma média mundial de preocupação de 49%.
Este estudo recomenda a não aprovação da concessão de crédito para a conclusão
da construção da usina de Angra 3.
São Paulo, Brasil, Fevereiro de 2012.
Prof. Dr. Célio Bermann
IEE-USP
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Avaliação dos aspectos de Segurança do Projeto da Usina Nuclear