Revista UNIRB – Faculdade Regional da Bahia v. 1, n. 2 (2008-2009) - Salvador: Editora e Gráfica do SENASP, 2009. ISSN 1809-9157 1. Administração 2. Direito 3.Educação 3. Psicologia 4. Saúde 5. Serviço Social Revista UNIRB Volume I Número 2 2008-2009 COMISSÃO EDITORIAL Sara Borges (Diretora Acadêmica) Eliani Cavalcanti (Coordenadora Pedagógica) Siomara Andrade (Assessora Núcleo de Gestão Pedagógica e Docente Unirb) Silvana Vaz (Assessora Núcleo de Gestão Pedagógica) Leila Bárbara Menezes Souza (Assessora Pedagógica e Docente Unirb) Lauro Gurgel de Oliveira Júnior (Educação Física) Lúcia Couto (Serviço Social) Liliana Onoro (Administração) Aline Clara (Biomedicina) Milena Bastos (Enfermagem) CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO Sara Borges (Diretora Acadêmica) Eliani Cavalcanti (Coordenadora Pedagógica) ORGANIZADORES DESTE NÚMERO Antônio Carlos Vinhas (Professor Unirb) Bartira Telles Pereira Santos (Professora Unirb) Leila Bárbara Menezes Souza (Assessora Pedagógica e Professora Unirb) REVISÃO Antônio Carlos Vinhas (Professor Unirb) Bartira Telles Pereira Santos (Professora Unirb) Benedito Carlos Libório Caires Araújo (Professora Unirb) Yacina Marques (Professora Unirb) PROJETO GRÁFICO E IMPRESSÃO Gráfica SENASP APRESENTAÇÃO A Revista da UNIRB tem o objetivo de divulgar a produção acadêmica da Faculdade Regional da Bahia (UNIRB) e abrange temáticas das seguintes áreas: administração, educação, saúde e psicologia. Seu objetivo maior é o de proporcionar a troca de informações e o debate sobre as principais questões emergentes nesses campos de conhecimento. Este é o primeiro volume de comunicação de cunho científico, sendo esse constituído de artigos inéditos, fato que também acontecerá nos próximos números. Vale ressaltar que as opiniões expressas nos trabalhos publicados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da Comissão Editorial. Revista UNIRB Volume I Número 2 2008-2009 SUMÁRIO Artigos distribuídos por área ADMINISTRAÇÃO ........................................................................................................ A CONTRIBUIÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL NA FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE JOVENS: O PAPEL DA ASSOCIAÇÃO PICOLINO DE ARTES DO CIRCO EM SALVADOR, BAHIA .................................................................................................................... 9 Aline Eloy de Alcântara, Maria de Fátima Araújo Frazão e Marithânia de Almeida Nogueira A APLICABILIDADE DO MARKETING DE RELACIONAMENTO E FIDELIZAÇÃO DO CLIENTE NA ÓTICA DO FUNCIONÁRIO DA TELEVISÃO CIDADE S/A (NET) ................................................................................................................................................ 34 Josete Damasceno dos Santos, Nadijane de Jesus da Cruz e Maria De Fátima Araújo Frazão ANÁLISE REFLEXIVA DAS HABILIDADES E COMPETÊNCIAS QUE DISCUTEM A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NA PRÁTICA DOCENTE UNIVERSITÁRIA ................................................................................................................................................ 55 Liliana Margarita Oñoro Acosta, Regina Alonso Gonzalez Pimenta MODELO COMPUTACIONAL DE CRIPTOGRAFIA DOS GREGOS ............................................. 69 Leandro Gonzalez RETENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE TALENTOS COMO FERRAMENTA DE CRESCIMENTO ORGANIZACIONAL: ESTUDO DE CASO DO EDUCANDÁRIO PEDACINHO DO CÉU ..................................................................................................................................................77 Renata Rimet e Maria de Fátima Araújo Frazão EDUCAÇÃO A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA A FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE CONSCIENTE ................................................................................................................................................ 94 Leila Bárbara Menezes Souza SOCIEDADE SOLIDÁRIA: POSSIBILIDADE DE MUDANÇA, DIANTE DO CAPITALISMO GLOBALIZADO....................................................................................................................... 103 Alaim Passos Bispo DIREITO ANISTIA AUTOCONCEDIDA PELA DITADURA MILITAR E O PROCESSO DE SUA DESLEGITIMAÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO COMO PRESSUPOSTO PARA REPARAÇÕES PELAS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS ..................................................................................................... 122 Cristiane Santana Guimarães DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA ............................................................. 148 Gorgonio José de Araújo Neto INFORMAÇÃO E ACCOUNTABILITY: ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ATINENTES À AMPLIAÇÃO DO CURRÍCULO E DO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM A PARTIR DO PROGRAMA SEGUNDO TEMPO ESCOLAR ................................................................................................ 160 Aline Alves Bandeira e Paulo Henrique de Viveiros Tavares O DIREITO À INFORMAÇÃO COMO COROLÁRIO DA EFETI VAÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL: ANÁLISE DE DISPOSITIVOS JURÍDICOS E DE EFETIVOS INSTRUMENTOS DE DEFESA TENDENTES À ACESSIBILIDADE DA INFORMAÇÃO .................................................................................. 178 Aline Alves Bandeira e Paulo Henrique de Viveiros Tavares O NEOCONSTITUCIONALISMO COMO PARÂMETRO PARA A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS .............................................................................................................. 202 Dejair dos Anjos Santana Júnior SAÚDE ABORDAGEM SOBRE A PSICONEUROIMUNOLOGIA E A FASE MEDITATIVA RELACIONADA À PRÁTICA DO QI GONG ......................................................................................................... 225 Renato Santos de Almeida ATUAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA NAS REPECURSSÕES RESPIRA TÓRIAS DO TUMOR DE MEDIASTINO ........................................................................................................................ 233 Renato Santos de Almeida EFEITOS DA ACUPUNTURA NO TRATAMENTO DA ASMA .................................................... 243 Renato Santos de Almeida PREVALÊNCIA DAS ENTEROPARASITOSES NO ORFANATO LAR DA CRIANÇA, NO BAIRRO DE VILA LAURA, SALVADOR-BA ...................................................................................................260 Márcia C. S. Moreira, Karen Pereira, Vera Lúcia da Silva e Denise Passos PSICOLOGIA SER MULHER E HOMOSSEXUAL: UM DIREITO DE SER DIFERENTE ...................................... 270 Jaylla Maruza R. S. e Silva REFLEXÕES SOBRE O USO DE CHECKLIST PARA A AUTO-AVALIAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DE APRENDIZAGEM EM UM CURSO DE PEDAGOGIA...................................... 298 Lys Maria Vinhaes Dantas e Olívia Maria Costa Silveira SERVIÇO SOCIAL A PESQUISA, A AVALIAÇÃO E O PLANEJAMENTO COMO INSTRUMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL ................................................................................................................................................. 316 Jocelina Alves de Souza Coelho e Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto VIDA PSÍQUICA DO TRABALHADOR FRENTE ÀS MUDANÇAS DO MUNDO DO TRABALHO ................................................................................................................................................. 325 Maria Lúcia de Souza C. Couto 9 A CONTRIBUIÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL NA FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE JOVENS: O PAPEL DA ASSOCIAÇÃO PICOLINO DE ARTES DO CIRCO EM SALVADOR, BAHIA. THE CONTRIBUTION OF NON-GOVERNMENTAL ORGANIZATION IN THE FORMATION AND DEVELOPMENT OF YOUNG: THE PAPER OF PICOLINO OF ARTS OF THE CIRCUS ASSOCIATION IN SALVADOR, BAHIA Aline Eloy de Alcântara1 Maria de Fátima Araújo Frazão2 Marithânia de Almeida Nogueira3 RESUMO: As Organizações Não Governamentais são caracterizadas por aturem em prol da cidadania, da luta por interesses da coletividade, a inclusão social de jovens em situação de vulnerabilidade social, entre outras atividades. A pesquisa analisa a contribuição da Associação Picolino de Artes do Circo na formação e desenvolvimento de jovens carentes do bairro de Pituaçu e adjacências, com suporte pedagógico das artes circenses na educação como prática pedagógica. Justifica-se o ineditismo da pesquisa por conta da inserção do mundo do circo e do entretenimento no contexto sócio-educativo visto que concorre com novas tecnologias, televisão digital, realidade virtual, internet, jogos eletrônicos, entre outras, por vezes inacessíveis aos extratos menos favorecidos da sociedade. O processo de resgate da cidadania e de inclusão social de jovens por meio da educação e cultura das artes circenses promovido pela Associação Picolino de Artes do Circo tem contribuído para melhorar o rendimento escolar dos jovens e os mecanismos internos de inteligência, sendo usado como um meio de transformação, os quais procuram ocupar o espaço sadio da educação usando a brincadeira como incentivo. Palavras-chave: Organização Não Governamental; Circo; Arte-educação; Inclusão social. ABSTRACT: The Non-Governmental Organizations characterized by acting in favor of the citizenship, of the fight for interests of the collective, the social inclusion of young in situation of social vulnerability, among others activities. The research analyzes the contribution of the Picolino of Arts of the Circus Association in the formation and development of devoid young of the quarter of Pituaçu and adjacencies, with pedagogical support of the circus arts in the pedagogical education as practical. The ineditism of the research of the insertion of the world of the circus and the entertainment in the partnereducative context is justified on account since it concurs with new technologies, 1 Administradora de Empresas, Graduada pela UNIRB, e-mail: [email protected] Mestre em Administração Estratégica pela UNIFACS, Pós-graduada em Marketing pela ESPM, Administradora, Professora do Curso de Graduação da UNIRB, Consultora em Marketing e Responsabilidade Social e Ambiental, email: [email protected] 3 Administradora de Empresas, Graduada pela UNIRB, e-mail: [email protected] 2 10 digital television, virtual reality, electronic Internet, games, among others, for inaccessible times to favored extracts less of the society. The process of rescue of the citizenship and social inclusion of young by means of the education and culture of the circus arts promoted by the Picolino of Arts of the Circus Association has contributed to improve the pertaining to school income of the young and the internal mechanisms of intelligence, being been used as a way of transformation, which they look to occupy the healthy space of the education being used the trick as incentive. Keywords: Non-Governmental Organizations. Circus. Art-Education. Social Insertion. INTRODUÇÃO Este estudo aborda as atividades empreendidas por uma Organização Não Governamental (ONG) que atua no desenvolvimento e formação dos jovens do bairro Pituaçu e adjacências, em Salvador, Bahia, utilizando as artes circenses. Delimita-se essa pesquisa à Associação Picolino de Artes do Circo com seu projeto social que insere a arte na educação de jovens em situação de risco e vulnerabilidade social. A Associação foi criada pelos artistas Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki e desde sua fundação mantém uma Escola de Circo e atua em parceria com a Prefeitura de Salvador, o Juizado de Menores, no atendimento a crianças e adolescentes carentes em situação de vulnerabilidade social, independente de cor, sexo, religião, formação, tendo em comum o encanto pelo mundo mágico do Circo. Compreender a origem e a evolução das ONGs, requer caracterizar o setor de atividade em que elas se inserem, o Terceiro Setor - lócus das instituições que não são mercado (segundo setor) nem Estado (primeiro setor) e constituem a esfera de atuação da sociedade civil organizada, de cunho público não-estatal, sem ânimo de lucro, voltadas ao bem estar social e a defesas de demandas sociais. Credita-se a origem no setor às iniciativas sociais na Europa do pós-guerra e a influência do associativismo bastante presente nos Estados Unidos da América. No âmbito do Terceiro Setor, agrega-se, estatística e conceitualmente, um conjunto altamente diversificado de instituições que atuam em áreas as mais diversas: educação, proteção social; meio ambiente, saúde, entre outras. O setor tem experimentado um crescimento acentuado no mundo e 11 particularmente no Brasil, gerando emprego, renda e melhoria dos indicadores sociais do país. Drucker (1994, p.79), caracterizou o Terceiro Setor como uma nova esfera da economia, denominada de “economia social” e acrescenta “foi o setor que mais cresceu, movimentou recursos, gerou empregos e foi o mais lucrativo na economia norte-americana nos últimos vinte anos” (DRUCKER,1999, p.81). Os recursos para o desenvolvimento das atividades das organizações do Terceiro Setor, em geral, são provenientes de parcerias com o governo e empresas privadas, da venda de produtos, de doações feitas pela sociedade, da mão-de-obra voluntária e de agentes de desenvolvimento internacionais. O setor enfrenta os desafios da profissionalização da gestão, estabelecer diálogo com os setores governamentais e empresariais, além da concorrência por recursos e conquistar novos espaços (HUDSON, 1999; TENÓRIO, 2000; FRAZÃO, 2003). A pesquisa em tela, um estudo de caso, justiça-se pela motivação das autoras em investigar o papel das artes circenses em um espaço sadio voltado à educação de jovens carentes como meio de transformação da realidade social e construção de uma verdadeira rede de proteção e inserção social dos não incluídos no sistema vigente. Nesse contexto, apresenta-se a questão norteadora do estudo: Qual o impacto das ações da Associação Picolino de Artes do Circo na formação e desenvolvimento dos jovens do bairro de Pituaçu e adjacências? Busca-se investigar se ações empreendidas pela Associação Picolino de Artes do Circo contribuem para a formação e o desenvolvimento dos jovens do bairro Pituaçu e adjacências. Vale destacar o ineditismo da pesquisa por conta da inserção do mundo do circo e do entretenimento no contexto sócio-educativo visto que concorre com novas tecnologias, televisão digital, realidade virtual, internet, jogos eletrônicos, entre outras, por vezes inacessíveis aos extratos menos favorecidos da sociedade. No depoimento dos gestores da Associação Picolino de Artes do Circo, pelos artistas Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki percebe-se que eles acreditam na arte-educação, como mecanismo de promoção e aceleração dos 12 mecanismos internos de inteligência dos jovens, formando um cidadão sadio, com uma infância mais rica em informação, cultura e diversão. OBJETIVOS O objetivo geral da pesquisa é analisar a contribuição da ação social da Associação Picolino de Artes do Circo e os trabalhos desenvolvidos no contexto sócio-educativo do bairro de Pituaçu e adjacências. Os objetivos específicos são: caracterizar a organização alvo da pesquisa, apresentar as ações sócio-educativas empreendidas pela organização, traçar o perfil dos beneficiários da ação social e descrever o trabalho social realizado pela da organização estudada. Para atender aos objetivos propostos, realizou-se a pesquisa bibliográfica sobre a temática abordada, utilizando-se fontes primárias e secundárias tais como: livros, revistas, artigos, documentários fornecidos pela ONG, entrevistas com o Coordenador Geral, a Coordenadora Pedagógica, a Educadora Pedagógica da instituição, além dos questionários respondidos pelos beneficiários da ação social. Enfim, sistematizou-se a base teóricoempírica para construir a base da pesquisa, o trabalho de campo e a análises dos resultados. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA - ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS As ONGs são associações da sociedade civil, sem fins lucrativos que desenvolvem ações em diferentes áreas e que geralmente mobilizam a opinião pública e o apoio da população em prol de uma causa social. As ONGs integram o conjunto de instituições que compõem o Terceiro Setor, o espaço das Associações ou Setores Voluntários (voluntary sector); Organização da Sociedade Civil (OSC); Setor Sem Fins Lucrativos (Nonprofit Sector); Organizações Sociais (OS); Organizações da Sociedade civil de Interesse Público (OSCIP), dentre outras terminologias. Trata-se de um conceito abrangente e generalizado para caracterizar as ações em busca de certos interesses coletivos e difusos, de entidades com campos de trabalho e perfis 13 diferenciados. Para Coelho (2000, p.57) “os termos se misturam e têm sido usados indiscriminadamente”. As ONGs contam com o trabalho voluntário de pessoas que investem tempo e recursos, expressando seu idealismo e a vontade de servir a uma causa, ajudar pessoas, sem benefícios em troca. Parcerias e alianças entre diversos ONGs resultam na captação de recursos junto ao mercado viabilizando a realização de ações que nem sempre o Estado se envolve. Nesse sentido, as organizações não governamentais, subvencionadas por capital estrangeiro ou nacional, têm demonstrando capacidade e competência para elaborar e aplicar projetos que trazem ações sociais transformadoras. Diferentemente do trabalho nos setores públicos e privados, grande parte das tarefas nas organizações do terceiro setor é realizada por ativistas não remunerados que buscam alcançar propósitos sociais. Não raros os voluntários são pessoas ocupadas, cujos compromissos com o emprego e com a família quase nada têm a ver com o propósito da organização. Eles não estão procurando outro emprego, mas uma maneira de expressar o que há de melhor neles por meio da prestação de serviço à comunidade. Até mesmo funcionários remunerados freqüentemente consideram seus salários secundários em relação ao ganho espiritual obtido com o ato de ajudar os menos afortunados. Voluntários e funcionários esperam experimentar a realização pessoal por meio da participação; eles querem se sentir bem em relação a si mesmo. Liderar esse tipo de pessoa requer que se conte muito mais com a inspiração, a paixão, o lisonjeio, a persuasão e a pressão dos pares do que com a autoridade, os incentivos financeiros ou os cargos com títulos pomposos. No entanto, em alguns casos, esses instrumentos têm sua função (NANUS, 2000, p.14). As ONGs atuam em educação, saúde, cultura, comunidade, apoio à criança e ao adolescente, voluntariado, meio ambiente, apoio a portadores de deficiência, firmam parcerias com o Governo, entre outras ações. Para Coelho (2000, p.58), as Organizações “Expressam uma alternativa para as vantagens tanto do mercado, associadas à maximização do lucro, quanto do governo, com sua burocracia inoperante”. Uma das contribuições das ONGs têm sido transformar a vida de indivíduos em situação de extrema desigualdade que se encontravam sem perspectiva de trabalho, com baixa estima em pessoas mais conscientes e 14 capacitadas para reproduzirem o seu aprendizado a outros ssa minimizar a violência, resultando na melhoria no meio em que vivem. As ONGs surgem em 1950, na Organização das Nações Unidas (ONU), para definir toda organização da sociedade civil que não estivesse vinculada a um governo e ganhou destaque no Direito Internacional Público. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, as ONGs direcionaram os esforços em projetos de desenvolvimento nos países de Terceiro Mundo. No Brasil, as ONGs começam a surgir nas décadas de 70 e 80, como apoio as organizações populares, em busca da promoção da cidadania, de defesa de direitos e de luta pela democracia, com base na dinâmicas dos movimentos sociais e na promoção de direitos coletivos. Ao longo da década de 90, surgem diversas organizações privadas sem fins lucrativos, num processo de reformulação das atividades do Estado e de mudanças no mercado de trabalho, as ONGs passam a buscar o envolvimento direto da população, enfrentar problemas e necessidades que afetam o cotidiano da sociedade e se envolvem em movimentos populares, participando da agenda política do país. Neste cenário, o Banco Mundial entende que as ONGs podem ser uma das soluções para os problemas sociais do desenvolvimento, as obriga a repensar sua missão, sua forma de atuação e seu funcionamento. O papel das Organizações Não Governamentais no Brasil, na década de 90, é propor à sociedade brasileira, a partir da sociedade civil, uma sociedade democrática, dos pontos de vista político, social, econômico e cultural. Ele afirma que, apesar da luta hoje parecer mais suave, as certezas quanto aos rumos são mais difíceis, porque pressupõem colaborar com o Estado para a democratização da sociedade, propor uma nova forma de produzir e distribuir bens e serviços que supere os limites da lógica do capital, acabar com o estatal e restabelecer o público, e universalizar todos os valores éticos de sua própria experiência. (SOUZA, 1991, p. 14). Com o objetivo de legalizar a atuação das organizações do Terceiro Setor, foi criada uma lei específica que instituiu a OSCIP, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - uma organização jurídica com certificação emitida pelo poder público federal ao comprovar o cumprimento de certos requisitos, a exemplo das parceiras tanto no setor público quanto em 15 empresas do setor privado, permitindo-se que as doações dessas empresas possam ser deduzidas no imposto de renda. Uma ONG (Organizações Não Governamentais), essencialmente é uma OSCIP, no sentido representativo da sociedade, mas OSCIP trata de uma qualificação dada pelo Ministério da Justiça no Brasil, a qual tem permissão para assumir a execução de serviços públicos, tendo como objetivo o desenvolvimento político, sócio-econômico e cultural por meios de atividades complementares ou suplementares a Administração Pública. Alguns desafios das ONGs: atuar em parceria com o Estado e o empresariado setores, operar sob restrições financeiras, buscar a sustentabilidade para garantir a continuidade das ações por meio de parcerias, apoios, financiamentos, doações feitas por voluntários que se preocupam com o bem social, lidar com uma demanda cada vez mais crescente por serviços sociais gratuitos e de boa qualidade. Para superar esses desafios que podem ameaçar a existência, a eficiência e a eficácia administrativa, as ONGs precisam repensar suas peculiaridades, e desenvolver conhecimento, habilidades e atitudes que assegurem o cumprimento dos objetivos institucionais. Atuar em rede, identificar oportunidades e ameaças, compartilhar ou dividir mercados; criar mecanismos mais eficazes de controle para avaliar o impacto das ações executadas; ganhar maior visibilidade perante a sociedade, contribuir na formação e desenvolvimento da cidadania dos jovens, certamente são algumas alternativas para as ONGs. Esse estudo analisa a importância do aprendizado das artes circenses na formação e desenvolvimento de jovens para que ele possa construir seu projeto pessoal e de carreira profissional, enfim a cidadania participativa. A EVOLUÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DO CIRCO As primeiras artes circenses surgiram a cerca de quatro mil anos na China. Na Roma antiga, no Coliseu, com capacidade para 87 mil espectadores, animais exóticos, engolidores de fogo e gladiadores, se apresentavam para um público interessado em diversão. Nesse mesmo espaço, entre 54 e 68 DC, os cristãos eram atirados às feras, diminuindo o interesse pelas artes circenses. 16 Vale destacar os espetáculos realizados nos hipódromos da Grécia antiga para festejar o regresso das guerras, os escravos e os animas conquistados em suas vitórias. A versão moderna do circo que se conhece hoje com picadeiro, lona e desfile de animais foi criada pelo suboficial inglês Philip Astley, por volta de 1770. Charles Hughes, concorrente de Philip Astley, tornou-se famoso não só pelo seu English Royal Circus, mas também como treinador de mágicos. Seu discípulo, John Bill Ricketts, trouxe essas performances para as colônias da América do Norte e incluiu a dança e acrobacias. O Cirque du Soleil, companhia franco-canadense que tem profissionais do mundo todo em seu elenco, tem se destacada pela incorporação de técnicas teatrais, tecnologia e um novo formato, denominado "novo circo". O circo é um espetáculo da terra que consegue atrair as pessoas, aguça a curiosidade, arranca sorrisos de crianças e adultos, pois traz consigo a alegria, a magia, a coragem, o encanto e a beleza. Herdou dos artistas ambulantes e saltimbancos uma fantástica característica: a transmissão oral de saberes de geração a geração, o que fez desse mundo particular, uma escola de aprendizado único e permanente. A Escola de Circo tem início na ex-União Soviética quando em 1921, o novo governo soviético resolve cria uma escola de circo e convida o diretor de teatro Vsevolod Meyherhold para dirigi-la. Na França, a primeira escola de circo é a Escola Nacional de Circo Annie Fratellini que surge com o apoio do governo francês, em 1979. Somente no final da década de 1970, começam a se estruturar as primeiras escolas de circo brasileiras, reafirmando saberes antes restritos à lona do circo. Diversas áreas artísticas e pedagógicas passam a trabalhar com a linguagem circense, com a incorporação da multiplicidade de linguagens – música, dança teatro, reproduzindo e resignificando saberes. Deste modo, a arte circense também é aprendida em escolas. O circo brasileiro teve a influência dos ciganos vindos da Europa e é um espaço de rica produção cultural, com multiplicidade de linguagens – não só a acrobática – e intercâmbio permanente entre várias manifestações artísticas e referências culturais. 17 É comum escutar que o brasileiro vive de “pão e circo” no sentido de sermos apaixonados por futebol e desapegados da política. A expressão, originária do Império Romano, passou a ser usada com sentido metafórico no século XIX, após estudiosos alemães a difundirem. A historiadora Renata Garrafonni afirma que o termo foi retirado do livro Sátira, de Juvenal. Nele, o autor, que viveu no século II, era literal: debochava da plebe, que já havia sido virtuosa, mas vivia só de shows públicos e da distribuição de trigo. “O contexto é de exagero, mas a expressão foi transformada em verdade sobre os romanos e as sociedades modernas”. (DEURSEN, 2008 p.43). A primeira escola de circo que se instalou no Brasil chamava-se Piolin, em São Paulo, no estádio do Pacaembu (1977). Em 1982, surgiu a Escola Nacional de Circo, no Rio de Janeiro, instalada na Praça da Bandeira. No Ceará, na Paraíba e em Salvador também existem escolas de circo. A Associação Picolino de Artes Circenses mantém uma escola de circo com uma proposta artística, sócio-educativa baseada na arte circense. Os circos têm enfrentado diversas dificuldades, dentre elas a proibição de uso de animais em diversos países e no Brasil, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul já proíbem a presença de animais em circos. Nas grandes cidades o circo concorre com shoppings center, parques temáticos, a tecnologia disponível na internet, em video-games e lan-houses, dentre outras formas de lazer. METODOLOGIA Caracteriza-se essa pesquisa como um estudo de caso que busca examinar o papel de uma organização do terceiro setor na formação e desenvolvimento de jovens, de modo que construa seu projeto de vida com suporte pedagógico das artes circenses. O método é indutivo, pois parte de dados obtidos por meio da observação direta e aplicações de questionários para responder ao problema norteador da pesquisa à luz da teoria existente. Quanto aos meios de investigação, utilizaram-se dois procedimentos técnicos: 18 • Pesquisa bibliográfica junto a fontes secundárias possibilitou construir a base teórica do estudo e consultas às revistas, documentários fornecidos pela associação Picolino de Artes do Circo, artigos e sites; • Pesquisa exploratória com suporte de entrevista uniformizada e estruturada com os gestores: Anselmo Serrat, Diretor Geral da Associação Picolino de Artes do Circo; Márcia Nunes, Coordenadora Pedagógica e Walkiria Bião; educadora pedagógica. O questionário aplicado aos beneficiários com duas partes: as variáveis de identificação e as perguntas acerca de mudanças que podem ter ocorrido no rendimento escolar, na formação e desenvolvimento pessoal, no sentimento de pertencimento a Escola, fatores impactantes na contribuição da arte e educação para a aquisição de conhecimentos. Foram aplicados questionários a 29% da população de pesquisa, selecionados aleatoriamente, sendo que a margem de erro desse cálculo é de 0,05% para mais ou para menos. DESCRIÇÃO DO CASO - PERFIL DA ASSOCIAÇÃO PICOLINO DE ARTES DO CIRCO A Associação Picolino de Artes do Circo está localizada na Avenida Octávio Mangabeira s/nº, Pituaçu, Salvador e tem certificado de Utilidade Pública na esfera federal e municipal; tendo recebido recentemente a Ordem Ministério da Cultura por sua ação social. Fazem parte da instituição pais de alunos e ex-alunos da Picolino, amigos, amigas e simpatizantes da sua proposta artística, sócio-educativa. Desde então, a escola tem ampliado suas ações e sua capacidade de atendimento. A Escola Picolino de Artes do Circo foi fundada em setembro de 1985, pelos artistas Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki, que trouxeram na bagagem para a Bahia a experiência de muitas artes aprendidas em São Paulo. Anselmo, formado em Ciências Contábeis, aprendeu a somar talentos, com Ginástica Olímpica, Fotografia Profissional e até produção de filmes ao lado de Glauber Rocha e outras “feras” do Cinema Novo. 19 A Associação Picolino de Artes do Circo é composta pela Escola Picolino que desenvolve atividades educativas produzindo cultura e a Companhia Picolino que produz cultura educando. A gestão da Associação Picolino de Artes do Circo está sob a responsabilidade do Diretor Geral, Anselmo Serrat, e dos responsáveis pelos setores: Administrativo Financeiro, Comunicação, Pedagógico (educadores e instrutores) e a Produção. Existe uma área de Manutenção que se reporta ao Setor Administrativo Nos primeiros anos, a escola teve como público alvo os jovens de famílias de classe média, mas já realizava trabalhos em parceria com a Prefeitura, Juizado de Menores, no atendimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. De acordo com o depoimento de Anselmo Serrat: “em 1990 fiz parcerias com o Projeto Axé e, no ano seguinte, passamos a atender meninos e meninas de rua. Muitos deles hoje são instrutores, com 23 a 25 anos de idade”. Naquela época, a Escola atendia a um público de 150 alunos particulares, mas na medida em que foi aumentando o atendimento a alunos de projetos sociais, ia também diminuindo o número de alunos particulares. Os pais não queriam seus filhos andando com “esses meninos de rua”. Foi preciso escalonar os horários para os meninos do Projeto Axé e para alunos particulares que vinham em carros com seus motoristas e ficavam do lado de fora, à espera do término das aulas. A partir de 1991, a Associação Picolino de Artes do Circo passa a oferecer malabares, trapézio, monociclo e inclusão social também a meninos e meninas de rua, através de programas sociais em parcerias com ONGs, Órgãos do Estado e do Município e os alunos particulares vão deixando a escola. Durante estes 23 anos de trabalho, mais de 2.000 crianças, adolescentes e jovens já fizeram aulas na Escola Picolino, muitos deles se formaram artistas de circo e realizam apresentações por todo Brasil e pelo exterior, sendo inclusive contratado por grandes companhias de circo, tanto no Brasil quanto no exterior, a exemplo do Cirque du Soleil. A formação na Escola Picolino não se restringe à profissionalização do artista de circo, mas também 20 do educador de circo e de uma série de profissões ligadas ao universo circense. O público alvo da Associação são crianças, adolescentes e jovens discriminados socialmente, possibilitando diversos espaços de aprendizagem (corpo, cognição e convívio), realizando um acompanhamento escolar impulsionando um processo de escolarização através da arte – educação, de modo que eles criem um projeto de vida. Para Anselmo Serrat, diretor geral, “somos uma das ONGs com menor índice de rotatividade. Apenas 1% das crianças atendidas por nós, abandonam as atividades”. Os objetivos educacionais da Associação Picolino de Artes do Circo são: desenvolver projeto político-pedagógico da Picolino: Programa Arte – Circo Educação; propiciar experiências onde o aluno possa encontrar na Picolino possibilidades de mapear seu projeto pessoal/profissional de vida; contribuir no processo de escolarização dos alunos; alfabetizar alunos; formar artistas de circo; formar instrutores de circo. A Associação definiu como objetivos sociais para realizar a sua missão as seguintes táticas: atender crianças, adolescentes e jovens, prioritariamente os que se encontra em desvantagem social; promover o desenvolvimento social, afetivo, cognitivo e corporal dos alunos através das artes circenses e atividades complementares; integrar os alunos a diversas realidades sociais; atender alunos a partir dos cinco (5) anos de idade, acompanhando-os até a profissionalização e inserção no mercado de trabalho. Os objetivos culturais estão relacionados às atividades que o Circo oferece o seu público: produzir e apresentar espetáculos de circo; produzir cultura. Segundo o depoimento de Anselmo Serrat, “Associação Picolino de Artes do Circo trabalha para desenvolvimento infanto-juvenil através da arteeducação, expandindo a magia do circo e contribuindo para o desenvolvimento saudável das nossas crianças e adolescentes”. Para Márcia Nunes, Coordenadora Pedagógica, a Associação Picolino de Artes do Circo é: “um grande projeto que acolhe e colabora na educação de 21 alunos, professores, educadores de modo geral, é um espaço potencial e real de transformações”. A Associação Picolino de Artes do Circo tem como missão: “EDUCAR, produzindo cultura, PRODUZIR CULTURA educando”. A responsabilidade com futuro dos jovens se traduz em “promover a aceleração dos mecanismos internos de inteligência à base da arte-educação, levando a uma transformação de vida da criança e do adolescente”. Para Márcia Nunes, Coordenadora Pedagógica “é preciso implantar um sistema de interatividade extra para as crianças como, por exemplo: proporcionar para as crianças brasileiras o dia todo na escola, para que um turno fosse dedicado aos estudos e outro à prática artística, esportiva e ou cultural, isso ocorrendo o futuro do país será melhorado. Com certeza teremos menos violência e mais respeito à vida e ao meio ambiente”. O depoimento de Alsemo Serrat complementa a fala de Márcia Nunes: Há 23 anos, a Picolino vem proporcionando atividades complementares como oficinas de jogos e brincadeiras, de leitura e escrita, entre tantas outras oferecidas de acordo com a necessidade de cada grupo de trabalho, essas atividades são oferecidas a crianças e adolescentes por ano. Os resultados estão aí para qualquer pessoa comprovar. (SERRAT, 2008). Os valores da Associação Picolino de Artes do Circo são: arte-educação, cultura popular, informação, cidadania, música, espetáculos, muita magia e alegria, tudo isso temperado com a cultura baiana, nordestina, brasileira. Nos depoimentos foi possível perceber que as pessoas que fazem parte da Associação sentem orgulho em ter esses valores organizacionais. No âmbito do contexto sócio-cultural, além de produzir cultura, busca-se a valorização da cultura baiana e afro-brasileira, tecendo fios com outras linguagens artísticas tais como teatro, música, capoeira, danças afro e contemporâneo, tendo também motivação em pesquisas e preparação de espetáculos temáticos circenses, os quais se apresentam em Salvador, Interior da Bahia, em todo o Brasil e até mesmo no exterior. Hoje, a Associação é referenciada como escola na formação de instrutores de artes circenses. Preocupa-se com a preservação ecológica fazendo o reaproveitamento de todo material como, por exemplo: figurinhas, 22 adereços, materiais didáticos e a conscientização do cuidado pessoal e com os ambientes: casa, rua, escola e com o circo. Hoje, a Picolino atende crianças, adolescentes, jovens e adultos de todas as idades, culturas, classes sociais, independentes de sua cor, religião, formação ou comunidade, a Picolino atende hoje, centenas de alunos, tendo estes em comum o encanto pelo mundo mágico do Circo. Uma grande parte dos alunos da Picolino foram encaminhados por projetos sociais, outros porque se interessaram para receberem aulas particulares, e há quem queira manter a forma e/ou se divertir( SERRAT, 2008). A Associação Picolino de Artes de Circo estabeleceu parcerias para manter a estrutura formada ao longo da sua existência e desenvolver novos projetos. São apoiadores da instituição: Audio R, Centro de Desenvolvimento Humano e Social – CRESER, Insurreição Rítmica, Le Biscuit. Mídia Clip; Prato Amigo; Rede Circo do Mundo Brasil. Show Luz. Termobahia. Vitalmed Editores FTD e Ática. Os principais financiadores são: ABC Trust, Ágata Esmeralda, Criança Esperança /UNESCO. Destacam-se alguns parceiros: Bical, Brinquedos Rosita, Coordenadoria Ecumênica de Serviço, CHESF, Coelba, Companheiros da América-POMMAR, Faz Cultura, Faculdade de Tecnologia e Ciências, Fundação Cultural do Estado da Bahia, Fundação da Criança e do Adolescente, Fundação Gregório de Matos, Fundo Nacional de Cultural – Ministério da Cultura, Grupo Ambientalista da Bahia, Governo do Estado da Bahia, Grupo Filó, Grupo Zinga de Capoeira Angola, JB Matérias de Construções, Madeira J Machado, Prefeitura Municipal de Salvador, Projeto Axé, Rede Bahia, Sansuy, Secretária de Combate a Pobreza, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Secretaria Estadual do Trabalho e Ação Social, SMEC-Secretária Municipal de Educação e Cultura, Tim. TV Educativa da Bahia, Universidade Federal da Bahia e UNICEF. A Associação Picolino de Artes do Circo desenvolve várias atividades para ajudar crianças e adolescentes na construção de seus conhecimentos da alfabetização até a profissionalização. São aulas teóricas com conteúdos específicos, tais como: cultura, arte, circo, comunicação em toda sua abrangência, entre outras coisas mais. Inclui também, atividades circenses com excelentes instrutores do circo e acompanhamento na área de saúde com atendimento dentário. 23 A Associação oferece serviços, espetáculos e projetos. Dentre os serviços, destacam-se os principais: • CURSO DE FÉRIAS – destinado a crianças, adolescentes e jovens de classe média, são oferecidas aulas básicas das técnicas de circo: acrobacia, malabares, monociclo, corda indiana, arame, trapézio, contorção. Ao término do curso os alunos fazem uma apresentação temática do que aprenderam durante as aulas. • ALFABETIZANDO E MUITO MAIS – o público alvo são crianças de cinco anos de idade na fase de alfabetização, além de acompanhamento dentário e diversas atividades de leitura, escrita, matemática, educação ambiental, música, artes plásticas e circo. • GRUPOS BÁSICOS – destinado a crianças, adolescentes e jovens dos projetos sociais de parceiros que se encontram excluídos do acesso aos bens morais e culturais. As aulas são ministradas com uma equipe de jovens educadores que ensinam artes circenses. • BÁSICO II – esse serviço atende a crianças e adolescentes, oferecendo atividades complementares (música, jogos, brincadeira e atividades que envolvem artes plásticas). • ACOMPANHAMENTO ESCOLAR – atendimento e acompanhamento social para garantir a educação básica rompendo um dos mais fortes elos do ciclo vicioso da miséria. • CURSO DE FORMAÇÃO DE INSTRUTORES DE CIRCO (GRUPO 5) – é uma ação pioneira da Escola voltada a formar educadores, que saibam lidar com crianças, adolescentes e jovens em situação de risco e das classes populares, com perfil que indicam rebeldia, falta de atenção, como alunos “desengonçados (as)”, “bagunceiros (as)”, “atrapalhados (as)”, “brigões (onas)”. Preparando-os como multiplicadores da ação educativa, através da arte circense. • Os espetáculos que são realizados pelos alunos são: • TODO MUNDO VAI AO CIRCO – apresentação de espetáculos de circo, realizados pela Companhia Picolino e dirigidos para alunos do ensino fundamental das escolas públicas e comunitárias. O projeto proporciona a esses alunos da rede pública de ensino a experiência com arte 24 circense, que envolve técnicas, danças, teatro, música cultura, informação e entretenimento através dos seus espetáculos. Esses espetáculos são construídos sobre temas ligados a cidadania e formação do jovem cidadão. No final de cada ano são distribuídas dez bolsas de estudos da Escola Picolino. • VIVA O CIRCO – consiste na pesquisa de linguagem e apresentação de espetáculos temáticos, marcando o encerramento do ano letivo, com apresentação de todos os alunos da Escola. • HOJE TEM ESPETÁCULO – realização de espetáculo de circo, dirigidos para alunos do ensino fundamental das escolas públicas e comunitárias, de cinco cidades do interior da Bahia, além de difundir a arte circense no interior do Estado, traz temas ligados à cidadania e formação do jovem cidadão. Os projetos que a Picolino oferece são: • CIRCO NA ESCOLA – atende alunos de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, como atividade complementar na própria escola formal. • PROJETO SEGUNDOS ENCONTROS – Ganhador do Prêmio FUNARTE CAREQUINHA DE ESTÍMULO AO CIRCO 2006. Através desse projeto, foi criada a cooperativa circense da Bahia que fomenta o futuro do Circo e tem como público artistas de circo, representantes de escolas de circo, pesquisadores e pessoas interessadas em trocar experiências. • ARTE - CIRCO - EUCAÇÃO – É o principal projeto pedagógico da Escola Picolino de Artes do Circo, dirigidos às crianças e adolescentes, alunos das turmas básicas e avançadas, oferece uma oportunidade de educação integral, reduze a vulnerabilidade social, contribui para a garantia dos direitos da criança e do adolescente e integra alunos de diversas realidades sociais, através ensino/aprendizagem das artes circenses. ANÁLISE DOS RESULTADOS do processo de 25 Apresenta-se a seguir o perfil dos alunos/ beneficiários, sua escolaridade, o perfil sócio – cultural que foram obtidos com a aplicação dos questionários. Os beneficiários da Associação são, em sua maioria, do sexo feminino, com aproximadamente 55,17% contrapondo com 44,83% do masculino. A idade média dos beneficiários é entre doze e treze anos de idade, totalizando 34,4%, seguida das crianças com idade de dez e onze anos, 13,8% e aquelas que têm entre sete e oito anos, 28,4%. Com relação à quantidade de irmãos de cada aluno que participou da pesquisa, constatamos que 20,6% têm um irmão (ã), que 34,4% têm entre dois e três irmãos (ãs) na família, os alunos que têm quatro, oito e/ou doze irmãos (ãs) representam 12,9%. Os que são filhos (as) únicos (as) chegam a 13,8%. Verificou-se que 6,9% das crianças entrevistadas fazem parte do rol dos menores abandonados (as). Em relação à moradia, 55,2% dos beneficiários moram com seus pais, 27,6% moram somente com a mãe, pois seus pais são separados; 10,13% moram com outras pessoas, como: avós e tios; 6,9% moram em abrigo. Ao traçar o perfil sócio-econômico, obteve-se a seguinte situação, 72% residem em casas próprias, 24% em casa, 4% dos entrevistados com os pais em casas cedidas por parentes. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Com relação ao meio de transporte utilizado pelas crianças, adolescentes e jovens para se locomoverem até a Escola, 72% vão andando, 26 14% usam a bicicleta, 10% utilizam ônibus e apenas 4% dos pesquisados se locomovem por meio de carro da família. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Quanto ao interesse e a escolaridade dos alunos da Associação indagou-se procuramos indagar o grau de instrução, o turno das aulas, a rede de ensino, o que gosta e o que não gosta de fazer na escola, as disciplinas que possuem mais facilidade e mais dificuldade de aprendizado e quais sugestões que dariam aos diretores das Escolas. Por fim, indagou-se a perspectiva de vida profissional de cada aluno. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa No que se refere ao turno, 52% estudam pela manhã. Em relação à rede de ensino, 90% dos beneficiários estudam entre redes públicas e estaduais de ensino e apenas 10% estudam em redes particulares de ensino. 27 Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Quanto ao grau de instrução, apresentam-se as seguintes informações. 24,2% estão cursando a quarta série do quinto período do ensino primário, 17,2% na quinta série do sexto período do ensino fundamental, entre os que estão concluindo a sexta série do sétimo período e os que estão concluindo a sétima série do oitavo período, somam 27,6% a qual se iguala ao percentual das crianças que estão cursando a segunda série do terceiro período; 6,9% estão cursando o primeiro período, ou seja, a alfabetização. Quanto ao interesse pelas atividades na Escola e ao que gostam ou não de fazer, observa-se que 55,1% gostam de estudar, 41,3% gostam de ir à Escola, pois encontram um refúgio para a distração e brincadeiras. Em contra partida 20,6% afirmam que gostam de ir à Escola pela distribuição de “merendas”, revelando assim a condição de social; 6,9% gostam de Escola, pois têm liberdade para pintar. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa ir à 28 41,3% relataram que não gostam de brigas/intrigas, 27,6% afirmam não gostarem de fazer atividades prolongadas e de pessoas que ultrapassam os limites, com relação à zombaria em horas impróprias, tais como brincadeira na sala de aula na hora da explicação. Os que não aprovam quando a professora chama sua atenção com os que não aprovam bagunça, somam 20,6%; há os que não gostam de coisa alguma da escola, pois só estudam porque é obrigado (a) totalizam 10,5%. Quanto às disciplinas que sentem mais dificuldade, a campeã é a Matemática, tendo alcançado 48,2% de rejeição, seguida de História e Inglês que somadas chegam a 34,4% da rejeição; por outro lado, as disciplinas de Ciências e Geografia estão no mesmo patamar, com 13,8%. Português foi a disciplina com 10,3% de rejeição e apenas 3,9% não gostam da disciplina de Religião. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Entre as disciplinas que os alunos gostam aproximadamente 48,2% define o Português como a de maior percentual de aprendizagem. Contrapondo esta estatística, apenas 24,1% dos alunos sentem facilidade no aprendizado da Matemática. História e Geografia somadas alcançam 34,4% da preferência dos alunos. Já Ciências e Inglês juntas chegam aproximadamente a 27,6%. O percentual dos alunos que preferem Educação Física, Cultura Baiana, Dança e Física, totalizam em 15,6%. 29 Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Em relação às sugestões que os alunos dariam às instituições de ensino, obtivemos as seguintes informações: melhoria na qualidade de ensino, por segurança, melhoria do espaço físico, instalações e estrutura organizacional. Quanto à perspectiva de vida profissional dos alunos, 55% pretendem ter seu próprio negócio, porque almejam contribuir para amenização da desigualdade social; 45% que não querem ser empreendedores e afirmam que querem ter uma profissão ainda não definida, “ser alguém na vida”. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Quanto à contribuição das atividades desenvolvidas Associação Picolino de Artes pelos jovens ao longo do convívio com a arte-educação e a transformação na vida após seu ingresso, observou-se que: a) 44,9% relataram que foi através das Escolas por onde a Picolino se apresentou e aconteceu o interesse em participar, aprender a desenvolver habilidades circenses, entre outras. 37,9% afirmam que foi por meio da Ágata 30 Esmeralda, uma das parceiras da Associação, 17,2% ingressaram na Picolino por outros meios, tais como: os pais já fazem e/ou já fizeram parte da ONG, outros por curiosidade, por diversão, entre outras. Entre as atividades praticadas pelos alunos, todos iniciam com a acrobacia, pois é a técnica obrigatória, para que o jovem aprenda a concentrarse, trabalhar em equipe, e em harmonia. As demais técnicas são escolhidas de acordo com as aptidões dos alunos. Cada aluno pratica três técnicas por ano, podendo mudar, se a modalidade escolhida não houver adequação. A preferência pelo monociclo alcançou 37,9%, os que optaram por trapézio e o malabarismo somam 69%. A técnica de equilíbrio no arame, equivalente a 27,6% da pesquisa realizada, e 20,7% preferes a técnica de equilíbrio nos tecidos, que é mais conhecida como corda indiana. A quantidade de vezes que os alunos ensaiam por semana varia de acordo com a necessidade, pois quando se aproxima do espetáculo mais importante que é a apresentação do final de ano, por exemplo, faz-se necessário dedicar-se mais. Porém, 82,8% dos meninos e meninas ensaiam duas vezes por semana, os que ensaiam três vezes por semana alcançam 17,2% das pesquisas, pois fazem parte de outras atividades que a Picolino. 72,4% dos beneficiários não participam de nenhuma outra atividade fora da Picolino, em contrapartida 27,6% participam de outras atividades na própria Organização, como: aula de dança, aula de teatro, grupo de estudo, CIA Picolino, entre outros. Antes de freqüentar a Picolino, 13,8% das crianças brincavam nas ruas, 31% somente ajudavam nas atividades domésticas, aproximadamente 20,7% dos meninos e meninas trabalhavam para ajudar nas despesas domésticas. Entre os que estudavam e os que só jogavam bola, totalizam 37,6% e para finalizar essa enquête, 13,8% dos jovens faziam outras atividades, como por exemplo, ficava assistindo TV, dormindo, brincando de vídeo game. 50% dos alunos entrevistados se sentem felizes, alegres e respeitados pela sociedade, 24% afirmam estar mais atentos, responsáveis e amorosos, 26% dizem sentirem-se acolhidos e mais carinhosos. De acordo com relatos dos coordenadores e instrutores entrevistados: “... pudemos perceber que devido à disciplina, atenção, controle, entre outras 31 habilidades desenvolvidas pelos alunos da Picolino, o seu comportamento, de modo geral, melhorou”. Daí, o interesse de investigarmos também o comportamento dos beneficiários em sala de aula. 85% declaram estar mais atentos nas aulas e mais participativos e apenas 9% relataram que nada mudou, pois já participavam das aulas, prestavam atenção nas explicações, faziam as tarefas. Somente 6% apontam que estão menos atentos nas aulas. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Após verificar as mudanças de comportamento dos alunos da Picolino em sala de aula, fora da ONG, buscou-se obter informações que dizem respeito ao rendimento escolar, em relação ao aprendizado, ou seja, após eles terem ingressado na Associação se houve melhoria das notas. As respostas foram, de modo geral, positivas, pois 86% dos alunos disseram que suas notas aumentaram e apenas 14% afirmam não ter mudado muita coisa, pois já estudavam “ o suficiente” antes mesmo de fazerem parte da Picolino. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Ao que diz respeito a relacionamento com os colegas, aproximadamente 59% enunciaram que houve uma melhora no relacionamento com seus colegas, 32% confirmaram que passaram a brigar menos e apenas 9% disseram que nada mudou. 32 Quanto a mudanças de comportamentos em casa, avaliando-se a contribuição da Picolino no convívio familiar, 59% afirmaram estar mais tranqüilo, 24% menos nervoso, 7% disseram que estão mais agitados, mais eufóricos e apenas 10% responderam que nada mudou no seu comportamento familiar. Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Também houve melhoria no comportamento dos alunos da Picolino com seus pais/responsáveis, pois 54% dos entrevistados tornaram-se mais amorosos para com suas famílias, sendo que 46% passaram a conversar mais com seus pais e irmãos. Em relação ao convívio com os seus irmãos, 71% declaram estar mais tranqüilos, 7% afirmam estar menos agitados, 18% relatam que se encontram menos nervosos e por fim 4% descreveram que não houve mudanças no seu comportamento. 33 Fonte: elaborado pelas autoras da pesquisa Examinando o comportamento dos jovens que freqüentam a Picolino no bairro onde residem, 58% relatam que estão mais tranqüilos e deixaram de brigar, 31% relatam que as pessoas o (a) consideram menos agitados e cerca de 11% não apresentaram mudanças em seu comportamento. È possível perceber que as ações da Associação Picolino de Artes Circenses agrega um programa educacional que promove transformação na vida dos beneficiários repercutindo positivamente na convivência escolar, familiar, grupos de amigos, enfim, trabalhando a auto-estima, a participação e a inclusão social. As entrevistas revelaram que os alunos da Picolino, após seu ingresso na Associação, em sua maioria, tornaram-se pessoas mais alegres e felizes, acolhidas e respeitadas, fazendo com que elas sintam-se valorizadas pela sociedade, mais amorosas, carinhosas, tranqüilas, atentas e responsáveis, o que resultou no aumento do rendimento em relação ao aprendizado, ou seja, aumentaram as “notas” escolares, pois as técnicas circenses exigem responsabilidade e atenção. A “família” circense trabalha em equipe por isso faz-se necessário a humanização. CONCLUSÃO As ONGs são instituições empreendidas pela sociedade civil, que se organiza espontaneamente para execução de atividade de interesse público e tem crescido ao longo do tempo, diversificando sua atuação. Os indivíduos 34 antes excluídos da sociedade por diversas razões, ganham oportunidade de serem incluídos no grupo social e, de alguma maneira promove-se melhoria em suas vidas. Optou-se por analisar uma ONG voltada para a arte-educação que insere jovens em um convívio sócio-econômico, capacitando-os a viver em comunidade, e adotar o lema viver-fazer do circo no seu cotidiano, estimulando-os a cultivar a miscelânea cultural, construir uma convivência harmônica e acessar bens básicos como educação, lazer, afeto, brincadeiras. Observou-se que cerca de 90% dos alunos que chegam à instituição estão em sub-condições de vida, com acesso a quase nada ou nenhuma produção cultural. Muitos deles não sabem interpretar as figuras nem textos e com baixa estima, mas afirmam ter obtido melhoria no rendimento escolar, no convívio social e com a família, após o desenvolvimento das atividades proporcionadas pela Associação Picolino de Artes Circenses. O processo de resgate da cidadania e a inclusão social de jovens por meio da educação e cultura das artes circenses promovem a aceleração dos mecanismos internos de inteligência, sendo usado como um meio de transformação, os quais procuram ocupar o espaço sadio da educação usando a brincadeira como incentivo. No país existem escolas de circo no país que podem adotar as práticas da Associação Picolino de Artes do Circo, um importante agente promotor de ações e projetos na formação de crianças, adolescentes e jovens, oferecendo educação, lazer e cultura, através de sua arte circense. Os gestores da Associação acreditam que “através da arte-educação a Associação Picolino de Artes do Circo tem feito também investimentos na produção cultural, já bem reconhecido socialmente, a exemplo da formação de artistas de circo, o desenvolvimento da linguagem circense contemporânea, a promoção de encontros de artistas e escola de circo, a inclusão social de jovens e a realização de espetáculos que são apresentados na nossa cidade e em diversos lugares do estado da Bahia, do Brasil e do exterior”. REFERÊNCIAS 35 COELHO, Simone de C. Tavares. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Brasil e Estado Unidos, SENAC, 2000, SP, p. 41,58 (In Costa EspingAndersen. ”O futuro de welfare state na nova ardem mundial”, Lua Nova Revista de Cultura Política, SP, nº 35, 1995. CIRCUS DO SULEI. Disponível www.circustuff.com. Acesso 15/10/2009 DELGADO, Rodrigo. M. Artigo, O que é uma ONG. Disponível em www.direitonet.com.br/artigos.Acesso 14/08/2009 DRUCKER, P.F. Administração de Organizações sem fins lucrativos, Princípios e Praticas 5° ed. Fundação Vanzolini, Pioneira 1999. ESCOLA PICOLINO DE ARTES DE CIRCO. Disponível em www.circopicolino.xpg.com.br. Acesso 18/10/2008 FRAZÃO, M. F. A. Trilhando caminho para aperfeiçoar a gestão: um estado da Associação Obras Sociais Irmã Dulce, 2003. Dissertação (Mestrado em Administração). UNIFACS Universidade Salvador. Salvador Bahia, 2003. GOHN, Maria da Glória. “Mídia, Terceiro Setor e MST”, Rio de Janeiro:Voz, 2000. HISTÓRIA DO CIRCO. Disponível em http://fulviomorganti.spaces.live.com/blog/cns!521C391D91BB6A34!738.entry, Acesso 21/08/ 2008. HUDSON, M. Administrando Organizações do Terceiro Setor: o desafio de administrar sem receita. São Paulo; Makson Books, 1999. MIDLEJ, Roberto. Clássico do sambo no picadeiro do Picolino. Jornal A Tarde caderno 2,Salvador 16 maio 2008. NANUS, Burt & DOBBS, Stepen M. “Liderança para o Terceiro Setor”, Futura, SP, 2000. NETO, Francisco P. de Melo, “Gestão da Responsabilidade Social Corporativa: O Caso Brasileiro” .Rio de Janeiro: Qualitymark, 2004. 36 SILVA, Odirene. Matos da. Estudo de caso sobre a comunidade do candeal pequeno o antes e depois da criação da ONG no bairro. Monografia de graduação Salvador Universidade de Salvador, UNIFACS 2002.. SOUZA, Herbert de. As ONGs na década de 90. Políticas Governamentais. Rio de Janeiro, Ibase, 7(68):20-4, abr./maio 1991. TENÓRIO, Fernando. G. Gestão de ONGs: Principais Funções Gerenciais. 4 ed.rev.Rio de Janeiro , FGV,2000. 37 A APLICABILIDADE DO MARKETING DE RELACIONAMENTO E FIDELIZAÇÃO DO CLIENTE NA ÓTICA DO FUNCIONÁRIO DA TELEVISÃO CIDADE S/A (NET) THE APPLICABILITY OF THE MARKETING OF RELATIONSHIP AND FIDELIZATION OF THE CUSTOMER IN THE OPTICS OF THE EMPLOYEE OF THE TELEVISION CITY S/A (NET) Josete Damasceno dos Santos4 Nadijane de Jesus da Cruz5 Maria De Fátima Araújo Frazão6 RESUMO: O objetivo deste estudo é uma reflexão sobre a importância da fidelização de clientes, a construção e manutenção de relacionamento na empresa Televisão Cidade S/A (NET). Demonstra-se a importância do marketing de relacionamento na busca de soluções para os problemas enfrentados pelas empresas na relação com os seus clientes, e os meios mais eficazes e integrados para atender, reconhecer e cuidar dos clientes em tempo real; transformar dados em informações que disseminadas pela organização, permite que o cliente seja reconhecido e administrado por todos os colaboradores tornando-se fiel, satisfeito e rentável, observando as diferenças e necessidades, de modo que ele se sinta único. A pesquisa descreve as práticas utilizadas na NET, apresenta a percepção dos colaboradores da empresa acerca dos impactos do relacionamento com os clientes e discute práticas de manutenção e fidelização que possam facilitar a relação empresacliente trazendo retorno positivo para as partes. Palavras-chave: Marketing. Relacionamento. Fidelização. CRM ABSTRACT: The objective of this study is a reflection on the importance of the fidelization of customers, the construction and maintenance of relationship in the company Television City S/A (NET). Importance of the marketing of relationship in the brainstorming for the problems faced for the companies in the relation with its customers, and half the most efficient ones and integrated is demonstrated to it to take care of, to recognize and to take care of the customers in real time; to transform given into information that spread by the organization, allows that the customer recognized and is managed by all the collaborators becoming faithful, satisfied and income-producing, observing the differences and necessities, in way that it if feels only. The research describes 4 Josete Damasceno dos Santos, Administradora. Graduada pela UNIRB. E-mail: [email protected] 5 Nadjane de Jesus da Cruz . Administradora. Graduada pela UNIRB. E-mail: [email protected] [email protected] 6 Mestre em Administração Estratégica pela UNIFACS, Pós-graduada em Marketing pela ESPM, Administradora, Professora do Curso de Graduação da UNIRB, Consultora em Marketing e Responsabilidade Social e Ambiental. E-mail: [email protected] 38 the practical ones used in the NET, it presents the perception of the collaborators of the company concerning the impacts of the relationship with the customers and argues practical of maintenance and fidelization that can facilitate to the relation company-customer bringing positive return for the parts. Keywords: Marketing. Relationship. Fidelization. CRM INTRODUÇÃO O objetivo deste estudo é uma reflexão sobre a importância da fidelização de clientes e da construção e manutenção de relacionamento, ao tempo que discute as práticas e gestão do marketing de relacionamento na busca de soluções para os problemas enfrentados pelas empresas na relação com os seus clientes. O marketing de relacionamento é uma prática gerencial que incorpora métodos mais sofisticados e eficientes que transformam a maneira como as empresas podem aumentar a rentabilidade dos clientes atuais além de ajudar a conquistar novos. Para obter retorno de clientes lucrativos, as empresas devem reconhecer a importância do relacionamento com clientes, desenvolver e implementar estratégias de fidelização e assumindo-as como um compromisso de todos os colaboradores. Diante do exposto, faz-se a seguinte indagação: Como o Marketing de Relacionamento pode contribuir para a fidelização de clientes na NET, empresa prestadora de serviço de TV por assinatura? Se uma empresa quer garantir a fidelidade dos seus clientes, precisa valorizar e fidelizar os colaboradores que devem estar qualificados, envolvidos e integrados com os valores da empresa e do cliente? Para responder aos questionamentos apresentados, abordam-se os meios mais eficazes e integrados para atender, reconhecer e cuidar dos clientes em tempo real e transformar dados em informações que disseminadas pela organização, permitindo que o cliente seja reconhecido e administrado por todos os colaboradores tornando-se fiel, satisfeito e rentável, sem deixar de observar as diferenças e necessidades de cada consumidor fazendo com que ele se sinta único. 39 A pesquisa descreve as práticas utilizadas na empresa NET, apresenta a percepção dos funcionários da empresa acerca dos impactos do relacionamento com os clientes observando os seus pontos fortes e fracos e discute práticas de manutenção do relacionamento com os clientes que podem facilitar a relação empresa-cliente trazendo retorno positivo para as partes. OBJETIVOS Um das vantagens competitivas que uma empresa possui é o conhecimento de seus clientes, suas expectativas e saber que tem preferências distintas e se não se sentirem satisfeitos, podem buscar outra empresa que os atenda com mais atenção e agilidade, qualidade, entre outros aspectos. As empresas precisam desprende tempo, esforços e recursos para reter seus clientes ao longo do tempo e a fidelização deve ser um compromisso de todos. Com base nos argumentos apresentados define-se o objetivo geral do estudo: analisar e discutir as ações de marketing de relacionamento empreendidas pela NET como estratégia de fidelização. Para responder aos questionamentos que decorrem dessa proposta, apresentam-se os seguintes objetivos específicos: descrever os fundamentos do Marketing e o Marketing de Relacionamento, discutir o processo de fidelização de clientes, com as ferramentas e tecnologia necessárias, traçar o perfil da empresa NET e analisar a aplicabilidade do marketing de relacionamento e fidelização na empresa. EMBASAMENTO TEÓRICO – MARKETING – FUNDAMENTOS, CONCEITO E EVOLUÇÃO Define-se o marketing como um processo social, funcional e gerencial que utiliza ferramentas para satisfazer as necessidades e os desejos dos clientes utilizando-se de estratégias competitivas para facilitar as vendas observando o ambiente interno e externo, visando retorno financeiro para empresa. Para Boone e Kurtz (1995, p.6), Marketing é “o processo de planejar e executar a concepção, definição do preço, promoção e distribuição de idéias, 40 bens e serviços, criando trocas que atendem a objetivos individuais e organizacionais”. O Marketing fundamenta-se em conceitos básico, também denominados centrai. De acordo com Kotler (2000, p.3), os conceitos centrais são: necessidades, desejos, demandas, qualidade, valor, trocas e transações. Define-se necessidade como algo que é preciso saciar, indispensável para a sobrevivência do ser humano, como exemplo a sede e a fome. Necessidade são exigências humanas básicas, essas necessidades se tornam desejos quando são dirigidas a objetos específicos capazes de satisfazê-los. O que se almeja para a satisfação das necessidades é considerado desejo, ou seja, não é algo vital para a sobrevivência, mas faz parte da vida e é o primeiro passo quando se quer concretizar os objetivos definidos. Na visão de Kotler & Armstrong (2003, p.4), necessidades são situações de privação. Desejo é a forma que as necessidades humanas assumem quando são particularizadas por determinada cultura e pela personalidade individual. Para existir demanda por um produto, o mercado necessita de consumidores que tenham não somente o desejo de comprar, mas a capacidade financeira de adquirir algo específico. Segundo Kotler (2000, p.33), a qualidade diz respeito ao desempenho do produto ou serviços que uma empresa oferece aos seus clientes e não só atende e supera às suas necessidades, mas busca melhoria contínua em todos os seus processos. Clientes satisfeitos produzem benefícios para a empresa, pois são menos sensíveis aos preços, falam bem da empresa e de seus produtos e podem permanecer fiéis por um período mais longo. Vale destacar que a relação entre a satisfação e a fidelidade do cliente varia e dependendo do setor e da situação competitiva. A satisfação do cliente consiste na sensação de prazer ou desapontamento resultante da comparação do desempenho ou resultado percebido de um produto em relação às expectativas do comprador e seu comportamento de compra. (KOTLER, 2000, p.58). Vale salientar que o marketing não cria necessidade. O desejo, por sua vez, é uma carência pela satisfação específica de atender às necessidades. É 41 um querer muito forte, uma vontade, a aspiração a algo. Os desejos podem ser despertados. São muitos e podem ser moldados e remoldados pelas instituições sociais. A prática do marketing, portanto, apenas estimula as necessidades do ser humano por meio das ferramentas de comunicação de que se vale, tentando aguçar o seu senso crítico e levando-o a optar por um produto. O cliente tende a querer maximizar o valor ao se decidir por um produto que satisfaça sua necessidade. Valor para o cliente é a satisfação das exigências do consumidor ao menor custo possível de aquisição, propriedade e uso. O cliente tende a maximizar o valor em uma transação, considerando os chamados custos de oportunidades, portanto, considerará o valor e o preço do produto antes de fazer a escolha. O processo de troca normalmente envolve uma transação em que bens ou serviços são trocados por dinheiro. Embora a troca seja o processo típico de marketing, em que alguma coisa é dada e algo é recebido por cada parte envolvida na operação. As empresas devem construir relacionamentos comerciais rentáveis e não se limitar somente a trocas e transações. O Marketing deve buscar a satisfação do cliente em forma de benefícios. Os principais objetivos do marketing são: atrair novos clientes, prometendo-lhes valor superior, e manter os clientes atuais, propiciando-lhes satisfação. Para cumprir esses objetivos, as empresas utilizam o composto mercadológico. Kotler & Armstrong (2003, p. 204) afirmam que o composto mercadológico a ferramenta de marketing para a empresa atuar no mercado. Essas ferramentas são denominadas 4Ps: produto, preço, praça e promoção. Produto é algo que pode ser tangível ou intangível, possui características próprias, e deve agregar valor e satisfação para o seu públicoalvo. Produtos incluem bens físicos, serviços, eventos, pessoas, lugares, organizações, idéias. Preço é o valor que as empresas estipulam baseados em seus custos, pelos seus produtos ou serviços para que consumidores paguem e obtenham o que necessitem ou desejem. Preço é o volume de dinheiro que os clientes têm de desembolsar para obter um produto. 42 A Praça compreende todo o processo de distribuição dos produtos para que o consumidor tenha acesso, ou seja, torne o produto disponível. Promoções são ferramentas que as empresas utilizam para incentivar e estimular a compra mais rápida ou em maior quantidade pelos seus consumidores, por um período determinado. Envolve atividades que comunicam os pontos fortes do produto e desperta o interesse dos clientes a comprá-lo. Os profissionais de marketing têm que lidar com a concorrência e a competição acirrada. As empresas já não podem ficar confiantes em sua participação de mercado e nem terem certeza que seus clientes nunca irão abandoná-los. Desde que o mundo deixou a era das certezas e entrou definitivamente na era das incertezas, o relacionamento com clientes tornou-se uma ferramenta de fundamental importância de fidelização. Como a sobrevivência da empresa dependerá da qualidade do relacionamento com o cliente, é fundamental o uso correto de novas tecnologias para aumentar a habilidade e a capacidade de gerenciar informações. Cresce a demanda por produtos da maior qualidade a preços menores; as empresas precisam qualificar-se, tanto na tecnologia da informação e também do marketing, assim como o estabelecimento de relações de longo prazo com seus clientes. MARKETING DE RELACIONAMENTO Marketing de Relacionamento é um processo que necessita de informações, para poder quantificar e qualificar o cliente, estabelecendo uma comunicação individualizada aos consumidores selecionados para estabelecer de forma permanente contato entre a empresa e os seus clientes, com o objetivo de manter consumidores fidelizados. Para Gordon (2003, p.31), o marketing de relacionamento é o processo contínuo de identificação e criação de novos valores com clientes individuais e compartilhamento de seus benefícios durante uma vida toda de parceria. Isso envolve a compreensão, a concentração e a administração de uma contínua colaboração entre fornecedores e clientes selecionados para a criação e o 43 compartilhamento de valores mútuos por meio de interdependência e alinhamento organizacional. O marketing de relacionamento baseia-se numa relação de aprendizagem entre a organização e seus clientes, prospects e fornecedores, para obter vantagem em comparação com a concorrência. O marketing pode ser definido como o processo de identificação e satisfação das necessidades do cliente de um modo competitivamente superior de forma a atingir os objetivos da organização. O marketing de relacionamento se desenvolve a partir daí, porém possui seis dimensões que se diferem materialmente das definições históricas de marketing. Para Gordon (2003, p. 32), as dimensões do Marketing de Relacionamento são: a) Busca criar novo valor para clientes e compartilhar esse valor entre o produtor e o consumidor. Para que a empresa reconheça a importância de aprender com os clientes criando o valor que cada um deseja. b) Reconhece o papel fundamental que os clientes individuais têm não apenas como compradores, mas na definição de valor que desejam. Anteriormente esperava-se que as empresas identificassem e fornecessem esse valor a partir daquilo que elas consideravam como um produto. Com o marketing de relacionamento, o cliente ajuda a empresa a fornecer o pacote de benefícios que ele valoriza. O valor é assim criado com os clientes e não por eles para fazer com que o cliente não seja apenas um comprador do seu produto ou serviço, mas participe das ações dando sugestão para fidelização dos mesmos. c) Exige que uma empresa, em conseqüência de sua estratégia de marketing e de seu foco sobre o cliente, planeje e alinhe seus processos de negócios, suas comunicações, sua tecnologia e seu pessoal para manter o valor que o cliente individual deseja, para que a estratégia de marketing da empresa tenha sucesso. d) É um esforço contínuo e colaborativo entre o comprador e o vendedor. Desse modo, funciona em tempo real. e) Reconhece o valor dos clientes por seu período de vida de consumo e não como cliente ou organizações individuais que devem ser abordados a cada ocasião de compra. Ao reconhecer o valor do período de vida, o marketing de relacionamento procura unir progressivamente a empresa aos clientes. f) Procura construir uma cadeia de relacionamentos dentro da organização para criar o valor desejado pelos clientes, assim como entre a organização e seus principais participantes, incluindo fornecedores, canais de distribuição intermediários e acionistas. 44 O marketing de relacionamento é, na verdade, uma nova filosofia de administração organizacional baseada na aceitação da orientação para o cliente e para o lucro por parte de toda a organização e no reconhecimento de que devem ser buscadas novas formas de comunicação para estabelecer um relacionamento profundo e duradouro com os clientes, prospects, fornecedores e todos os intermediários, como forma de obter vantagem competitiva sustentável (BRETZKE, 2000, p. 13-14). Marketing de relacionamento é uma das tendências mais em voga no marketing de hoje; definitivamente é atrair, realçar e intensificar o relacionamento com clientes finais, clientes intermediários, fornecedores, parceiros e entidades governamentais e não governamentais, através de uma visão de longo prazo na qual há benefícios mútuos. (MADRUGA, 2004, p.20). Diante de uma ampla concorrência e variedades de produtos, as empresa têm direcionados esforços na tentativa de aumentar sua lucratividade passando seu foco principal para os clientes, em vez do foco excessivo no produto. Trata-se de uma nova filosofia, um processo contínuo de evolução, de conhecimento e de comunicação com os consumidores, visando garantir melhores lucros e lealdade - CRM (Customer Relationship Management) ou gerenciamento do relacionamento com clientes. CRM é uma estratégia de negócios voltada ao entendimento e à antecipação das necessidades dos clientes atuais e potenciais de uma empresa. Do ponto de vista tecnológico, CRM envolve capturar os dados do cliente ao longo de toda a empresa, consolidar todos os dados capturados interna e externamente em um banco de dados central, analisar os dados consolidados, distribuir os resultados dessa análise aos vários pontos de contato com o cliente e usar essa informação ao interagir com o cliente através de qualquer ponto de contato com a empresa. (PEPPER & ROGERS, 2000, p.20) O CRM, diferentemente dos outros sistemas de abrangência corporativa, enfatiza a redução de custos, a fidelização do cliente e os benefícios. Esses benefícios podem ser desde o acesso à informação de melhor qualidade; a facilidade de compra e de comunicação com a empresa; a economia de tempo e de dinheiro; até a eliminação de solicitações de dados redundantes etc. 45 Existem duas funções do CRM: a analítica e a operacional. A analítica consiste em determinar quais são os clientes, quais devem ser tratados de forma personalizada (one to one) e quais devem ser deslocados em níveis superiores. Já a operacional tem sido de grande dificuldade de implementação, pois requer a automatização da forma de vendas, centro atendimento (call center), site de comércio eletrônico e sistemas automatizados de pedido. A implementação de projetos de CRM deve sempre ter como linha mestra a mudança nos processos que envolvem o consumidor, ou seja, ver a empresa com os olhos críticos dos melhores clientes. Sem isso, não se está implantando o CRM, e sim mais um pacote de software. São quatro etapas de implantação de um programa de CRM, conhecidas como IDIP, de acordo com Pepper & Rogers (2000, p.15): a) Identifique seus clientes – não é possível estabelecer uma relação com alguém que não conseguimos identificar. Se a empresa não tem uma forma de identificar pelo menos uma parcela considerável de seus melhores clientes, ela não está preparada para lançar uma iniciativa one-to-one. b) Diferencie seus clientes – os clientes podem ser diferenciados de duas maneiras: pelo nível de valor para a sua empresa (alguns têm um valor muito alto; outros, nem tanto) e pelas necessidades que têm de produtos e serviços de sua empresa. Assim, uma vez tendo identificado os seus clientes, o próximo passo é diferenciá-los de maneira a: priorizar seus esforços e aproveitar o máximo possível de seus clientes de maior valor e personalizar o comportamento de sua empresa, baseando-se nas necessidades individuais de seus clientes. c) Interaja com seus clientes – você tem de melhorar a eficiência e eficácia de suas interações com seus clientes. Isso quer dizer que não somente deve buscar forma mais barata e automatizada de interação, mas também a mais útil em termos de produção de informação que possa ajudar a fortalecer as suas relações com os clientes. Como as necessidades dos clientes mudam, é necessário um processo de utilização dos feedbacks de um cliente em particular para que seja possível compreender quais são as necessidades específicas daquele cliente. d) Personalize – as empresas precisam personalizar alguns aspectos do seu comportamento para melhor atender seus clientes. Para incentivar seus clientes a manter uma relação de aprendizado, a empresa precisa adaptar-se às necessidades individuais e expressas pelo cliente. Isso pode significar a personalização em massa de um produto ou a personalização das opções oferecidas ao redor do produto. 46 Aplicados de forma diferentes, essas quatro etapas bastante simples de implementar podem ser usadas como checklist para pôr em prática virtualmente qualquer iniciativa de CRM, em virtualmente qualquer empresa, em virtualmente qualquer área de negócio. Implantar um CRM traz alguns benefícios, dentre eles, destacam-se: aumenta o conhecimento sobre o cliente; estabelece um relacionamento diferenciado e gratificante, quando este está ocorrendo por qualquer meio; aumenta a retenção e fidelidade do cliente pela experiência de marca positiva; aperfeiçoa o processo decisório; racionaliza o fluxo do pedido, atendimento pós-venda e as vendas por meios alternativos; permite aperfeiçoar produtos por meio da customização de massa; diferenciar produtos e entregar exatamente o que o cliente deseja. FIDELIZAÇÃO O que é fidelizar? As empresas desejam clientes fiéis nos seus relacionamentos comerciais e também vantagens financeiras. Nos negócios, o objetivo da fidelização é reter os clientes, evitando que migrem para a concorrência, e aumentar o valor dos negócios que eles proporcionam. Fidelidade é um processo contínuo de conquista da lealdade, através de um relacionamento prazeroso e de confiança no qual as empresas conseguem manter seus clientes fiéis a sua marca. Newell (2000, p.25) afirma que acreditar que um cliente satisfeito será cliente fiel é coisa do passado, pois hoje os clientes exigem mais do que a simples satisfação em retorno por sua fidelidade. Mas o que é fidelidade? Oliver (1997, p.6) define fidelidade como um compromisso forte em recomprar ou repatrocinar um produto ou serviço preferido consistentemente no futuro, apesar das influências, circunstâncias e tentativas de marketing, que podem acarretar um comportamento de troca. A fidelidade dos clientes tem sido estudada principalmente em relação à seqüência de compras de acordo com Gade (1998) e os diferentes perfis de consumo. A filosofia de marketing voltada para o cliente e a fidelidade impõe decisões que transformam e diferenciam as organizações. Tomadas em conjunto, essas decisões têm o potencial para transformar a visão da empresa 47 sobre o marketing que ela pratica e sobre quase toda a empresa, desde o trabalho que ela efetua com tecnologia empregada, passando pelos produtos que fabrica, até a estrutura com que ela alcança seus objetivos. Antes de desenvolver programas de fidelização as empresas precisam: conhecer seus clientes, desenvolver e manter relacionamento permanente, observar a freqüência que a empresa mantém contatos com clientes, recompensar clientes potenciais. A estratégia de fidelização é um esforço de longo prazo e requer um comprometimento de todos os colaboradores, independentemente do cargo ocupado na organização. Essa estratégia pode envolver mais de um programa de fidelidade, visando clientes de diversos segmentos, de acordo com o seu valor. Conquistar a constância do cliente com relação ao uso e consumo dos produtos de determinada marca, serviço, loja ou rede de pontos de venda, é o desejo de todo empresário que adota a estratégia de marketing para fidelizar clientes. Mckenna (1992, p.12) afirma que o Marketing Moderno é uma batalha para obter a fidelidade dos clientes, esta é a grande preocupação das empresas em relação a seus clientes. Como mantê-los fiéis frente ao grande número de produtos oferecidos diariamente? O interesse em construir e manter a fidelidade do consumidor implica que a organização não está apenas interessada em conseguir realizar a venda a qualquer custo, mas está focada em como alcançar a rentabilidade em longo prazo através da repetição da compra e da retenção dos clientes. É esta fidelidade que gera uma receita contínua para empresas: Nestlé, Sony, Hitachi, Disney, Kodak, Kellogg`s, Coca-Cola, entre outras que estão atentos à importância de construir, desenvolver e a fidelidade do consumidor. Os últimos anos têm sido marcados por uma queda extremamente significativa nos níveis de fidelidade dos consumidores. Marcas que tinham espaço cativo na mente dos consumidores há várias décadas estão deixando de ser compradas ou estão sendo substituídas por concorrentes com melhor tecnologia, preço ou simplesmente por serem novas. MÉTODO E DESCRIÇÃO DO CASO - MÉTODO 48 O método específico que delineou a pesquisa científica nesse trabalho é o estudo de caso - um método atraente e apropriado para a referida pesquisa, porque permite ao investigador retratar a realidade de uma forma ampla, revelar a multiplicidade de dimensões presentes no problema, e, possibilita ao investigador discorrer sobre novos aspectos ao marco teórico (BECKER, 1994; LAKATOS e MARCONI, 1991). Recorreu-se a dois tipos de pesquisa considerados mais indicados para este estudo: a pesquisa exploratória e a pesquisa descritiva. A pesquisa exploratória promoveu maior conhecimento sobre o tema em tela e proporcionou às pesquisadoras aprofundar e esclarecer aspectos do Marketing de Relacionamento, apesar da pouca literatura disponível, mas suficientemente importante para as empresas que desejam conquistar, manter e fidelizar os clientes. A pesquisa descritiva, com as características e objetivos bem definidos, procedimentos formais, foi estruturada e dirigida para a resposta ao problema da pesquisa, indicando alternativas de ação. Sua relevância nesse estudo se deu pela necessidade de descrever as características do marketing de relacionamento, as diversas variáveis que proporcionam tratamento individualizado, satisfação das necessidades, novas tecnologias e processos. Os instrumentos de pesquisa foram entrevistas semi-estruturadas e questionário contendo 12 perguntas abertas e fechadas, para obtenção das respostas ao problema que as autoras se propuseram a estudar. A aplicação foi feita pelas autoras em março/abril de 2009. O universo da pesquisa de campo foi o corpo de funcionários da empresa NET: gerente operacional, supervisores, coordenadores e vendedores, perfazendo um total de 80 pessoas. A amostra foi definida pelo critério de acessibilidade representante um total de 20%, ou seja, 16 pessoas supervisores e coordenadores das áreas: Recursos Humanos, Atendimento ao cliente, Área Técnica. PERFIL E HISTÓRICO DA TELEVISÃO CIDADE S/A (NET) 49 A NET é uma empresa dedicada ao desenvolvimento e gerenciamento de serviços de telecomunicações de última geração e oferece os seguintes serviços: Televisão por assinatura, Internet em Banda Larga, Transmissão de Dados e Voip. Iniciou suas atividades em 1996 pelos grupos SBC- Grupo Sílvio Santos e Band Cabo – Grupo Rede Bandeirantes. Em 1999 uniram-se à sociedade os fundos de investimentos HMT&F – Hicks Muse, Tate & Furst e LAIF – Latin American Infrastructure Fund (GE Capital e AIG) e, em 2000, o Grupo Associados. A razão social da empresa é TELEVISÃO CIDADE e o nome fantasia é NET. A empresa é detentora de concessão para a prestação de serviços de TV por assinatura nas principais cidades das regiões Nordeste e Centro-Oeste do país; possui capacitação técnica e experiência nas áreas de instalação, operação, manutenção e desenvolvimento de sistemas de TV por assinatura, Internet em Banda Larga e Transmissão de Dados e Voz sobre IP (Voip). A matriz está localizada na cidade de Niterói no Rio de Janeiro e sua missão é: “Atender nossos clientes fornecendo serviços de comunicação através de infra-estrutura com alta tecnologia e pessoas comprometidas, gerando resultados sustentáveis para os acionistas, colaboradores e comunidade”. A visão é: “Ser líder em nosso mercado de atuação e ser reconhecida pela excelência de nossos profissionais, serviços, produtos e desempenho empresarial”. Os valores da organização são: Foco nas pessoas, Ética, Respeito, Profissionalismo, e Foco no Resultado. A estrutura organizacional da NET filial Salvador é composta por um gerente da unidade, responsável por todo processo operacional da empresa, um analista e um assistente de Recursos Humanos que são responsáveis pela gestão de pessoas, uma supervisora administrativa que é responsável pelo atendimento pessoal, administrativo, Procon e almoxarifado, um coordenador de rede interna que é responsável pelo agendamento, desconexão, geodados, habilitação e centro integrado de tecnologia, um coordenador de manutenção de redes responsável pela rede externa, um supervisor de vendas responsável pelo setor de vendas e administração de vendas, um analista e supervisor técnico responsável pelo setor de TI (Tecnologia da Informação), oito 50 funcionários afastados pelo INSS, um técnico responsável pelo headend, um técnico responsável pelo Datacenter e um coordenador da TELECOM. O mercado onde a empresa atua tem as seguintes características: A TV por assinatura tem um comportamento de consumo bem diferenciado da média brasileira. Trata-se de um público disposto a consumir mais produtos, serviços, cultura e os canais são segmentados; o telespectador assiste exatamente ao que deseja e dispõe-se a criar maior afinidade com o anúncio que está sendo veiculado. Os concorrentes da empresa são Sky e Velox. A base tecnológica da empresa está suportada por tecnologia de ponta, com estação receptora de sinais de diversos satélites e das emissoras locais. Esses sinais são processados e ampliados para serem distribuídos através de cabos coaxiais e de fibra ótica, o que garante uma qualidade superior. A NET possui um público qualificado das classes A e B, formador de opinião, acima de 25 anos, com potencial de consumo em inúmeras categorias de produtos e serviços e renda acima de quatro salários mínimos. A empresa definiu seu portifólio de produtos baseado nos seguintes segmentos: a) Cocooning (Encasulamento): desejo de ficar em casa, transformando-a em um “ninho” quente e confortável, capaz de proteger das ameaças do mundo exterior. b) Clanning (Formação de clãs): tendência de formação de grupos com interesses comuns. c) Small Indulgences (Pequenas indulgências) a fim de aliviar o estress, os consumidores procuram múltiplas maneiras de se recompensar satisfazendo pequenos caprichos. d) 99 Lives (99 vidas): o ritmo acelerado dos tempos modernos obriga-nos a desempenhar vários papéis a fim de poder enfrentar uma vida muito ocupada e dominada pela técnica. Em relação aos produtos que a empresa oferece ao mercado, destacase a TV por assinatura, oferecida por meio dos seguintes pacotes: a)Standard – Oferece 31 canais, incluindo todos canais abertos locais e entre os canais fechados; b) Máster – Oferece 48 canais, se destacam Sport TV e Sport TV2 51 canais de esportes, canais de filmes e seriados, documentários, entre outras; c) Advanced – Oferece 68 canais, entre eles a rede Telecine, os melhores canais de filmes, canal de noticias internacionais, canal de curiosidades e bolsa de valores. A venda é feita na própria sede da empresa e seus vendedores são preparados para atenderem pessoas físicas e jurídicas, pelos telefones 40041006 e 2201-5560. A equipe de vendas é composta por sete vendedores que atendem clientes porta a porta e uma vendedora que atende clientes corporativos. Os vendedores que atendem pessoa física trabalham uniformizados e aqueles que atendem pessoas jurídicas devem vestir traje social - os homens de terno, paletó e gravata, as mulheres de terninho, pouca maquiagem. As promoções de vendas são anunciadas em outdoor, busdoor, panfletagem, rádio, programas de TV, ações em feiras; existem parcerias com empresas conveniadas e em condomínios. AÇÕES DO MARKETING DE RELACIONAMENTO DA NET A Net concede descontos de 10% a 20% para seus assinantes em alguns Hotéis do Brasil: Ibitipoca Hotel de Lazer que fica em Minas Gerais cujo telefone é (032) 3281-8148, Iberostar Bahia Hotel Resort na Bahia localizado na Praia do Forte cujo telefone é (071) 3676-4200 e Marruá Hotel na cidade de Bonito no estado de Mato Grosso do Sul, telefone (067) 3255-1040 entre outros. O cliente que se hospedar em qualquer um desses hotéis, pode usufruir dos serviços da Net. Basta fornecer seu código de assinante para ter acesso aos serviços. A empresa criou um ícone no seu site para oferecer benefícios exclusivos aos seus clientes, brindes e descontos. Este programa é denominado Diversão TV Cidade e ao acessar o site www.tvcidade.com.br, escolher a cidade em que mora e clicar no ícone e acessar o programa de relacionamento criado especialmente para proporcionar entretenimento no diaa-dia do cliente; também são oferecidos descontos especiais em hotéis, pousadas e passeios pelo Brasil. 52 O programa TV Cartaz está disponível no site da empresa e ao ligar o decodificador e conferir as diversões e informações, com destaques para a programação, dicas de produtos e serviços, promoções, entrevistas especiais, um bloco inteiro dedicado ao e-mail do cliente. A empresa disponibiliza os seguintes canais de comunicação: Assistência técnica gratuita solicitada na Central de Relacionamento ao Cliente através do número 4004-1003 ou fazer a solicitação na própria sede. O cliente também pode ligar para o próprio vendedor para solicitar outros tipos de serviços. A NET busca a sinergia e a união de espaços para ter a excelência na prestação dos serviços, com os objetivos comuns e uma equipe coesa, para competir no mercado. Existem algumas práticas que a empresa está utilizando para fidelizar os clientes externos e os internos (os funcionários). Para os clientes internos, criou-se o quadro Oportunidades na Cidade para vagas que surjam em outro setor e o funcionário pode candidatar-se, tendo prioridade, caso se enquadre no perfil. Para os clientes externos, a empresa oferece duas modalidades de contrato: com fidelidade e sem fidelidade. O cliente que opta por contrato com fidelidade com duração de 18 meses, fica isento da taxa de adesão e não paga pelos dias que utilizar os serviços antecipadamente; se o mesmo permanecer além deste prazo, tem desconto de 10% na sua mensalidade. Clientes que escolherem efetuar pagamento em conta corrente ou débito em conta terão descontos nas mensalidades por 18 meses. O cliente que migra de um pacote básico que é o Standard para o mais avançado que é o Advanced ganha brindes. O cliente que adquirir contrato sem fidelidade não terá descontos nos valores das mensalidades e poderá pagá-las em boleto bancário, com a taxa de instalação. O contrato poderá ser cancelado em qualquer momento. O gerenciamento dos processos em uma empresa se traduz num conjunto de atividades relacionado com o objetivo final da empresa – entregar um serviço de qualidade aos clientes externos e internos. Com esta visão, a área de processos da NET se torna uma ferramenta estratégica para os negócios da empresa, trabalhando em conjunto com todos os gestores e os 53 responsáveis pelos processos, em especial auxiliando no atendimento ao cliente que faz parte o gerenciamento do relacionamento. São oitenta funcionários distribuídos nos diversos setores. Os gestores buscam se envolver nos processos relacionados à Gestão do Relacionamento com o Cliente, para que a empresa tenha uma comunicação interna eficiente, a visão completa dos processos, considerando a viabilidade, os riscos, reflexos, impactos e resultados esperados. ANÁLISES DOS RESULTADOS A pesquisa foi realizada na empresa Net, com o objetivo de analisar a aplicabilidade do Marketing de Relacionamento e a percepção dos funcionários acerca das ferramentas utilizadas. Gráfico 1 - A percepção dos funcionários em relação a satisfação dos cliente da Net 43,75% 31,25% 25,00% Muito Satisfeito Satisfeito Indiferente Insatisfeito 0 Fonte: Elaborada pelas autoras para fins de estudo A percepção dos funcionários da empresa Net em relação à satisfação dos clientes demonstrou que eles acreditam que 43,75% dos clientes da empresa estão insatisfeitos e somente 25% estão satisfeitos. O gráfico 1 representa o resultado da pesquisa e a escala utilizada, este indicador é muito desfavorável. 54 Gráfico 2 - A frequência que os clientes fazem reclamações 81% Diária Semanal Quinzenal Mensal 6% 13% 0 Fonte: Elaborado pelas autoras para fins de estudo. Com relação à freqüência com que os clientes fazem reclamações os funcionários responderam que 81% dos clientes reclamam diariamente, 13% mensalmente e 6% semanalmente. No gráfico 2 percebe-se que a empresa precisa adotar as ferramentas do CRM para minimizar este problema. Gráfico 3 - Tempo padrão para atender as reclamações dos clientes 63% 31% 6% Fonte: Elaborado pelas autoras para fins de estudo. 12 Horas 24 Horas 48 Horas 55 Observa-se o tempo em que se tratam reclamações dos clientes: 48 horas 63%, 24 horas 31% e 12 horas 6%. Este prazo está dentro do padrão utilizado pelas empresas prestadoras de serviços. Gráfico 4 - Treinamento para atender os clientes 8 1% Sim Não 19% Fonte: Elaborado pelas autoras para fins de estudo Quanto ao treinamento oferecido pela empresa, 81% dos funcionários responderam que é necessário capacitá-los para atender os clientes com mais eficiência melhorando cada vez mais a qualidade do atendimento. Gráfico 5 - Opinião dos funcionários em relação a fidelização dos clientes 81% Sim Não 19% Fonte: Elaborado pelas autoras para fins de estudo 56 Foi possível verificar que 81% dos funcionários entrevistados não acreditam que os clientes sejam fiéis, revelando que a empresa precisa melhorar as práticas do Marketing de Relacionamento para poder fidelizar os clientes em longo prazo. Gráfico 6 - Grau de interesse da empresa em relação aos outros consumidores que não o seu público alvo 56% 31% Pouco Muito Nenhum 13% Fonte: Elaborado pelas autoras para fins de estudo A percepção dos funcionários quanto ao grau de interesse da empresa em relação a outros consumidores que não são o seu público alvo: 56% dos funcionários acreditam que a mesma tem pouco interesse e 13%, nenhum interesse em outros consumidores. Neste caso, a NET precisa ampliar sua rede para poder atender um maior número de consumidores. As questões abertas aplicadas no questionário resultam nas seguintes observações coletadas junto aos entrevistados: Percebe-se que as reclamações dos clientes são 100% direcionadas ao setor responsável. Com relação às ações da NET para fidelizar o cliente percebe-se que as mais aplicadas são: promoções, descontos e isenção da taxa de instalação. Os funcionários julgam que a empresa precisa melhorar e ampliar o programa de fidelização e ouvir mais o cliente. Os funcionários entrevistados sugerem a necessidade de algumas ações internas: mais treinamentos, aquisição de novos equipamentos, e entre as ações e as mais indicadas foram: investimento em publicidade e propaganda no rádio, TV, outdoor, busdoor. 57 CONCLUSÃO Este trabalho de pesquisa permitiu observar a importância do Marketing de Relacionamento para as organizações, tendo como principal vértice o cliente, suas necessidades, desejos, reclamações e sugestões. O Marketing de Relacionamento vem se mostrando capaz de propiciar às empresas contemporâneas e lucrativas a importância do atendimento ao mercado consumidor, intervindo de forma concreta no relacionamento com este e, no completo atendimento as suas necessidades. Uma das vantagens competitivas que uma empresa possui é o conhecimento de seus clientes. Como as expectativas dos clientes aumentam e mudam o tempo todo, eles tendem a não se sentirem satisfeitos quando a empresa não acompanha as suas novas necessidades e desejos. Monitorá-las demanda muito tempo e investimento. Na NET os programas de fidelidade são bastante relevantes, mas ainda não suficientes consistentes, na ótica dos funcionários e a empresas deve estar preparadas para garantir e oferecer com qualidade produtos, serviços e um excelente atendimento em todos os seus canais de comunicação, esforçandose para reter seus clientes durante todo o processo. A fidelização deve ser um compromisso de todos os colaboradores independente dos cargos que ocupem. Promover um relacionamento em longo prazo deve fazer parte da cultura e missão da empresa, e a retenção e fidelização de clientes precisa ser encarada como fator de sobrevivência. A partir da análise dos resultados, percebe-se a necessidade de investimento da NET em propagandas direcionadas a fidelização do cliente. Faz-se necessário a aquisição de equipamentos novos e adoção de um programa de Marketing de Relacionamento mais direcionado exclusivamente aos clientes da NET em Salvador, fazendo com que todos os colaboradores entendam e coloquem em prática as ferramentas do CRM na fidelização dos clientes. Em sua essência o Marketing de Relacionamento apresenta uma nova abordagem e é parte integrante essencial à constituição de uma empresa prestadora de serviços, como forma de iniciar e desenvolver relacionamentos 58 duradouros com os clientes, a empresa cria e desenvolve sua vantagem competitiva. Estreitar o relacionamento, comunicar integralmente, atender em tempo real e melhorar a qualidade da administração do pedido são os fatores-chaves para sobrevivência das organizações no século XXI. REFERÊNCIAS BOONE, Louise E. e Kurtz, David L. Marketing Contemporâneo. 8 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988. BRETZE, Mirian. Marketing de Relacionamento e Competição em Tempo Real com CRM Customer Relationship Management. São Paulo: Atlas, 2000. DE GEUS, Arie. A Empresa Viva. Campus, 2000. FAUZE, Najib Mattar. Pesquisa de Marketing. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999. GORDON, Ian. Marketing de Relacionamento: estratégias técnicas e tecnologia para conquistar clientes e mantê-los para sempre; tradução de Mario Pinheiro São Paulo: Futura, 1998. KOTLER, Philip. Administração de Marketing. 10 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 1991. MADRUGA, Roberto. Guia de Implementação Relacionamento e CRM São Paulo: Atlas, 2004. de Marketing MCKENNA, Regis. Marketing de Relacionamento: Estratégias sucedidas para a era do cliente. 15 ed. Rio de Janeiro: Campos. 1992. de bem NEWELL, Frederick. Fidelidade. com CRM – O gerenciamento das relações com o consumidor na Era do Marketing pela Internet. ed. São Paulo: MAKRON Books, 2000. PEPPER E ROGERS. Marketing ONE a ONE: marketing individualizado na era do cliente. New York, Currency/Doubleday, 2000. REICHHELD, Frederick F. A Estratégia da Lealdade. Rio de Janeiro: Campus, 1996. 59 ANÁLISE REFLEXIVA DAS HABILIDADES E COMPETENCIAS QUE DISCUTEM A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NA PRÁTICA DOCENTE UNIVERSITARIA Liliana Margarita Oñoro Acosta7 Regina Alonso Gonzalez Pimenta 8 RESUMO: O objetivo deste artigo é trazer uma discussão sobre as habilidades e competências que premiam a inteligência emocional para a prática docente universitário como resultado de um melhor relacionamento docente-discente no processo de ensino-aprendizagem. A metodologia utilizada foi o levantamento bibliográfico e uma pesquisa de campo aleatória realiza com professores universitários que atuam na região Metropolitana de Salvador. Para sua realização foram levantados diferentes aportes teóricos, como: Gardner, Daniel Goleman e Weisinger. O estudo prático, por meio da pesquisa de campo destaca a importância das habilidades humanas para a melhoria do desempenho profissional do educador, influenciando de forma positiva em seu trabalho. Considera-se um aspecto de fundamental importância que o docente desenvolva um vínculo afetivo com o aluno através do desenvolvimento das competências pessoal e social. Possibilita-se uma análise ampla dos aspectos que envolvem a interação professor-aluno, sendo esse aspecto importante no processo ensino-aprendizagem. Constataram-se a importância do professor estar atento as suas emoções, buscando a melhoria dos relacionamentos interpessoais e da autoconfiança. Concluiu-se que o docente pode gerar um ambiente favorável à aprendizagem, através do desenvolvimento da competência emocional, buscando o autoconhecimento e a partir daí colocarse no lugar do outro, exigindo um aprimoramento constante, tanto das competências técnica e pedagógica, como humana. PALAVRAS-CHAVE: Prática Docente. Habilidades, Competência. Inteligência Emocional. ABSTRACT: The aim of this paper is to provide a discussion about the skills and competencies that put a premium on emotional intelligence in university teaching practice as a result of better teacher-student relationship in the process of teaching and learning. The methodology used was a literature survey and a random field research conducted with university professors who work in the metropolitan area of Salvador. For the program were raised different theoretical, such as Gardner, Daniel Goleman and Weisinger. The case study, through field research highlights the importance of human skills to improve the performance of professional educator, impacting positively on their work. It is 7 Mestre em Administração (UFBA)-2003. Especialista em Marketing Internacional; Graduada em Administração (Universidad del Norte-Colômbia); Profa Assistente da Direção de Ciências Hunanas da Unidade de Ensino Superior da Bahia (UNIRB) . Visto de Alto pesquisador 8 .Mestre em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social da Fundação Visconde de Cairu (FVC) – 2005. Especialista em Administração de Recursos Humanos – FVC/CEPPEV; Especialista em Gestão da Qualidade – UFBA/CETEAD; Graduada em Psicologia – UFBA; Possui larga experiência em Gestão de Pessoas e Desenvolvimento Humano, Psicologia Organizacional e Relações Interpessoais 60 considered an aspect of fundamental importance that the teacher develops a strong bond with the student through the development of personal and social skills. Third is a comprehensive analysis of the aspects involving the teacherstudent interaction, and this important aspect in the teaching-learning process. They noted the importance of the teacher be aware of their emotions, seeking the improvement of interpersonal relationships and self-confidence. It was concluded that the teacher can create an environment conducive to learning through the development of emotional competence, self-seeking, and from there to put yourself in the other, requiring a constant improvement of both technical and pedagogical skills, and human. KEYWORDS: Skills, Competence. Emotional Intelligence. Educational Practice INTRODUÇÃO Sendo uma prática social, a educação tem como finalidade formar seres humanos integrais, reorientando e desenvolvendo valores que favoreçam tanto a reconstrução do conhecimento, difundindo o saber sistemático, como a reflexão, a participação, a convivência e o desenvolvimento da cidadania. Dentro desse contexto, o educador tem um papel de destaque, sendo sua missão de grande importância para a sociedade, uma vez que tem a capacidade de influenciar diversas gerações em várias situações. Com relação à atuação do professor universitário, observa-se que um dos aspectos relevantes são as freqüentes interações sociais, sendo o intercâmbio professor-aluno pautado pela representação mútua que um tem do outro. Bandeira (2006) ressalta que o docente que atua no ensino superior possui como objetivo contribuir para a formação profissional de cidadãos que, em breve, estarão atuando o mercado de trabalho, e do ser humano que está inserido na sociedade. Dessa forma, o estudo das relações sociais, que teve origem nos trabalhos da psicologia desenvolvimento e da social, hoje está aprendizagem de presente forma nos estudos bastante do efetiva. Consequentemente, a atuação do professor não pode ser reduzida ao processo cognitivo de construção de conhecimento, mas envolve dimensões afetivas e motivacionais (AZZI;SILVA, 2000), sendo a atividade essencialmente relacional. Assim, os traços atuais que caracterizam os docentes que atuam 61 nos cursos de graduação na contemporaneidade, mostram que a qualidade humana que contribui de forma significativa para a resolução de problemas e excelência da prática docente, conduzindo as emoções. Para tanto, o uso das competências e habilidades da Inteligência Emocional, aliado aos conhecimentos técnicos adquiridos para o exercício da profissão, podem contribuir de forma significativa para a melhoria da prática do docente universitário. Desse modo, torna-se relevante analisar as habilidades e competências que permeiam o uso da Inteligência Emocional na prática do docente universitário, levando a um melhor relacionamento docente-discente e, consequentemente, uma maior eficácia no processo de ensino-aprendizagem. O presente artigo analisa a seguinte questão: Quais os aspectos da inteligência emocional que permeiam a prática do professor que atua nos cursos de graduação? Primeiramente serão discutidos os conceitos relativos às Inteligências Múltiplas e Emocional. No segundo momento verificou-se a percepção dos docentes mediante uma pesquisa de campo. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTELIGÊNCIA As investigações científicas para a compreensão da gênese do pensamento humano estavam diretamente relacionadas à compreensão de como os seres humanos resolvem problemas, sendo a inteligência um dos aspectos mais pesquisados (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002). De forma geral, pode-se dizer que estes estudos dividiam-se na abordagem da psicologia diferencial e na abordagem dinâmica. A psicologia diferencial, baseando-se no positivismo, estava direcionada para os estudos da psicometria, sendo considerada uma habilidade inata, onde o grau de identificação do potencial humano era medido pela cultura e pela educação do indivíduo. Dessa forma, inteligência seria um composto de habilidades que poderia ser medida através dos testes psicológicos de inteligência, acrescenta Bock; Furtado; Teixeira (2002). Já a abordagem dinâmica, compreende a inteligência como uma capacidade cognitiva ou intelectual, devendo ser estudada, analisada e compreendida na sua totalidade de aspectos, aptidões e capacidades do ser 62 humano. Os testes passam, então, a ser instrumentos auxiliares, tornando-se, muitas vezes, dispensáveis (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002). Dentro dessa perspectiva, Braghirolli et al (1990, p.136) acrescenta que, apesar de terem apresentado definições diferentes de inteligência, ela não é uma questão de tudo ou nada, mas uma qualidade que todo mundo possui, em maior ou menor grau. Nas discussões atuais, segundo Miranda (1998), nota-se a presença de novas abordagens, havendo novos termos como redes neurais, inteligência artificial, inteligências múltiplas, ecologia cognitiva, inteligência emocional, inteligência criadora, enfim, existem várias tentativas de definir o que é ser contemporaneamente inteligente. Considerando esses aspectos, torna-se relevante desenvolver uma visão mais abrangente, expressando o esforço intelectual em sua complexidade e não reduzi-lo a um único aspecto. Gardner (1995, p.38), esclarece: “[...] todos os membros da espécie têm o potencial de exercitar um conjunto de faculdades intelectuais, do qual a espécie é capaz”. Nesse sentido, a inteligência é vista como a capacidade de resolver problemas, compreender idéias, interpretar informações transformando-as em conhecimento e capacidade de criar, constituindo um elemento biopsicológico que difere o ser humano de outras espécies animais. Dentro desse contexto, verifica-se o surgimento de novas e diversas compreensões sobre a inteligência que não estão sendo mais definidas como um atributo geral, mas como aptidões específicas que se manifestam em habilidades no desempenho de tarefas, como os conceitos trazidos pelas Inteligências Múltiplas e Inteligência Emocional. CONCEPÇÕES SOBRE AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS Nos anos 1980, o psicólogo americano Howard Gardner, juntamente com uma equipe de pesquisadores da Universidade Norte-Americana de Harvard, concluíram que a inteligência é composta de múltiplas capacidades independentes entre si, dando início ao desenvolvimento da teoria das Inteligências Múltiplas.Esta questiona a visão predominante da inteligência centrada nas habilidades lingüísticas e lógico-matemáticas, ampliando, dessa forma, a análise da cognição para incluir variedades de habilidades humanas. 63 Gardner (1995) redefiniu a inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver problemas. Pela avaliação das atuações de diferentes profissionais em diversas culturas, e do repertório de habilidades dos seres humanos na busca de soluções, culturalmente apropriadas para os seus problemas, trabalhou no sentido inverso ao desenvolvimento, retroagindo para eventualmente chegar às inteligências que deram origem a tais realizações. Esse teórico afirma que todas as pessoas têm múltiplas inteligências que podem ser desenvolvidas e fortalecidas, ou ignoradas e enfraquecidas. A inteligência consiste, então, na habilidade para resolver problemas ou criar produtos que sejam significativos em um ou mais ambientes culturais. Gardner (1995) descreveu oito "tipos" de inteligências, conforme segue: • inteligência verbal ou lingüística - habilidade para lidar criativamente com as palavras nos diferentes níveis da linguagem; • inteligência lógico-matemática - capacidade para solucionar problemas envolvendo números e demais elementos matemáticos; habilidades para raciocínio dedutivo; • inteligência cinestésica Corporal - capacidade de usar o próprio corpo de maneiras diferentes e hábeis; • inteligência espacial - capacidade de formar um modelo mental preciso de uma situação espacial e utilizar esse modelo para orientar-se entre objetos ou transformar as características de um determinado espaço; • inteligência musical - capacidade de organizar sons de maneira criativa; • inteligência naturalista - capacidade de compreender os fenômenos naturais; • inteligência intrapessoal - capacidade de administrar seus sentimentos e emoções a favor de seus projetos, reconhecendo os próprios defeitos e qualidades; • inteligência interpessoal - capacidade de uma pessoa para dar-se bem com as demais, compreendendo-as, percebendo suas motivações e sabendo como satisfazer suas expectativas emocionais. Essas inteligências combinam-se de forma diferente conforme cada pessoa. Dessa forma, existem diversas inteligências, e a lógico-matemática e a 64 lingüística são colocadas na mesma condição das demais. Todos os indivíduos possuem na sua bagagem genética certas habilidades básicas em todas as inteligências, o desenvolvimento de cada uma, no entanto, será determinado tanto por fatores genéticos e neurobiológicos quanto por condições ambientais, desenvolvidas a partir das relações com o ambiente e com a cultura. (GARDNER, 1995). Outro aspecto relevante, apontado por Gardner (1995), é que sempre envolvemos mais de uma habilidade na solução de problemas, ou seja, embora existam predominâncias, as inteligências se integram. Assim, a resolução de problemas inclui a habilidade de comunicações de idéias e emoções, que não precisam, necessariamente, ocorrer através da comunicação verbal. Conseqüentemente, a inteligência é um conjunto de capacidades e habilidades que têm uma relação direta com as competências técnicas das pessoas, e os aspectos emocionais. Weisinger (2001) alerta sobre a importância de fazer com que suas emoções trabalhem a favor do indivíduo, sendo uma ajuda importante para ditar o comportamento e o raciocínio de maneira a aperfeiçoar os resultados. Os domínios das capacidades emocionais são pré-requisitos das habilidades intra e interpessoal, e tem grande influência sobre as demais inteligências. Evidencia-se, dessa forma, que as inteligências interpessoal e intrapessal, que estão relacionadas ao conhecimento do outro e ao autoconhecimento, respectivamente, possuem uma correlação direta na resolução dos problemas da humanidade. Estas compõem a chamada Inteligência Emocional, que tem como expoente o psicólogo Daniel Goleman. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NA PRATICA DOCENTE Em meados da década de 1980, os psicólogos norte-americanos, Peter Salovey e John Mayer introduziram o conceito de “Inteligência Emocional”. Esta abrange qualidades como compreender as próprias emoções, capacidade de se colocar no lugar do outro e controlar as emoções de forma a melhorar a qualidade de vida. Com o trabalho de Goleman (1995), este tema que define, passa a ter maior destaque, diz o autor: 65 [...] a capacidade de criar motivações para si próprio e de persistir num objetivo apesar dos percalços; de controlar impulsos e saber aguardar pela satisfação de seus desejos; de se manter em bom estado de espírito e de impedir que a ansiedade interfira na capacidade de relacionar; de ser empático e autoconfiante”(GOLEMAN, 1995, p.46). Com relação à anatomia das emoções, esse teórico esclarece que o cérebro está dividido em dois centros: o da Inteligência Intelectual e o da Inteligência Emocional. O intelecto baseia-se no funcionamento do neurcórtex, localizado na parte superior do cérebro. O centro emocional encontra-se mais abaixo, no subcórtex, que é mais antigo, neste encontra-se a amígdala, sendo considerada a especialista das emoções. Essas duas estruturas neurais interagem para que haja uma harmonia. Goleman (1995) ressalta a importância da ligação entre os processos intelectuais e emocionais, que são a razão e a emoção. A ligação entre as duas -inteligências emocional e cognitiva-, de alguma forma, processa a informação e chega ao entendimento, ou seja, a capacidade perceptiva e a atenção são conforme os interesses e motivações pessoais. Zanelli, Borges-Andrade, Bastos (2004), acrescentam que os estados emocionais vão sendo desenhados para atender às normas, aos princípios e aos costumes de uma determinada sociedade, formando-se ao longo do crescimento e do desenvolvimento pessoal, deixando transparecer as características individuais. As emoções seriam processadas pelas inteligências pessoais, isto é, a intrapessoal, ligada à auto-estima, segurança e capacidade de administrar de maneira satisfatória a autopercepção e a inteligência interpessoal, associada à empatia, leitura e compreensão do outro e de seus sentimentos (GOLEMAN, 1995). Esse autor acrescenta que existem traços relacionados à competência pessoal e a competência social. Os que dizem respeito à competência pessoal referem-se às habilidades a seguir: Autoconhecimento - faculdade da mente que parece exercer mesmo em situações anormais o papel de reconhecer e compreender estados de espírito, emoções, impulsos, bem como o efeito desses aspectos sobre outras pessoas, tendo como características a autoconfiança; auto-avaliação realista e 66 capacidade de rir de si mesmo; Autocontrole - capacidade de lidar com as tensões, administrar emoções, e de canalizar-lá produtivamente, Isto não significa eliminá-las, mas dar-lhe a devida dimensão, buscando um modo melhor de superá-las ou conviver com elas; Automotivação - dirigir suas emoções para se focalizar em objetivos importantes e manter sua determinação em alcançá-los ou saber se deve mudá-los. Os traços que fazem parte da competência social dizem respeito a: Empatia - capacidade de reconhecer corretamente as emoções do outro e de compreender seus sentimentos e perspectivas; Sociabilidade - capacidade de criar relações sociais, de encontrar pontos em comum e cultivar afinidades. A competência social possui uma correlação direta com a maneira como as aprecisa aprender a reagir de forma coerente com as circunstâncias. Esta aprendizagem inicia-se nos primeiros dias de vida, e estende-se através de toda a existência, constituindo o processo de socialização. Goleman (1995, p. 128) explica: “Enviamos sinais emocionais sempre que interagimos, e esses sinais afetam aqueles com quem estamos. Quanto mais hábeis somos nas relações que mantemos com o outro, melhor controlamos os sinais que enviamos [...]”. Na prática docente, o professor defronta-se todos os dias com emoções alheias, sendo importante saber usá-las para orientar os comportamentos e raciocínio de maneira a obter melhores resultados, Torna-se relevante, por tanto, ter um maior controle entre emoção e razão, sendo necessário a busca de um maior conhecimento dos próprios sentimentos, para possibilitar a criação de um ambiente propício a aprendizagem. Esses aspectos estão relacionados à competência emocional, que segundo Goleman (1999, p. 38) “[...] é uma competência adquirida, baseada na Inteligência Emocional que resulta num desempenho destacado no trabalho [...]”. A partir da maneira como o docente administra suas emoções e reage a elas, provoca reações interpessoais que altera o convívio com o discente. Assim é fundamental fazer uma apreciação das emoções e identificá-las 67 corretamente. Considerando esses aspectos, Goleman (1995) avalia que é relevante para profissional ter clareza das próprias emoções, uma vez que elas também estão associadas com seus valores. Aprender a avaliar objetiva e corretamente os pontos fortes e fracos e ter franqueza em especial consigo mesmo acerca dos defeitos, conhecendo as limitações, são competências extremamente importantes para o sucesso profissional Sabendo lidar tanto com os relacionamentos quanto com as emoções alheias, de maneira ética e adequada, torna-se possível estimular as pessoas na direção desejada, acrescenta Goleman (1995). Quanto mais o trabalho for emocionalmente significativo, através de uma comunicação aberta, compartilhada e solidária, mais as pessoas sentir-se-ão dispostas a aprender e a trabalhar com maior dedicação, fazendo com que o trabalho seja, também, uma fonte de prazer. Goleman (1995) mostra que é possível viver e conviver melhor por meio do estudo, da conquista do saber e da exploração à inteligência emocional, ou seja, a emoção pode dar a verdadeira medida da inteligência humana. Assim, o docente que aprender a lidar com as emoções, ou se educar emocionalmente, passará a ser um facilitador, incentivador e motivador da aprendizagem. AS COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DA PRÁTICA INIVERSITÁRIA: RESULTADO DA PESQUISA DE CAMPO DOCENTE A pesquisa foi realizada com uma amostra aleatória constituída de 50 professores em diferentes faculdades da região Metropolitana de Salvador, dos seguintes centros universitários: Faculdade Regional da Bahia (UNIRB), Faculdade Tecnologia e Ciências (FTC), Faculdade Metropolitana de Camaçari (FAMEC), Centro Universitário (FIB), Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia (Faceba), Olga Mettig, Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Faculdade da Cidade, Fama, Faculdade Delta (Facdelta), Universidade Federal da Bahia (Ufba), Universidade de Salvador (Unifacs), e Fundação Visconde de Cairu (Cairu). 68 O perfil dos candidatos encontra-se com tempo de atuação profissional estipulado entre a faixa de (2) dois anos a (30) trinta anos, com uma meia de (7) sete anos; com relação a titulação, o maior número de professores é mestres, seguidos de especialistas, doutores e licenciados. Informou também predomínio maior de homens, e faixa etária encontra-se entre (29) vente nove anos e (57) cinqüenta e sete anos e uma media de idade de (42) quarenta e dois anos. A pesquisa foi realizada com o propósito de identificar nos docentes as competências pessoais que referem as habilidades mediante autoconhecimento, autocontrole, automotivação e os traços da competência social mediante a empatia e sociabilidade. A seguir serão apresentados os resultados com relação às características citadas acima. COMPETENCIAS PESSOAIS: AUTOCONHECIMENTO Foram feitos vários questionamentos com relação ao autoconhecimento, sendo considerada uma das habilidades fundamentais da Inteligência Emocional nos docentes, de como reagem com ás dificuldades e frustrações que possam encontrar no processo educacional. As respostas encontradas foram: a maioria das dificuldades podem ser superadas sempre que houver força de vontade; ponderar as dificuldade e superá-las; identificando os erros e orientá-los para buscar os resultados; procurando apoio; procurar mecanismos motivadores e superar os obstáculos, criando momento de liberdade para os alunos se expressarem e sempre estimular para transferir confiança. Constatose que o docente deve estar sempre se auto-avaliando na procura de Know How contínuos, e constante desenvolvimento das relações interpessoais, fortalecendo sua capacidades e habilidades tanto ténicas como humanas A pesquisa verificou como os docentes reagem quando o aluno apresenta dificuldades na aprendizagem. A maioria (90%) procura estar atento á dificuldade, buscando um dialogo com alunos; outros (6 %) consideram que aluno tem que estudar mais; os demais (2%) levam o problema ou percebem pouco. Esses dados evidenciam que os docentes procuram estar atento aos aspectos emocionais, por meio de maior diálogo, sendo um caminho para 69 maior humanização no seu relacionamento com os alunos. Para que a aula se processe a partir de diálogo, é necessário que o aluno tenha debater ( isto é dialogar)com professor este é ponto crucial de uma metodologia de ensino dialogativa. AUTOCONTROLE Os professores foram questionados com relação ao autocontrole, considerada uma característica fundamental da Inteligência Emocional, em duas categorias: com os alunos e com superior imediato (coordenadores, diretores).Foram identificadas suas diferentes reações em momentos de conflitos. Em relação ao desentendimento ou divergência de opinião aos discentes, os docentes revelam várias atitudes: A grande maioria (68 %) dos professores colocou que resolve o conflito mediante um dialogo, já (20%) procura chegar a um consenso, e o (10%) dos docentes acalma-se e continua sua atividade. Em relação ao tipo de comportamento adotado pelos docentes em momentos de conflitos sempre é conciliando e refletindo. Acredita-se que o docente tem que ter uma forte dose de autocontrole para saber lidar com as diferentes situações que são apresentadas dentro e fora de aula, sempre buscando uma atitude conciliadora. Quanto à relação com ao superior imediato, quando as expectativas não são compridas ou geram desentendimento, a pesquisa informa que (54%) dos docentes procuram um dialogo para resolver a situação, outros (38%) não fazem nada e continua cumprindo o trabalho; alguns (8 %) procuram outra instituição de ensino.Os aspectos relativos à utilização do diálogo, mostram, entre as duas parte, o estabelecimento de elementos questionadores e provocadores, que oferecem subsidio para o crescimento de forma a elevar o nível de consciência na formação docente. AUTOMOTIVAÇÃO Na procura de melhorias continuas, os docentes pesquisados colocaram que se automotivam: buscando auto-desenvolvimento mediante capacitação contínua e treinamento; realizando pesquisa, atualizações constantes mediante livros, seminários, palestras e cursos; procurando exercer um papel 70 transformador na sociedade; fazendo paralelo entre o conteúdo programático e o dia a dia; avaliando e refletindo a cada aula, a cada semestre, solicitando percepções sobre a disciplina, metodologia, forma de avaliação, envolvendo-se em atividades práticas; realizando dinâmicas interativas com os alunos; demonstrando segurança, confiança e credibilidade, identificando as deficiências pedagógicas e corrigindo-as; buscando conhecimentos cognitivos e auto-conhecimento; trocando experiências com outros professores; solicitando opinião à coordenação e freqüentando as reuniões de coordenação A tarefa de professor é extremamente importante e complexa e ele deve estar preparado para exercê-la. Considerando que a prática é dinâmica e aberta, e que o docente não se propõe a realizar uma atividade mecânica e repetitiva, deve estar constantemente se qualificando para executá-la. Tal qualificação, portanto, não se dá necessariamente a priori; pode ser dar antes( reflexão para ação), durante (reflexão na ação), e exige aprimoramento contínuo. É preciso estar constantemente investido na formação permanente, para poder ter melhor compreensão dos processos educacionais, postura e métodos de trabalho mais apropriados. COMPETÊNCIAS SOCIAIS EMPATIA Em relação à empatia, os docentes participantes da pesquisa declararam que procuram facilitar a participação dos discentes para expressar suas opiniões mediante as seguintes atitudes: uso de metodologia dialogada na construção do feedback contínuo; imagem confiável, para poder ajudá-los; oportunizam a discussão,e o debate sempre que é possível; propõem regras de convivências; trabalham estudos de casos; solicitam exemplos de casos práticos e analogias ao conteúdo apresentado; propõem atividades desafiadoras; desenvolvem trabalhos em equipes para alargar sua capacidade crítica. Torna-se relevante considerar a perspectiva de parceria entre discente, docentes e instituição para construção de um novo sentido e de um novo relacionamento de empatia nos centros universitários. 71 SOCIABILIDADE No que se refere ao tempo de socialização fora da sala de aula, a maioria do quadro de docente pesquisado (46%) não estipula tempo extra sala de aula; (26 %) dedicam uma hora semanal; (20%) dedicam duas horas e apenas( 8%) dedicam mais duas horas semanais. Acredita-se que os docentes não estipulam muito tempo de socialização com os discentes em função da falta de remuneração para essa atividade. Entretanto é preciso dedicar mais tempo para dialogar, aumentando as interações, o que favorece a compreensão, o aprofundamento e análise das dificuldades profissionais e pessoais. VALORES QUE NORTEIAM O PROCESSO EDUCACIONAL Os valores mais representativos no processo educacional, indicados pelos docentes de maior importância, foram: o respeito; a ética; a responsabilidade e o comprometimento. Em uma porcentagem média: a disciplina; a confiança; a cooperação; e relacionamento. Em uma porcentagem baixa: a sensibilidade; e o respeito ao meio ambiente. Este resultado mostra a importância dos valores humanos na prática docente, que apontam a sustentam a perspectiva de vida plena para todos. CONCLUSÕES Esse estudo possibilitou uma análise das interações que envolvem docente-discente, sendo esse aspecto importante no processo de ensinoaprendizagem. Constatou-se a importância do docente que atua nos cursos de graduação estar atento a sua transmissão de suas percepções emocionais, buscando a melhoria dos relacionamentos interpessoais e da autoconfiança, através do desenvolvimento das competências que permeiam a Inteligência Emocional. Os professores que levam em conta a importância do ser humano, com suas competências intelectuais e habilidades emocionais, sendo esses os elementos fundamentais para alcançar o sucesso, com certeza, terão uma prática profissional mais eficaz, enfrentando os desafios e alcançando 72 resultados expressivos. Por isso, evidencia-se a importância das habilidades humanas para a melhoria do desempenho profissional do educador, influenciando de forma positiva no seu trabalho. Considera-se um aspecto de fundamental importância que o docente desenvolva um vínculo afetivo com o discente através do aperfeiçoamento das competências pessoal e social. Em relação à pesquisa, percebe-se que autoconfiança, autocontrole são habilidades inerentes à prática docente, e que os professores buscam um continuo desenvolvimento por meio da automotivação, da empatia e da sociabilidade Conclui-se que, na prática docente universitária, o educador pode gerar um ambiente favorável à aprendizagem, mediante o desenvolvimento das competências que integram a Inteligência Emocional, buscando o autoconhecimento. Para o atingimento desse objetivo, torna-se necessário um aprimoramento constante, tanto das competências técnica e pedagógica, como humana. REFERÊNCIAS AZZI, R. G.; SILVA, S. H. S. A importância de um “novo” olhar do professor para os alunos. Um primeiro passo na busca de melhores resultados no processo de ensino-aprendizagem. In: SISTO, F. F.; OLIVEIRA, G. C.; FINI, L. D. T. Leituras de Psicologia para formação de professores. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. BANDEIRA, L. C. S. O que é ser um bom professor. In ROCHA, N. M. F. Educação Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social: Fazendo Recortes na Multidisciplinaridade. Salvador: Fast Design, 2006. p. 16 – 31. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias um introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002. BRAGHIROLLI, E. M.; BISI, G. P.; RIZZON, Luiz Antônio.; NICOLETTO, Ugo. Psicologia Geral. 9ª ed.revisada e atualizada. Porto Alegre: Editora Vozes, 1990. GARDNER, H. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática; trad. Maria Adriana Veríssimo. - Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GOLEMAN, D. Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva. 1995. __________, Trabalhando com a Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva. 1999. MIRANDA, M. G. de – UFG/UCG – Inteligência e Contemporaneidade. 73 Trabalho e Educação. Belo Horizonte, v.4, p.63-75, 1998. Disponível em <http://www.propp.ufms.br/ppgedu/geppe/artigo8.htm>. Acesso em: 06. Set. 2006. WEISINGER, H. Ph.D. Inteligência Emocional no Trabalho: como aplicar os conceitos revolucionários da I.E. nas suas relações profissionais, reduzindo o estresse, aumentando sua satisfação, eficiência e competitividade. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. ZANELLI, J. C.; BORGES – ANDRADE, J. E.; BASTOS V. B. Psicologia, Organização e Trabalho no Brasil. – Porto Alegre: Artmed, 2004. 74 MODELO COMPUTACIONAL DE CRIPTOGRAFIA DOS GREGOS COMPUTATIONAL MODEL OF CRIPTOGRAFIA OF THE GREEKS Leandro Gonzalez9 RESUMO: O artigo visa apresentar um Modelo Computacional de criptografia de dados, que demonstra o método utilizado pelos Gregos para tornar a comunicação mais segura e confiável. Para representar o modelo computacional foi desenvolvido um algoritmo para realizar o processo de cifragem e decifragem dos dados. Palavras-chave: Criptografia. Cifragem. Decifragem. Gregos. ABSTRACT: The article aims at to present a Computational Model of criptografia of data, that demonstrates the method used for the Greeks to become the communication more trustworthy insurance and. To represent the computational model an algorithm was developed to carry through the process to codify and to decode of the data. Word-key: Criptografia. Cifragem. Decifragem. Greeks. INTRODUÇÃO Com a crescente necessidade de tornar a cada dia as informações que trafegam no meio computacional mais seguras, desenvolveu-se um algoritmo de criptografia. Após diversas pesquisas feitas sobre métodos não computacionais utilizados para tornar seguro o transporte de informações, observa-se que a maneira com que os Egípcios codificavam e decodificavam suas mensagens reúne características importantes para implementação de um algoritmo que serão abordadas adiantes. Com base nesse modelo Egípcio, implementou-se um algoritmo de criptografia que será mostrado o modelo computacional, a forma como foi desenvolvido e quais técnicas utilizadas na construção do mesmo. HISTÓRICO Os Gregos utilizavam criptografia, para codificar as mensagens que eram enviadas entre militares durante batalhas. Quando os éforas enviavam 9 Mestre em Modelagem Computacional 75 um general ou almirante para uma missão, eles faziam duas peças de madeira, com exatamente o mesmo comprimento e diâmetro, de modo que cada uma corresponda à outra em suas dimensões. Ficavam com uma das peças e davam a outra ao seu enviado. Depois, sempre que quisessem enviar alguma mensagem secreta e importante, faziam um rolo de pergaminho, longo e estreito, como se fosse uma tira de couro, e a enrolavam ao redor do bastão, não deixando nenhum espaço vazio, mas sim cobrindo toda a superfície com o pergaminho. Após fazer isto, eles escreviam o que queriam sobre o pergaminho, retiravam o pergaminho e o enviavam, sem a peça de madeira, para o comandante. Ao receber a mensagem, não podia entender o significado, uma vez que as letras não tinham conexão, pois estão embaraçadas, a não ser que ele pegue seu próprio bastão e enrole ao seu redor a tira de pergaminho de modo que, quando seu curso espiralado for restaurado perfeitamente, e o que segue é ligado ao que precede, ele lia ao redor do bastão e, desse modo, descobria a continuidade da mensagem. MODELO COMPUTACIONAL Considerando o processo físico de criptografia verificou-se que o bastão poderia ser interpretado matematicamente como uma matriz bidimensional associando as linhas e colunas com o comprimento e largura do bastão respectivamente. A dimensão (x, y) da matriz seria a chave apenas conhecida pelo emissor e receptor. Deve-se ter como regra que a quantidade de informação que se deseja criptografar tem por obrigação de ser menor ou igual ao produto da chave escolhida, ou seja, o tamanho do bastão determina a dimensão da mensagem diretamente. Para o processo de criptografia foi identificado que o preenchimento da matriz se dá de forma vertical e a saída criptografada é lida posteriormente de forma horizontal. Da mesma forma o processo de decodificação funciona inversamente, preenchimento horizontal e a leitura vertical. REPRESENTAÇÃO MATEMÁTICA DO MODELO CRIADO 76 O algoritmo apresenta uma variedade de estrutura de dados para manipular e armazenar os dados, por exemplo: variável simples, arquivo, vetor, ponteiro e ponteiro de matriz. Essas estruturas são utilizadas nas suas devidas funções. O algoritmo tem uma função principal que chama várias funções secundárias. Essas funções foram especificadas com um escopo bem definido, cada uma desenvolvendo suas peculiaridades. Para facilitar o entendimento, as funções serão relacionadas e explicadas a fim de descrever o papel que elas exercem no programa. Relação das funções: 1. Main ( ) 2. Carrega_menu ( ) 3. Abrir_arquivo_origem ( ) 4. Abrir_arquivo_destino ( ) 5. Criptografar ( ) 6. Define_bastão ( ) 7. Verifica_arquivo_origem ( ) 8. Cria_matriz ( ) 9. Preenche_matriz_cripto ( ) 10. Grava_cripto ( ) 11. Decriptografar ( ) 12. Preenche_matriz_decripto ( ) 13. Grava_decripto ( ) 14. Libera_matriz ( ) 1. Função principal do algoritmo, acionada através da execução do programa, que é responsável em chamar outras funções. Entre elas podemos destacar a função para abrir os arquivos, fechar os arquivos, apresentar o menu de opções e desalocar a matriz. Essa função recebe como parâmetro os arquivos que serão manipulados, isto é, o arquivo de origem e o arquivo de destino e não retorna valor. Para executar o programa de criptografia digitamos o nome do arquivo executável seguido do nome arquivo de origem e por último o nome do arquivo de destino. Para exemplificar a sua chamada procede-se da seguinte forma: 77 CRIPTO ORIGEM.TXT DESTINO.TXT 2. Função que apresenta o menu de opções para o usuário, oferecendo três possibilidades de ação. A primeira direciona o programa para o processo de criptografia, a segunda direciona para o processo de decriptografia e por último a opção de sair do programa. Essas opções são mutuamente excludentes. A função não recebe parâmetros e nem retorna valor. 3. Função que permite abrir o arquivo para leitura. No caso específico do programa será aberto o arquivo que contém os dados inicias da mensagem que serão submetidos ao processo de criptografia ou decriptografia. Nessa função é verificada a consistência do arquivo, caso haja algum problema o programa irá comunicar ao usuário através de uma mensagem de aviso, por exemplo, se o arquivo não existir o usuário será alertado do fato. A função não recebe parâmetros e nem retorna valor. 4. Função que permite abrir o arquivo para gravação. No caso específico do programa será aberto o arquivo que contém os dados após o processamento do algoritmo que pode ser o processo de criptografia ou decriptografia. Nessa função também é verificada a consistência do arquivo caso haja algum problema o programa irá se comportar igual ao item anterior. A função não recebe parâmetros e nem retorna valor. 5. Função que dispara o processo de cifragem dos dados, chamando outras funções pertinentes à criptografia como todo. Inicialmente é carregada uma função para definir o tamanho da matriz, outra função verifica se o tamanho da matriz é suficiente para armazenar os dados do arquivo, em seguida uma função é executada para carregar a matriz, depois uma função é chamada para preencher a matriz dando início a cifragem e por último outra função descarrega os dados da matriz no arquivo de destino completando a cifragem. A função não recebe parâmetros e nem retorna valor. 6. Função que define o tamanho da matriz. Nesse momento é solicitado o comprimento do bastão que equivale a quantidade de linhas e a largura do mesmo que equivale a quantidade de colunas. A função realiza a validação das entradas verificando se o valor informado é válido, caso não seja o programa 78 solicitará outro valor do usuário. Essa crítica é válida tanto para o comprimento como a largura do bastão. A função não recebe parâmetros e nem retorna valor. 7. Função que verifica se a matriz é capaz de armazenar os dados do arquivo de origem. Inicialmente é feita uma contagem para identificar a quantidade de caracteres do arquivo e depois se faz um teste com a quantidade suportada pela matriz, caso não seja suficiente será solicitado uma nova dimensão da matriz. A função recebe como parâmetro a quantidade de linhas, a quantidade de colunas e o arquivo de origem. A sua saída é um indicativo que informa se a dimensão da matriz foi satisfatória para armazenar os dados. Se o indicativo for igual a ‘S’ significa que o tamanho foi adequado caso seja ‘N’ significa que o tamanho foi inadequado. 8. A função cria dinamicamente a matriz, alocando espaço necessário na memória da máquina capaz de armazenar os dados. A função recebe como parâmetro a dimensão da matriz, ou seja, a quantidade de linhas e a quantidade de colunas e retorna um ponteiro que referencia a matriz criada. 9. Função que carrega a matriz dando inicio ao processo da cifragem dos dados. A função recebe como parâmetro a quantidade de linhas da matriz, quantidade de colunas da matriz, a própria matriz e o arquivo de origem, por outro lado não retorna valor. Ao receber o arquivo este será carregado na matriz no sentido vertical, isto é, preenche a primeira coluna da matriz toda para depois preencher a segunda e assim por diante. Para efeito de ilustração será apresentado na figura 1: Texto de entrada: VIVER VALE A PENA (arq. origem) V N I V V A A A 79 E L P R E E Figura 1. Matriz de entrada 10. Função que gera o arquivo de destino com os dados criptografados, finalizando o processo. A função recebe como parâmetro a quantidade de linhas da matriz, quantidade de colunas da matriz, a própria matriz e o arquivo de destino, por outro lado não retorna valor. Ao receber a matriz esta será carregada no arquivo no sentido horizontal, isto é, ler os caracteres individualizados da primeira linha da matriz, para cada leitura é feita uma gravação no arquivo, depois se ler a segunda e assim por diante. Ao final teremos os dados cifrados. Para efeito de ilustração será apresentado na figura 2: V N I V A V A E L P R E E A Figura 2. Matriz criptografada Texto criptografado: V NIVAAVA ELP REE (arq. destino) 11. Função que dispara o processo de decifragem dos dados, chamando outras funções pertinentes a decriptografia como todo. Inicialmente é carregada uma função para definir o tamanho da matriz, outra função verifica se o tamanho da matriz é suficiente para armazenar os dados do arquivo, em seguida uma função é executada para carregar a matriz, depois uma função é 80 chamada para preencher a matriz dando início a decifragem e por última outra função descarrega os dados da matriz no arquivo de destino completando a decifragem. A função não recebe parâmetros e nem retorna valor. 12. Função que carrega a matriz dando inicio ao processo da decifragem dos dados. A função recebe como parâmetro a quantidade de linhas da matriz, quantidade de colunas da matriz, a própria matriz e o arquivo de origem, por outro lado não retorna valor. Ao receber o arquivo este será carregado na matriz no sentido horizontal, isto é, preenche a primeira linha da matriz toda para depois preencher a segunda e assim por diante. Para efeito de ilustração será apresentado na figura 3: Texto de entrada: V NIVAAVA ELP REE (arq. entrada) V N I V A V A E L P R E E A Figura 3. Matriz de entrada 13. Função que gera o arquivo de destino com os dados decriptografados, finalizando o processo. A função recebe como parâmetro a quantidade de linhas da matriz, quantidade de colunas da matriz, a própria matriz e o arquivo de destino por outro lado não retorna valor. Ao receber a matriz este será carregado no arquivo no sentido vertical, isto é, ler os caracteres individualizados da primeira coluna da matriz, para cada leitura é feita uma gravação no arquivo, depois se ler a segunda e assim por diante Ao final teremos os dados decifrados. Para efeito de ilustração será apresentado na figura 4: 81 V N I V A V A E L P R E E A Figura 4. Matriz decriptografada Texto decriptografado: VIVER VALE A PENA (arq. destino) 14. Função que desaloca a matriz, liberando espaço na memória. A função recebe como parâmetro a quantidades de linhas, a quantidade de colunas e ponteiro da matriz como saída retorna valor nulo. CONCLUSÃO O trabalho representou matematicamente o processo de criptografia dos gregos denominado de "Bastão de Licurgo". Porém existem alguns pontos que devem ser considerados em relação à qualidade de cifragem da mensagem, dentre eles podemos destaca-se o fato de que quanto maior a diferença entre as dimensões menor a possibilidade de descobrir o conteúdo da mensagem cifrada sem utilizar o processo de decriptografia criado, ou seja, existe uma relação inversamente proporcional entre a qualidade e a discrepância das dimensões. Da mesma forma, quanto maior o número de caracteres repetidos na mensagem menor também será a qualidade do resultado obtido através da codificação. Os estudos feitos durante esse trabalho sobre técnicas de criptografia, contribuíram bastante para que se compreendesse a forma de criptografia utilizada pelos gregos. Contudo em estudos posteriores deve-se preocupar com possíveis falhas no processo, e com a redução das mesmas de forma a tornar o método o mais eficaz e eficiente possível. 82 REFERÊNCIAS A história da criptografia dos gregos. Disponível em: http://www.numaboa.com.br/informatica/criptologia/historia/antiga.html . Acesso em: 22/05/2006. Coutinho, S. C. Números inteiros e criptografia RSA. Série de Computação e Matemática. Rio de Janeiro: IMPA, 1997. HERBERT, Schildt. C Completo e Total. 3 ed. São Paulo: Makron Books, 2004. TENENBAUM, M. Aaron; LANGSAM, Yedidyah; AUGENSTEIN, J. Moshe. Estrutura de Dados Usando C. São Paulo: Makron Books, 1995. Wolfram, S. Mathematica – A System for Doing Mathematics Computer. New York: Wesley Publishing Company, 1991. by 83 RETENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE TALENTOS COMO FERRAMENTA DE CRESCIMENTO ORGANIZACIONAL: ESTUDO DE CASO DO EDUCANDÁRIO PEDACINHO DO CÉU RETENTION AND DEVELOPMENT OF TALENTS AS AN INSTRUMENT OF ORGANIZATIONAL GROWTH: CASE STUDY OF EDUCANDÁRIO PEDACINHO DO CÉU. Renata Rimet10 Maria de Fátima Araújo Frazão11 RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo abordar a importância da retenção e desenvolvimento de talentos como ferramenta de crescimento organizacional, na instituição educacional denominada Educandário Pedacinho do Céu. O tema é relevante, visto que é crescente a discussão a respeito da importância dos talentos humanos nas organizações de sucesso, característica fundamental da Era da Informação, que proporciona mudanças culturais e comportamentais, transformando o papel das pessoas que delas participam, não sendo diferente para as instituições educacionais. Como suporte teórico para o desenvolvimento do trabalho, foram pesquisados diversos autores que tratam de temas como responsabilidade social, administração de talentos humanos, do capital intelectual e gestão de pessoas. A partir da pesquisa exploratória realizada junto aos colaboradores, foram identificadas práticas de retenção e desenvolvimento do potencial criativo, apostando no capital intelectual e nas habilidades individuais como ferramenta de crescimento organizacional e social. A importância de um trabalho desenvolvido a partir da valorização do “ser”, envolve não somente o corpo funcional de uma empresa, mas sim, todos aqueles que estão interligados ao processo, seja de forma direta ou indireta. Essas práticas fortalecem a missão organizacional e dissemina a visão de futuro entre o público interno. Desenvolver talentos e competências é de suma importância para a organização, uma vez que consolida seus valores e princípios básicos de forma consistente, sendo incorporados pelas pessoas, tornando-os norteadores de seu comportamento e permitindo o direcionamento entre objetivos, valores individuais e organizacionais, construindo e fortalecendo a identidade cultural. Palavras-chave: Administração de Recursos Humanos. Talento Humano. Capital Intelectual. Desenvolvimento de Pessoas. ABSTRACT: The present work has as objective to approach the importance of the retention and development of talents as tool of organizational growth, in the educational institution called Educational establishment small piece of the Sky. The subject is excellent, since the quarrel regarding the importance of the human talents in the success organizations is increasing, basic characteristic of 10 Renata Rimet. Administradora, Gradudada pela UNIRB. E-mail: [email protected] Maria de Fátima Araújo Frazão, Mestre em Administração Estratégica pela UNIFACS, Pósgraduada em Marketing pela ESPM, Administradora, Professora do Curso de Graduação da UNIRB, Consultora em Marketing e Responsabilidade Social e Ambiental. Email:[email protected]. 11 84 the Age of the Information, that provide cultural and mannering changes, transforming the paper of the people that of them participate, not being different for the educational institutions. As theoretical support for the development of the work, diverse authors had been searched who deal with subjects as social responsibility, administration of human talents, the intellectual capital and management of people. From the carried through exploratory research next to the collaborators, retention and development of the creative potential had been identified practical of, betting in the intellectual capital and the individual abilities as tool of organizational and social growth. The importance of a work developed from the valuation of the “being”, not only involves the functional body of a company, but yes, all those that is linked to the process, either of direct or indirect form. These practical fortify the organizational mission and spread the vision of future between the internal public. To develop talents and abilities is of utmost importance for the organization, a time that consolidates its values and basic principles of consistent form, being incorporated for the people, becoming them guides of its behavior and allowing the aiming between objectives, individual and organizational values, constructing and fortifying the cultural identity. Keywords: Office of Human Resources. Human talent. Intellectual Capital. Development of People. INTRODUÇÃO O tema abordado é retenção e desenvolvimento de talentos, especificamente, a sua importância no processo de crescimento organizacional, como aspecto relevante na criação de vantagem competitiva e sustentável, bem como o comprometimento da empresa com a educação e o desenvolvimento de seus colaboradores. É cada vez mais exigida às pessoas, em diferentes níveis hierárquicos, uma postura voltada para o auto desenvolvimento e à aprendizagem contínua. Para criar este novo perfil, as empresas precisam implantar sistemas educacionais que privilegiem o desenvolvimento de atitudes, posturas e habilidades, e não apenas a aquisição de conhecimento técnico e instrumental. O surgimento de um novo ambiente empresarial caracterizado por profundas e freqüentes mudanças, pela necessidade de respostas cada vez mais ágeis, para garantir a sobrevivência da organização, gera um impacto significativo no perfil de gestores e colaboradores que as empresas esperam formar nesses novos tempos. O novo estilo de gestão exigirá que se forme uma verdadeira cultura empresarial de competência e resultado, o que supõe profundas mudanças, 85 não só na estrutura, nos sistemas, nas políticas e nas práticas de gestão, como também, essencialmente, na mentalidade organizacional e individual. Desenvolver talentos e competências é de suma importância para a organização, uma vez que consolida seus valores e princípios básicos de forma consistente, sendo incorporados pelas pessoas, tornando-os norteadores de seu comportamento e permitindo o direcionamento entre objetivos, valores individuais e organizacionais, construindo e fortalecendo a identidade cultural. É neste contexto que se insere esta pesquisa, desenvolvida a partir de observações do crescimento da empresa Educandário Pedacinho do Céu (EPC), sua forma de atuação ao longo dos anos, a visão de seus gestores, que imprimiram características diferenciadas de estilo empresarial e gestão de pessoas. Trata-se de um estudo teórico prático que tem como propósito alinhar as estratégias empresariais ao processo de desenvolvimento dos talentos humanos. Esta pesquisa busca responder a seguinte indagação: Em que medida o desenvolvimento de talentos é uma importante ferramenta para o crescimento organizacional? O objetivo geral do estudo é descrever o processo evolutivo da instituição denominada Educandário Pedacinho do Céu, sua história de crescimento no período de 14 (quatorze) anos de fundação, observando aspectos referentes à Administração de Recursos Humanos e a importância de reter e desenvolver seus próprios talentos. Os objetivos específicos são: conceituar Administração de Recursos Humanos e Gestão de Pessoas, apontando semelhanças e diferenças; definir Gestão de Talentos e Capital Intelectual, abordando aspectos que contribuem para o desenvolvimento e crescimento organizacional, bem como a interação com o ambiente; e descrever o processo de retenção e desenvolvimento de talentos na gestão de pessoas da instituição Educandário Pedacinho do Céu. O método escolhido para desenvolver o trabalho foi o estudo de caso, a partir da investigação com base em questionários e posterior descrição e avaliação de dados. O Educandário Pedacinho do Céu (EPC) é uma instituição educacional que atua do pré-escolar ao ensino médio, com base na educação e aprimoramento continuo. A pesquisa busca investigar como a organização 86 retém e desenvolve seus talentos e a partir destes pressupostos, sobreviver, crescer e manter-se no mercado. O presente estudo encontra-se dividido em quatro capítulos, o primeiro aborda a Gestão de Pessoas, suas definições e conceitos, uma abordagem sobre o tema Administração de Recursos Humanos, Administração de Talentos Humanos e do Capital Intelectual, além da Administração Responsável, apresentando conceitos, razões para tornar-se responsável socialmente e o nível de envolvimento com tais processos. O segundo capitulo retrata as características da organização, através do perfil, histórico e análise de resultados. O terceiro capitulo expõe a metodologia utilizada para elaboração da pesquisa de campo, aplicação de questionário e desenvolvimento do estudo de caso, envolvendo a elaboração de gráficos que expõe resultados e facilitam a compreensão do relatório. No quarto capítulo, o estudo revela que a instituição educacional Educandário Pedacinho do Céu investe na aprendizagem contínua, proporciona o desenvolvimento humano, favorecendo a melhoria continua e o enfrentamento das mudanças no ambiente interno e externo da organização. OBJETIVOS A base para fundamentar esta pesquisa deu-se a partir do entendimento do bom uso dos conceitos de Administração de Recursos Humanos e/ou Gestão de Pessoas, uma vez que as organizações são constituídas de pessoas e dependem delas para atingir seus objetivos e cumprir sua missão. Ao mesmo tempo em que para as pessoas, as organizações são o meio pelo qual podem alcançar vários objetivos pessoais, com toda certeza as organizações jamais existiriam sem as pessoas que lhes doam vida, dinâmica, energia, inteligência, criatividade e racionalidade, tornando real uma relação mutua de dependência e benefícios recíprocos. A partir deste entendimento, passa-se a pesquisar maneiras para reter e desenvolver os atores produtivos da organização, surgindo à necessidade de visualizar pessoas enquanto parceiros, doadores de conhecimento, habilidade, competência e, sobretudo o mais importante aporte para as organizações, à 87 inteligência que proporciona decisões racionais e que imprime significado e rumo aos objetivos globais. Entende-se que conquistar e manter pessoas na organização, trabalhando e dando o máximo de si, com uma atitude positiva e favorável representa o real objetivo da Administração de Recursos Humanos. Chiavenato afirma que: A Administração de Recursos Humanos(ARH) é uma especialidade que surgiu com o crescimento das organizações e com a complexidade das tarefas organizacionais. A ARH trata do adequado aprovisionamento, da aplicação, da manutenção e do desenvolvimento das pessoas nas organizações. Para que se possam compreender adequadamente as técnicas da ARH, torna-se necessário compreender as bases sobre as quais ela trabalha: as organizações e as pessoas. (CHIAVENATO,2003 p.13) As medidas de eficácia da ARH devem ser proporcionadas às pessoas certas, na fase certa do desempenho de um trabalho, e no tempo certo para a organização, sabe-se que as pessoas precisam ser felizes, aumentar a autorealização e a satisfação no trabalho, para que sejam produtivas, devendo sentir adequação à suas capacidades e são tratadas equitativamente. É perceptível que o trabalho é a maior fonte de identidade pessoal. As pessoas passam a maior parte de suas vidas no trabalho que requer uma estreita identidade com aquilo que realizam, tornando a felicidade na organização e a satisfação no trabalho, fatores determinantes do sucesso organizacional das empresas. A ordem agora é preocupar-s com o individuo, com suas necessidades e outras variáveis com as quais, até esse momento, ninguém estava absolutamente preparado. Nem o empresário nem o trabalhador e muito menos o chefe de pessoal[...], (MARRAS, 2000, p.23). Para tanto, desenvolver e manter qualidade de vida no trabalho, estruturar um ambiente de satisfação de necessidades individuais e tornar a organização um local desejável e atraente à confiança, são desafios para os gestores. Pois consiste em proporcionar fundamentalmente a retenção e a fixação de talentos, impulsionar o movimento de mudanças, tendências e novas abordagens mais flexíveis e ágeis, que sendo bem utilizadas, garantem 88 a sobrevivência das organizações, mantendo políticas éticas e comportamento socialmente responsável. Organizações necessitam consolidar e disseminar seus valores e princípios básicos de forma consistente, para que sejam incorporados pelas pessoas, tornando-os norteadores de seu comportamento e permitindo o direcionamento entre objetivos e valores individuais e organizacionais, construindo efetivamente a identidade cultural. Com relação ao individuo, este precisa alcançar um patamar de maturidade e auto-conhecimento que lhe proporcione uma conscientização e desenvolvimento contínuo, para garantir competências humanas fundamentais ao sucesso da empresa que trabalha, ou seja, a postura voltada à aprendizagem contínua e ao auto desenvolvimento é um estado de espírito, um processo de constante crescimento e fortalecimento de indivíduos talentosos e competentes, cabendo à organização, criar o ambiente favorável para tal manifestação. Além do ganho pessoal, os profissionais que tratam essa competência com cuidado são vistos pela direção como comprometidos, responsáveis e envolvidos no contexto atual das exigências, chamando a atenção de forma positiva. Para Marras (2000, p.257) o gerenciamento de pessoas faz parte da estratégia organizacional: “Entenda-se a administração estratégica de RH como a gestão que além de ter ligação estreita com o planejamento estratégico organizacional introduz, em suas políticas, mudanças de paradigmas que modificam substancialmente: a) O rumo dos resultados organizacionais, otimizando-os através de maiores índices de qualidade e produtividade no trabalho, alavancados pelo desempenho humano; b) O perfil cultural da organização, redesenhando-os em concordância com um conjunto de valores e crenças compartilhadas entre empregados e empresa para permitir ambientes participativos e comprometidos com objetivos comuns.” A alta competitividade exige das empresas que desejam sobreviver com algum diferencial, maximizar a capacidade produtiva e buscar resultados por 89 meio do desempenho de suas equipes. Fatores como investimentos tecnológicos de última geração, preço do produto e marca não são mais decisivos para o cliente, a preferência do consumidor tem sido direcionada a profissionais que demonstrem estar preparados para exercer suas funções de forma diferenciada. Nas organizações, as pessoas assumem uma variedade de denominações, alguns ainda chamam de mão-de-obra, por refletir o caráter mecânico, braçal, muscular, em outros, são chamados de trabalhadores, operários, funcionários, ocupantes de funções ou de cargos. Essas denominações tornam-se obsoletas e vão sendo substituídas por colaboradores, sócios ou parceiros, evidenciando o seu papel atual, ou ainda talentos, competências, capital humano ou capital intelectual, porém o reflexo de tais denominações é a maneira pela qual, cada organização visualiza o papel das pessoas em suas atividades. Outro aspecto de grande importância é a responsabilidade social, que significa o grau de obrigações que uma organização assume por meio de ações de proteção e melhoria da sociedade à medida que busca atingir seus próprios interesses, em linhas gerais, representa a obrigação da organização em adotar políticas e atitudes que beneficiem a sociedade. Torna-se função dos gestores definirem objetivos organizacionais em paralelo aos objetivos societários. Segundo Zenone (2006) as empresas fazem parte de uma sociedade, interferem no meio onde estão, e assim como as pessoas, possuem direitos e deveres. Tais deveres estão relacionados com a ação comercial praticada, que deve basear-se em princípios éticos e morais, que correspondem às atividades práticas, políticas e comportamentais esperadas por uma sociedade. Empresas necessitam ampliar ações na sociedade, com a finalidade de comprometer-se com determinados valores e desviar-se de imperfeições da indústria, como poluição ambiental, a negligência para com os consumidores, e as péssimas condições de ambiente de trabalho para os funcionários. Ainda baseado em observações de Zenone (2006) a responsabilidade social é algo que vai além de desejos individuais, ela caminha para tornar-se a soma de vontades que constituem um consenso, uma obrigação moral e 90 econômica a ligar comportamento de todos aqueles que participam da vida em sociedade. São diversos os argumentos apresentados para que uma organização exerça a responsabilidade social, dentre eles, melhorar a relação com a comunidade em seu entorno e aplicação de diversas ações que beneficie tanto o seu público interno como o externo, desta forma, melhora a imagem pública, aumenta a viabilidade de negócios, gerando a necessidade de evitar ou antecipar-se à regulação governamental ou intervenção externa para sanar determinados problemas, uma vez que prevenir é melhor do que curá-los posteriormente, quando se tornam bem maiores. Observar o grau de envolvimento de uma organização pela responsabilidade social, de acordo Chiavenato (2003) é mensurá-lo em três níveis, a saber, abordagem da obrigação social e legal, da responsabilidade social e da sensibilidade social. Levando em consideração o estudo de caso, o modelo a ser apresentado é classificado enquanto abordagem de sensibilidade social, de acordo com os aspectos comprovados a partir dos dados levantados durante a pesquisa de campo. Como não apresentam apenas metas econômicas e sociais, mas se antecipam aos problemas sociais do futuro, tal abordagem impõe que as organizações se antecipem aos problemas sociais, lidando com eles antes de se tornarem críticos. A utilização de recursos organizacionais no presente cria um impacto negativo na otimização dos lucros atuais, porém, o ganho futuro significa uma força de trabalho saudável. Representa um papel proativo junto à sociedade, independente da necessidade momentânea, pois a organização pode não ter envolvimento com o problema, e mesmo assim, interagir com a comunidade, incentivando seus membros a fazerem o mesmo, a partir de esforços de conscientização social, voluntariado espontâneo e programas comunitários em áreas carentes. Diferente de filantropia, o conceito de acordo Zenone (2006) passa a ter sua base no dever cívico e não na caridade, buscando estimular o desenvolvimento do cidadão e fomentar a cidadania individual e coletiva. 91 Desta forma, o tema responsabilidade social deixa de ser limitado a velhos conceitos de proteção passiva e paternalista ou de apenas cumpridor de regras legais, avançando na direção da proteção ativa e da promoção humana. DESCRIÇÃO DO CASO A instituição objeto da pesquisa é o Educandário Pedacinho do Céu, está localizada à Rua Orlando José Ribeiro, 30, no Bairro de Águas Claras, na cidade do Salvador, no estado da Bahia, tendo suas atividades iniciadas em 1994, de forma tímida, atendendo não mais que 40(quarenta) alunos nas series iniciais do curso fundamental. A partir do segundo ano de funcionamento o numero de pais que procuravam a instituição só fez aumentar, exigindo que reformas fossem feitas, algumas em caráter de urgência, a fim de oferecer um ambiente favorável ao processo ensino-aprendizagem e adequação das acomodações aos padrões de exigências da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Em quatorze anos de funcionamento, seus gestores relatam que a estrutura física sofreu diversas alterações, inicialmente o espaço era alugado, com apenas 4 (quatro) salas de aula, hoje a sede é própria, contando com 18 salas de aula, distribuídas em dois prédios, quadra esportiva, piscina, biblioteca, laboratório de informática e ciências, atendendo cerca de 980 (novecentos e oitenta) alunos matriculados entre os cursos pré – escolar, fundamental, ginasial e ensino médio com pré vestibular, contando com um quadro de sessenta e oito colaboradores, proveniente da comunidade em sua grande maioria. Além das atividades curriculares, a instituição oferece atividades extras como aula de capoeira, dança, hidroginástica, hidroginástica especial, futebol, informática, e ciclo de palestras com temas sugeridos pela própria comunidade. A partir das entrevistas realizadas com o corpo diretor da instituição educacional Educandário Pedacinho do Céu, pode-se constatar que desde o inicio das atividades, ainda em 1994, seus fundadores perceberam a dificuldade tanto de contratar mão de obra especializada no bairro, quanto à de romper com o pré-conceito dos moradores, com relação à qualidade de ensino oferecida. 92 Desta forma, conforme descreveu a diretora e fundadora da instituição, havia a necessidade de fazer algo pela comunidade, sendo percebido que só alcançariam o êxito, se comunidade também fosse inserida no projeto educacional e de expansão da escola. Com base nos questionários aplicados entre os colaboradores da instituição, foi traçado um perfil dos entrevistados. Foi diagnosticado que 88% dos entrevistados são do sexo feminino e 54% declaram-se solteiros, embora 45% possuem entre 1 e 2 filhos. De posse destas informações o passo seguinte era identificar qual o meio de transporte utilizado para ir ao trabalho, para comprovar que a maioria dos colaboradores é oriunda da própria comunidade, fato que é evidenciado a partir dos resultados obtidos, como 37% vai a pé, em função da proximidade da residência com o local de trabalho e 55% utiliza o transporte coletivo, conforme relato dos próprios colaboradores, a instituição absorve grande parte de sua mão de obra junto à própria comunidade, sendo ressaltado que a mesma é localizado num bairro extenso, e mesmo aqueles que utilizam de transporte coletivo, ainda assim, são residentes na comunidade. O próximo passo era evidenciar como o entrevistado tomou conhecimento da existência da instituição, para assim, compreendermos o método utilizado para recrutamento e seleção. 36% dos entrevistados tiveram conhecimento a partir de informação de colegas de trabalho, 22% por intermédio de parentes, e 18% buscaram a organização para matricular o filho e na ocasião foi convidado a fazer parte do quadro de colaboradores. 13% através da associação do bairro e 11% com o apoio de empresa de recrutamento. Todo processo de recrutamento de pessoal tem inicio a partir de uma necessidade interna da organização, no que tange à contratação de novos profissionais. (MARRAS, 2000, p.69) O que chamou a atenção com relação a este questionamento é a responsabilidade que cada colaborador tem ao indicar alguém para ocupar uma vaga, tornando um misto de atender os anseios da organização e as expectativas daquele que o indicou. Vale ainda ressaltar que a empresa especializada em recrutamento é responsável apenas por selecionar 93 estagiários oriundos do ensino médio da própria instituição que se cadastram para concorrer às vagas existentes. Um aspecto de grande relevância para a pesquisa é o histórico do tempo de serviço prestado por seus colaboradores, que evidencia a retenção de talentos, além do período em que o quadro funcional da instituição sofreu seus maiores saltos, coincidindo com o crescimento do ginásio e em seguida, com o inicio da formação de ensino médio. Dessa forma, são 9% de colaboradores que atuam há 14 anos, 9% a cerca de 10 anos, 4% já atuantes por 7 anos, 21% atuam a 5 anos, 13% a cerca de 3 anos, 31% a 2 anos e outros 13% apenas 1 ano. Neste aspecto, é necessário observar que o foco da pesquisa foram os colaboradores que atualmente atendem às séries iniciais, e que, de acordo com informações fornecidas pela direção da escola, boa parte dos profissionais que fazem parte da instituição desde o inicio das atividades, foram preparados para assumir postos de coordenação, outros lecionam no ginásio e ensino médio. Para Chiavenato (2004, p.53), “Talento, é preciso saber atrair, aplicar, desenvolver, recompensar, reter e monitorar esse ativo precioso para as organizações.” De acordo com o relato da senhora Daniela Paraíso, (diretora da instituição), o educandário conta com o apoio de colaboradores formados pela instituição, que “compreendem e pactuam dos mesmos ideais que seus fundadores, acompanham a formação continua dos novos profissionais e interagem com a comunidade, a partir de suas famílias, vizinhos e alunos”. Com relação à escolaridade inicial e atual, foram três as respostas encontradas, divididas na seguinte proporção, 45% relatam ter concluído a escolaridade inicial e seguem cursando grau mais elevado, 36% relatam ter melhorado o grau de escolaridade, e 19% relatam permanecer com a mesmo escolaridade inicial. Enquadram-se neste perfil àqueles colaboradores que foram contratados quando já cursavam a graduação, por exemplo, e até a data da pesquisa ainda não tinha concluído, ou seja, encontra-se em fase de formação. 94 A pesquisa questionou os entrevistados, a respeito de cursos de pósgraduação e obteve resposta positiva para 22% e os cursos de Educação Especial, Cito genética Humana, Metodologia do Ensino e Educação Física para Grupos Especiais apontados como os principais interesses. Ao questionar junto aos entrevistados, se a instituição EPC oferecia aos seus colaboradores cursos de aperfeiçoamento, os dados colhidos revelaram que 72% dos colaboradores afirmaram que a empresa oferece cursos de aperfeiçoamento, 15% não responderam a este questionamento e 13% informa que a empresa não oferece cursos de aperfeiçoamento. Pode-se concluir que a capacitação das pessoas, com vistas ao desenvolvimento profissional, é uma prática do Educandário Pedacinho do Céu que leva à retenção de talentos. É absolutamente necessário que as empresas desenvolvam seus talentos e competências a fim de aumentar sua competitividade e obter melhores resultados nos negócios, enquanto, do ponto de vista do individuo, este precisa alcançar um patamar de maturidade que lhe proporcione uma conscientização e internalização do real sentido da aprendizagem e desenvolvimento contínuos, para garantir as competências humanas fundamentais ao sucesso da empresa onde trabalha. (EBOLI, 2004 p.42) Neste momento, o questionamento foi aberto, cabendo ao entrevistado expor sua opinião sobre os cursos de aperfeiçoamento oferecidos pela instituição. Entre os pesquisados que responderam positivamente, 74% são favoráveis a inclusão de cursos de Formação Pedagógica Continuada, Grupos de Estudo e Seminários, enquanto 26% indicaram a especialização em Educação Especial. Existe um percentual de colaboradores que atuam na instituição apenas por 10 (dez) ou 20 (vinte) horas semanais. Esses profissionais, não sentem - se parte integrante do grupo, eles entram e saem às pressas, partindo para outra organização onde também prestam serviços e não se envolve com os projetos da instituição, este fato é evidenciado na pesquisa de campo quando 13% dos colaboradores informaram que a empresa não oferece cursos de aperfeiçoamento. Fato comprovado pela direção e coordenação, pois existe uma dificuldade de interação desses profissionais junto aos demais. 95 De posse da informação de que 26% dos colaboradores buscavam a especialização em Educação Especial, a direção da instituição revela que há alguns anos desenvolvem projetos neste sentido, envolvendo pais, alunos e profissionais e esperam tornarem-se aptos a atender alunos com “necessidades especiais”, com a mesma maestria que atendem os demais alunos, por entender que são cidadãos, merecem respeito e educação de qualidade, além de uma vida em sociedade mais ativa. Segundo informação da Coordenadora Pedagógica, senhora Rita Paraíso, a instituição atende grupos de pessoas com “necessidades especiais” para aulas de hidroginástica e conta ainda com alguns alunos que possuem grau de deficiência, cursando o ensino fundamental. Os professores participam de treinamento junto a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) que promove o aperfeiçoamento para o processo de Educação Inclusiva, além de envolver a comunidade no Ciclo de Palestras, que discute este e outros temas, derrubando pré-conceitos e facilitando o convívio no ambiente escolar. Com relação à importância da instituição oferecer tais cursos de aperfeiçoamento e investir na formação dos colaboradores, 90% informam ser Importantíssimo, enquanto 10% informam ser Muito Importante. Ao serem questionados diretamente a respeito do processo de formação dos colaboradores, se existe ou não incentivo financeiro por parte da empresa, 90% confirma, enquanto 10% responderam não haver incentivo por parte da empresa. Partindo dos 90% que responderam positivamente, feito o levantamento, o seguinte quadro é formado: a) 50% das respostas informam que a empresa oferece cursos, palestras e incentiva seus colaboradores a desenvolver suas competências; b) 21% das respostas informam que a empresa oferece palestras, seminários e incentivo financeiro para cursos de formação superior; c) 12% responderam que a empresa oferece palestras, inscrição em cursos diversos, contrata profissionais para ministrar cursos, além de liberar o colaborador em tempo hábil para participar de cursos preparatórios em outros bairros; d) 11% informaram apenas ajuda de custo; 96 e) 6% não opinaram. A partir desta análise, a compreensão dos fatos revela a tendência natural da organização, que é investir no processo de aprendizagem continuada, proporcionando o desenvolvimento dos talentos humanos, favorecendo o processo de mudança e melhoria constante, contribuindo de maneira consistente para a imagem externa e interna da empresa, sendo reconhecidamente um importante fator de motivação e retenção de talentos. Valorizar a educação como forma de desenvolver o capital intelectual dos colaboradores, transformando-os efetivamente em fator de diferenciação da empresa diante dos concorrentes, ampliando assim sua capacidade de competir. Significa buscar continuamente elevar o patamar de competitividade empresarial por meio da instalação, desenvolvimento e consolidação das competências críticas, empresariais e humanas. (EBOLI, 2004, p.85) Para classificar esta pesquisa, foi tomado como base o modelo de organização de informações apresentada por Vergara (1990) que a qualifica em relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins, foi realizada pesquisa descritiva, porque objetiva descrever percepções e expectativas do grupo, sobre o desenvolvimento de talentos e crescimento organizacional. Quanto aos meios, foi realizada pesquisa de campo e desenvolvido estudo de caso, a pesquisa de campo se deu com investigação empírica realizada em local que dispõe de elementos para suas explicações, com base na aplicação de questionário, e o estudo de caso é evidenciado através da restrição do tema aos limites da instituição pesquisada. O estudo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa participativa com proposta de estudo de caso, cujo processo de levantamento de dados foi consubstanciado por observações em loco, levantamento e análise de relatos da direção da instituição e da aplicação de questionários junto aos colaboradores. A proposta para realização deste trabalho foi promovida com a colaboração da direção, coordenação, administrativo e professores do ensino fundamental e pré - escolar da instituição denominada Educandário Pedacinho do Céu (EPC), possibilitando a pesquisadora investigar o objeto de estudo e relacionar com as teorias definidas em sua base teórica. 97 O universo da pesquisa de campo foi o corpo funcional da instituição EPC, composto por 24 (vinte e quatro) profissionais que atendem do maternal à 4ª série, 22 (vinte e dois) que atendem da 5ª a 8ª série e mais 22 (vinte e dois) direcionados para o ensino médio, perfazendo um total de 68 (sessenta e oito) colaboradores. A amostra foi definida a partir dos 24 (vinte e quatro) colaboradores que atendem do maternal a 4ª série, por entender que desde o inicio das atividades da organização, sempre houve profissionais realizando tal atividade, desta maneira a análise dos dados seriam baseadas nas atividades desenvolvidas pela organização ao longo dos 14 (quatorze) anos de fundação. Somente a partir do ano 2000, data em que se iniciou a formação ginasial e posteriormente, em 2006 deu-se inicio a formação do ensino médio. O método de pesquisa foi limitado aos colaboradores que atualmente atendem ao ensino fundamental. Vale ressaltar que boa parte dessa amostra, apenas exerce a atividade nos dias de hoje, não se tratando dos mesmos colaboradores que iniciaram com a instituição em 1994, de acordo com o relato da Coordenação Pedagógica, estes colaboradores encontram-se na instituição, porém, atuando junto ao curso ginasial e ensino médio. Outro aspecto considerável, diz respeito à coleta de dados; é possível que entrevistados forneçam respostas que não traduzam suas reais opiniões, seja por razões conscientes ou inconscientes, cabendo também levar em consideração alguma falha na habilidade do entrevistador, vindo a influenciar de forma positiva ou negativa as respostas dos entrevistados, ou não lhes transmitir a confiança necessária para exposição de reais sentimentos. CONCLUSÃO Quando organizações são bem sucedidas, elas tendem a crescer ou, no mínimo, a sobreviver. O crescimento acarreta maior complexidade dos recursos necessários às suas operações, com o aumento de capital, incremento de tecnologia, atividades de apoio, dentre outras, que acarretam o aumento do número de pessoas, bem como a necessidade de intensificar a aplicação de seus conhecimentos, habilidades e destrezas indispensáveis à manutenção e competitividade do negócio. 98 Enquanto a estrutura física da organização crescia, os objetivos dos fundadores se solidificavam com a parceria escola, família e comunidade, num movimento que provocou o deslocamento de pais e filhos em direção a instituição, fosse para trabalhar, estudar, se divertir, participar de palestras ou mesmo buscar aconselhamento. Com tudo isto é assegurado que os recursos materiais, financeiros e tecnológicos sejam utilizados com eficiência e eficácia, enquanto as pessoas passam a significar o diferencial competitivo que mantém e promove o sucesso organizacional, elas passam a constituir a competência básica da organização, a sua principal vantagem competitiva. A pesquisa realizada junto aos colaboradores da instituição educacional denominada Educandário Pedacinho do Céu, visava identificar práticas adotadas pela empresa para reter e desenvolver o potencial criativo de seus colaboradores, apostando no capital intelectual e nas habilidades individuais como ferramenta de crescimento organizacional e social, demonstrando em seus resultados a importância de um trabalho desenvolvido a partir da valorização do “ser”, envolvendo não somente o corpo funcional da empresa, mas sim, todos aqueles que estão interligados ao processo, seja de forma direta ou indireta, mas que colaboram com o fortalecimento da missão organizacional e contribuem ativamente para que a visão de futuro de uma empresa venha a se tornar o objetivo de toda uma sociedade. Ao questionar em que medida o desenvolvimento de talentos é uma importante ferramenta para o crescimento organizacional, retorno a leitura da missão da instituição que é -“Formar cidadãos capazes de atuar na sociedade com competência, dignidade, consciente dos valores e atitudes, interferindo criticamente na realidade para transformá-la e melhorá-la” - com a certeza de que os meios utilizados pela organização, justificam os objetivos alcançados, pois a mesma vem formando cidadãos capazes de atuar verdadeiramente na sociedade, com competência, dignidade, interferindo de forma critica na realidade e buscando a transformação através do conhecimento e aprendizado continuo, aliado com o propósito definido em sua missão. A instituição apresenta uma postura de sensibilidade social, dessa forma, suas metas não são meramente econômicas, vão além. Antecipa-se aos 99 problemas sociais do futuro, lidando com eles antes que se tornem críticos, assim ocorreu no inicio das atividades em 1994, quando o nível de escolaridade da comunidade dificultava até mesmo a contratação de pessoal, e recentemente, quando seus colaboradores se preparam com antecedência para o processo de educação inclusiva. Durante o desenvolvimento deste trabalho, não restaram dúvidas a respeito do nível de comprometimento da organização com a comunidade e seus colaboradores, porém a dificuldade maior foi encontrar registros com dados mais relevantes capaz de comprovar a história da organização. Embora não seja difícil encontrar personagens e personalidades que vão transformando aos poucos fatos em folclore, sugere-se que o EPC elabore material institucional para registrar sua história, fatos relevantes e demais aspectos que possam fazer parte de sua identidade cultural, para não perder informações preciosas a respeito da sua origem e processo constante de interação entre colaboradores, famílias e sociedade. E, a cada ano, acrescentar novos capítulos a sua história, agregando o histórico de alunos, colaboradores, pais e as ações junto a comunidade acompanhando em paralelo sua evolução pessoal. Os registros formais facilitam o processo de socialização dos colaboradores, aproximando até mesmo aqueles que prestam serviços de poucas horas à empresa, favorecendo o acesso a informações que envolvem os planos e projetos da instituição, reduzindo paulatinamente o sentimento de não pertencer ou não adaptar-se à cultura organizacional. Ao descrever a importância de reter e desenvolver talentos como ferramenta de crescimento organizacional, entendo que o tema não se esgota, existe ainda outros aspectos a considerar, outros pontos de vista a serem analisados, o que abre a possibilidade para que novos estudos sejam realizados, a exemplo da fidelidade dos colaboradores junto à instituição, a cultura organizacional, dentre outros. As organizações que aspiram ser competitivas no mercado atual devem focar em pessoas. Os talentos das pessoas em organizações que as valorizam, irão fazer toda a diferença. 100 O Estudo de Caso demonstra que ações simples implantadas numa comunidade, a partir de uma organização que se preocupa com seus talentos, provocam mudanças na sociedade como um todo, além de aumentar a qualidade de vida e abrir possibilidades para os envolvidos no processo. Ações essas, que se torna condição indispensável para a continuidade da empresa numa ambiente em constante transformação. REFERENCIAS ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho cientifico: elaboração de trabalhos de graduação. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2003. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 7 ª.ed.Rio de Janeiro: Elsevier,2003. _____________,Idalberto. E o novo papel dos recursos humanos nas organizações.2.ed.Rio de Janeiro: Elsevier,2004. ______________,Idalberto. Gerenciando com as pessoas. 5ª.ed. Rio de Janeiro: Campus,2005. COELHO, Ronaldo Sérgio de Araújo. Manual de apresentação de trabalhos técnicos, acadêmicos e científicos. Curitiba: Juruá, 2008. EBOLI, Marisa Pereira. . Educação corporativa no Brasil: mitos e verdades. 1. ed. São Paulo: Editora Gente, 2004. v. 1. GRAMIGNA,Maria Rita, Modelo de competências talentos:2.ed.-São Paulo:Perason Prentice Hall,2007 e gestão dos KOTLER, P. & ARMSTRONG, G. Principios de Marketing. 9ª.ed. São Paulo:PHB, 2003. MARRAS, Jean Pierre. Administração de Recursos operacional ao estratégico. 3 ed. São Paulo:Futura,2000. Humanos: do MCLAGON, Patrícia. A nova era da participação: o desafio de emocionar e envolver pessoas;tradução follow-up.-Rio de Janeiro:Campus,2000 VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 6.ed – São Paulo: Atlas, 2005. ZENONE, Luiz Claudio. Marketing Social – São Paulo: Thomson Learning, 2006. 101 A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA A FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE CONSCIENTE THE IMPORTANCE OF THE READING FOR THE FORMATION OF A CONSCIENTIOUS SOCIETY Leila Souza12 RESUMO: A sociedade atual caracteriza-se pela busca da informação, do conhecimento. A educação dos indivíduos precisa enfatizar a leitura como via de inclusão social e de melhoria para a sua formação. Percebe-se o processo de construção e reconstrução do conhecimento em espaços de disseminação de leitura como a escola e a biblioteca. Bibliotecário e professor são elementos de mediação das fontes de informação. O objetivo principal é conscientizar a sociedade para a intensificação de ações de incentivo à leitura. A metodologia utiliza: levantamento de referências e análise destas e uma melhor adequação dos conteúdos à realidade. Os resultados evidenciam: a necessidade de planejamento da leitura para estabelecimento e implementação de qualquer ação; educação voltada para a transformação com respeito ao universo cultural dos indivíduos. A leitura, portanto, promove o resgate da cidadania, devolve a auto-estima ao promover a integração social, desenvolve um olhar crítico e possibilita formar uma sociedade consciente. Palavras-chave: Leitura. Aprendizagem. Conscientização. Biblioteca. ABSTRACT: The current society is characterized for the search of the information, of the knowledge. The education of the individuals necessary to emphasize the reading as way of social inclusion and improvement for its formation. One perceives the process of construction and reconstruction of the knowledge in spaces of reading dissemination as the school and the library. Librarian and professor are elements of mediation of the information sources. The main objective is to acquire knowledge the society for the intensification of action of incentive to the reading. The methodology uses: survey of references and analysis of these and one better adequacy of the contents to the reality. The results evidence: the necessity of planning of the reading for establishment and implementation of any action; education directed toward the transformation with respect to the cultural universe of the individuals. The reading, therefore, promotes the rescue of the citizenship, returns auto-esteem when promoting the social integration, develops a critical look and makes possible to form a conscientious society. Keywords: Reading. Learning. Awareness. Library. INTRODUÇÃO 12 Mestre em Ciência da Informação (ICI/UFBA), Universidade Federal da Bahia. e-mail: [email protected] 102 Em nossa sociedade, a busca pela informação, pelo conhecimento tem sido um processo contínuo, seja pela percepção de que sem eles o indivíduo ficaria excluído socialmente, de que com estes não permaneceria no estado de ignorância neste novo contexto informacional, marcado visivelmente pelo uso intensivo das tecnologias de informação e de comunicação. O conhecimento pode ser encontrado através da leitura e esta, por sua vez, possibilita formar uma sociedade consciente de seus direitos e de seus deveres; possibilita que estes tenham uma visão melhor de mundo e de si mesmos. Mas onde e como encontrar informação e/ou conhecimento? Qual (is) sujeito (s) poderia(m) mediar as fontes de informação? O conhecimento está disponível nas mais diversas fontes de informação, sejam formais – registrado em livros, artigos, entre outros, sejam informais onde se destaca a conversa direta, face a face e se tem o acúmulo do conhecimento tácito ou implícito, fruto das experiências vivenciadas ao longo do tempo, da troca de informação, de conhecimento, - externalizados mas não registrados. Bibliotecário e professor surgem, neste cenário, para mediar as fontes de informação e/ou orientar o seu uso correto de forma a otimizar tempo (ao fazer a selecão do que se deseja) e recursos para desenvolvimento das atividades. O objetivo principal deste trabalho é conscientizar a sociedade para a necessidade de intensificação de ações de incentivo à leitura, dos seus benefícios. A metodologia utiliza levantamento de referências, a análise destas e uma melhor adequação dos conteúdos à realidade; a construção do texto baseia-se nos autores: Barreto (2006), Carvalho (2006), Blattmann e Viapiana (2005), entre outros. O título não traz uma temática nova para a reflexão e discussão uma vez que a leitura, sob diversas óticas, tem sido foco de atenção de pesquisadores e estudiosos, mas é importante que não caia no esquecimento e continue em evidência para a concretização de uma sociedade leitora, informada, atualizada, consciente e participativa. A estrutura do texto contempla como pilar principal a leitura seguida de pilares secundários: conceituação e importância; motivação para a leitura; 103 bibliotecas como espaços de disseminação, de leitura; e, leitura para a formação de uma sociedade consciente. A seleção dessas perspectivas tem a intenção de mostrar a importância do ato de ler bem como o papel das bibliotecas, do bibliotecário e do professor no que diz respeito à acessibilidade das fontes de informação para o processo de formação e, conseqüentemente, de construção coletiva de conhecimentos. Os profissionais da Área de Educação e/ou Ciência da Informação têm uma responsabilidade para a construção de um mundo mais justo e igualitário na medida em que promoverem ações que visem incentivar a leitura para a temática em questão. Já existe essa consciência e deve-se dar ênfase à novas práticas para que se possa minimizar a exclusão social. Na sociedade da informação pode-se observar uma mudança positiva no ritmo e na direção do acesso à informação, à educação nas Áreas de Ciência da Informação/Educação, apesar da evidente existência da exclusão social: uma parte dos indivíduos, ainda que não considerada a ideal, começa a ter acesso às Universidades públicas; essa realidade também se torna visível nas faculdades privadas através de bolsas concedidas pelo governo (totais ou parciais) àqueles que não podem pagá-las. A informação vai sendo percebida assim, como afirma Carvalho (2006), [...] o elemento chave para a formação das futuras elites sociais, econômicas, políticas e científicas. O mundo moderno enfatiza o príncipio da produção da informação e da ordenação do conhecimento. Fatos significativos, na sociedade, podem ser observadas já no século XVIII e apontam claramente um novo olhar sobre as práticas de leitura/Educação nos diversos espaços: [...] o aparecimento e difusão da leitura silenciosa, redução do controle da Igreja, aparecimento do ensino laico, reconhecimento da importância da alfabetização, invenção da imprensa, tipo móvel, mercado editorial, aumento do interesse pela ficção, aparecimento da Literatura Infanto Juvenil, no século XVIII, bem como a expansão do ensino público, além do aparecimento do novo modelo econômico (MANGUEL (1987) APUD BARRETO, 2006). Deste modo, pensar, conhecer, saber, intuir e ousar são as mais recentes palavras que devem dominar o vocabulário dos indivíduos que 104 compõem a sociedade. Como obter um senso crítico senão mediante a leitura dos textos que atuam sobre: [...] os esquemas cognitivos do leitor. Quando alguém lê algo, aplica determinado esquema alterando-o ou confirmando-o, mas principalmente entendendo mensagens diferentes de seus esquemas cognitivos, ou seja, as capacidades já internalizadas e o conhecimento de mundo de cada um são diferentes. (KRIEGL, 2002) O leitor usa, simultaneamente, seu conhecimento de mundo e seu conhecimento de texto para construir uma interpretação sobre o que se lê. Vale ressaltar que não basta apenas ler, mas é importante analisar, interpretar, conhecer para agregar valor à atividade ou necessidade que se tem. Na seleção de determinado livro, revista ou jornal, existe uma intenção para justificar a escolha. É fundamental a interação dos elementos textuais com os conhecimentos do eleitor. Quanto maior for a concordância entre eles, maior a probabilidade de êxito na leitura. O senso crítico é melhor percebido com a escrita pois ao virtualizar a memória permitiu o desenvolvimento de uma tradição crítica, refinou as práticas de interpretação (IBICT, 1999). Percepção e análise crítica do texto. A leitura é um processo de interação entre leitor e o texto. Fonte: Souza, Leila (2007) Além disso, um bom leitor é aquele que: Separa palavras que não conhece; recorre a um dicionário. Procura a priori conhecer a biografia do autor para entender a forma como este escreve. Lê o texto duas ou três vezes para fixá-lo e compreendê-lo melhor. Tenta discutir com alguém sobre o texto; faz críticas e uma análise deste. Anota as partes que lhe interessam, com as referências de autores e páginas para consulta. 105 Fonte: Souza, Leila (2007) Por outro lado, se percebe uma realidade quanto ao leitor que não tem o hábito da leitura na escola, como afirmam Santoro e Confuorto (2006): [...] outro indicador lamentável que extrapola o universo escolar e assenta-se na sociedade: mais de 70% da população no Brasil não lê jornais nem revistas e o restante, 30% varia muito no grau de compreensão de texto, de acordo com notícias na mídia, em geral. É nítido que a população, dentre as várias iniciativas para a leitura, precisa compreender a importância de se manter atualizada. Para tanto é necessário que esteja motivada a buscar informação de qualidade para acompanhamento das mudanças que estão acontecendo mundialmente e que têm uma interferência significativa na conjuntura social, político, econômico e cultural do país. Para tanto se deve observar também a forma, o comportamento do professor no processo de motivação: [...] não consiste em que o professor diga: Fantástico! Vamos ler! Mas que elas mesmas o digam ou pensem. Isso se consegue planejando bem a tarefa de leitura e selecionando com critério os materiais que nela serão trabalhados, tomando decisões sobre as ajudas prévias de que alguns alunos possam necessitar evitando situações de concorrência [...] e promovendo, sempre que possível, aquelas situações que abordem contextos de uso real, incentivem o gosto pela leitura e façam o leitor avançar em seu próprio ritmo para ir elaborando sua própria interpretação – situações de leitura silenciosa [...] (KRIEGL, 2002). O leitor deve procurar conhecer a biografia do autor para que possa compreender a sua forma de construção, de estruturação de idéias, do desenvolvimento do seu raciocínio no texto. O processo de construção e reconstrução do conhecimento ocorre nos espaços formais como a escola e a biblioteca. Neste contexto, o bibliotecário e 106 o professor têm uma responsabilidade grande que se inicia com a escolha de sua área profissional até o pleno exercício. A biblioteca é considerada “[...] um dos mais antigos sistemas de informação existentes na história da humanidade, é considerada pólo de irradiação cultural de grande significação. Inerente à sua própria condição tem o papel de motivar o leitor para o livro e a leitura” (CARVALHO E GESTEIRA, 2006). Para falar em Educação como instrumento de ação reflexiva é preciso falar da importância da leitura na Educação. Importante porque a leitura como instrumento proporciona melhoria da condição social e humana. Então observar, analisar e procurar entender o mundo e interagir tem através da leitura um caminho para a promoção do desenvolvimento de competências na medida em que os conhecimentos vão sendo absorvidos e se amplia gradativamente a produção cultural da humanidade. Os indivíduos necessitam de conhecimento e reflexão sobre os processos de aquisição, sobre como filtrar melhor a informação que desejam principalmente neste novo contexto informacional onde a quantidade de informações tem aumentado a cada dia. O trabalho do bibliotecário aqui é necessário como afirma Carvalho (2006), pois neste espaço de informação que compreende a disseminação efetiva e o seu uso requer, cada vez mais, a intervenção do especialista, do profissional de informação. Cabe ao bibliotecário ser estimulador de leituras, não podendo ficar omisso diante dos acontecimentos que ocorrem com a comunidade que a freqüenta e com os futuros usuários. Está na hora do profissional bibliotecário abraçar a sua profissão como uma ferramenta propulsora da era informação, modificando positivamente o cenário de atuação profissional ao desenvolver ações leitoras e promover o acesso às fontes de informação para a coletividade (BLATTMANN E VIAPIANA, 2005). Cabe ao professor promover no espaço de aula um espaço interativo, participativo e tentar extrair dos discentes o conhecimento tácito que estes têm para enriquecimento da discussão, uma vez que diversificadas são as multirreferências que compõem cada um. 107 Cabe aos profissionais bibliotecário e professor atuar conjuntamente para a promoção da cultura e da educação no país. Percebe-se que as organizações estão divididas nitidamente entre aquelas que sabem, que detém conhecimento e aquelas que não sabem “[...] as empresas recorrem cada vez mais à informação para aumentar a sua eficácia, sua competitividade, estimular a inovação e obter melhores resultados, na maioria dos casos, a qualidade dos bens e serviços que produzem” (IBICT, 1999). O exercício da cidadania é feito mediante direitos e deveres e para tanto é preciso haver uma maior e mais justa democratização do acesso à informação, ao conhecimento: Como cidadãos desfrutamos de uma série de direitos que, certamente, variam de uma sociedade para outra. Temos direitos fundamentais como pessoas: o direito de ser tratado como um ser humano, com tudo o que isto implica; direitos civis: liberdade de expressão, de reunião e direito à proteção jurídica; direitos políticos: direitos a voto; temos igualmente direitos sociais, considerados geralmente como o direito à uma vida digna. Somos, por outro lado, membros de uma comunidade e cidadãos de um Estado-Nação (IBICT, 1999) Os resultados evidenciam a necessidade de planejamento de leitura para o estabelecimento e a implementação de qualquer ação; aqui, a educação estará realmente voltada para a transformação, porém respeitando o universo cultural dos indivíduos. A leitura, portanto, promove: Resgate da cidadania Amplia o vocabulário Aprendizagem das obras Devolve a auto-estima Desenvolve um olhar crítico BENEFÍCIOS DA LEITURA Profissionais mais capacitados e Fonte: SOUZA, Leila (2007) competentes Desenvolvimento de competências Integração social Ampliação de horizontes 108 Fonte: Souza, Leila (2007) A educação para a formação e crescimento dos indivíduos deve contemplar o domínio da escrita e deve trazer os sujeitos bibliotecário e professor para este desafio para orientar, estimular o pensar, o refletir, o participar e o agir destes indivíduos. Blattmann e Viapiana (2005) em seu artigo Leitura Instrumento de Cidadania apresentam uma lista que destaca a existência de vários programas (22) e projetos de leitura (37) que deve ser disseminada para que bibliotecários e professores se utilizem dos mesmos. A proposta defendida por Freire (1993) uma educação voltada para transformação respeitando o universo cultural dos alunos torna nítida que devese ter sensibilidade e respeito às origens, às necessidades de cada indivíduo e também a importância da realização de um trabalho planejado com indicação de textos - por parte do Bibliotecário e por parte do professor - e a utilização destes (por parte do leitor) que façam sentido e que eduquem para viabilizar a tomada de decisão. O conhecimento constrói-se no sujeito, é tarefa de significação (apropriação). Para que isto ocorra é necessário que a informação esteja vinculada aos contextos e experiências do leitor. Este processo é lento, reflexivo, individual ainda que o produto do conhecimento seja, a posteriori, socializado (BARRETO, 2006). Continuar perseverando no objetivo maior de conscientizar a sociedade para a relevância da leitura para a formação de uma sociedade consciente e estimular bibliotecários e professores para a criação de programas de leitura e reflexão sobre a qualidade dos programas e projetos existentes com adaptação às demandas informacionais da sociedade atual. São necessárias boas condições de trabalho para a formação de leitores, bibliotecas com acervos atualizados, material escolar nas escolas, profissionais da área em seus devidos espaços de trabalho – seja professor, seja bibliotecário (incentivando os discentes para o hábito e o gosto pela leitura com a metodologia através de leituras individuais e coletivas; orientando a leitura com análise e reflexão dos conteúdos) boa infra-estrutura tecnológica no 109 que diz respeito a computadores, treinamento destes e Internet; informação confiável e nítida. Outro aspecto que faz toda a diferença está na motivação dos sujeitos – professor e bibliotecário , pois os conteúdos ganham vida ou não a depender da forma como são transferidos e/ou disseminados. A leitura é um dos meios mais importantes para a consecução de novas aprendizagens; possibilita a construção e o fortalecimento de idéias e ações. Um detalhe merece destaque, afirma Kriegl (2002) é que ninguém se torna leitor por um ato de obediência, ninguém nasce gostando de leitura. A influência dos adultos como referência é bastante importante na medida em que são vistos lendo ou escrevendo. É fundamental o amor à profissão, pois sem isto não há motivação; sem motivação, não há querer ler, querer aprender, querer absorver novos conhecimentos. Não haverá esperança na concretização do discurso da inclusão social, de realização de melhores perspectivas, de busca de uma melhor qualidade de vida. REFERÊNCIAS BLATTMANN, Ursula; VIAPANA, Noeli. Leitura: instrumento de cidadania. In: Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação. 21 , Anais. 2005 Disponível em: www.ced.ufsc.br/~ursula/papers/cbbdnoeli.ppt Acesso em 27/02/07. BARRETO, Ângela Maria. Leitura: suas categorias de produção de sentidos nas novas e antigas formas de acesso à informação. In O ideal de disseminar: novas perspectivas, outras percepções. Salvador: EDUFBA, 2006. p. 55-76 CARVALHO, Kátia de. Disseminação da informação e da biblioteca: passado, presente e futuro. In O ideal de disseminar: novas perspectivas, outras percepções. Salvador: EDUFBA, 2006. p. 9-27 FERNANDES, Adriana Hoffman; PORTUGUAL, Cristina. O texto e a leitura no mundo contemporâneo - reflexões a partir de Pierre Levy. 2002 (Ensaio) FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1993. FREITAS, Lídia Silva de. A memória polêmica da nação da Sociedade da Informação e sua relação com a área de informação. Informação e Sociedade, João Pessoa, v. 12, n. 2 , 2002. INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA. A informação: tendências para o novo milênio. Brasília, 1999. 110 KRIEGL, Maria de Lourdes de Souza. Leitura: um desafio sempre atual. Revista PEC, Curitiba, v. 2, n.1, p. 1-12, jul. 2001-jul. 2002. Pelo poder da palavra, ela pode agora navegar nas nuvens, visitar as estrelas, entrar no corpo de animais, fluir com a seiva das plantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundo de rios e de mares, andar por mundos que há muito deixaram de existir, assentar-se dentro das pirâmides e de catedrais góticas, ouvir corais gregorianos, ver os homens trabalhando e amando, ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder, passear pelos espaços da literatura, da arte, da filosofia, dos números, lugares onde seu corpo nunca poderia ir sozinho ... corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele! Rubem Alves 111 SOCIEDADE SOLIDÁRIA: POSSIBILIDADE DE MUDANÇA, DIANTE DO CAPITALISMO GLOBALIZADO SOCIETY FOR DEVELOPMENT: THE POSSIBILITY OF CHANGE FORWARD GLOBALIZED CAPITAL Alaim Passos Bispo13 RESUMO: O presente trabalho é resultado de uma pesquisa de pósgraduação, realizada na Universidade do Estado da Bahia. Tem como objetivo discutir sobre uma das temáticas mais relevantes da contemporaneidade: o associativismo/cooperativismo como possibilidade de mudança nas relações sociais frente às dinâmicas do capitalismo globalizado. Partindo dessa premissa, o trabalho foi concebido da seguinte forma: primeiro foi necessário percorrer a vasta literatura que trata do estudo das relações sociais na sociedade contemporânea, enfocando os autores que analisam as mudanças no mundo do trabalho, que emergem nessa sociedade atual, demonstrando o associativismo, e o (re)surgimento do cooperativismo como resultante da correlação de forças entre capital e trabalho no fim de século XX e início do XXI. Assim, tratou-se: 1. Os fundamentos do modo capitalista na sociedade globalizada; 2. As mudanças no mundo do trabalho e as implicações no emprego; 3. A emergência da economia solidária frente ao capitalismo. Esperase com esse estudo contribuir para uma reflexão sobre as alternativas de organização social frente a atual crise da atividade humana (trabalho) na sociedade globalizada, em especial, associativismo/cooperativismo. Palavras-chave: Sociedade. Capitalismo. Cooperativismo. Ciências Sociais. Educação.Globalização. ABSTRACT: This work is the result of a research postgraduate, held at the State University of Bahia. Discusses one of the themes most relevant today: the formation of associations / cooperatives as the possibility of change in the social front the dynamics of global capitalism. From this assumption, the study was designed as follows: first it was necessary to traverse the vast literature that deals with the study of social relationships in contemporary society, focusing on the authors analyze the changing world of work, which emerge in this society, demonstrating the associations, and (re) emergence of cooperatives as a result of the correlation of forces between capital and labor at the end of the twentieth century and early twentieth century. Thus, it was: 1. The foundations of the capitalist mode in the global society, 2. The changing world of work and the implications for employment, 3. The emergence of economic solidarity against capitalism. It is hoped that this study contribute to a reflection on the alternatives of social organization before the current crisis of human activity (work) in a global society, in particular, associations / cooperatives. 13 Docente da Unirb, Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais – UFBA, Especialista em Metodologias do Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação – UNEB e, Mestre em Ciências Sociais – UFBA 112 INTRODUÇÃO O ponto de partida desse trabalho foi reservado para uma discussão acerca da emergência do capitalismo globalizado, tratando das suas possibilidades e tendências na contemporaneidade, através da contribuição de alguns autores, que discutem e analisam a conjuntura desse mundo globalizado. E apresentam como alternativa, a economia solidária. Assim, para se compreender o surgimento da economia solidária no cenário atual é necessário antes, se discutir a crise da sociedade do trabalho para em seguida ser debatida a emergência da economia solidária frente as desigualdades sociais. Para isso, antes, será feito um percurso sobre a atual conjuntura econômica mundial e seus desdobramentos até que se chegue ao debate contemporâneo chamado economia solidária, as suas possibilidades e limites. OS FUNDAMENTOS GLOBALIZADA DO MODO CAPITALISTA NA SOCIEDADE Hoje em dia, poucas pessoas abastadas guardam cofres cheios de ouro e prata. Quem tem dinheiro não o deseja guardar, mas sim movimentá-lo, buscando um meio lucrativo de investimento. Tenta achar onde colocar seu dinheiro de forma a ter uma retirada proveitosa, com o juro mais alto. O dinheiro pode ser aplicado em negócios, em ações de uma companhia siderúrgica; pode ser empregado na aquisição de apólices do governo, ou num sem-número de outras coisas. Hoje há mil e uma maneiras de se aplicar capital, na tentativa de obter mais capital (Huberman, 1986 p. 16). Desde o princípio, o processo de desenvolvimento do capitalismo, coloca Ianni (2000), é simultaneamente um processo de racionalização. Aos poucos, as mais diversas esferas da vida social são burocratizadas, organizadas em termos de calculabilidade, contabilidade, eficácia, produtividade, lucratividade. Segundo Weber (1956) existe capitalismo onde quer que se realize a satisfação de necessidades de um grupo humano com caráter lucrativo e por meio de empresas, qualquer que seja a necessidade de que se trate. Assim, desde que se formou o moderno capitalismo, o mundo passou a ser influenciado pelo padrão de racionalidade gerado com cultura desse mesmo capitalismo. 113 Assim, no declínio do século XX e limiar do século XXI, as Ciências Sociais se defrontam com um desafio epistemológico novo. Segundo Ianni (2000), seu objeto transforma-se de modo visível, em amplas proporções e sob certos aspectos, espetacularmente. Pela primeira vez, são desafiadas a pensar o mundo como uma sociedade global. O pensamento científico, em suas produções mais notáveis, elaborado primordialmente com base na reflexão sobre a sociedade nacional, não é suficiente para apreender a constituição e os movimentos da sociedade global. Em A Sociedade Global, Ianni (1992) coloca que a sociedade global se constitui como um momento epistemológico fundamental, novo, pouco conhecido, desafiando a reflexão e a imaginação de cientistas sociais, filósofos e artistas. O local e o global determinam-se reciprocamente, umas vezes de modo congruente e conseqüente, outras vezes de modo desigual e desencontrado. Mesclando e tencionando singularidades, particularidades e universalidades. Aliás esse é o contexto em que todas as Ciências Sociais são postas diante de novo desafio epistemológico. Muitos de seus conceitos, categorias e interpretações são postos em causa. Alguns se tornam obsoletos, outros perdem parte de sua vigência e há os que são recriados. Mas logo se coloca o desafio de criar novos. Na medida em que a realidade social passa por uma verdadeira revolução, quando o objeto das Ciências Sociais se transfigura, nesse contexto descortinam-se outros horizontes para o pensamento. De acordo com Talcott Parsons (1964) alguns autores, procuram transferir ou reformular esse conceito, induzindo a idéia de que a sociedade global significa uma ampliação da nacional, quando não simplesmente uma soma de nacionais. Inclusive há aqueles que tomam as sociedades “mais desenvolvidas”, dominantes ou hegemônicas como parâmetro do que pode ser o mundo. Nestes casos, a globalização tende a ser vista como europeização, americanização ou ocidentalização, ainda que se fale em modernização, secularização, individualização, urbanização, industrialização ou modernidade. Há autores, no entanto, que sistematizam de modo mais ou menos consistente e convincente suas idéias sobre a sociedade global, como um todo em algumas de suas partes. Como por exemplo, 114 Globalização diz respeito a todos os processos por meio dos quais os povos do mundo são incorporados em uma única sociedade mundial, a sociedade global e o globalismo é uma das forças que atuam no desenvolvimento da globalização (Martin Albrow, 1990). Assim, o espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo, senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais, mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e os lugares. Nesses termos é indispensável que toda reflexão sobre a sociedade global contemple tanto a diversidade como a globalidade, reconhecendo que ambas se constituem simultânea e reciprocamente. AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E AS IMPLICAÇÕES NO EMPREGO Ao contrário daqueles autores que defendem a perda da centralidade da categoria trabalho na sociedade contemporânea, Antunes (1995) coloca que as tendências em curso sejam na direção a uma maior intelectualização do trabalho fabril ou ao incremento do trabalho qualificado, ou em direção à desqualificação e à subproletarização, não permitem concluir pela perda desta centralidade no universo de uma sociedade produtora de mercadorias. Na atualidade, o elemento que emerge é a noção de mudança na natureza e no significado do trabalho. Segundo Gorz (1993), antes de se processar a mudança na natureza do trabalho, a classe trabalhadora tradicional - conseguia extrair um sentimento de poder do trabalho que realizava. Os trabalhadores dominavam a força da natureza e transformavam o mundo material por meio do uso hábil de suas capacidades manuais e mentais. Até certo ponto, eles tinham controle sobre as ferramentas que usavam e podiam ver o resultado material de seu trabalho como uma materialização de seu poder individual e coletivo. Identificar-se com seu trabalho e com sua profissão era uma maneira de afirmar a dignidade do trabalho e o poder social que, lhes confere número, solidariedade e importância vital para a economia. Esse sentimento pode está sumindo, assim como a coesão da classe trabalhadora. De acordo com Gorz (1993) há várias razões para essa mudança. A classe trabalhadora industrial não está apenas reduzindo-se rapidamente em conseqüência da automação. Suas habilidades manuais 115 tradicionais e profissões estão desaparecendo. A maior parte dos produtos não é mais a materialização da habilidade manual e mental do trabalhador, mas resulta do funcionamento de maquinarias complexas e sistemas de manufatura computadorizados. Quando se tematiza a crise da sociedade do trabalho, coloca Antunes (1995), perece decisivo recuperar a distinção marxiana feita entre trabalho concreto e abstrato: Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria o valor das mercadorias. Todo trabalho humano, por outro lado, é dispêndio de força humana de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim, e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz valores-deuso. (Marx, 1982, p. 24). De um lado, tem-se o caráter útil do trabalho, relação de intercâmbio entre os homens e a natureza, condição para a produção de coisas socialmente úteis e necessárias. É o momento em que se efetiva o trabalho concreto, o trabalho em sua dimensão qualitativa. Deixando de lado o caráter útil do trabalho, sua dimensão concreta, resta-lhe apenas ser dispêndio de força humana produtiva, física ou intelectual, socialmente determinada aflorando assim sua dimensão abstrata. Desse modo, com essa desmaterialização do trabalho, tornou cada vez mais difícil para os trabalhadores perceberem o produto como resultado de seu próprio poder humano. Marx (1982) serve-se de outros dois termos distintos para melhor caracterizar essa dimensão dupla do trabalho: work e labour. O primeiro (work) realiza-se como expressão do trabalho concreto, que cria valores socialmente úteis. O segundo (labour) expressa a execução cotidiana do trabalho, convertendo-se em sinônimo de trabalho alienado. O trabalho entendido enquanto (work) expressa então uma atividade genérico-social que transcende a vida cotidiana. É a dimensão voltada para a produção de valores de uso. É o momento da prevalência do trabalho concreto. Em contrapartida o labour exprime a realização da atividade cotidiana, que sob o capitalismo assume a forma de atividade estranhada, feitichizada. A desconsideração desta dupla 116 dimensão presente no trabalho possibilita que a crise da sociedade do trabalho abstrato seja entendida equivocamente como a crise da sociedade do trabalho concreto. Outro ponto aparente e relevante a discutir na contemporaneidade é a mudança no significado do trabalho. Pois, conforme Gorz (1993), no passado, as pessoas aprendiam um ofício, arte ou especialidade que esperavam praticar pelo resto da vida. Eram os “donos” ou mestres de sua habilidade, que aperfeiçoavam na medida em que acumulavam experiência. Mudavam sempre de empregadores, e não trabalhavam continuamente durante o ano todo, afirmando dessa maneira sua independência de um único patrão e da relação entre salário e trabalho. Identificar-se com o trabalho significava afirmar uma cultura e posição social definidas. Diferente do sentido que traz na atualidade, em que todas as profissões ou capacidades profissionais são provisórias. E que as pessoas precisam adaptar-se a mudanças tecnológicas contínuas, estar preparadas para ser treinadas a fim de manter seu emprego, ou aceitar um outro diferente e menos qualificado. Hoje, os empregos e posições sociais são essencialmente precários. Segundo Gorz (1993), raramente conferem o sentimento de pertencer a um grupo definido, ou ter um lugar seguro ou identidade na sociedade. Ao contrário, em vez de protegê-los a sociedade é uma fonte de riscos e insegurança. Ela força as pessoas a serem mais autônomas, preocupadas consigo mesmas e mais individualistas do que antes, e a buscar sua identidade em atividades e relações sociais fora do trabalho. Nesse sentido, a desintegração das solidariedades e das obrigações sociais tradicionais deve ser substituída dentro desse contexto. Não se tratando simplesmente de uma mudança cultural, mas de um reflexo de modificações objetivas na estrutura material da sociedade. O mesmo ocorre com a atitude das pessoas em relação ao trabalho. De acordo com Gorz (1993) para a maioria dos trabalhadores é praticamente impossível identificar-se com o trabalho, considerando a escassez, precariedade e instabilidade dos empregos, as rápidas mudanças nas 117 especializações e conhecimentos exigidos e, o campo limitado das aptidões profissionais, cada vez mais especializadas. Assim, a identidade que as firmas avançadas oferecem a seus empregados, coloca Gorz (1993), não implica em identificação com o que eles fazem, mas implica em uma função dentro do sistema que os determina e lhes confere significado, sendo esse sistema a própria firma. A cada um de seus dependentes é oferecida uma “identidade corporativa”, isto é, um lugar e posição definidos dentro da firma. Fazendo com que os trabalhadores se sintam que “pertencem” à firma e devem considerá-la uma comunidade, que serão recompensados com promoções regulares e estabilidade no emprego por sua lealdade e compromisso de servir da melhor maneira possível. Desse modo, fica a identidade corporativa claramente como um substituto da identidade social que a sociedade já não oferece. A firma, por outro lado, se oferece como uma sociedade substituta num ambiente social instável. Entretanto, a estabilidade que ela oferece a seus membros é condicional: depende da vontade dos empregados em dar aos interesses da firma precedência sobre os interesses da sociedade como um todo, e também em dar aos interesses do grupo dos dependentes da firma, precedência sobre o interesse geral da população ou classe trabalhadora. Para o autor, identificar-se com o trabalho ou carreira já não é uma maneira de afirmar o poder autônomo dos trabalhadores enquanto classe; é antes uma maneira de afirmar pertencer à elite de “vencedores” que devem sua situação privilegiada a sua capacidade superior e ambição – tendo os ”perdedores” de culpar apenas a si próprios. Glorificar o trabalho e o compromisso com seu emprego, quando não há empregos suficientes para todos, é uma maneira de adular o egoísmo corporativo de uma camada dos trabalhadores de elite. Assim, é absurdo realizar um trabalho que leva à eliminação do trabalho e ao mesmo tempo exaltá-lo como a fonte essencial da identidade de todos. Nesse contexto, o trabalhador é lançado a uma interminável busca da sua identidade. Segundo um notável programa internacional de pesquisas 118 iniciado na Universidade de Bremen por Rainer Zoll14, os jovens desejam encontrar um “emprego significativo, socialmente útil, que lhes dê oportunidade de auto-realização e satisfação pessoal”, mas consideram esse ideal fora de seu alcance. O desemprego torna difícil encontrar qualquer tipo de emprego, forçando as pessoas a aceitarem um treinamento que não combina com o que gostariam de fazer, ou a aceitarem um emprego com pouca ou nenhuma relação com o que escolheram para aprender. Na maior parte dos casos, eles vêem o emprego que aceitam como um recurso provisório. O ponto fundamental de acordo com Gorz (1993) é que a grande maioria dos empregos criados durante os últimos doze anos são trabalhos não qualificados, instáveis e mal pagos para secretárias, pessoal de limpeza, garçons, empregadas domésticas, auxiliares de enfermagem, vendedores, empacotadores e assim por diante. “Nenhuma das funções oferecidas é consistente o bastante para justificar que alguém se fixe nela” 15. Sendo a sociedade incapaz de conferir aos indivíduos uma posição estável e identidade social baseada em sua função no trabalho, eles são obrigados a definir sua identidade com os próprios recursos, através de atividades que escolhem para realizar em seu tempo disponível. Voltando a Antunes (1995), o tempo disponível, do ponto de vista do trabalho destinado para a produção de coisas socialmente úteis e necessárias, propiciará a eliminação de todo o trabalho excedente acumulado pelo capital e voltado para a produção destrutiva de valores de troca. Desse modo, o tempo disponível controlado pelo trabalho e voltado para a produção de valores de uso – e tendo como conseqüência o resgate da dimensão concreta e a dissolução da sua dimensão abstrata – poderá instaurar uma lógica societária radicalmente diferente da sociedade produtora de mercadorias. E será capaz de, uma vez mais, evidenciar o papel fundante do trabalho criativo – que suprime a distinção entre trabalho manual/trabalho intelectual que fundamenta a divisão social do trabalho sob o capital – e por isso capaz de se constituir em uma atividade humana emancipada. 14 15 Rainer Zoll (ed.), Nicht so wie unsere Elterm. Westdeutscher Verlag. Opladen. 1989. Mechtiild Oechsle, in R. Zoll. Op. cit., p 227 119 Neste sentido, para Antunes (1995) a automação, a robótica, a microeletrônica, enfim, a chamada revolução tecnológica tem um evidente significado emancipador, desde que não seja regida pela lógica destrutiva do sistema produtor de mercadorias, mas sim pela sociedade do tempo disponível e da produção de bens socialmente úteis e necessários. Essa afirmativa coloca a revolução de nossos dias como uma revolução no e do trabalho. É uma revolução no trabalho na medida em que deve necessariamente abolir o trabalho abstrato, o trabalho assalariado, a condição de sujeito-mercadoria, e instaurar uma sociedade fundada na auto-atividade humana, no trabalho concreto que gera coisas socialmente úteis, no trabalho social emancipado (Antunes, 1995, p. 85). Por outro lado (Gorz, 1993) coloca que a maioria das pessoas não pode identificar-se com seu trabalho porque a economia não requer trabalho pago suficiente para fornecer empregos estáveis em período integral para todos. Assim, paralelamente à impossibilidade efetiva de identificar-se com um emprego, surge a relutância crescente em identificar-se com um trabalho que não favoreça o desenvolvimento da personalidade e a autonomia. Como conseqüência, o trabalho passa a ser criticado, enquanto atividade humana, na medida em que a relação entre a identidade humana e atividade produtiva passa a perder relevância, na sociedade atual. Isso acontece, recorrendo à colocação de Antunes (1995), porque a crise que se apresenta na atualidade é resultado do trabalho abstrato – que cria valores de troca e é desefetivador. Assim, o que se faz necessário é um repensar a organização econômica da sociedade, visando uma valorização do trabalho concreto – que além de produzir valores de uso é uma atividade humana realizadora. A EMERGÊNCIA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA FRENTE AO CAPITALISMO. As contribuições dos organismos internacionais, quanto às causas dos problemas relativos ao emprego e às políticas para combatê-las, apontam convergências em algumas áreas e divergências em outras16. Os diferentes 16 Esse capítulo basea-se principalmente nos estudos da: OECD, 1994; World Development Report, 1995; Trade and Development Report, 1995; World Employment 1995 e World Employmente 1996/1997. para não complicar a leitura, não serão feitas citações detalhadas. 120 organismos concordam que um maior crescimento constitui a condição necessária para elevar os níveis de emprego e combater as altas taxas de desemprego17. Também estão todos de acordo em rejeitar algumas hipóteses bastante comuns, nos países mais industrializados, sobre as causas de seu desemprego, e mais especificamente de que a liberalização do comércio internacional tenha destruído o emprego maciçamente, devido ao aumento das importações de produtos baratos; ou que uma mudança tecnológica acelerada tenha levado a fortes aumentos da produtividade, em detrimento da criação de empregos (jobless growth); tampouco que uma forte imigração tenha substituído a mão-de-obra local, pelo menos em alguns países. As principais divergências, referem-se ao funcionamento do próprio mercado de trabalho. Assim, por exemplo, a OCDE18 e o Banco Mundial argumentam que, paralelamente às causas conjunturais do desemprego, que podem ser combatidas através de políticas macroeconômicas adequadas, existem causas estruturais que limitam a flexibilidade do mercado de trabalho, impedindo seu funcionamento satisfatório. Com isso, obstaculariza-se a mobilidade para aqueles outros, onde existe uma maior demanda por mão-de-obra, dificultando, assim, a entrada no mercado dos que procuram o primeiro emprego (Weller, 1996, p. 21). Partindo da idéia de que a solução para os problemas mais relativos ao emprego nos países da OCDE não pode se basear no incentivo ao crescimento econômico, discute-se a partir dessa perspectiva, questões tais como: a reinterpretação do conceito de trabalho, a redução da jornada de trabalho e a redistribuição dos empregos remunerados19. Observa-se que, a curto prazo, os efeitos negativos das transformações econômicas, tecnológicas, sociais e políticas atuais tendem a predominar. Já a longo prazo, há posições divergentes quanto aos resultados. Todavia, para Weller (1996), na perspectiva dos mercados sem distorções, as perdas de emprego se compensam automaticamente, e torna-se 17 Neste contexto, realmente, há diferenças quanto às políticas que permitem alcançar um crescimento mais forte e sustentado. 18 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico; o mesmo que Organization for Economic Cooperation and Development (OECD). Nota da tradução. 19 Um precursor da discussão sobre a economia dual, na qual todas as pessoas economicamente ativas pertencem a dois setores, é André Gorz. Lalive d’Epinay (1994) apresentou uma contribuição mais recente, mas a partir de outra perspectiva. 121 ainda mais importante criar um cenário favorável à geração de empregos de boa qualidade, o que requer políticas adequadas para estimular o crescimento sustentável, a competitividade sistêmica e a adaptação do contexto institucional, com a participação dos atores sociais. Nesse sentido, de acordo com Sala (1997), ao pensar o emprego devese pensar a globalização – também chamada de “mundialização” – como algo que não é em si um fenômeno novo. Em termos relativos, sempre esteve presente ao longo da história. Porém, a dimensão que alcança hoje constitui um fenômeno distinto, que pressupõe uma série de desafios. Para ele, a globalização não ocorre como um fenômeno autônomo. Ou seja, não corresponde apenas a uma dimensão macro para entender a realidade, que teria uma contrapartida lógica, nos âmbitos locais. Dessa maneira, o modo como se dá um processo totalizador no global, dá-se um processo totalizador na dimensão do local. Ou seja, o local passa a ter protagonismo, torna-se necessário e, para tal, deve desenvolver todas as suas potencialidades. A dimensão do pequeno complementa-se, então, com a dimensão do global. Assim, as conseqüências da globalização transcendem substancialmente a dimensão dos Estados, um referencial permanente até pouco tempo atrás. Os processos de integração vão se concretizando, como uma das respostas à globalização, viabilizando-se na medida em que os territórios no interior dos países, integrem-se de forma articulada ao processo de desenvolvimento. Reside nisso, precisamente a importância conferida por alguns autores às áreas locais, enquanto âmbitos mais adequados para impulsionar o desenvolvimento eqüitativo com pleno emprego (Arocena, 1997). No que se refere à Economia, a análise que Sala (1997) desenvolve, situa-se no contexto das teorias clássicas. Em termos gerais, pode-se dizer que nestas análises fala-se sempre em economia estruturada, correspondendo à dualidade capital/trabalho, como fatores essenciais para se fazer Economia. No entanto, o enfoque de Sala, coincide com o de vários autores, dentre os quais Luís Razeto, que critica essa forma de encarar a teoria econômica – que ao basear-se apenas nos dois referidos fatores, impede-nos de considerar 122 e analisar todos os agentes, recursos e fatores que fazem a economia, na sociedade. Segundo Sala (1997), basta pensar que muitas sociedades da América Latina têm um altíssimo componente de economia informal – denominada de economia popular, por Razeto – que em alguns exemplos ilustram porcentagens que alcançam 60%, ou até mais. Desse modo, partindo do fato de que uma relação econômica é “qualquer ato ou processo através do qual se verifica uma transferência ou um fluxo de bens entre pessoas, grupos ou organizações determinadas, as quais se manifestam nessa relação, como agentes de atividade econômica” (Guerra,1997). Este autor também identifica, além das relações de intercâmbio, as que seguem: Relações de convivência e cooperação: aquelas que ocorrem quando um grupo de pessoas reúne-se para efetuar um determinado tipo de atividade, no caso a atividade proporcionalmente às econômica, contribuições realizada de cada de um, forma eqüitativa, acarretando fluxos econômicos para o interior do grupo, ainda que este mantenha externamente outro tipo de relações econômicas. É o caso típico do núcleo familiar ou da comunidade; Relações de tributação e atribuições hierárquicas: nas quais todos os integrantes de um núcleo, qualquer que seja seu tipo, prestam às hierarquias coletivas (ao partido político, ao sindicato à associação de bairro, etc.) tributações que logo são reintegradas ou redistribuídas no seio da comunidade; Relações de doação: nas quais há um doador e um beneficiário. De acordo com Sala (1997), quando todas essas relações generalizamse em determinados âmbitos, acabam formando um circuito econômico, podendo situar-se como um setor da economia, que Razeto denomina de Setor Solidário da Economia. Assim, a análise de Razeto (apud, DIEESE) categoriza os setores da economia da seguinte forma: • Setor solidário, integrado principalmente por agentes, atividades e fluxos econômicos, correspondentes a relações de convivência, cooperação, reciprocidade e doação; 123 • • Setor de intercâmbios, constituído por agentes, atividades e fluxos, através dos quais se estabelecem relações de intercambio; Setor regulamentado, constituído com base nas relações de tributação e atribuições hierárquicas, geralmente regulamentadas pelo Estado. Nesse sentido, é preciso considerar que essa categorização não é pura, no sentido de que um mesmo indivíduo ou uma mesma coletividade pode estar simultaneamente relacionado aos três setores, atuando e estabelecendo relações de diversos tipos. Estas relações se estabelecem em um meio que os economistas atribuem uma dotação de recursos escassos. Na opinião de Razeto (apud, DIEESE), os recursos são variados e certamente não escassos, e se considerarmos como recursos econômicos todos aqueles elementos e forças, materiais e imateriais, naturais e humanos, que tenham a potencialidade de ser aproveitados em algum processo ou atividade econômica de qualquer tipo, certamente não poderemos falar em escassez de recursos. Diferenciando recursos de fatores econômicos, podemos dizer que recursos são aqueles elementos e forças materiais ou imateriais que participam atualmente dos processos e atividades econômicas, distinguindo-se, então: O fator trabalho; o fator tecnológico; o fator recursos materiais; o fator financeiro; o fator administrativo e gerencial; o fator C. Este último é definido, por Razeto, como uma série de valores, cujos nomes começam pela C: Cooperação, Comunidade, Coletividade, Colaboração, Companheirismo, etc. Esse fator C constitui um elemento fundamental em todo tipo de organização econômica. Assim, pensar em uma sociedade fundamentada no setor solidário (analisado por Razeto) cujas características principais são: as relações de convivência, cooperação, reciprocidade e doação; permitirá construir outras alternativas de desenvolvimento mais integradoras, sustentáveis e solidárias e como a experiência utópica de Mondragon. Ponte Junior (2000), coloca que Mondragon é uma história verídica, que se passa numa cidadezinha chamada Mondragon (em espanhol quer dizer “meu dragão”). Essa cidade fica no nordeste da Espanha, no país Basco. O país Basco fica nos Pirineus, onde a cordilheira se encontra com o Oceano 124 Atlântico, sendo que uma parte do país Basco fica na França e outra na Espanha. A cidade de Mondragon era uma cidade pequena, de treze mil habitantes, uma cidade industrial, em que anarquistas, comunistas, socialistas conservadores disputaram durante muito tempo. Ali havia por volta de 1920, uma grande empresa fabricante de armas de fogo. Na época, houve uma greve, e os grevistas foram excluídos da fábrica e formaram uma cooperativa produtora de armas de fogo. Esta cooperativa, que chegou a ter mais de três mil trabalhadores, subsistiu de 1920 até 1936 quando começou a guerra civil e, com o regime franquista, ela desapareceu (Ponte Junior, 2000, p. 10). Conforme Ponte Junior (2000), um padre chamado Arismende começou uma campanha na cidade, para criar uma escola profissional. E conseguiu, no meio daquela pobreza toda, o apoio de seiscentos cidadãos de Mondragon. Juntou dinheiro, e em 1943 ele abriu a Escuela Profissional, com vinte alunos. Mais tarde, Arismende com cinco ex-alunos, resolveram tentar criar uma empresa cooperativa. Só que não tinham dinheiro. Então eles recorreram a um hábito tradicional de Mondragon, o tiqueteu, que consistia em sair pela cidade para beber e conversar ao mesmo tempo em que apresentavam as propostas de projetos para outras pessoas e caso alguém gostasse da idéia eles pediam ajuda financeira para investir no empreendimento. Conseguiram apoio de cem pessoas e cerca de trezentos e sessenta mil dólares. Com esse dinheiro criaram a primeira cooperativa chamada ULGOR, que são as iniciais dos cinco pioneiros que começaram o processo cooperativo em Mondragon. ULGOR tinha uma assembléia em que todos os trabalhadores participavam – de forma autogestionária. O termo autogestão significa gestão democrática, define qualquer coisa que é administrado por todos e todos participam, não só pelos que trabalham, mas também pelos que usufruem. Todas as partes constituintes da instituição participam, de uma forma democrática e livre, nas decisões que afetam a todos eles: isso é autogestão. Assim, entende-se o cooperativismo como uma das formas mais aperfeiçoadas de modelos autogestionários. Desse modo, a autogestão é um conceito relativamente antigo, entretanto, sua prática no que se refere ao cooperativismo de trabalho é 125 bastante recente. Daí porque a autogestão é um desafio, à medida que se parte da premissa teórico-metodológica de que é algo a ser reproduzido, enquanto prática imediata. Assim, a autogestão é uma ação reflexiva de sujeitos ativos que estão se propondo pensar e agir diante de um determinado contexto das relações de trabalho. Segundo Osmar (2000), para se incentivar o desenvolvimento, uma das premissas básicas é estimular o incentivo ao desenvolvimento do empreendimento cooperativo. Assim, dois conceitos fundamentais: a idéia de empreendedorismo e a idéia da cooperação. Para ele, a primeira questão a ser respondida é sobre a diferença da natureza dos dois projetos: enquanto a “empresa tradicional” tem como finalidade a reprodução do valor e a consequente apropriação dos excedentes pelos detentores de ações (donos tradicionais); as cooperativas autogestionárias não tem como finalidade o lucro, mas a efetivação do projeto dos seus sócios (autogestores, donos de novo tipo, trabalhadores- empreendedores), cuja razão fundamental repousa na melhoria das condições de trabalho e de vida de cada indivíduo em particular, e da coletividade organizada em cooperação. Neste caso, a esfera estritamente econômica é apenas um meio necessário, mas não suficiente para a realização do seu projeto solidário, portanto, a economia não é um fim em si mesmo, alienado ou isolado. De acordo com Osmar (2000), a divisão do trabalho moderna fez emergir classes sociais hierarquicamente organizadas: os que detêm o capital, o conhecimento, a capacidade de empreender e os que possuem fundamentalmente a força de trabalho, cimentada pela cultura do trabalho subordinado. Assim, quando os trabalhadores decidem se organizar em cooperativas autogestionárias, rompe-se a tradição da subordinação e passa a constituir-se uma nova memória, que os erige como sujeitos pró-ativos, capazes de construírem um conhecimento adequado às necessidades; portanto, emerge das cinzas da inadequação das formas tradicionais de divisão social do trabalho, o trabalhador-empreendedor, que potencializa sua criatividade para melhorar a qualidade dos seus produtos ou serviços, visando 126 agregar valor ao seu trabalho, e tornar bem sucedido o seu projeto cooperativo tendo em vista uma “economia solidária”. No contexto novo da autogestão é exigido de cada cooperado, muito mais do que o mero domínio técnico sobre a execução do trabalho, torna-se imperioso o conhecimento do mercado, da gestão cooperativa, bem como uma postura pró-ativa e participativa. Conforme Osmar (2000), essa nova postura é denominada de “empreendedorismo cooperativo”, cujo princípio norteia-se no sentido de publicizar-socializar o conhecimento sobre a arte de dirigir, empreender, administrar e coordenar seu empreendimento solidário. Ainda segundo ele, vale ressaltar, que o novo contexto de ser empresário de seu próprio trabalho, exige uma transformação radical na cultura desses trabalhadores, que estão acostumados à lógica do trabalho subordinado; a existência de um sujeito externo que lhe ordene, e que lhe imponha o espírito empreendedor como algo externo, portanto, alienado. Nesse sentido, o empreendedorismo cooperativo é inovador, é criativo e é atual, porque não se segmenta à idéia do grupo, mas porque estimula a criatividade do indivíduo e ao mesmo tempo, como na estratégia do grupo constituído em cooperação. O cooperativismo tem a possibilidade de articular noções de cidadania, com a idéia da inserção real na geração de trabalho e renda, negando-a enquanto uma ação filantrópica ou econômica strito senso. Desta forma, o cooperativismo de autogestão se efetiva com uma ação de inclusão simbiótica de indivíduos, que integram a sociedade como seres integrais, cidadãos e, ao mesmo tempo, como agentes econômicos do processo de produção e distribuição de riqueza (Osmar, 2000). De outro modo além das cooperativas existem também as associações, que são entidades organizadas de natureza coletiva e com finalidade de atender as demandas dos próprios associados e das comunidades em que estão inseridas, podendo funcionar como as cooperativas, de forma autogestionária, como um empreendimento solidário. As associações têm finalidades que não são econômicas, embora muitas dessas associações tenham desenvolvido atividades econômicas. Já as cooperativas são instituições que têm finalidades propriamente econômicas. Desse modo, tanto uma associação quanto uma cooperativa permite integrar 127 atividades econômicas e não econômicas o que as vai distinguir é a sua natureza jurídica, que na maioria dos casos não dá conta da dimensão de atividades que esses tipos de organização social se propõem. O que é fundamental ser preservando, não é o rótulo que a entidade exibe (associação ou cooperativa) o que importa é o modo como funcionam e gerenciam a atividade econômica, social ou política. Por esse motivo, deve ser norteador não a distinção jurídica, que as entidades assumem e sim a postura e natureza social. Nesse sentido, (re)surge o modelo autogestionário, apresentado na experiência de Mondragon, que é um parâmetro a ser seguido não somente por cooperativas ou associações, mas por qualquer atividade que se proponha ser solidária. Desse modo, ao pensar a autogestão, emerge a questão da educação assumindo centralidade, como uma possibilidade de saída da crise que se encontra a sociedade do trabalho, porque implica não só no domínio de um conhecimento formal, mas também de uma mudança de cultura, e isso passa pela educação. (ANTEAG, 1998). Assim, onde se fala em melhoria da economia fala-se imediatamente na contribuição fenomenal que a educação pode oferecer. Isso tem a ver certamente com as discussões que se travam sobre as mudanças na economia ao nível global. Mas tem, também, muito a ver com o fato de que a rede de ensino público é absolutamente caótica e esfacelada, e oferece uma educação de péssima qualidade. Tem a ver também, por outro lado, com a enorme valorização da educação como um bem social. Ao juntar esses elementos, se notaria que o relativo consenso que existe sobre a necessidade de introduzir mudanças na educação, de promover um aumento na melhoria da qualidade da educação nas redes públicas de ensino, faz sentido, porque se tem um conjunto de elementos que apontam para essa direção. Conforme a reflexão da ANTEAG (1998), deve-se pensar a educação numa perspectiva muito mais ampla e muito mais radical, sem nunca negar a importância da educação básica e do treinamento profissional. Assim, deve-se refletir sobre o fato de se participar de tentativas de democratização da gestão, sendo este um terreno muito fértil para se pensar uma educação diferente, que tente superar algumas dicotomias que foram instauradas na educação com o 128 desenvolvimento do capitalismo. Ou seja, a separação entre trabalho manual e o intelectual, da separação entre o fazer e o executar, da separação entre a teoria e a prática e da separação entre trabalho e formação e, ainda da separação hierárquica, que divide as coisas entre quem pensa e quem faz, entre quem planeja e quem executa. E, nesse sentido, deve-se pensar em um projeto de educação numa outra perspectiva em que se tome o trabalho como princípio educativo, fazendo da fábrica um espaço de produção de teoria e de conhecimento. Enfim, que seja a fábrica o espaço em que os trabalhadores possam realmente tentar construir essa nova cultura, ou pelo menos, uma nova cultura técnica e de classe a partir de outros valores da democracia, da solidariedade. Uma educação que recoloquem os trabalhadores, numa perspectiva de se pensar e recriar não só o trabalho ou o próprio cargo, mas que também pense a fábrica na totalidade de sua organização. Vendo as relações sociais que acontecem dentro desse espaço, para a partir daí tentar, também, se transformar num novo homem. Outro eixo seria o das normas de funcionamento interno, envolvendo cargos, funções, salários, plano de carreira e mobilidade interna. Não é porque uma empresa é autogestionada ou de cogestão, que todo mundo vai ser igual e fará as mesmas coisas. O pensamento da ANTEAG (1998), coloca que essa reflexão só é possível em uma utopia socialista. Todavia, fazer um rodízio de alguns cargos, de algumas funções, será sempre possível. Contudo, esses espaços de educação não devem ser pensados como espaços que separam teoria da prática. Há todo um movimento de prática e teoria a ser feito no processo educativo. A educação não deve ser pensada como a aquisição de conhecimentos, mas, sim como uma crítica de revisão de valores, de crenças e de formas de relacionamento, onde a relação de dominação sempre esteve presente e, que os indivíduos enquanto trabalhadores, também a reproduzem ao nível prático do cotidiano. Isso precisa ser superado, pois é preciso ver a educação como algo que possibilite ir além desta cultura de poder. Para uma empresa capitalista a autogestão é uma proposta alternativa diferente daquelas relações capitalistas de trabalho, predominante na 129 sociedade. Então, as empresas começam essa caminhada numa situação muito adversa, uma vez que a ordem dominante, a ordem social capitalista é tudo que ela engendra, dificultando assim os processos de autogestão. Por isso, a ANTEAG (1998) coloca que as dificuldades de financiamento encontradas pelas empresas autogestionárias, se deve ao fato de predominar nos bancos uma lógica mercantil e as empresas autogestionárias encontram dificuldades para se inserirem nesses critérios. Dentre essas dificuldades, encontra-se a própria natureza da classe trabalhadora, que vai dar início ao processo autogestionário, pois a classe trabalhadora é profundamente diferenciada pela divisão do trabalho capitalista. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na discussão apresentada, a educação pode se apresentar como a possibilidade de mudança, pois, diante da atual crise econômica, social e política que a sociedade se defronta, pensar em mudanças, nos remete a processos de dimensão educativa que envolve mudanças na cultura política. Assim, como um holding, o projeto de educação também deve passar por uma ampla discussão, que envolva vários setores da sociedade com a finalidade de construir um modelo de educação que além de formação profissional, oportunize uma educação voltada a minimizar um dos grandes problemas sociais: a pouca solidariedade. Diante da urgência em sanar a crise a da sociedade atual, é notável a atuação das formas organizativas coletivas que se propõem a atuar de modo autogestionário e solidário como algumas associações e cooperativas. O importante, contudo, é o sentido de se multiplicar essas experiências solidárias, sejam cooperadas ou associadas, que de forma dinâmica ratificam que a mudança passa necessariamente por um processo educativo. Assim, perante as dificuldades apresentadas no mundo do trabalho, impostas, sobretudo, pela dinâmica global do capital faz-se necessário e urgente pensar mecanismos que permitam alternativas ao modelo vigente. Nesse sentido, desponta como possibilidade de organização sócio-econômica, política e cultural: a economia solidária, como uma forma de organização 130 econômica fundamentada na gestão coletiva e autônoma – a autogestão e, que nega a lógica do ganho ao mesmo tempo em que valoriza a lógica da vida. REFERÊNCIAS ANTEAG. Empresa Social e Globalização. São Paulo: ed. ANTEAG. 1998. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? – ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, cap. IV – Qual crise da sociedade do trabalho? P. 73-97, 1995. AROCENA, José. El desarrollo local, um desafio contemporâneo. s.I., s.n., 1997. CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. Vol. II. São Paulo: Paz e Terra, 1999. DIEESE (Org.). Emprego e Desenvolvimento Tecnológico: Brasil e contexto internacional. São Paulo, 1998. ESSER, Klaus; HILLEBRAND, Wolfgang; MESSNER, Dirk, E. et. al. Competitividad sistémica: Nuevo desafío para las empresas y la política. 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Na mesma época surgiram regimes semelhantes rompendo a ordem constitucional de outros países deste continente, onde regimes autocráticos tomaram o poder como protetores da democracia. O conceito de democracia, entretanto, é incompatível com as atribuições de competência residual, seja constitucional ou supraconstitutional,de tutores políticos como "garantes dos interesses permanentes da nação".Violações aos direitos humanos foram cometidas em nome da segurança nacional e ao final do regime ditatorial, os militares autoconcederam a anistia, isentando-se das responsabilidades pelas violações praticadas.O enfrentamento e análise das leis de anistia dos países sulamericanos e a “missão constitucional” das forças armadas nos governos que seguiram às ditaduras, torna-se essencial, a fim de desmitificar a legitimidade das anistias autoconcedidas e buscar uma solução, também, no sistema normativo interno. Palavras Chaves:Ditadura Militar; Violações; Direitos Humanos; Anistia ABSTRACT: The Brazilian military dictatorship was not an isolated event in Latin America. At the same time appeared similar schemes, breaking the constitutional order of other countries of this continent, where the military took power as democracy protectors.The concept of democracy defined, however, is incompatible with the vesting of residual authority, whether constitutional or supraconstitutional, in political guardians as "guarantors of the nation's permanent interests." Human rights violations were committed in the name of national security and the end of the dictatorship the military self amnesty without responsability for the violations committed. The confrontation and analysis of the amnesty laws from South American countries and the "constitutional duty" of the military governments that followed the dictatorship, it is essential order to demystify the legitimacy of amnesties self granted and seek a solution domestic regulatory system. 20 Professora de Direito Tributário da Universidade Regional da Bahia- UNIRB, Graduada em Direito e História pela UFBA, Pós-Graduada em Direito Administrativo, Direito do Estado e Procuradora do Estado da Bahia lotada na Especializada Fiscal. 133 Key Words: Military Dictatorship; Violations; Human Rights; Amnesty INTRODUÇÃO Violações de Direitos Humanos é um tema recorrente na atualidade por portar uma preocupação da Humanidade nos espaços globais. Para nós, latino americanos investigar quando, como e porque nossos direitos foram escarnecidos, esquecidos e desrespeitados pode nos levar a diversos momentos da nossa história, desde tempos imemoriais até a atualidade. Delimitei o estudo em determinado período da contemporaneidade, quando sob os auspícios do Estado Social de Direto, cujos marcos políticos encontra-se nas revoluções russa e mexicana, ou seja, ultrapassada a primeira dimensão do estado liberal de direito, ocorreu um retrocesso da humanidade, então tuteladas por Estados autocráticos, que privilegiaram e institucionalizaram a violência. A ditadura militar brasileira não foi um fato isolado na América Latina. Na mesma época surgiram regimes semelhantes rompendo a ordem constitucional de outros países deste continente, onde as Forças Armadas assumiram o poder, segundo a lógica da guerra fria. O mundo dividido em dois grandes foi o saldo da segunda guerra mundial. A diplomacia norte-americana preservava o Brasil e outras nações latinas como áreas de sua influência, tendo como fato desafiador de sua hegemonia a Revolução Cubana. A intolerância americana à vista da aproximação de Cuba à URSS resultou em medidas que asseguraram sua hegemonia na América Latina: o patrocínio a golpes militares com enfoque anticomunista. No Brasil, em 1974 o General Ernesto Geisel, castelista moderado, tornou-se presidente com o discurso de distensão política, uma nova postura da ditadura militar, direcionada pela crescente crise econômica que desequilibrava uma das bases de legitimação do Estado, o desenvolvimento econômico. O significado da distensão era continuidade do modelo econômico e do Estado de Segurança Nacional baseado na DSN, enquanto a mobilidade possuía o tom da abertura democrática com controle governamental. Geisel denominou de “democracia relativa”. Porém o novo rumo do governo não desmantelou o aparato repressivo, deixando, apenas, de ser generalizado, 134 contra toda a população e passou a enfoque às oposições, em especial, os trabalhadores, militantes operários. Em 1975, surgiu o embate interno entre “linha dura” e “castelistas”, ou seja, Sílvio Frota Ministro do Exército e Geisel. A historiografia revela que neste mesmo ano formalizam-se as tratativas para o início da Operação Condor. Fatos como o assassinato de Wladimir Herzog (1975); de Manoel Fiel Filho(1976); de parte da direção do PCdo B em 16/12/1976; a contenção e o desmantelamento da Guerrilha do Araguaia(72-76), exemplificam a permanência da atividade repressiva, apesar da distenção, ancorada no AI-5, que perdeu força em 1979, quando também se promulga a Lei de Anistia. Mas as leis de anistia, ao contrário do que poderia se esperar da democratização, significaram para os militares e seus aliados civis, transição confortável, com bases no conceito de protetores da democracia. Isto significa, com variação de país a país, a reafirmação e algumas vezes o fortalecimento de instituições e práticas antidemocráticas e anti-civis. Estas incluem: regimes de exceção como elemento básico das constituições latino americanas; proibição de proteção judicial de direitos e liberdades civis durante os regimes de exceção ou quando da aplicação da segurança nacional; definição constitucional explícita de segurança interna regras políticas de forças armadas. Os militares se tornam um quarto poder virtual _ guardiões da nação _ calcados em leis orgânicas constitucionais contendo em seu bojo regras determinantes de autonomia das forças armadas dentre tantas outras que fundam a nação: legislação de segurança (leis prevendo segurança interna, anti-terrorismo e manutenção da ordem pública, que criminaliza certos tipos de oposição política (marxistas, elementos não democráticos, e totalitaristas) e expande funções militares e jurisdição; restrições a mídia justificada por conceitos de segurança nacional;códigos criminais com previsão especial para crimes políticos ou crimes contra estado, ou contra o governo constituído; jurisdição militar (julgamentos por cortes marciais ou cortes militares) para civis por “crimes contra a segurança interna”, “terrorismo” ou ainda “insulto” a oficiais; restrição ou exclusão da jurisdição civil sobre militares, a exemplo de alegações de seqüestro, tortura e assassinato enquanto em serviço; 135 representação formal da corporação em congressos, no judiciário, na administração pública e em empresas públicas. Diante do quadro geral do regime das anistias (anexo) e o projeto militar da não responsabilização pelos atos praticados no passado e permanência nos poderes constituídos, interessa investigar nas referidas leis como se deu mais esta estratégia militar, no período de 1975 a 1993; investigar, ainda, a legitimação constitucional da missão das forças armadas, bem como a permanência das violações como reflexo da impunidade, em pleno Estado de quarta dimensão, no qual a afirmação dos direitos da humanidade encontra-se em voga e pode ser justicializado diante dos Tribunais Penais Internacionais, cujas decisões são homologadas internamente em cada País signatário. POLÍTICA E IDEOLOGIA DAS FORÇAS ARMADAS BRASIL O enfoque dado ao militarismo tem sido, segundo o historiador Eliezer Rizzo de Oliveira, na medida em que estudiosos estrangeiros, únicos que tinham acesso ao interior das Forças Armadas, julgavam existir uma regra sociológica, segundo a qual quanto maior intervenção militar, menor a capacidade das elites civis de resolver os seus problemas. Por esta razão pretende o autor, redefinir o objeto de estudo para analisar o processo político, desenvolvido dentro das Forças Armadas, após a queda de Goulart, onde grupos de diversas tendências aglutinaram-se para impedir a continuidade da ascensão do movimento popular em 1964. Deste modo, as Forças Armadas passam a intervir decisivamente no processo político, difundindo ideologia emergida no seio da ESG. A nível interno -quando das fricções das classes- e a nível externo, sufragando nas relações com os Estados Unidos, o que provoca uma crise hegemônica do Estado soberano brasileiro. A ESG prepara o campo ideológico quando procura desenvolver uma doutrina de subordinação da classe trabalhadora e a presente participação do Brasil na defesa do mundo ocidental, tal qual o discurso imperialista americano, a doutrina da Segurança Nacional robustecida pela instituição, Forças Armadas. A historicidade da análise, enfim, é sustentada nas condicionantes que se localizam nas relações entre as classes sociais.O exame do militarismo não é calcado na instabilidade do meio social, mas como 136 resultante de um processo político que emergiu no interior das Forças Armadas, que vislumbrava a necessária modificação nas relações econômicas como requisito indispensável para o desenvolvimento industrial do Brasil. A Escola Superior de Guerra tem sua criação associada à participação do Brasil na II Guerra e no debate sobre a exploração de Petróleo. O debate sobre o petróleo supera os limites do Estado Maior e é trazido ao palco da sociedade global encontra na criação da ESG um ambiente para tais discussões: onde se garante a presença, o agrupamento militar no aparelho do Estado; se especializa no Estudo da Segurança Nacional tanto na guerra fria, quanto na revolucionária, posteriormente e garante a difusão ideológica entre civis e militares. A ESG é meio indispensável ao desenvolvimento econômico e à implementação de uma política de segurança nacional, criando marcos limítrofes à participação popular na política. A ESG desenvolveu um conceito relacionado aos problemas nas instituições políticas, na economia e na política externa, transformando-o em ação política. Através da Doutrina de Segurança Nacional- DSN numa critica as instituições do Estado da década de 50, difundindo a idéia de intervenção no quadro institucional, baseado no conteúdo democrático - liberal. É no conflito entre Ocidente e Oriente que a DSN promove à submissão das atividades da Nação à política de segurança., idéias capitaneadas pelo General Golbery, firmando objetivos pilares da Segurança Nacional. Objetivos Nacionais Permanentes(ONP), são os políticos, frutos de interesses da Nação, expressam a consciência nacional e os Objetivos Nacionais Atuais são os da análise de conjuntura que impedem ou obstam a realização dos ONP’s. No plano geopolítico, surgem três características principais na definição de segurança nacional: o espaço político- características gerais do território; posição do Brasil, à margem das principais rotas de comércio mundial; os blocos continentais de poder. A isto se denominou de Estratégia, conquanto mobiliza o poder nacional para a guerra, diferente daquela outra política de preservação de paz e responsável pela interpretação dos objetivos nacionais. O Brasil se prepara tanto para uma participação numa guerra total, sob a liderança dos EUA, e por solidariedade, quanto para a guerra subversiva, quando as instituições da sociedade brasileira estivessem no foco da tática 137 comunista. Golbery elabora uma dimensão filosófica para o Ocidente, “ideal”, em que a Ciência será instrumento de ação; a Democracia, fórmula de organização política e o Cristianismo, como padrão ético de convivência. Este ocidente estria ameaçado pela guerra total de uma ameaça comunista, que se infiltra na cultura juvenil, penetra nos países desenvolvidos, onde se vivencia uma crise de valores e em maior grau nos subdesenvolvidos, que necessitarão do apoio das grandes nações ocidentais para reprimir a infiltração comunista, utilizando a estratégia de contenção do expansionismo comunista. Na estratégia de contenção os países latinos oferecerão os meios aos Estados Unidos. Quanto à ideologia, a Segurança Nacional tem claras ligações com o pensamento autoritário, porque a geração de militares atores dos eventos propulsores da campanha golpista, FEB, Clube Militar e ESG está nos primórdios da formação militar, consistente nas afirmações da incapacidade de organização enquanto nação, despreparo das elites, num Estado forte e centralizado e diferentemente dos Tenentes, esses mentores da ESG ocupam altos escalões no parelho militar, porém manifestam o mesmo receio frente às massas. Se as elites são despreparadas, então os Objetivos Nacionais, serão definidos por uma outra elite. Somente o Estado estará em condições de arbitrar ou de exercer um poder justo, não como instrumento de partido ou de organizações privadas, mas representando a Nação. A massa na política é um elemento perturbador, porque facilmente manipuláveis pelo comunismo. Este é o pensamento autoritário dado às elites, instituições políticas e massas. Criouse uma consciência de que era necessária uma elite preparada para a missão de interpretar as aspirações e interesses nacionais e formular a política e estratégias nacionais. Fazendo um contraponto ao Estado Constitucional atual, onde o Estado (União, Estados-membros, Municípios e DF) constitui-se em Estado Democrático de Direito, encontra fundamento na soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, pluralismo político e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, onde todo o poder emana do povo por meio da representatividade, o Estado sob a égide desta ideologia de 64 surge como o intérprete exclusivo dos objetivos permanentes da nação, onde figura em 138 primeiro lugar a segurança, e, nesta mesma segurança, fundamenta a legitimidade do Estado. No período da crise de 1964, vivencia-se a estatização formal da economia, onde o Estado passa a ocupar importante espaço econômico, como produtor direto de bens estratégicos e controlador das decisões mais gerais sobre a economia privada. Ocorre um decréscimo no crescimento econômico, agrava-se a inflação organismos internacionais exigem uma política antiinflacionária; conseqüentemente um a contenção dos salários e a pressão política para redução das atividades de esquerda contrárias ao FMI. As Forças Armadas, apesar de instrumento estratégico de manutenção da fronteira interna do socialismo, são também atingidas pelo transbordamento político, de fatores interna corporis, resultando na transformação da ordem constitucional, que objetivava, em suma conter os movimentos populares e contestar a dominação política debilitada e incapaz de preservar o capitalismo brasileiro. O primeiro governo da Revolução é enfrentado pelo autor sob dupla perspectiva: periodicizante, onde aborda os momentos políticos de liberalismo e de fechamento do sistema político e numa segunda abordagem a análises de pronunciamentos do Pres, castelo Branco, relacionadas a tais etapas. Na primeira etapa deste governo(de abril a junho de 64) ocorreu uma aglutinação dos grupos sociais e militares em torno de um desejo comum, o combate aos movimentos populares, através do ataque às suas lideranças, cassando jornalistas jornais são fechados. O novo poder executivo moldado na figura de Castelo Branco, apesar de não estabelecer controle pleno do Legislativo, entendem pela prorrogação do mandato de Castelo, contrariando a linha dura das Forças Armadas. Esta prorrogação adia por um ano a realização de eleições diretas para presidência e ainda contrariou os liberais, na medida que a tutela do regime permanece com os militares. Na segunda etapa(de junho de 64 a outubro de 65) define-se o conceito de hegemonia militar, marcada pela crise de definição de poder que tem como fato emblemático a sucessão presidencial, onde o presidente Juscelino é cassado e perde seus direitos políticos. A base político-parlamentar de Castelo se quebra e toma caminho solitário no processo político. Suas reformas 139 encontram forte oposição, em especial no tocante a extensão do voto aos analfabetos, conquanto atribuir cidadania plena a este segmento, significaria para os Partidos uma maior dificuldade no processo eleitoral, pois já expurgadas as lideranças populares em seu interior. Com a edição do AI-3 o sistema político se fecha, com hegemonia da linha dura: eleições indiretas para Presidente; extinção dos Partidos Políticos; julgamento de civis pela Justiça Militar nos casos de crimes contra a Segurança Nacional, são exemplos deste sistema. Finalmente com o AI-3 define-se novos espaços políticos: eleições indiretas para governadores; indicação de prefeitos das capitais, a Lei de imprensa, a lei de Segurança Nacional e a Constituição de 1967, atingindo os estatutos da sociedade civil. Verifica-se, pois, a trajetória do discurso de Castelo, da retomada da tradição da nacionalidade e de um projeto para o qual ele necessita do apoio da nação, encontra variações restringindo a participação popular quando impõe eleições indiretas e, afinal, alcançando a sociedade civil, ao impedir a liberdade de imprensa e extingue os partidos políticos. Ao periodizar o governo de Costa e Silva, tal qual o de Castelo Branco, o autor marca como início da primeira etapa (março de 67/abril-68) a expectativa de superação da fase de exceção, tendendo a uma normalidade democrática. Verifica-se nesta fase uma aliança dos setores duros das Forças Armadas e o capitalismo industrial nacional, numa tentativa de reforço de uma aliança política, investe em direção à classe média, o que provocará enfrentamentos com a classe operária, movimento estudantil e eclesiástico. No setor estudantil a luta oposicionista assume um caráter antiimperialista e anticapitalista. A oposição que o governo recebe tem origem dos mais diversos setores, do Legislativo aos universitários, dos sindicatos às associações, OAB, Imprensa Brasileira e até do Tribunal Superior Militar, contendiam contra a Lei de Segurança Nacional, Lei de Imprensa e Constituição de 67. Dentro das Forças Armadas os castelistas se opunham em especial à aliança “para baixo” em direção à classe média, bem como à política econômica. 140 O movimento de oposição cresceu e foi criada a Frente Ampla, que propunha a luta pela redemocratização, a anistia, eleições diretas para presidente e uma nova constituinte. O ano de 1968 foi marcado por protestos e manifestações de estudantes. Eles criticavam a falta de verbas para a educação e o projeto de privatização do ensino público. Os protestos aumentaram com a morte do estudante Edson Luís, num conflito com a Polícia Militar no Rio de Janeiro. O ambiente político ficou mais tenso. O governo proibiu os membros da Frente Ampla de se reunirem ou se manifestarem. A repressão política e os baixos salários motivaram duas importantes greves, em Contagem (MG) e em Osasco(SP). Alguns grupos de esquerda escolheram a luta armada como forma de combate ao governo. Em São Paulo, ocorreram várias ações contra o regime militar, como a explosão de uma bomba no consulado americano, o assalto a um trem pagador, em Jundiaí, e o roubo de armas do hospital militar do Cambuci. Em outubro de 1968, a União Nacional dos Estudantes (UNE) realizou um congresso clandestino (às escondidas) em Ibiúna (SP), que resultou na prisão dos líderes estudantis. A ampla mobilização popular acentua a repressão policial-militar e a centralização das forças regionais e auxiliares nos altos escalões das Forças Armadas, consistente na subordinação funcional e política dos militares estaduais ao comando federal, primeiro regulamentando que o comando das polícias militares deveriam ser exercidos por oficiais do exército e segundo tornando privativo a oficiais do Exército, as Secretarias Estaduais de Segurança. Em 13 de dezembro de 1968, o governo decretou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), onde o processo de centralização alcança seu ponto decisivo, fechando o Congresso e cassando o mandato de diversos parlamentares. O Ato abrangia inúmeras medidas, algumas das quais merecem destaque: pena de morte para crimes políticos, prisão perpétua, fim das imunidades parlamentares, transferência de inúmeros poderes do Legislativo para o Executivo, etc. Mais abrangente e autoritário de todos os outros atos 141 institucionais, o AI-5 na prática revogou os dispositivos constitucionais de 67. Reforçou os poderes discricionários do regime e concedeu ao Exército o direito de determinar medidas repressivas específicas, como decretar o recesso do Congresso, das assembléias legislativas estaduais e das Câmaras municipais. O Governo poderia censurar os meios de comunicação, eliminar as garantias de estabilidade do Poder Judiciário e suspender a aplicação do habeas-corpus em casos de crimes políticos. Enfim, intervindo ou participando as Forças Armadas, há também, outras particularidades no caso brasileiro que talvez seja útil mencionar, mesmo que de modo sumário. O regime autoritário, entre nós, nunca perdeu as características desenvolvimentistas que marcam a história brasileira desde os anos trinta. De modo socialmente injusto e politicamente repressivo, os vinte anos de militarismo (1964-1984) representaram a expansão e o aprofundamento das relações capitalistas. Por certo, uma luta de longo fôlego, de trajetória imprevisível, de final aberto - e que, travada muitas vezes em condições desfavoráveis para os setores subalternos, recomeça a cada dia, uma vez que nada está mesmo garantido de uma vez para sempre. DA POLÍTICA DE SEGURANÇA NACIONAL E DA PROTEÇÃO À DEMOCRACIA O governo de Castelo Branco (1964-1967), imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, rompendo relações diplomáticas com Cuba, orientava-se pela Doutrina de Segurança Nacional, elaborada por militares norte-americanos no contexto da Guerra Fria e aperfeiçoada por estrategistas brasileiros na Escola Superior de Guerra (ESG). A doutrina tinha como objetivo combater a expansão do comunismo na América. Seu princípio básico é que a segurança de um país é a condição básica para o seu desenvolvimento e a maior ameaça à segurança de um país são seus inimigos internos, considerados subversivos. Sob esse pano de fundo, ilegalidades, violações aos direitos individuais e fundamentais serão perpetradas, e até lesões aos princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos conformarão o estado de exceção. Exemplo disto foi a política intervencionista que se almagmou como tentáculo 142 da estadunidense. Insta observar que a ditadura brasileira não estava sozinha na posição intervencionista. Uma grande sintonia se formava entre Castelo Branco, general Ogandía. No pensamento geopolítico brasileiro amadurecia a idéia de que o espaço uruguaio deveria ser absorvido no brasileiro. Paulo Schilling, exilado brasileiro, colaborador do Semanário, Marcha, afirma que durante o governo de Castelo Branco se avaliou a possibilidade de intervenção no Uruguai, com a justificativa da ameaça que representava uma convulsão social e a intensa atividade sindical existente naquele país21. Em meados de 1971, os regimes de Allende (Chile), Torres (Bolívia) e Alvarado (Peru) – dentro da lógica da DSN- eram considerados inimigos e nesse contexto, o “cerco comunista” em direção ao sul do continente por parte dos setores anticomunistas do Brasil, Argentina, do Uruguai e dos EUA não pode ser desconsiderado. Fronteiras ideológicas deveriam ser demarcadas e um acordo de intervenção conjunta no Uruguai, em caso de necessidade (se os tupamaros ganhassem as eleições) era um propósito certo, conforme se infere da declaração de Ogandía [...] uma aliança entre os Estados da Argentina e do Brasil, a fim de constituir o núcleo de uma força interamericana e circundar os dois países com uma fronteira ideológica, como medida preventiva contra a expansão do comunismo.(MONIZ BANDEIRA: 1995, 221) 22 Questionamentos ao intervencionismo sacavam o princípio da autodeterminação dos povos, não respaldado pela lógica da DSN e da Guerra Fria. Declarações e manifestos de militantes da Frente Ampla soem o desejo da população uruguaia em face do temor sobre os planos dos “gorilas brasileiros”, quando conclamam a população resistir a suposta interferência externa Deve-se colocar que se ao governo uruguaio não lhe importa a soberania, ao povo e aos trabalhadores sim. Que se eles não tomarem todo tipo de medidas preventivas, o povo deverá tomá-las23. As interferências externas nos processos políticos dos países sul 21 Padrós, Enrique Serra. “A ditadura Brasileira de Segurança Nacional e a operação 30 horas: intervencionismo ou neocisplatinização do Uruguai? 22 Estado Nacional e Política internacional na América Latina: o continente nas relações Argentina-Brasil, (1930/1992) São Paulo, Ensaio: 1995 23 Padrós, op. Cit, p. 236 143 americanos encontram seu referencial na política de pentagonização da América Latina por parte dos EUA. Seja através da ação encoberta, indireta ou com autonomia de seu governo, sua presença foi constante na desestabilização de governos “inimigos”, articulando, efetivamente, com setores golpistas de direita, financiando e divulgando propaganda anticomunista no treinamento de unidades paramilitares, enfim calcando o processo de interferência e dominação, travestidos como protetores da democracia. O discurso doutrinário e legitimado nas relações internacionais, através do referido pacto é determinante para o reconhecimento de como e porque se efetivou o apoio indireto norte americano para reduzir a subversão na América Latina, bem como do ponto de vista da segurança econômica, as razões da manobra para o refreamento do nacionalismo nesta área do globo, que se refletia na demanda pela nacionalização dos recursos naturais, elemento de afetação da segurança econômica dos Estados Unidos. Segundo Brian Loveman24 pessoas, grupos, movimentos e comportamentos que ameacem o interesse permanente da nação e a segurança nacional, como definidos pelos guardiões não podem ser tolerados, mesmo se suas ações são formalmente legais. Medo de represália e da repressão condiciona o comportamento político. Sob tais circunstâncias, obediência ostensiva com os procedimentos democráticos _ incluindo eleições, debates no congresso, decisões judiciais, reportagens e sucessão governamental _ disfarçam a ameaça permanente do “veto” da espada dos guardiões. Esse conceito político, de militares servindo como “garantidores” da ordem institucional e, por conseqüência, adjudicadores do bem comum nacional, dos interesses permanentes, e solicitações da segurança nacional tem uma larga história na América Latina e está pulverizado nas constituições latino-americanas, nas leis de segurança nacional, nas leis de antiterrorismo, no código penal e, talvez mais proeminente, no sentido do ser militar, na auto percepção institucional, na mística corporativista. Uma fórmula política, a qual 24 "Protected democracies" and military guardianship: Political transitions in Latin America, 1978-1993 144 Toqueville chamou de tirania legitimada. O FANTASMA DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA- UM BOICOTE MENTAL A ditadura civil-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1984 caracterizou-se pelo alinhamento da economia nacional ao padrão de desenvolvimento capitalista em vigor nos anos 1960 e 1970, alinhamento este que se traduziu em autoritarismo do Estado que rompeu com um certo equilíbrio existente entre o modelo político de tendências populistas e o modelo econômico de expansão da indústria vigentes no período anterior ao golpe civilmilitar, em um conjunto de reformas políticas e institucionais que visavam a “reconstrução da nação” e a “restauração da ordem”, tudo isso se encaminhando para o endurecimento do regime instalado, defendido como necessário para o “desenvolvimento” social e econômico do país. A forma de dominação burguesa (populista), existente no Brasil a partir de 1946, se mostrou incapaz de preservar as relações fundamentais do sistema capitalista, sendo a intervenção das Forças Armadas, em 1964, um meio utilizado pela parcela da burguesia brasileira que se aliava ao capital internacional É importante lembrar que a implantação da ditadura civil-militar não se deu sem um conjunto resistências. A ditadura, além de representar a parcela da burguesia que vislumbrava o alinhamento da economia brasileira ao capital internacional, também procurou dar cabo da “agitação revolucionária” que se fazia presente em nossa sociedade, configurada por uma grande constelação de organizações e movimentos: organizações de trabalhadores, políticopartidárias, movimentos sociais, culturais, artísticos, lutas as mais diversas (como a levada a cabo pelo movimento estudantil), etc. No âmbito da cultura, por exemplo, vivíamos aqui uma espécie de “modernismo temporão”. Ridentti é abordar a particularidade da guerrilha urbana brasileira e a conexão que teve com o movimento artístico e cultural específico que se desenvolveu no Brasil de 64-68. De início, o autor expressa o fato de que os dados da repressão não quantificam quantos artistas estavam engajados ativamente nos movimentos sociais de 68, na Passeata dos 100 mil, solidários aos perseguidos, inclusive 145 com ajuda financeira de artistas e organizações clandestinas. O florescimento cultural foi ascendente desde a década de 50 e nem mesmo o golpe de 64 pode estancar. Após esta data os donos do poder não mais souberam ou não puderam desfazer toda a movimentação cultural e que só teria fim em 68 com o AI-5. Este florescimento artístico de pós guerra que no Terceiro Mundo configura-se um modernismo como sombra do Primeiro Mundo, utilizam-se marcos, coordenadas para classificá-la. Ou seja, o modernismo caracteriza-se historicamente: - pela resistência ao academicismo nas artes, indissociável de aspectos pré-capitalistas na cultura e na política, em que as classes aristocráticas e latifundiárias dariam o tom; No Brasil marcado pela presença de uma oligarquia agrária, alguns artistas e intelectuais do movimento nacional popular combatiam o feudalismo na zona rural, mas identificaram-se com o camponês explorado, onde estaria enraizada a genuína arte e sabedoria do povo, parecendo uma forma de resistência cultural à modernização capitalista nas artes. Outros como os tropicalistas, afeitos à modernidade cantavam o paradoxo do Brasil oligárquico-atrasado sobrepondo o Brasil moderno-capitalista - pela emergência de novas invenções industriais de impacto na vida cotidiana, geradora de esperanças libertárias no avanço tecnológico; Antes de 64 essa esperança tinha dois ramos: a dos concretistas ou vanguardistas, carregavam a bandeira do moderno sem restrições independentemente de classe e a dos nacionalistas populares que vinculavam o progresso à libertação popular; superação do imperialismo americano e do arcaísmo explorador das oligarquias.Depois do golpe os nacionalistas mantiveram uma posição defensiva em relação à modernização industrial e tecnológica imposta pelo regime militar - e pela proximidade imaginativa da revolução social, fosse ela mais "genuína e radicalmente capitalista" ou socialista (Anderson, 1986:18-19). A revolução era um tema recorrente, tanto que o golpe denominou-se revolução de 64 para legitimar-se; Antes do golpe a revolução era pensada pelos meios artísticos e intelectuais como revolução burguesa, 146 pela eleição, contra o imperialismo e antilatifundiária, para depois vir a ser socialista numa etapa posterior. Após 64, a idéia de revolução povoava mentes intelectualizadas que sofreram repressão, acentuando de 64-68 onde o AI-5 marcou o fim do florescimento cultural. Já foi argumentado em outro trabalho (Ridenti, 1993:76-81) que as coordenadas históricas do modernismo sugeridas por Anderson estavam presentes na sociedade brasileira, do final dos anos 50 até por volta de 1968: havia luta contra o poder remanescente das oligarquias rurais e suas manifestações políticas e culturais; um otimismo modernizador com o salto na industrialização a partir do governo Kubitschek; também um impulso revolucionário, alimentado por movimentos sociais e portador de ambigüidades nas propostas de revolução brasileira, democrático-burguesa (de libertação nacional), ou socialista, com diversas gradações intermediárias. Fim do modernismo temporão dos anos 60(recolocava tardiamente elementos do modernismo dos anos 20 a modernização conservadora do golpe militar imposta à sociedade brasileira, converteu a oligarquia numa burguesia agrária; a sociedade urbanizou-se rapidamente, não restando mais tradições populares camponesas para se resistir a uma indústria cultural e tão pouco restaram ilusões de caráter libertário da modernização, pois trabalhadores foram espoliados e submetidos à lógica selvagem capitalista. REVOLTA E INTEGRAÇÃO Duas correntes estéticas polarizaram o debate cultural nos anos 60: uma formalista ou vanguardista e outra nacional e popular. O nacional e popular estava empenhado na busca das raízes da cultura brasileira, da libertação nacional, na superação do imperialismo e dos resquícios feudais nas relações do campo. Alguns críticos entendem que este movimento não propunha uma ruptura com o capitalismo, mas independência do imperialismo cultural; um capitalismo sustentado pelo mercado interno. Renato Ortiz diz que a utopia nacional-popular dos anos 40, 50, 60 transformou-se na ideologia da indústria cultural brasileira dos anos 70 e 80. Os tropicalistas adversários desta tendência estética sem inovações formais diziam que ao expressar simpatia pelos oprimidos, vistos com empatia 147 pelas camadas intelectualizadas, identificando-se emocionalmente o público consumidor das artes com os oprimidos, estava vedada a reflexão política sobre a sociedade, servindo mais como uma catarse coletiva, exorcizando sua culpa para com os explorados. Porém de qualquer modo se formou uma massa política crítica. Os vanguardistas carregados de uma mensagem rebelde e anárquica em 67-68, elevados pelos tropicalistas. Segundo Schwartz, os supostos vanguardistas fariam a apologia do mercado e da indústria cultural capitalista, identificando aí o moderno, revolucionário, apostando tudo no potencial dos meios de comunicação de massa (libertador) e ainda numa crítica mais mordaz ele assegura que o tropicalismo de Gil e Caetano é conjugação de forças modernizantes com arcaicas que se aliaram para dar o golpe, porque o movimento teria ambigüidades e tensões, presente no teatro Oficina. O teatro Oficina buscava agredir e brutalizar o público, mostrando-o como era tão pequeno-burguês(num caminho oposto ao teatro de arena que fazia o público identificar-se com os oprimidos, numa catarse) em vez de gerar reflexão pela agressão, eles se identificavam com o agressor, e numa abrangência maior com a ditadura militar. Ao tropicalismo opunha-se a estética da fome de Glauber. Roberto Schwartz chegou a afirmar ao final da década de 60, que o golpe militar não eliminou presença cultural da esquerda; que apesar da ditadura há uma hegemonia cultural de esquerda no país; a hegemonia estaria só no interior das camadas intelectualizadas e por isso não há hegemonia. Diz Ridenti que a hegemonia(cultural, política e econômica) que a sociedade brasileira nunca deixou de ser burguesa, comprometida com o desenvolvimento nacional desigual e combinado e o golpe de 64 é o marco da reorganização da hegemonia burguesa. DESLEGITIMANDO A LEI DE ANISTIA Através dos depoimentos e entrevistas atuais, acima descritos, torna-se claro o enfrentamento necessário da primordial questão acerca da Lei nº. 6.683 de 28 de agosto de 1979: foi ela legítima ou não? Atendeu os anseios da 148 população ou foi ato impositivo, “concedido” pelos adeptos do regime autoritário? No período de tramitação do Projeto de Lei, as Atas 161ª e 161ª (sessões conjuntas realizadas em 21.08.79) onde a matéria foi discutida e a Ata 163ª (sessão conjunta realizada em 22.08.79) quando o projeto foi aprovado, os pronunciamentos25 dos membros do Congresso Nacional do MDB e ARENA, revelam quanto o projeto de anistia foi um instrumento governamental para desviar o fracasso econômico vivenciado da ditadura26 e ao mesmo tempo utilizado como elemento de contenção do problema da luta armada e dos funcionários públicos e trabalhadores27. O Deputado João Cunha (MDB- São Paulo) classificou o projeto da anistia de “aleijão da proposta feita pelo governo” 28 referindo-se à farsa do perdão nacional àqueles que entregaram o Brasil, comprometendo-o internacionalmente, “o que faz com que o futuro seja bem impreciso e indefinido, se permanecermos sob o tacão, se permanecermos sob a égide da bota que pretende calçar sapato civil agora, para alegrar a Nação com a brincadeira e a blague de, andando a cavalo, pretender com isso equacionar os problemas sérios e graves em que estamos atolados”. As palavras do deputado refletem a indignação do povo brasileiro que paira no ar naquele momento, que vivenciou 15 anos de medo e terror implantados “pela mão dura da ditadura sanguinária e brutal, que matou brasileiros, exilou brasileiros, baniu brasileiros”. As discussões no Plenário ainda giram em torno do teor do substitutivo que mistifica a anistia dos operários. Concede-se anistia aos operários e aos sindicalistas punidos no período de 1961 até aqui, mas não se lhes garante direito da volta aos seus empregos e também não se lhes garante o direito à percepção dos salários do tempo em que estiveram afastados. Afinal, a Nação toda se movimenta para assistir ao Congresso votar uma anistia garantida apenas aos torturadores.29 25 ANISTIA II- Documentário organizado por determinação do Presidente da Comissão Mista do Congresso- Senador Teotônio Vilela, Brasília-DF, 1982. 26 Apud p.27 27 Apud p.28 28 Apud p.29 29 Apud p. 34 149 O que, verdadeiramente, deslegitima o projeto de lei aprovado no Congresso em 22.08.79, é o fato de que aprovaram a proposta do governo, enquanto as prerrogativas do Congresso Nacional estavam cassadas. É o que diz o deputado Waldir Walter (MDB-RS): Outro ponto de real importância que consubstanciava o projeto da Oposição é que restabelecia os poderes do Congresso para, soberanamente, conceder anistia. Isso, evidentemente, não servia para o regime. Então o regime autoritário, o regime que concentra o poder nas mãos de um único homem vai aceitar que o Congresso Nacional recupere essa prerrogativa que lhe havia sido usurpada? Evidentemente, não. È por isso, Srs. Congressistas, que o nosso projeto foi rejeitado. Não porque concedia de menos, mas porque concedia demais, porque restabelecia os poderes da Casa do Povo. Para apoiar medidas como a proposta pelo nosso partido é preciso ter consciência democrática. Evidentemente uma proposta como essa não pode ser apoiada pelos Parlamentares que batem palmas quando seus colegas são cassados no exercício de seu mandado. (ANISTIA II, P.53) Ao analisar excertos do discurso do deputado oposicionista verifica-se flagrante que os agentes políticos da época tinham consciência que muito não poderiam aprimorar do projeto governamental, porque dentro da lógica comportamental autoritária não se podia esperar muito de um Presidente da República, cuja especialidade não foi conceder a anistia, mas cassar adversários, ocupar a chefia de um órgão de espionagem, criado exatamente para procurar adversários políticos. Por outro lado a nação exigiu o projeto, mesmo quando os primeiros comitês de anistia e os movimentos constituídos pelo Brasil afora, foram ridicularizados, de início. Enfrentaram a repressão, mas inocularam na alma da Nação um sentido valoroso que forçasse _ com apoio mais tarde da imprensa, dos intelectuais, dos estudantes, da igreja e da OAB_ um posicionamento do Governo. O mesmo deputado em análise pragmática denuncia o “esquema do Governo durante a tramitação do projeto” Eu dizia que foi longo o sacrifício para conseguir que o projeto do governo viesse até o Congresso. É claro que um regime que implantou uma ditadura no país, que decretou pena de morte, banimentos, que torturou, que consumiu um número significativo de brasileiros, que desencadeou sobre seus adversários políticos o maior ódio que a nossa história registra, 150 um regime assim, repito, dificilmente chegaria ao ponto de mandar um projeto de anistia para o Congresso. Não é característica das ditaduras conceder anistia. A concessão da anistia é característica das democracias. No tempo em que Juscelino era Presidente houve duas revoltas, e imediatamente os revoltosos foram anistiados. Hoje, os mesmos anistiados daquela época não concordam em anistiar os adversários de um Governo ilegítimo. E eles se rebelaram contra governos legítimos. Não me consta que o Sr. Francisco Franco tenha decretado alguma anistia durante os seus 40 anos de reinado. Não consta que o Sr. Salazar tenha decretado anistia em Portugal. Não me consta que o Sr. Alfredo Stroessner tenha decretado anistia nos 5 anos de ditadura no Paraguai, onde o Vice-Presidente da República participará de festejos e solenidades, possivelmente com o Sr. Anastácio Somoza, que acaba de chegar àquele país. Não é característica dos regimes totalitários conceder anistia_ só concordam com ela quando pressionados. Hoje, então, vamos conseguir parte da anistia que o Brasil reclama, pela pressão de seu povo, e amanhã ou depois haveremos de conseguir o restante. O regime precisava que o projeto fosse analisado dentro do Congresso Nacional por alguém perfeitamente identificado com seus propósitos. Que me releve o ilustre Deputado Ernani Satyro por essas considerações, mas S. Exª era exatamente o homem indicado para ser o Relator dessa matéria, em termos de pensamento governamental. O Regime precisava de um Relator como S. Exª o Deputado Ernani Satyro, que aceitou ser delegado do regime autoritário e da ditadura no seu Estado, onde foi Governador nomeado. O Deputado Ernani Satyro, ilustre integrante desta Casa, com quem tenho bom relacionamento, permita-me dizer, era o Parlamentar indicado, e já foi, inclusive, Ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Primeiro, julgava os adversários do Governo, hoje vem dar parecer no Congresso Nacional sobre uma anistia que visa atingir esses mesmos adversários do Governo. Qual isenção, qual neutralidade? Mas tudo isso é típico do regime. Primeiro, ocupa os mais altos postos nos esquemas de repressão,neste País, e, depois, é nomeado para ser juiz da justiça especial, da justiça autoritária, da justiça que não é Justiça. Essa é a imparcialidade característica do regime. Não podia, pois, ser outro o parecer do ilustre Parlamentar; ele só poderia concluir com um substitutivo que afastasse da anistia os que cometeram crimes contra a humanidade..... Mas tudo se encontra dentro de uma lógica, uma lógica ditatorial, que tem no parlamento uma bancada majoritária que foi eleita majoritariamente através das cassações de mandatos e através do próprio sistema repressivo. E que certamente vai aprovar o projeto de autoria do Poder Executivo. 151 O atual Ministro do STJ Celso de Melo ao lembrar o caso peruano, em que a referida Corte entendeu não ser legítima uma anistia auto-concedida pelos próprios curadores do regime autoritário, o que poderia dizer, então diante das palavras do Deputado oposicionista. No Brasil a anistia também foi orquestrada, conduzida pela “lógica” ditatorial e, por este motivo é carente de legitimidade. O povo quis a anistia, contudo ela surgiu segundo sua lógica, parafraseando o Deputado Magnus Guimarães30 (MDB- RS) quase em acerto com o futuro, onde as “vítimas permanecerão na cadeia e os agentes do aparelho repressor se esconderão ao abrigo disso que chamam de anistia. Os agentes do aparelho repressor- que ainda existe- será que acreditam que a história é feita e escrita apenas por eles e determinada por seu tempo? Por que não acreditam que a história é feita e escrita por todos e que é medida por gerações e séculos? Será que os que hoje julgam também não serão julgados amanhã?” Atualmente, quando as liberdades estão consolidadas, incrustadas na malha social questiona-se como a anistia foi construída, o modelo econômico adotado pelo Brasil na concessão da anistia, fazendo com que o Estado suporte todo o peso sancionatório, através das indenizações às vítimas, como argumenta o ministro Tarso Genro31, ao passo em que beneficia os torturadores, quando não os priva da liberdade. Por outro lado, as tentativas das organizações sociais ligadas aos movimentos reparatórios, colocando o Brasil no curso da história, inclusive, internacional, pelo fato de que todo o Cone Sul se movimenta em direção de uma justiça de transição, de um modelo de reparação não somente indenizatório, porém de punibilidade criminal aos torturadores, faz surgir no país, iniciativas nos moldes da Argentina e Chile, de buscar resultados junto às instituições democráticas, municiando-os com medidas impactantes, a exemplo da ação movida pelo Conselho Federal da OAB face o STF (em 21/10/08) que busca em seu objeto a decisão da Corte, sobre a questão da Anistia alcançar ou não crimes praticados por militares e policiais- como a tortura, desaparecimento e outros- durante a ditadura militar. O interessante desta 30 31 Apud p. 58 Folha de São Paulo, dois de agosto de 2008. “Querem mexer na lei de anistia. É possível?” 152 decisão é criar o efeito vinculante para os demais órgãos judiciais, que não mais poderão prestar tutela diversa32 em casos semelhantes ao discutirem o mérito de ações cujo objeto seja a persecução de tais crimes, configurarem ou não crimes políticos. Da seara governamental, em busca da reparação e da memória permanente, Luiz Paulo Teles Barreto, ministro da justiça interino, comprometeu-se a um posicionamento claro sobre quando e onde os arquivos da ditadura serão abertos. Os trabalhos de abertura desses arquivos estão sob coordenação da ministra Dilma Roussef que diz primar pela transparência da medida, mas a dificuldade é reconhecida quando ela solicita o termo de destruição de alguns arquivos e tem com resposta cínica o seguinte: "Os arquivos foram queimados com base na legislação de cada época. Essa legislação exigia um termo de destruição de arquivo, com o responsável pela destruição e com testemunhas. E os termos? Os termos foram destruídos junto com os arquivos”. (Agência Brasil. 26 de Setembro de 2008 - 14h13 Última modificação em 26 de Setembro de 2008 - 14h32) Outro julgamento em andamento no STF pode definir se ainda é possível extraditar acusados de participar do desaparecimento de pessoas durante governos militares na América do Sul na década de 70. O STF decidirá esta ação ao tempo em que julga pedido do governo argentino para que seja extraditado o militar uruguaio Manuel Cordero, que foi acusado de envolvimento com o desaparecimento de dez pessoas e de um bebê. Esse pedido e a ação movida pela OAB estão com vistas ao Ministro do Supremo, Eros grau. LEI 6.683/79 - SIMULACRO DE ANISTIA A Lei de anistia brasileira, Lei 6.683/79, regulamentada pelo Decreto 84.143 de 31 de outubro de 1979, ato de competência do então Presidente da República General João Batista Figueredo, no uso das atribuições previstas no artigo 81, III da Constituição Federal vigente, estabeleceu a sua destinação e motivação legal no artigo primeiro. 32 O Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu hoje (23/09/2008) o processo movido pela família do jornalista Luiz Eduardo Merlino contra o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna (Doi-Codi), do 2º Exército, em São Paulo. 153 Portanto, diversos foram os destinatários da norma, relativizados pela expressão TODOS em determinado período - 2/09/1961 e 15/08/79. Desse modo, direciona-se a norma às pessoas que, 1. cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes, eleitorais. 2. aos que tiveram seus direitos políticos suspensos 3. aos servidores da Administração Direta e Indireta, de Fundação vinculada ao Poder Público 4. aos servidores dos poderes legislativo e judiciário 5. aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. De imediato os beneficiários da norma trataram de interpretá-la, extensivamente, conforme as suas conveniências, incluindo no rol de crimes conexos aos políticos, as torturas e outras violações praticadas nos porões da ditadura. Entretanto a conexão a que se refere a norma é a dos crimes eleitorais, expressão que vem entre vírgulas, em aposto, logo após o predicativo, “cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes, eleitorais...”. A conexão é a interligação entre duas ou mais infrações, levando a que sejam apreciadas perante o mesmo órgão jurisdicional. Infrações conexas são aquelas que estão interligadas, merecendo, destarte, em prol da celeridade do feito e para evitar decisões contraditórias, apreciação em processo único. Assim, a lei em tela ao anistiar os agentes que cometeram crimes políticos, anistia, também, com relação às infrações relacionadas a tais crimes, qual seja, as eleitorais, que vem em oração seguinte ao predicativo, a fim de explicar quais seriam as infrações que se permitiria, ex vi legis, conexão aos crimes políticos. Portanto se o sujeito cometeu crime eleitoral para ocultar o crime político, estaria, diante do permissivo legal, anistiado daquele. Em nenhum momento o dispositivo chancelou uma anistia concernente a outros crimes conexos ao político, senão os eleitorais. Crimes contra a vida, contra a honra, lesões corporais, contra a liberdade individual, tortura ou de lesa humanidade, não foram sequer tratados no texto legal, contudo de maneira expressa, destacam-se os crimes eleitorais. Portanto, a tortura perpetrada segundo os manuais adquiridos no Panamá, não está inserida no rol de crimes conexos aos políticos, nem poderia 154 estar, porque já nesse período (1979) o mundo encontrava-se sob a égide do Pacto de San José da Costa Rica, consubstanciando direitos humanos essenciais e definindo a figura típica da tortura. Outro argumento “garantidor da impunidade”, a prescritibilidade dos crimes cometidos durante a ditadura, cuja validade tem sido questionada e vencida sob a premissa maior de que tais crimes, caracterizados como lesa a humanidade são imprescritíveis. Mas o temor da punição sempre pairou sobre o imaginário dos agentes, a ponto de interpretar inovadoramente a lei de anistia, a seu talante. Perder-se na memória das futuras gerações sempre foi o objetivo maior dos violadores. Trabalhando encapuzados ou sob codinomes, os torturadores militares dividiam-se entre os que defendiam a liberalização do regime, e outros, que advogavam o endurecimento. Sob tais condições se tornou difícil a identificação dos violadores, entretanto, ainda hoje, as vítimas sobreviventes que conseguiram de alguma forma identificá-los se sujeitam a conviver com alguns destes criminosos. Em matéria de abril de 1998, ou seja, dez anos após a promulgação da Constituição Federal vigente e em redemocratização efetiva, a Revista Veja (edição 1576) publica reportagem de capa “EU TORTUREI”, na qual um extenente, agente do porão da ditadura, Marcelo Paixão de Araújo, confessa a prática do crime de tortura, alegando a necessidade da medida, como forma de evitar que organizações terroristas, como VPR e Polop tomassem o poder. Não queria que o Brasil virasse o Chile de Salvador Allende33 . No início dos anos 80 os organizadores do livro Brasil: Nunca Mais conseguiram fotocopiar todos os processos (707 processos) abertos contra grupos de esquerda, onde se anotou quantas vezes cada acusado de tortura aparecia, chegando-se aos catorze mais citados, na seguinte ordem: 1º Marcelo Paixão de Araújo, 2º Sérgio Paranhos Fleury, 3º Hilton Paulo da Cunha Portela, 4º Pedro Ivo dos Santos Vasconcelos, 5º Ailton Joaquim e Benoni de Arruda Albernaz, 6º Luiz Martins de Miranda Filho e João Câmara Gomes Carneiro, 7º Antônio Benedito Balbinotti, Maurício Lopes Lima, luiz Timóteo de Lima, 8º Solimar Adilson Aragão e Leo Machado, 9º Màrio Borges, 33 Revista Veja, de 9 de dezembro de 1998, p.45 155 Jesú do Nascimento Rocha, João Luís de Souza Fernandes, Antônio de Pádua Alves Ferreira, Thacir Omar Menezes Sia; 10º Deusdeth Cruz Sampaio, Carlos Abreu Del Menezzi; 11º Zeno José de Almeida Moura e João Lucena Leal; 12º José Pereira de Vasconcelos, Paulo Avelino dos Reis, Miguel Lamano, Jofre de Lacerda, Laudelino Coelho, Ari Pereira de Carvalho, João Vicente Teixeira; 13º Carlos Alberto Brilhante Ustra, Waldir Teixeira Góes e Antônio Nogueira Lara Resende; 14º Sebastião Calheiro, Nilson Gonçalves Damásio e Francisco Moacyr M. Fontanelle. Alguns torturadores confessos, na mesma entrevista, a exemplo do exdelegado Antônio Nogueira Lara Resende e Leo Machado, possuem uma mesma retórica sobre os “métodos persuasivos” aplicados sobre “aqueles caras...um bando de fanáticos que estavam dispostos a fazer qualquer coisa para combater o regime”. O discurso é sempre o do esquecimento. O que mais desejam hoje, é uma vida pacata, discreta, custeados pela aposentadoria paga solidariamente por toda a sociedade. O que mais espanta é que pessoas com tal perfil, que usaram técnicas não só de torturas, a exemplo do pau de arara e os afogamentos, socos até arrancar os dentes, arrancava as unhas, obrigavam as presas a desfilar nuas diante dos torturadores e espremia seus mamilos até sangrar, aplicava-lhes choques elétricos ligando fios aos seios feridos, mas também torturava psicologicamente, ameaçando de morte os familiares dos torturados, foram, após a anistia, acomodadas e aproveitadas em cargos e estão convivendo sem qualquer incômodo entre os torturados. Noutro giro verifica-se do estudo apresentado que a condução da problemática da impunibilidade decorrente das leis de anistia auto-concedidas, em muitos países encontra-se solucionada, mormente pelo fato do alargamento da justicialidade requeridas, ainda, das questões pela dos pacificação direitos humanos da questão da individualmente imprescritibilidade reconhecida dos crimes praticados contra a humanidade e, por fim pelo reconhecimento da Corte Internacional, a exemplo do caso de Barrios Altos, que a questão de fundo, a saber, sobre a aplicabilidade genérica,vinculativa da sentença a outros casos, cuja Lei de Anistia fora aplicada, ou seja que “el Estado asuma el compromiso de que se anulen los efectos de lãs leyes de 156 amnistía (Nº 26479 y Nº 26492) en todos los casos de violaciones de derechos humanos en que estas leyes fueron aplicadas”. A promulgação de uma lei ou a permanência desta, manifestamente contrária às obrigações assumidas por um Estado (Leia-se Estado Democrático de Direito), que seja parte da Convenção Interamericana, constitui uma violação que gera responsabilidade internacional. Por este motivo, a Corte considerou, no caso acima relatado, e o fará nos demais que lhe forem submetidos, que dada a natureza da violação constituída pelas leis de anistia, o resultado da sentença tem efeitos gerais e pode ser aplicado para os demais casos, que contenham a mesma questão de fundo, qual seja as leis de anistia auto-concedidas pela ditadura. A PRÁTICA DAS VIOLAÇÕES E O DIREITO INTERNACIONAL Apesar do standard de protetores da democracia, violações aos direitos humanos foram praticadas em operações arquitetadas por aparato e dirigentes terroristas de vários países da América Latina. A Operação Condor, é exemplo disto, com alcance internacional, conforma a idéia de que para a consumação dos crimes praticados pelos ditadores, atos de tortura, seqüestros, etc, desobedeceram as Convenções de Genebra34, convenção vinculativa dos signatários, cometendo crimes contra a humanidade na definição do Estatuto de Roma. Por conseguinte, sob o aspecto da jurisdição externa, todo ato de violação pelas nações que ratificaram as Convenções de Genebra pode conduzir a um processo diante da Corte Internacional de Justiça (CIJ) / Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ou diante da Corte Penal Internacional (CPI) / Tribunal Penal Internacional (TPI). Deste modo, os agentes violadores não podem ultrapassar impunes, sob os auspícios da ideologia de gardiões da democracia, o de teses jurídicas a exemplo da ocorrência da prescrição e do uso inadequado do procedimento processual da conexão. Ademais, a lei de anistia brasileira de 1979, sancionada com fundamento na Constituição vigente(1964/67), quando erigida nova Constituição de 1988, a 34 Convenção de Genebra nas versões de 1929, 1949 e 1977 continha a cláusula da obrigação de tratar os prisioneiros humanamente, sendo a tortura e quaisquer atos de pressão física ou psicológica proibidos. 157 antiga Lei de Anistia(1979) perde seu fundamento de validade e, portanto, não mais poderia ser aplicada como arcabouço legal de proteção dos direitos de violadores. Ou seja, de 1988 até então, não mais pode ser aplicada a Lei de Anistia para fatos ocorridos desde então. Entretanto, questiona-se se a Lei de 1979 possuía legitimidade suficiente para aplicação aos fatos ocorridos sob sua égide. Ainda, se as violações ocorrridas em plano internacional, entre fronteiras das nações sulamericanas, possuem incidência da lei interna, ou serão submetidas ao sistema regional interamericano, que dentre suas normas, vige desde 1969, o Pacto de San José da Costa Rica, consubstanciando direitos humanos essenciais, e cuja Corte Interamericana de Diretos Humanos, instituição autônoma com objetivo de aplicação e interpretação da Convenção/Pacto de San José da Costa Rica. Desse sistema normativo internacional, inclui-se a Convenção Interamericana, preventiva e punitiva da tortura, com vigência desde 1985. No referido Pacto encontra-se, inclusive, a definição do crime de tortura, [...] como todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica. E ainda, não se invocará nem admitirá como justificativa do delito de tortura a existência de circunstâncias tais como o estado de guerra, a ameaçã de guerra, o estado de sítio ou de emergência, a comoção ou conflito interno, a suspensão de garantias constitucionais, a instabilidade política interna ou outras emergências ou calamidades públicas, nem a periculosidade do detido ou condenado. Ou seja, mesmo contra aqueles considerados “subversivos”. Verifica-se, de plano, o total abomínio da norma internacional para atos definidos alí como tortura, atos de violência institucionalizada no período da ditadura praticados por militares e seu secto civil, quando utilizam o paradigma de tutores da democracia. CONCLUSÃO 158 O enfrentamento e análise das leis de anistia dos países sulamericanos e a “missão constitucional” das forças armadas nos governos que seguiram às ditaduras, torna-se essencial, a fim de desmitificar a legitimidade das anistias autoconcedidas e buscar uma solução, também, no sistema normativo interno, a exemplo de alguns países da América Latina que já revogaram, no todo ou em parte a suas leis de anistia. As “democracias” posteriores ao período ditatorial nasceram incapazes de criar leis obrigatórias contra aqueles acusados por comportamentos criminosos no regime anterior e de impedir o exercício de sua competência constitucional. Com exceção da Argentina, eles foram forçados a aceitar, formalmente e de fato, regras benéficas às Forças Armadas. Isto significa que muitos aspectos da doutrina de segurança nacional, compartilhada pelos regimes militares pós 1964, período de incorporação legislativa de conceito de segurança interna, compareceu na nova ordem estatal, limitando o executivo e o legislativo, ao incluir operações de inteligência, incrementando uma certa autonomia das Forças Armadas, reafirmando uma longa tradição de governo sob regimes de exceção. Algumas reflexões são necessárias, e movem a justiça de transição em nosso país, no que tange a discussão sobre as violações aos direitos humanos. É suficiente a busca pela reparação Estatal através da indenização pelos danos morais e estéticos decorrentes da tortura ou a vítima ainda encontra fundamento de razoabilidade para alcançar uma punibilidade na jurisdição internacional e/ou interna? Como o Estado Pós-Social, que busca a garantia de direitos de quarta dimensão pode conviver com a tortura praticada e legitimada pela ditadura? REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. 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RESUMO: Busca-se analisar a evolução do direito construído pelas nações mediante tratados, convenções, acordos, recomendações, estudos e normas, voltados todos para a proteção dos direitos do homem e do cidadão, a partir dos primeiros anos do século XX, até o presente, e a sua influência sobre a legislação constitucional e infra-constitucional institucionalizada no Brasil, no mesmo período, de modo especial sobre a legislação protetora trabalhista. Palavras-chave: direito, direitos humanos, direito do trabalho, ONU, OIT ABSTRACT: It analyzes the evolution of law built by the nations through treaties, conventions, agreements, recommendations, studies and standards, all aimed to protect the rights of man and citizen, from the early years of the twentieth century to the present, and its influence on constitutional law and constitutional infrastructure institutionalized in Brazil, in the same period, especially on protective labor legislation. INTRODUÇÃO O século XX assistiu mudanças marcantes na sociedade humana, a partir do término da 1a. Guerra Mundial e do surgimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, consequente à Revolução Russa de 1917. Ali o mundo começou a se perceber como uma verdadeira aldeia global e a buscar soluções de natureza internacional para os problemas de convivência entre as nações e entre os seus cidadãos. Ali, e naquele momento, criou-se a Liga das Nações. Surge a Organização Internacional do Trabalho e o Tratado de Versailles de 1919, encerra a fase humanitária do direito internacional do Trabalho, marcando o início de sua jurisdicização. O pacto da Sociedade das Nações trata como uma missão sagrada da civilização o bem estar e o desenvolvimento social dos povos. As constituições de Weimar e do México, sinalizam a tendência da universalização das normas jurídicas trabalhistas e da internacionalização dos direitos humanos. Confugura-se o entendimento de que ao lado de um discurso liberal da 35 Juiz do Trabalho do TRT da 6ª Região, aposentado, professor de Direito do Trabalho da UNIRB. Residência: Condomínio Parque Encontro das Águas, Quadra G, lote 23, Bairro de Portão, Lauro de Freitas, Bahia, Brasil. CEP: 42.700.000. E-mail: [email protected] 161 cidadania deve-se fortalecer e concretizar uma proposta social desses direitos. Impõe-se o tratamento, ao mesmo nível, do princípio da igualdade a par do princípio da liberdade. São os ventos do socialismo arejando a árvore do liberalismo. Poucos anos depois, o término da 2ª Grande Guerra e o surgimento da Organização das Nações Unidas, geraram o fortalecimento da OIT, cristalizando o entendimento de que sua missão de afastar as causas políticas, econômicas e sociais geradoras de conflitos internacionais, sinalizava no sentido de que o desenvolvimento permanente e uniforme do Direito do Trabalho favoreceria a paz. O direito clássico internacional, dos tratados bilaterais, vai se transformando e sendo substituido pelo direito baseado em convenções internacionais, construtoras de normas jurídicas universais. A identidade e o caráter multinacional dos fatores econômicos que regem as relações de produção, influenciam para o aparecimento de um direito internacional do trabalho, de cunho universal, visando conferir uma melhor situação social à classe trabalhadora nos diferentes países e o reconhecimento legal da igualdade de todos os trabalhadores. Busca-se freiar o espírito revolucionário dos insatisfeitos, apagar todas as chamas de rebeldia, apacentar o rebanho. Cumpre sublinhar que esses direitos sociais, como direitos mínimos de sobrevivência e de reconhecimento da dignidade do homem, são direitos humanos. Assim é, nesse momento de reencontro da humanidade com a paz, de criação da Organização das Nações Unidas na Conferência de São Francisco, que fica estabelecida a necessidade de implantação de uma política mundial de elevação dos níveis de vida e de ocupação plena dos trabalhadores, assegurado o respeito aos direitos dos homens e às liberdades fundamentais, sem distinção de raça, de sexo, de idioma ou de religião. A Organização Internacional do Trabalho, constituída com a participação de empregados, empregadores e representantes dos governos das nações, concluiu acordo com a ONU em 1946, acordo assinado em Nova York, sob o fundamento do caráter universal do Direito do Trabalho e dos princípios que o orientam e que apontam para a liberdade dos homens, o bem estar e a segurança econômica dos povos, o desenvolvimento espiritual dos indivíduos e 162 a igualdade de oportunidade para todos independentemente de sexo, raça, religião ou crença. A declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, expressa de forma contundente o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações. São 30 artigos, nos quais estão insculpidos direitos essenciais, iguais e inalienáveis da humanidade, como princípios de liberdade, justiça e paz, construídos sob a concepção contemporânea de direitos humanos universais e indivisíveis. Ali são consagrados direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, mediante a conjugação do discurso liberal com o social da cidadania, somando liberdade à igualdade e expressando os principais vetores das idéias dominantes nos dois polos hegemônicos de então: o do liberalismo ocidental, liderado pelos Estados Unidos da América, e o do socialismo praticado pela União das Repúblicas Soviéticas. Na sua fundamentação, a Declaração dos Direitos do Homem reconhece que, acima das leis emanadas do poder, há uma lei maior de natureza ética e validade universal e seu fundamento é o respeito à dignidade humana, colocando a pessoa humana como a fonte de todas as fontes do direito. Objetiva garantir a certeza, a segurança e a efetivação dos direitos. Nessa linha a Constituição Federal do Brasil afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinções, garantindo-se a brasileiros e estrangeiros residentes no país, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. A liberdade de opinião e expressão, que pressupõe o direito de ser informado, receber e transmitir idéias, presente no artigo XIX da Declaração, é garantia expressa do inciso IV do art. 5º da nossa Constituição de 1988. A liberdade de associação para fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, despotivos, prevista pelo artigo XX da Declaração, é assegurada, para fins lícitos e vedado o caráter paramilitar, pelo inciso XVII do artº 5º de nossa lei maior. A liberdade de religião, de pensamento e de consciência, de praticar, de pregar e de mudar de culto, inscrita no artº XVIII da Declaração, no Brasil é 163 garantida nos incisos VI, VII, VIII e IX do artº 5º da Consttuição Cidadã. Discriminação religiosa é afronta à dignidade humana e no Brasil é crime. Somos um Estado laico, a despeito das fortes raizes religiosas de nossa formação cultural. O Direito à Integridade Física, que completa o Direito à Vida, garante o homem contra a tortura e a pena de morte, porque abomináveis são. A tortura é a violação que mais repugna à consciência ética da humanidade, em função da barbaridade de que se reveste. O Brasil ratificou em 1989 a Convenção da ONU de 1984, Contra a Tortura. Nossa legislação tem a tortura como crime inafiançável, insusceptível de graça ou anistia. Está muito viva na memória dos brasileiros, a soma de episódios degradantes que marcou a história do movimento militar de 1964. Não há pena de morte no Brasil, salvo em caso de guerra declarada. “Ninguem será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, consagra da Declaração Universal no seu artigo V. A proteção à mulher se inscreve num capítulo à parte dos direitos humanos, no segmento da luta pela igualdade real no seio da humanidade. Seus reflexos nas relações de trabalho são fundamentais, na medida em que essa proteção ultrapassa o ser individual para atingir em cheio a mulher, na sua condição biológica e nos seus reflexos, na procriação e na gestação, momentos essenciais da sobrevivência da humanidade. Por consequência, a discriminação viola a igualdade de direitos e o respeito à dignidade humana, em prejuizo do bem estar da sociedade e da família. A Convenção da ONU para abolir a discriminação contra a mulher data de 1979 e foi ratificada pelo Brasil em 1984. A nossa Lei Maior no artº 5º, I, e no artº 226, parágrafo 5º, consagra a igualdade na sociedade e na família. No plano político, a primeira convenção internacional aprovada para assegurar direitos políticos à mulher, de votar, ser votada e exercer qualquer cargo público, data de 1952, dois mil anos depois de Cleópatra deslumbrar o mundo como grande Faraó do Egito. O Brasil em 1932 já instituira o voto feminino. Mas a primeira mulher a ocupar o cargo de Ministra no Brasil, data de 1982, e a primeira suplente de Senador, data de 1978. A lei 9.100/95 fixou no 164 mínimo de 20% de mulheres o gênero e número de candidatos dos partidos às funções legislativas proporcionais. Para abolir a violência doméstica contra a mulher o Brasil ratificou a Convenção Internacional de Belem do Pará, em 1995/1996. Alí se define esse tipo de violência como “qualquer ação ou conduta baseada em seu gênero (feminino) que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, no âmbito público ou privado. Em 1985, no âmbito do Ministério da Justiça, criou-se no Brasil o CNDM (Conselho Nacional de Direitos da Mulher). Em diversas metrópoles brasileiras têm sido, repetidamente, criadas Delegacias da Mulher, objetivando apurar delitos cometidos contra as mesmas. As maiores violações à integridade física e moral das mulheres, contudo, situam-se no âmbito da prática de crimes sexuais, capitulados no Título VI de nosso Código Penal, como crimes contra os costumes, crimes contra a liberdade sexual, quando deveriam ter sido capitulados como crimes contra a pessoa, face a violência física e moral. Estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, sedução, corrupção de menores, rapto, prostituição, rufianismo, tráfico de mulher. Eneida Correia de Araújo, brilhante Juiza do Trabalho em Pernambuco, onde nos examinou e aprovou em concurso para Juiz do Trabalho da VIª Região, em 1993, atual Presidente do TRT da 6ª Região, em sua obra As Relações do Trabalho – Uma Perpectiva Democrática, edição de maio de 2003, afirma que “A proteção mais expressiva que é destinada ao trabalho da mulher, agasalhada em diversos ordenamentos de Estados que subscreveram os documentos eleborados pela Organização Internacional do Trabalho, diz respeito à maternidade e ao descanso antes e após o parto: à amamentação; à oportunidade de admissão e permanência no emprego, sendo legítimo o afastamento por motivo justificável. O direito de perceber o mesmo salário que o homem por trabalho de igual valor e o de ter respeitadas algumas características especiais relativas a sua condição física (excesso de força muscular) também são assegurados à mulher”. Mostra que equiparação de regime jurídico tem que considerar o acesso ao emprego mas também a condição de mantê-lo, nele ser promovida sem ser afastada por preterição. A isonomia tem que considerar as distinções 165 fundamentais da procriação e da maternidade, que exigem proteção especial, para que haja igualdade real e efetiva. Ademais, a Convenção 111 da OIT consagra que o fundamento filosófico que recusa a adoção de práticas discriminatórias é o do respeito à dignidade humana, princípio universalmente aceito pelas nações democráticas. Ainda que tardiamente, face os princípios já adotados pela Constituição de 1988, o Brasil construiu legislação própria em 1995, mediante a lei 9.020, que proibe a prática discriminatória de acesso a emprego e sua manutenção por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. O trabalho doméstico, preenchido, na sua esmagadora maioria, por mulheres – serviço de natureza contínua, com finalidade não lucrativa, prestado a pessoa ou família, no âmbito residencial - ainda é objeto de restrição de direitos, embora, nos últimos anos, venha se ampliando a sua grade de proteção. irredutibilidade de Têm salário, direito as domésticas gratificações natalinas, ao salário repouso mínimo, semanal remunerado e em feriados, férias de 30 dias acrescidas do terço constitucional, licença maternidade, aviso prévio de 30 dias, previdência social, salário maternidade, estabilidade desde o início da gravidez até 5 meses após o parto. Mas a lei não lhes assegura limitação de jornada e pagamento de horas extraordinárias. O regime do FGTS depende de prévia contratação e, somente se adotado, viabiliza o pagamento de 3 parcelas de seguro desemprego. A não discriminação racial foi objeto da primeira grande Convenção Internacional da ONU, em 1969. Tem por objetivo impedir a repetição de episódios racistas como os que ocorreram de forma terrivelmente marcante, no curso da 2ª Guerra Mundial. Discrimanação Racial, a teor de seu artº 1º “é toda distinção que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em um mesmo plano, de direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social e cultural”. No Brasil, somente passou a ser punida com a Lei Afonso Arinos, em 1951. A Constituição de 1988 transformou a discriminação em crime e, em 1997, o parágrafo 3º do artº 140 do Código Penal instituiu o crime de injuria racial. Muito há que se caminhar nessa questão. Saímos de um regime escravocrata há 120 anos. Somos uma nação formada pela mixigenação racial, na qual a 166 presença de afrodescendentes é marcante, girando em cerca de 50% do volume total de nossa população e criando sinais culturais que definem o nosso povo em muitos dos seus costumes, em nossa linguagem, em nossa cultura e em nossas artes. Cessada a escravidão, no final do século XIX, temos que correr céleres para superar suas marcas. Não podemos nos contentar com a mera não discriminação. Temos que ir adiante numa postura proativa de promoção social, educação, formação e geração de oportunidades, fazendo elevar as condições de vida dos que por força de uma discriminação iníqui chegaram mais tarde ao mercado de trabalho, precisando de mais alento e mais apoio para enfrentar a questão social. A ONU instituiu a UNICEF, como agência especializada de seu sistema, criado como Fundo Internacional de Emergência para Crianças, em órgão permanente voltado para cuidar das crianças e dos menores de 18 anos carentes nos países pobres do 3º Mundo. Em 1966 o Pacto sobre Direitos Civis declara que “toda criança terá direito, sem discriminação alguma, por motivo de cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção requeridas, por parte de sua família, da sociedade e do Estado”. No Brasil a Constituição, assegura ampla proteção aos menores no artº 227 e seus parágrafos e no artº 7º parágrafo XXXIII. É, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, protegendo os menores contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Ademais, proibe o seu trabalho noturno, perigoso ou insalubre, quando tenham menos de 18 anos, ou qualquer trabalho que não seja de aprendizagem aos menores de 16 anos. O aprendiz se iniciará após completar 14 anos. A CLT, no seu Capítulo IV, de proteção ao trabalho do menor, estabelece, a partir do art. 402, normas protetoras que regulam e limitam o labor do menor, principalmente em relação a determinadas atividades insalubres e perigosas, a horários noturnos ou jornadas alongadas. Em favor dessa proteção milita o fato da atual incidência do desemprego que atinge os trabalhadores adultos de todo o mundo, facilitar essas diretrizes, na medida em que reduz a demanda por 167 novas vagas, até a maioridade. Mas a importância da legislação protetora para os adolescentes é fundamental como meio eficiente de evitar que o trabalho do menor seja indevidamente multiplicado pelo fato de ser menos custoso para o empregador. Eneida Araújo afirma, na obra aqui já citada: “Observa-se que há uma atividade normativa nacional, de caráter continuado, na linha de proteção ao trabalho do menor, buscando, sobretudo, eliminar o trabalho infantil e assegurar que as crianças e os jovens possam ter acesso à educação, aos esportes, aos divertimentos, à cultura, facilitando o convívio familiar e com os amigos e permitindo o seu desenvolvimento como ser humano”. Muito se caminhou entre o manifesto do inglês Roberto Peel, no início do século XIX, marco inicial do Direito do Trabalho, quando se pretendia reduzir para 12 horas o limite da jornada de menores de mais de 9 anos, na Inglaterra, e a norma da França, de 1841, que proibiu o uso da mão de obra do menor de 8 anos, até a realidade vivenciada em nossos dias. Lutas semelhantes, àquela época, foram travadas pelos trabalhadores, em diversos países da Europa, no curso do século XIX. Muita coisa de lá para cá se modificou. Constata-se assim a ocorrência de um longo processo de evolução da tutela do trabalho da criança e do adolescente em cujo caminho cumpre prosseguir, pensando sempre na fixação de novas conquistas e não admitindo mudanças incompatíveis com o princípio de não retrocesso social que adorna o Direito do Trabalho e os Direitos Humanos. Ficamos com o pensamento de nosso colega e Juiz de São Paulo, Jorge Souto Maior, no seu Curso de Direito do Trabalho: Ninguém tem direito de roubar a infância de milhões de pessoas, nem de lhes roubar a própria dignidade, admitindo para o trabalhador adolescente um estatuto jurídico trabalhista de custo menor para o empregador. Por outro lado, é direito fundamental da pessoa humana desfrutar de condições de vida em um ambiente saudável. A Eco/92 realizada no Rio de Janeiro – Conferência Internacional de Meio Ambiente, teve grande repercussão em todo o mundo. Abriu as portas para os debates sobre proteção da atmosfera, recursos hídricos, oceanos e mares, combate ao desmatamento e à desertificação, conservação da diversidade biológica e proteção à saúde e 168 à qualidade de vida humana. Nossa Constituição, no art. 225 afirma que “Todos têm estabelecendo direito ao princípios meio visando ambiente a ecologicamente conscientização equilibrado”, pública para a preservação, de controle e comercialização da produção. No parágrafo 4º do mesmo artigo, a Carta define que a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona Costeira são partes do patrimônio nacional, submetidas ao uso na forma da lei, preservado o meio ambiente, inclusive quanto a recursos naturais. Em 1998 entrou em vigor a Lei 9605, definindo os crimes ambientais, no Brasil. O artigo XVI da Declaração de Direitos Humanos reconhece que “homens e mulheres de maioridade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Necessário o consentimento dos noivos. Ambos têm iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e dissolução. A família é o núcleo natural e fundamental da humanidade e tem direito à proteção da Sociedade e do Estado. O art. 226 da Lei Maior assegura esses direitos sem distinção de sexo. O parágrafo 6º reconhece que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, após um ano de separação judicial, ou após dois anos de separação de fato. A lei 9278/96 estatui a união estável como entidade familiar. A Declaração do Cairo de 1994 reconheceu ser decisão livre e responsável de todo indivíduo, fixar o número, espaçamento e oportunidade de ter filhos. Também assegurou o direito de controle sobre seu próprio corpo, vivência de relações consensuadas, informação e decisão sobre reprodução, sem discriminação, coerção ou violência. Nessa linha de entendimento, nossa Constituição, no parágrafo 7º do art. 226 assegura que “fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre de decisão do casal”, na forma que foi regulamentada pela Lei 9.263/96, do Planejamento Familiar. Nossa legislação penal somente admite o aborto nos casos de risco de vida ou de gravidez por estupro. Não podemos deixar de referir a ocorrência, no plano da ampliação do leque de alternativas voltadas para a mais ampla implementação dos direitos fundamentais, com reflexos sobre os direitos sociais, da existência de minorias para as quais a tutela assegurada pelos Direitos Humanos é de fundamental 169 importância. Nos referimos à liberdade de escolha de orientação sexual, salientando que os homossexuais empreendem luta pelo reconhecimento de união estável e reconhecimento de direitos sucessórios. Há ainda que anotar a proteção aos deficientes físicos, em relação aos quais a Constituição, no inciso XXXI do artº 7º, proibe a discriminação de referência a salários e critérios de admissão. A lei 7.853/89, regulamentada 10 anos depois pelo Decreto 3.298/99, define a deficiência como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”. A Lei criou à Coordenação Nacional para Integração do Deficiente (CORDE) e instituiu medidas protetoras. O decreto, dentre outras medidas, fixou os critérios obrigatórios de admissão de deficientes por empresas com mais de 100 empregados, em proporção que varia de 2% até 5%, observada sempre a norma protetora trabalhista. Repercutindo o artº XIV da Declaração de Direitos Humanos, o inciso X do artº 4º da Constituição de 1988, consagra o princípio da concessão de asilo político, ressalvando os casos de crimes comuns. Aos estrangeiros residentes no país, em consonância com o artº VIII da Declaração Universal, nossa Constituição reconhece todos os direitos atribuídos aos brasileiros, nos termos da legislação vigente. É lamentável verificar que povos, cujos cidadãos são dessa forma tratados no Brasil, estabelecem reiteradas limitações a brasileiros em seus respectivos países. Aos povos indígenas, vítimas da cobiça, da ganância, da violência, da pouca educação, da doença, da usurpação de terras, o Governo Brasileiro tem o dever de garantir proteção através da FUNAI. Êles têm direito às terras que ocupam, equivalentes a 11% do território nacional. Extremamente reduzidos, a partir de sua dimensão quantitativa, vivem em reservas, hoje, cerca de 330.000 indígenas, cuja organização social, costumes, línguas, crenças, tradições, a Constituição assegura devam ser respeitadas. O Brasil tem ratificado, de um modo geral, as convenções da OIT. Nossas pendências maiores com a Organização Internacional referem-se aos princípios de ampla liberdade sindical e de garantia do emprego. Chegamos a homologar a Convenção 158, mas a partir do momento em que o Judiciário 170 Trabalhista começou a aplicá-la, reconhecendo a impossibilidade da despedida imotivada e potestativa dos empregados pelos empregadores, os defensores da globalização exacerbada que dirigiam o país trataram de denunciá-la num retrocesso inconstitucional, que não dignifica a tradição protetora instalada no país, a partir do final da primeira metade do século XX. Já a liberdade sindical deixou de ser adotada, em face de sua contradição com os princípios de unicidade sindical vigentes no Brasil. No mais, a legislação protetora trabalhista brasileira, acompanha de perto as normas das principais convenções da OIT que homologamos, e que, por consequência, passaram a fazer parte da legislação vigente no país. A Convenção 111 estabelece que “todos devem gozar de tratamento e oportunidades iguais em relação ao contrato, salário, promoção, horas e condições de trabalho e acesso a treinamento”. Na mesma linha é a Declaração Universal de Direitos Humanos, que no artigo XXIII assegura: “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”. Prevê ainda isonomia salarial, remuneração justa e satisfatória à dignidade humana, como também, direito de organização e participação sindical. Pacto Internacional assinado em 1966 pela ONU e pela OEA, ratificado pelo Brasil em 1992, assegura que “todos têm direito de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem uma remuneração mínima, segurança e higiene no trabalho, oportunidades iguais, descanso e lazer” dentre outros bens. A CLT, cujas normas protetoras avançadas no seu tempo e por isto mesmo ainda atuais em muitos de seus institutos, teve reconhecidas pela Constituição Cidadã de 1988, inúmeras normas protetoras, consagradas no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, como Direitos Sociais. Lá está a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais de lei, que preverá indenização compensatória e outros direitos como seguro desemprego, FGTS, salário mínimo e gratificação natalina. Lá se afirma o princípio da norma mais favorável. Lá se consolida o princípio da proteção ao trabalhador: “proteção à vida, à saúde, à dignidade do homem, ao trabalho, à liberdade e à segurança”. Proteção pelo Estado mas 171 também por outros agentes equivalentes ou alternativos, tais como os Sindicatos, as Associações Profissionais, os Comitês de Empresa e a Organização Internacional do Trabalho. Diante desse quadro, é surpreendente e inaceitável toda e qualquer manifestação política reacionária e retrógrada, destinada a dar uma volta na História, no sentido de fazer desaparecer, como num golpe de mágica ou como uma mágica de golpe, os direitos protetores do cidadão e do trabalhador, em benefício da plena eficiência do capital internacional e neo liberal, nessa quadra da história da humanidade que se convencionou chamar de era da globalização. O desenvolvimento tecnológico, a redução de empregos, o aumento desmedido de mão de obra posta no mercado, tudo leva à redução da quantidade de empregos disponibilizada no mercado global. Assim, mais do que nunca, face a fragilidade crescente do poder de conseguir trabalho por parte do cidadão operário do século XXI, mais do que nunca, o princípio da proteção que afirma, consolida e universaliza o Direito do Trabalho, há que ser defendido, mantido e aumentado, porque mais do que nunca ele se torna indispensável. Mais do que nunca é necessário o fortalecimento do trabalhador quando se propõe a contratar um emprego perante qualquer empregador, em qualquer parte do mundo. Mais do que nunca a desigualdade precisa ser equilibrada, pela proteção do mais fraco. Assim, faz vergonha que em nome da modernidade, em nome do progresso e do desenvolvimento econômico, se pretenda subtrair direitos dos cidadãos, precarizar normas protetoras dos trabalhadores, como o povo brasileiro assistiu seus deputados e senadores, orquestrados pelo governo e por ultrapassadas mentes neoliberais, conceberem ao colocarem em vigor, sob a desculpa de aumentar o mercado de trabalho, a lei que instituiu no Brasil os contratos a tempo parcial, Lei de nº 9.601, nos idos de janeiro de 1998. Reduziu direitos de férias e de valores do FGTS. Ilimitou a renovação de contratos por tempo certo. Felizmente, não temos notícia de que em qualquer parte do Brasil, haja se aplicado essa norma de forma regular. Dela, somente permanece a tentativa inconstitucional de reduzir direitos dos trabalhadores brasileiros, face o quanto estabelece o caput do art. 7º da Constituição. Dela somente permanece a repulsa dos trabalhadores que embora sofrendo as 172 agruras do desemprego, não aceitaram nem coonestaram sua instituição. Pelo contrário, assumiram a posição que deles se espera, sem abrir mão do direito de exigir do Estado que lhes assegure na sua plenitude a manutenção da grandeza dos valores sociais do trabalho, sobre os quais pretendem e conseguirão construir uma grande nação. Até porque, construção de um grande país somente é possível pela participação de todos, mediante a união de todos, com os sacrifícios de todos, mas em benefício de todos, homens e mulheres de boa vontade, parcela fundamental da humanidade, membros da família humana, cujos “direitos iguais e inalienáveis são o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Eneida Melo Correia de. As Relações de Trabalho: Uma Perspectiva Democrática. Ltr., 2003. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Saraiva, 2009. SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 12ª edição. 2 vols. LTr. 1991. Normas Internacionais: Tratado de Versalhes, de 25 de janeiro de 1919. Declaração de Filadélfia, de 1944. Declaração Universal dos Direitos dos Homens, de 10 de dezembro de 1948. 173 INFORMAÇÃO E ACCOUNTABILITY: ESTUDO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ATINENTES À AMPLIAÇÃO DO CURRÍCULO E DO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM A PARTIR DO PROGRAMA SEGUNDO TEMPO ESCOLAR INFORMATION AND ACCOUNTABILITY: STUDY OF PUBLIC POLICY PURSUANT TO EXPANDING THE AREA OF CURRICULUM AND LEARNING FROM THE SECOND TIME SCHOOL PROGRAM Aline Alves Bandeira 36 Paulo Henrique de Viveiros Tavares 37 RESUMO: O presente artigo científico ter por escopo o estudo da Accountability, área do conhecimento ainda sem tradução para a língua portuguesa, mas que norteia a instrumentalização da transparência governamental. A sociedade da informação traz como um dos seus pilares a difusão do conhecimento, com o objetivo de atingir as comunidades que historicamente vêm sido dele excluídas. Na seara da Educação existe o Programa Segundo Tempo Escolar que tem como diretriz a ampliação do currículo e dos espaços de aprendizagem, com o intuito de agregar valores. A educação pode se apresentar como um veículo de exercício da cidadania e de inclusão social, em havendo a acessibilidade informacional e a produção do conhecimento. Faz-se uma relação com a Accountability, mediante o estudo das informações veiculadas no site da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, no que tange aos resultados auferidos pelo Programa Segundo Tempo Escolar. Palavras-chave: Informação. Accountability. Educação. Programa Segundo Tempo Escolar. ABSTRACT: This article aims to scientific study of Accountability, the area of knowledge has no translation in Portuguese, but that guides the manipulation of government transparency. The society has as one of the pillars as the diffusion of knowledge, in order to reach the communities that have historically been excluded from it. In the area of education there is a Second Time School Program which has as the expansion of the curriculum and the learning environment, in order to add value. Education can be presented as a vehicle for the exercise of citizenship and social inclusion, upon the accessibility information literacy and knowledge production. It is a relationship with Accountability, by examining the material available on the website of Education 36 Advogada e Consultora Jurídica nas áreas de Direito Civil, Desportivo e Empresarial. Mestre em Ciência da Informação pelo Instituto de Ciência da Informação da UFBA. Especialista em Direito Administrativo Público pela Fundação Faculdade de Direito da UFBA. 37 Administrador de Empresas, atuante na área de Tecnologia da Informação (TI). Mestrando pela Fundação Visconde de Cairu-BA em Responsabilidade Social e Desenvolvimento Humano. Especialização em Curso de Docência Superior pela UNIFACS-BA. 174 Department of the State of Bahia, with respect to the results received by HalfTime Program School. Keywords: Information. Accountability. Education. Second Time School Program. O ACESSO À INFORMAÇÃO MEDIANTE O PROGRAMA SEGUNDO TEMPO ESCOLAR Este artigo científico busca interatuar a informação com a dimensão da educação desportiva, mediante a ampliação do currículo escolar proposta pelo Programa Segundo Tempo Escolar, visando a discussão da mudança no processo educacional como uma possibilidade de acesso informacional e de agregamento cognitivo por parte de alunos e professores da rede pública de ensino. A presente pesquisa científica tem por base a inserção da comunidade científica brasileira em conceitos ainda inovadores atinentes à Accountability. A disseminação de informações referentes à administração pública para a sociedade, além da abertura do canal comunicacional entre o gestor público e a população possibilitam a transparência governamental. Este relação entre o Estado (poder público) e a população é que gera a legitimidade do governante, pois o povo tende a afronta o poder ilegítimo nas sociedades atuais. Esta ligação entre a norma jurídica positivada e a realidade do povo (os anseios da população, contextos sócio-culturais, desenvolvimento econômico, condições de saúde, de moradia, de educação, dentre outros aspectos) é que proporciona a aceitação da população perante o seu governo, dando a este a legitimidade popular. Dominguez Luiz apud Jardim (1999, p. 61) distingue a informação administrativa da noção de documento administrativo, ou seja, “a administração faz informação, trata informação, cria informação, difunde informação. E produz documentação”. Habermas (2003a, p. 133) considera que os direitos humanos e o princípio da soberania do povo formam as idéias em cuja luz ainda é possível justificar o direito moderno. Na medida em que a substância normativa encontra a sua expressão nas dimensões da autodeterminação e da autorealização. Os direitos e a soberania do povo não se deixam subordinar linearmente a estas duas dimensões, mas existem afinidades. 175 Fróes Burnham (2000) aduz que se a sociedade da informação é aquela que agrega valor a dados da realidade, sistematizando-os e disponibilizandoos, que produz conhecimento por meio de interações, com base em informações novas ou reconstruídas, existe a necessidade de se estudar a sociedade de risco, mediante a análise da complexa relação que se instaura nos ambientes educacionais, sócio-culturais, informacionais, de pesquisa e de como a produção do conhecimento se estabelece. Urge o surgimento de um novo conceito de informação como referência epistemológica a fim de resgatar a construção cultural moderna da informação como mediadora de relação entre a pesquisa e o conhecimento. Aduz-se que a transferência de informação, através dos mecanismos sociais consolidados e dos operadores informacionais vigentes, define a comunicação a partir de estruturas externas, tecnológicas ou instrumentais, dentre as quais, os canais de transmissão, a reprodução de documentos ou mensagens, a produção de novos sistemas de armazenagem de informação (GÓMEZ, 1995). Sobre a educação para a informação Le Coadic (2004) aduz que: No sistema de ensino, essa aprendizagem é totalmente inexistente. No ensino médio ou na universidade, não ocorre em momento algum a questão do ensino da informação. As disciplinas ensinadas não levam me conta, ou o fazem muito mal, as habilidades necessárias ao domínio da informação. Essas disciplinas apóiam-se, com efeito, num conjunto de conhecimentos tácitos, congelados num programa muito dogmático de ensino. Tal conjunto jamais é colocado em discussão, e menos ainda questionado de modo contínuo, o que levaria à aceitação da rápida evolução dos conhecimentos e os fluxos contínuos de informação disso resultantes (LE COADIC, p. 112, 2004). Para Robredo (2003, p. 22) a transferência do conhecimento ocorre mediante a difusão do mesmo de um indivíduo para outro ou para um grupo. O conhecimento seria transferido por meio da educação, do aprendizado e da socialização. O conhecimento pode ser transferido propositadamente ou pode acontecer como resultado de trocas sociais. O ambiente escolar tem papel importante para a construção de uma efetiva sociedade da informação. O acesso à educação é garantido por lei. Pelo estudo da legislação constata-se que o Estado Democrático de Direito se apresenta também através de ações concretas praticadas pelo governo, com 176 base nos preceitos constitucionais referentes ao acesso à educação. Desta prerrogativa se originou a implementação do esporte educacional nas escolas públicas. O Ministério do Esporte em parceria com o Ministério da Educação, promovida pela Secretaria de Esporte Educacional, implementou o Programa Segundo Tempo Escolar que tem por objeto a democratização do conhecimento sobre a cultura e a prática esportiva em dimensões educacionais, visando a inclusão social e a diminuição das desigualdades. Tem-se por meta o acesso informacional e cognitivo das crianças e dos adolescentes, em especial aqueles matriculados no ensino básico dos estabelecimentos situados majoritariamente em áreas de vulnerabilidade social. O Segundo Tempo Escolar é um programa destinado a possibilitar a maior permanência de alunos em instituições de ensino, fomentando um convívio maior do alunado com o ambiente educacional. Durante o contra-turno escolar haverá o acesso à prática esportiva aos alunos matriculados no ensino fundamental e médio dos estabelecimentos públicos de educação do Brasil. É destinado a crianças e adolescentes das escolas públicas, tem como diretriz a ampliação do currículo e dos espaços de aprendizagem a fim de que alunos de escolas públicas, matriculados no ensino fundamental e médio, mantenham contato com as informações disponibilizadas ludicamente no ambiente escolar, com o intuito de agregar valores a estes atores sociais. Este conceito de democratização da informação mediante a associação do desporto à atividade educacional norteia os objetivos a serem alcançados pelo Programa Segundo Tempo Escolar. O referido programa busca o aumento de alunos engajados nas atividades esportivas, expandindo a prática e a cultura do desporto no país, mediante a ampliação do currículo, realizado no contra-turno escolar. O procedimento adotado é o aumento da jornada estudantil em estabelecimentos públicos, com o escopo de que um maior número de crianças tenha acesso à educação esportiva e à informação disponibilizada em ambiente escolar, para que se possa desenvolver uma visão crítica da cultura esportiva sob as suas 177 várias dimensões: na própria escola, na cultura do povo brasileiro, no lazer e até mesmo em esporte de rendimento. O Segundo Tempo Escolar direciona-se também para a elaboração e a distribuição de produções técnicas e didáticas, para a melhoria das condições materiais das unidades públicas de ensino, para a capacitação de professores em educação física, para a garantia da merenda escolar no contra-turno, para a bolsa-estágio aos monitores credenciados e para a implementação de infraestrutura nas escolas participantes. Sob o prisma de Bracht (1992) a educação não deve representar o ensino pelo acomodamento e pela ausência de questionamento e de revisão de valores. A socialização do jovem pela escola não é um processo neutro e universal, ao contrário, ocorre dentro de grande diversidade de princípios valorativos. Quando criticamente instituída a educação desportiva leva o sujeito a questionar o existente ou a testar modelos alternativos, afastando a reprodução das desigualdades sociais, pois ajuda na formação do consciente, crítico e sensível com a realidade que o envolve. Marcellino (1987) argumenta que a ludicidade da educação esportiva se completa pelo lazer como veículo de criação, é necessário considerar as potencialidades para o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo, pelo reconhecimento das responsabilidades sociais, pelo aguçamento da sensibilidade quanto à sua personalidade e pelo auto-aperfeiçoamento. O CURRÍCULO ESCOLAR E O PAPEL INSTRUMENTOS DE INCLUSÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO COMO Para que a educação desportiva atinja os seus objetivos conceituais, no processo de apropriação pelo indivíduo dos conhecimentos objetivos do mundo, esta captação e este descobrimento devem possibilitar àquele a criação de um sentido correspondente. Necessita-se que ao sujeito sejam disponibilizadas condições para que ele construa a sua própria compreensão do significado da vida, de forma crítica, gerando um entendimento particular da sua realidade. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) assegura no art. 6.º o direito à educação, e, por sua vez, no art. 217 institui que é obrigação do 178 Estado promover as práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, priorizando o desporto educacional. Outrossim, a Lei N.º 9.615 de 24 de Março de 1998 (BRASIL, 1998), no seu art. 2.º, incisos VIII e IX, considera a educação um princípio fundamental do desporto, como direito individual e veículo para a formação da cidadania. Com o advento da rapidez na difusão das informações pela digitalização dos conhecimentos, a educação volta-se para o tempo presente, o que, para alguns estudiosos, implica em considerá-la mutável, relacionada com as possibilidades da escola e as potencialidades educativas do currículo, não como a “redenção” de uma situação social injusta, mas como canal possível para a busca de transformação, aqui e agora (MARCELLINO, 1987). Tubino (1988) pondera que a educação esportiva é fenômeno social de difusão da cultura, que tem lógica e história próprias. Concebe-se o esporte em sua própria natureza como fato social, percebendo-o como necessidade e direito de todos, redefinindo-se os papéis dos segmentos protagonistas nesse novo processo, possibilitando a apresentação do esporte como mais um importante meio de democratização, da liberdade e da busca de uma nova sociedade brasileira. A educação desportiva como mobilizadora do processo de conhecimento traz para o currículo escolar mais uma perspectiva de trabalho com este conhecimento, de forma mais lúdica e ativa, diminuindo-se o confinamento dos jovens na sala de aula. Para Nahrstedt (1994) o esporte e a pedagogia garantem a base da liberdade natural através da manutenção da saúde física com o auxílio de ofertas para o tempo livre no trabalho e na escola. O esporte elimina, com o auxílio da pedagogia desportiva, as estruturas de ação repressiva, cultivando as favoráveis à liberdade informacional. A educação desportiva não é novidade introduzida recentemente, entretanto, cumpre salientar que a integralidade das conceituações filosóficas e normativas deste direito social está longe de ser aplicada. Aliás, a educação por princípio visa a transformação e a escola tende a ser um local de debate, de crítica e de movimentos sociais. 179 Oliveira (1998) corrobora que não basta afirmar que a educação, pura e simplesmente, é veículo para a formação do ser humano integral, isto não passa de um discurso neutro, de que ela é sempre benéfica ao indivíduo, não importando o porquê, o como e em que direção se dá este benefício. Em verdade o processo educacional se dá em uma situação concreta, direcionada a indivíduos particulares em um dado momento histórico. A educação reflete uma filosofia de vida, uma concepção de homem e um recurso para uma efetiva estrutura para a sociedade da informação. Desta forma, a instrumentalização e a objetividade funcional do esporte não são o foco do citado programa, mas o incentivo à produção criativa dos educadores, voltado para a informação do alunado frente ao seu papel na sociedade. É a contextualização social do jovem freqüentador das atividades curriculares do Programa Segundo Tempo Escolar, pois para se efetivar uma visão crítica sobre os fundamentos objetivos da educação, o aluno deve se sentir parte do grupo, identificar-se com o processo informativo. E, naturalmente, imprimir o seu entendimento acerca desta proposta curricular. A interação dos educadores com o jovem é aspecto basilar para o alcance dos fins inicialmente propostos. Kunz (1994) aduz que no currículo da escola, especificamente na seara da educação física, as vivências e as significações individuais devem estar acima da instrumentalização e da objetividade funcional do esporte. O ensino do esporte não deveria constranger a subjetividade. Esta rigidez no “processo civilizatório” da criança, mediante automatismos e rituais que dispensam o pensar, em verdade tem funções encobridoras e constituintes de subjetividades acríticas. E, por conseqüência, ficam abolidas as singularidades individuais, assim, os valores hegemônicos podem ser homogeneizados. De qualquer forma, mudanças se dão com propostas inovadoras, mediante as tentativas para se (re)descobrir o verdadeiro espírito da educação. A implementação do projeto político pedagógico do currículo, considerado face à integralidade escolar, há de considerar a troca informacional destes atores sociais. Quando se trabalha com articulações de teorias e conceitos provenientes de diferentes campos do saber, constroem-se novas trilhas, 180 caminhos transversais, perspectivas, possibilidades de um fazer ciência, com combinações metodológicas alternativas, mais abrangentes, mais perfomantes e mais epistêmicas que os modelos clássicos (BORBA, 1997, p. 72). A multirreferencialidade no esporte se expressa por ser este um veículo de informação quando exercitado organizadamente nas instituições de ensino, auxiliando a formação do jovem. A exclusão social configura-se no isolamento do indivíduo, que, ao contrário, deveria ser o destinatário de novos saberes, e por sua vez, o agente gerador do pensamento autônomo e da avaliação crítica. Como o Programa Segundo Tempo Escolar é precipuamente voltado para um público em situação de vulnerabilidade social, além do aprimoramento dos aspectos cognitivos e educacionais, existe a preocupação de implantar condições materiais no local do ensino desportivo, inclusive há a previsão do incentivo e do apoio aos educadores para o desenvolvimento das suas atividades profissionais. O Programa Segundo Tempo Escolar não tem o objetivo de formar atletas com a realização de aulas de educação física no contra-turno escolar. Entretanto não se pode deixar de aludir o fato de que o esporte também é instrumento de formação laborativa. O indivíduo que interage com o esporte, contando com o acompanhamento técnico, estrutural e psicológico, pode vir a deter a possibilidade de se qualificar em trabalhador para o exercício de uma profissão específica. Faz-se necessária a contínua articulação entre o conhecimento sobre a prática do esporte e a sua noção de direito social, tal fato conduziu o país através dos Poderes Legislativo e Judiciário a introduzir sistema normativo ainda difundido, que é o direito desportivo. Tem-se que indicar se as atividades recreativas e culturais no contraturno escolar criam possibilidades diferenciadas daquelas do currículo formal para o processo informativo-educacional; se esta proposta pode contribuir para a integração e para o agregamento de valores, para a produção de conhecimento pelos participantes; se as atividades desportivas na educação, considerando o indivíduo e o contexto no qual ele está inserido, podem ser uma alternativa de informação e socialização voltadas para o aprendizado no contra-turno escolar. 181 Faz-se necessário que se perceba que a educação é um campo que se transforma através de rupturas epistemológicas e paradigmáticas. Criando-se e recriando-se continuamente. É multidisciplinar, não-estanque, interativa, capaz de jungir o conhecer de várias fontes. A sociedade da informação traz como um dos seus princípios a difusão do conhecimento, com o objetivo de atingir as comunidades que historicamente vêm sido dele excluídas. ACCOUNTABILITY NO QUE TANGE ÀS INFORMAÇÕES DIVULGADAS PELA SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA SOBRE O PROGRAMA SEGUNDO TEMPO ESCOLAR A accountability pode ser empregada para abordar a transparência da gestão pública, a prestação de contas por parte de autoridades, ou para indicar manifestações de cidadãos na exigência de cumprimento das políticas públicas. Considera-se ‘accountability’ o conjunto de mecanismos e procedimentos que levam os decisores governamentais a prestar contas dos resultados de suas ações, garantindo-se maior transparência e a exposição das políticas públicas. Quanto maior a possibilidade dos cidadãos poderem discernir se os governantes estão agindo em função do interesse da coletividade e sancioná-los apropriadamente, mais accountable é um governo. Trata-se de um conceito fortemente relacionado ao universo político administrativo anglo-saxão (JARDIM, 2000). O site do Ministério do Esporte indica os meios de prestar contas, consigna que o gestor público é obrigado a prestar contas, sob pena da aplicação de sanções legais e da suspensão de transferências pecuniárias. É permitido descrever o comportamento legal como uma obediência as normas que entraram em vigor, seja através da ameaça de sanções, seja através de decisões de um legislador político. No entanto, a facticidade da legislação distingue-se da implantação do direito que impõe sanções, na medida em que a permissão para a coerção jurídica é deduzida de uma expectativa de legitimidade associada à resolução do legislador (...). NA positividade do direito não chega a se manifestar a facticidade de qualquer tipo contingente ou arbitrário da vontade e, sim, a vontade legítima, que resulta de uma autolegislação presumivelmente racional de cidadãos politicamente autônomos (HABERMAS, p. 54-55, 2003). 182 No que concerne às metas traçadas pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia com relação ao Programa Segundo Tempo Escolar, na homepage oficial desta Secretaria não aponta se foram alcançadas. Este fato afronta os ditames oriundos do TCU, pois cabe à população acessar informações dos gastos e dos programas governamentais em sites. Pela Lei N.º 9.755/98 (BRASIL, 1998), pela Instrução Normativa N.º 28 (BRASIL, 1999) e pela Portaria N.º 275 (BRASIL, 2000), verifica-se a exigência de demonstrativos sobre as contas públicas. Desta forma, os órgãos e as entidades responsáveis pela gestão ou pelo acompanhamento de convênios tornarão disponíveis dados e informações acerca de recursos repassados, à conta dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social pela União a Estados, Distrito Federal e Municípios. O ente beneficiado por repasse do Governo Federal deve informar na homepage as informações sobre o Ministério a que se vincule o repassador, no caso da União; e sobre a Secretaria ou órgão a que se vincule, no caso de Estados, Distrito Federal e Municípios. Não se pode eficazmente concluir os resultados alcançados pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia com o Programa Segundo Tempo Escolar. Inexistem relatos de docentes e de discentes participantes. Não há estatísticas, nem se veiculou a metodologia utilizada pelos educadores. Ao proceder a analise das informações veiculadas no site oficial da Secretaria da Educação do Governo do Estado da Bahia, durante o período de 27/1/2008 a 23/3/2008, afere-se que o link “programas e projetos” remete ao “Escola em movimento”, este, por sua vez, engloba o Programa Segundo Tempo. Observou-se que apenas há uma superficial divulgação dos resultados do Programa Segundo Tempo Escolar, sem consignar os critérios mínimos para uma eficaz avaliação dos resultados efetivamente já atingidos. O site oficial da Secretaria da Educação do Governo do Estado da Bahia afirma que “O Programa já atendeu 1.848 educandos nos 13 (treze) Núcleos, com idades entre 7 a 17 anos, sendo 605 do sexo feminino e 1.243 do masculino”. Destarte, não há indicação sobre o ano de aferição destes resultados, os métodos, as trocas informacionais, os valores que foram agregados, sequer há 183 o detalhamento acerca do desenvolvimento das competências e das habilidades do alunado. Outros fatores que confundem a análise dos resultados do Programa Segundo Tempo Escolar adotado pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia é que o aludido site arrola as metas para 200638, quais sejam: • Realizar um curso presencial, de curta duração, para coordenadores e monitores, objetivando uma melhor compreensão e desenvolvimento da proposta. • Melhorar a qualidade do material e reposição quando necessário. • Enviar material das modalidades esportivas individuais: atletismo, capoeira e xadrez. • Enviar as camisas e as bermudas no início das atividades, favorecendo a identificação e organização dos educandos, assim como a visibilidade do Programa. • Enviar um quantitativo maior de cartazes alusivos ao Programa. • Melhorar a comunicação entre o Coordenador Estadual do Programa de Capacitação à distância com os cursistas. • Reestruturar os instrumentos de acompanhamento pedagógico e de avaliação. • Promover intercâmbio para troca de experiências em níveis municipal, estadual e nacional. Ademais, veicula-se o seguinte quadro, sem indicação da sua temporalidade, dos dividendos recebidos e empregados, e sem qualquer análise veiculada no site oficial sobre o desenvolvimento atingido pelos alunos e pelos professores participantes: Nº 38 Núcleo Esportivo 01 Escola de Aplicação Anísio Teixeira 02 Escola Técnica Newton Sucupira Modalidades Basquete, futsal e voleibol. Atletismo, futsal, handebol http://www.sec.ba.gov.br/escola_movimento/metas_segundo_tempo.htm. Aceso em 27 de janeiro de 2008. 184 e voleibol. 03 Colégio Estadual Úrsula Catharino Futsal, handebol e voleibol. 04 Escola Santa Rita Atletismo, basquete, futsal, handebol e voleibol. 05 Escola de 1º Grau Eurícles de Matos Futsal, handebol e voleibol. 06 Colégio Estadual Raphael Serravalle Basquete, capoeira, futsal, handebol e voleibol. 07 Colégio Estadual de Plataforma Futsal, handebol e voleibol. 08 Escola Henriqueta Martins Catharino Basquete, futsal, handebol e voleibol. 09 Colégio Estadual Helena Celestino Magalhães Basquete, futsal, voleibol e xadrez. 10 Escola Professora Candolina Futsal e voleibol. 11 Colégio Estadual Adroaldo Ribeiro Costa Futsal e voleibol 12 Colégio Estadual Pres. H. de A.. Castelo Branco Futsal, handebol e voleibol 13 Escola Getúlio Vargas Basquete, capoeira, handebol e futsal. Quadro 1: Modalidades por Núcleo de Esporte. Fonte: ttp://www.sec.ba.gov.br/escola_movimento/modalidades_segundo_tempo.htm Acesso em 27 de janeiro de 2008. Infelizmente a Secretaria da Educação do Estado da Bahia não demonstra os valores monetários recebidos, os gastos do erário, nem o detalhamento sobre o repasse do erário a cada instituição escolar. Não há alusão aos métodos educacionais utilizados, aos resultados obtidos desta troca informacional entre os alunos e os professores. Difícil aferir se de fato foram agregados valores pelos atores sociais participantes deste programa de inclusão social; se realmente houve inclusão social e 185 informacional; se se fomentou o pensamento crítico dos indivíduos participantes. ACCOUNTABILITY E A GESTÃO DO PROJETO SEGUNDO TEMPO ESCOLAR EM SALVADOR Em 29 de setembro de 2009 aferiu-se o conteúdo da página virtual da Prefeitura Municipal do Salvador, mediante o endereço eletrônico <http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/noticiasmodelo.php?cod_noticia=843>, na qual se aferia que : No dia 18 de março o ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, esteve em Salvador para assinar um convênio com a Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Educação, para a implantação na cidade do Programa Segundo Tempo em unidades da rede municipal de ensino. O Segundo Tempo é um programa destinado a possibilitar o acesso à prática esportiva aos alunos matriculados no ensino fundamental e médio dos estabelecimentos públicos de educação do Brasil, principalmente em áreas de vulnerabilidade social. Através do Programa, serão implantados núcleos esportivos vinculados a escolas públicas que terão a tarefa de distribuir material esportivo e didático especializado; capacitação de coordenadores e estagiários de educação física e a contratação de monitores-agentes comunitários de esporte e reforço escolar. Serão mais de 7,6 mil estudantes contemplados em 31 escolas municipais, que terão acesso à prática esportiva, ao reforço escolar e alimentar e material esportivo. Ocorre que em nenhum link existe a indicação de resultados alcançados pelo aludido Programa. Inexiste a possibilidade do público-eleitor averiguar os avanços sociais auferidos pelo Programa Segundo Tempo Escolar. Insta salientar que o Programa Segundo Tempo Escolar não está arrolado na relação de projetos da Prefeitura Municipal de Salvador, consoante se afere do site <http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/projetos- relacao.php>, acessado em 29 de setembro de 2009. A capacidade política de governar ou governabilidade derivaria da relação de legitimidade do Estado e do seu governo com a sociedade, enquanto que governança seria a capacidade financeira e administrativa em sentido amplo de um governo de implementar políticas (JARDIM, 2000). 186 A noção de accountability não se perfaz como algo isolado, deve estar inserida em um contexto de cidadania participativa. O Estado representa todo um mecanismo para resguardar as estruturas de um país. E, por outro lado, os atores sociais, informados das políticas públicas, se organizam em sua conjuntura sócio-econômica para criticá-las e avaliá-las, exigindo o cumprimento dos seus direitos e a obediência dos gestores públicos aos ditames legais. Uma grande diversidade de conceitos e princípios norteiam os projetos políticos que se estruturam em vários países em torno da chamada Sociedade da Informação. De maneira geral, um aspecto inerente à complexidade desse processo histórico tende a não ser suficientemente contemplado: a dimensão informacional do Estado e suas implicações na capacidade governativa. Esta situação mostra-se especialmente inquietante quando constatamos que os diversos projetos de Sociedade da Informação contam - em maior ou menor grau - com o Estado como um dos seus principais promotores e campo privilegiado de articulação de iniciativas (JARDIM, 2000). Para Arato (2002) a accountability legal é condição sine qua non para a realização da accountability política. Não basta que existam as leis, é necessário que as mesmas sejam cumpridas. A sociedade civil influencia os sensores do sistema político desde que os grupos sociais tenham força para atingir alguma representatividade descritiva. O regime típico ideal chamado pelo autor de ‘accountability política pura’, é talvez o tipo de regime democrático mais poderoso, no qual o próprio governo implementa constantes avaliações eleitorais referentes às políticas públicas. No que se refere à representatividade no regime democrático, a proporcional é um método democrático apto a gerar alguma representatividade descritiva na salvaguarda dos interesses da coletividade. De forma restrita, a representatividade descritiva detém condições para consolidar uma accountability democrática. Ademais, no intuito de aperfeiçoar a accountability dos representantes individuais perante os eleitores, pode-se planejar um sistema proporcional que consista apenas de representantes com mandatos em distritos eleitorais. 187 CONCLUSÃO Surge a necessidade de verificar se o currículo educacional se apresenta como veículo apto a obstar a exclusão social e informacional. Em verdade, indaga-se sobre a existência da conscientização do jovem frente à importância da sua individualidade, bem quanto ao fato de que as percepções pertinentes ao conteúdo didático são relevantes e devem ser consideradas pelo educador/informador e pela estrutura educacional. Permanece uma impossibilidade para analisar até que ponto os fundamentos teóricos se aproximam da prática no que tange ao Programa Segundo Tempo Escolar como instrumento de acessibilidade informacional no contra-turno escolar. Inexiste indicação pormenorizada do período de coleta dos poucos dados veiculados neste site, inclusive, reitera-se que as metas do programa estão inexplicavelmente datadas para o ano de 2006. Estas questões aqui levantadas geram incertezas ao público consulente sobre a administração do erário pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia no que tange ao Programa Segundo Tempo Escolar. Falta uma maior organização sobre a transparência governamental. Mesmo quando este órgão público almeja publicizar para os cidadãos os resultados das suas políticas e projetos, em um claro exercício da accountability governamental, as informações disponibilizadas ainda se apresentam inconsistentes e desatualizadas. REFERÊNCIAS AQUINO, Mirian de Albuquerque (Org). O campo da ciência da informação: gênese, conexões e especificidade. Paraíba: Ed. Universitária João Pessoa, 2002. ARATO, Andrew. Representation, popular sovereingnty and accountability. Lua Nova, 2002, no.55-56, p.85-103. BORBA, Sérgio da Costa. Multirreferencialidade: na professor´pesquisador – da conformidade à complexidade. Livraria e Editora Magister, 1992. formação do Porto Alegre: BRACHT, Valter. Educação física e aprendizagem social. Livraria e Editora Magister, 1992. Porto Alegre: 188 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988. BRASIL. Lei N.º 9.696, de 01 de Setembro de 1998. 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Consigna-se parte dos resultados encontrados na pesquisa de Mestrado em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia (ICI-UFBA), defendida em 2005. Tem-se o intuito de auxiliar na compreensão do que seja o direito à informação, de como este surgiu e de como o direito à informação se relaciona com o exercício efetivo da cidadania. Palavras-chave: Direito. Informação. Cidadania. Acessibilidade. ABSTRACT: This article has a scientific scope to deepen the understanding of the right to information law in Brazil, focusing on qualitative analysis by the pairing of all Brazilian Constitutions. It holds some of the results found on the Masters in Information Science at the Federal University of Bahia (ICI-UFBA), defended in 2005. It has been used to assist in understanding what is the right to information, how it arose and the way it is related to the effective exercise of citizenship. Keywords: Law, Information, Citizenship; Accessibility. INTRODUÇÃO Este artigo consigna construções cognitivas referentes à pesquisa de Mestrado em Ciência da Informação, realizada no Instituto de Ciência da Informação (ICI) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em que foram 39 Advogada e Consultora Jurídica nas áreas de Direito Empresarial, Civil e Desportivo. Mestre em Ciência da Informação pelo Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito Administrativo Público pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 193 realizados estudos interdisciplinares entre a Ciência da Informação, o Direito e a Arquivologia. A livre circulação de informação para o público pode ser um corolário do regime democrático adotado pelo Brasil. Quanto maior for a comunicação entre o gestor público e a coletividade, mais legítimo será o governo perante o seu povo. O direito à informação pressupõe a existência de serviços públicos direcionados aos cidadãos, tratam-se de direitos humanos, difusos, que se destinam a todos, onde uma decisão pode beneficiar a pessoa do requerente e outros cidadãos que se encontram em situação similar, uma dimensão historicamente nova da cidadania (JARDIM, 1999, p. 69). Em cada Constituição do Brasil, à sua época de vigência, estavam apostas as diretrizes norteadoras da nação, as quais os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em suas esferas, deveriam se submeter, bem assim, a população e a pessoa humana isoladamente considerada. Esta análise qualitativa de conteúdo, com emparelhamento de todas as Constituições brasileiras, auxilia na compreensão do que seja o direito à informação, de como este surgiu, e de como o direito à informação se relaciona com o exercício efetivo da cidadania. De fato, a liberdade da palavra tem sido definida como a fonte de dois direitos: o de informar e o de ser informado. É mediante o equilíbrio entre o sujeito que emite a informação e o sujeito que a recebe, que se garante a comunicação no interior de uma sociedade pluralista (PAESANI, 2006, p. 21). Inquestionável, portanto, a importância de se salvaguardar os documentos cuja divulgação pública originará a violação da segurança do Estado e da sociedade. Entretanto, este procedimento atinente à não divulgação deve ser o mais claro possível, objetivando coibir possíveis abusos por parte de autoridades, fomentar a transparência governamental e evitar lesões ao direito à informação. Com efeito, a lei brasileira somente poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, conforme dispõe o art. 5.º, inciso LX da Constituição Federal de 1988. 194 A busca pela cidadania implicou em lutas voltadas para fazer valer prerrogativas do cidadão, como por exemplo, o direito à informação, o direito ao acesso de documentos públicos que lhe sejam importantes, o direito à retificação de dados constantes em arquivos públicos, ao direito de ir e vir, o direito de requerer a apreciação do Poder Judiciário por atos perpetrados pelo Poder Executivo. Ao se proceder a análise qualitativa de conteúdo, percebe-se que a sociedade brasileira travou lutas para conseguir alterar dispositivos capazes de censurar a livre expressão de idéias e de obstar a troca de informações entre os cidadãos. A liberdade de pensamento na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 (BRASIL, 1891) já era prevista, a exemplo do seu art. 72, o qual assegurava a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Aduzindo que ninguém poderia ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; que todos seriam iguais perante a lei; que a República não admitiria privilégios de nascimento, que desconheceria os foros de nobreza e extinguiria as ordens honoríficas, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho. Percebe-se o início da liberdade de pensamento defendida em lei. A exemplo do art. 72, § 2.º, o qual assegurava a livre manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Proibido o anonimato (BRASIL, 1891). A censura aparece nas Constituições brasileiras de 1934, 1937, 1946 e 1967, bem como na Emenda Constitucional de N.° 1 de 1969. Somente na CF8840 é que se exclui a censura, inclusive sem a necessidade de licença quanto a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. O que se entende é que o direito à informação surgiu na Constituição Federal de 1988 (CF-88), antes não se tratava diretamente da prerrogativa do cidadão de ter acesso e de requerer dos poderes públicos, nem da 40 Constituição Federal de 1988. 195 disponibilização de documentos de arquivo os quais estavam sob a guarda do Estado. Ao proceder à análise das Constituições do Brasil e da Emenda Constitucional de N.° 1 de 1969 afere-se que houve diferentes maneiras do poder público normatizar a liberdade de pensamento. A liberdade de pensamento trata da prerrogativa do cidadão em poder publicizar a sua razão de convicção, sem o receio de repressão governamental. Destarte, a liberdade de pensamento se configura na expressão pública de idéias. Para um melhor entendimento concernente à importância da liberdade de pensamento nos países democráticos, tem-se o Quadro 1 intitulado “Evolução da liberdade de pensamento nas Constituições brasileiras”, aponta que por vezes o Estado41 registra em lei que não há censura, mas se contradiz no próprio texto normativo. A exacerbação de poderes por parte das autoridades públicas denota uma estrutura de controle sobre a população, não de transparência. Constituições/ Emenda Constitucional Constituição de 1824 (Império) Liberdade de pensamento Liberdade de pensamento, respondendo pelos abusos. sem dependência de censura; Liberdade de pensamento, porém, bastante reduzida, haja vista o regime monárquico. Constituição de 1891 Livre manifestação de pensamento, proibido o anonimato. Constituição de 1934 Livre a manifestação do pensamento, mas com censura quanto a espetáculos e diversões públicas; vedação do anonimato. Censura por parte do Estado acerca de propaganda de guerra ou de processos violentos subversivos. Constituição de 1937 Livre manifestação do pensamento, entretanto impôs a censura prévia da imprensa, teatro, cinematógrafo e radiofusão; Obrigava qualquer jornal a proceder à inserção de comunicados do governo, além de imputar a pena de prisão contra o diretor responsável e 41 O termo Estado neste artigo científico é utilizado para expressar o Poder Público, mediante as suas instituições legalmente constituídas. 196 pena pecuniária aplicada à empresa. Constituição de 1946 Liberdade de pensamento sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas; censura quanto a espetáculos e diversões públicas. Não era permitido o anonimato. A publicação de livros e periódicos não dependia de licença do Poder Público. Vedada propaganda de guerra, de violência ou de preconceitos de raça ou de classe. Constituição de 1967 Livre a manifestação de pensamento; impedia, porém, a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe. Censura quanto a atos ditos subversivos. Emenda Constitucional de N.º 1, de 1969 Era livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura. Censura existia quanto a diversões e espetáculos públicos; Impedia a propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes. A lei poderia restringir a organização e o funcionamento das empresas jornalísticas ou de televisão e de radiodifusão. Constituição de 1988 Livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. É a primeira vez que uma Constituição do Brasil fala explicitamente sobre o direito à privacidade, à intimidade da vida privada. Quadro 1: Evolução da liberdade de pensamento nas Constituições brasileiras. A ACESSIBILIDADE DA INFORMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DEFESA DA CIDADANIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Conforme o estudo exploratório sobre o direito à informação nas Constituições brasileiras de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, bem como da Emenda Constitucional de N.° 1 de 1969, afere-se que o direito à informação somente foi regulamentado quando da promulgação da Constituição Federal vigente, conforme retrata o Quadro 2, denominado de “Direito à informação: Evolução dos direitos e garantias individuais e instrumentos de defesa”. O direito à informação somente foi regulamentado na Constituição Federal de 1988 e, concomitantemente, deu-se o surgimento do habeas data. 197 Destarte, o instrumento do habeas data, instituído em 12/11/1997 (BRASIL, 1997), veio regular o direito de acesso à informação e disciplinar o seu rito processual. Assim, por lei é de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não se apresentem como de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações. A interposição do habeas data é gratuita, bem como qualquer procedimento administrativo que objetive o acesso a informações e a retificação de dados, bem como ao procedimento administrativo para anotação de justificação. Constituições/ Emenda Constitucional Constituição de 1824 (Império) Direito à informação Não se considerava o direito à informação. Proibição de instrumentos legais contra o Imperador; Impedimento acerca da suspensão dos direitos individuais, salvo nos casos especificados de rebelião ou invasão de inimigos. Não se considerava o direito à informação. Constituição de 1891 Institui-se o habeas corpus; Direito de petição; Salvaguarda dos direitos individuais e políticos. Não se considerava o direito à informação. Constituição de 1934 Instituição do Mandado de Segurança; Habeas corpus, exceto nas transgressões disciplinares; Direito de petição; A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluiria outros, resultantes do regime e dos princípios que ela adotava. Não se considerava o direito à informação. Constituição de 1937 Estado de emergência gerando a censura da correspondência e de comunicações; suspensão da liberdade de reunião; a busca e apreensão em domicílio; detenção; privação da liberdade de ir e vir; Suspensão de imunidades políticas da Câmara ou do Conselho Federal; Atos praticados em virtude de estado de emergência ou guerra não eram submetidos ao Judiciário; Direitos e garantias individuais não excluiriam outros, entretanto eram limitados por segurança da nação e do Estado; Habeas corpus, exceto no caso de punição disciplinar; Direito de petição; Sem previsão do Mandado de Segurança. 198 Não se considerava o direito à informação. Constituição de 1946 Instituição da ação popular; Habeas corpus, exceto nas transgressões disciplinares; Direito de petição; Direitos e garantias apostos nesta Constituição não excluiriam outros direitos e garantias; Mandado de segurança; Ação popular. Não se considerava o direito à informação. Constituição de 1967 Mandado de segurança; Instituição do Conselho de Segurança Nacional, com a cooperação dos órgãos de informação e de mobilização nacional e operações militares; Liberdade de informação (com restrições legais quanto a jornais, televisão e radiodifusão); Habeas corpus, exceto nas transgressões disciplinares; Direito de petição; Ação popular. Não se considerava o direito à informação. Emenda Constitucional de Trâmite de informação somente entre o Congresso Nacional ou em uma de suas Casas; Mandado de segurança; Direito de representação; Habeas corpus, N.º 1, de 1969 exceto nas transgressões disciplinares; Direito de petição; Ação popular. Institui-se o Direito à informação. Constituição de 1988 Instituição do habeas data; Instituição do Mandado de segurança coletivo; Instituição do Direito à privacidade; Direito à informação; Ampliação dos casos de aplicação de ação popular; Habeas corpus; Direito de petição; Vedação de todas as formas de distinção, esta inviolabilidade de direitos é restringida em casos de decretação de estado de defesa e de estado de sítio. Quadro 2: Direito à informação: Evolução dos direitos e garantias individuais e instrumentos de defesa nas Constituições brasileiras. Outrossim, existe também a prerrogativa de o eleitor, o sujeito político, de intervir no processo legislativo, mediante o voto. Em nosso ordenamento pátrio está consignada no art. 61, § 2.º da CF-88 (BRASIL, 1988) a iniciativa popular para apresentar junto à Câmara de Deputados projeto de lei subscrito por, no mínimo 1% (um por cento) do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco estados, por não menos de três décimos por cento do eleitores de cada um deles. Desta forma, existe a prerrogativa do público-eleitor intervir no processo legislativo federal. A população pode, de acordo com o previsto na CF-88 (BRASIL, 1988) iniciar o processo legislativo de elaboração de leis. Esta competência para apresentar projetos de lei é um mecanismo de cidadania pró-ativa, concedendo a possibilidade da participação da pessoa comum no poder legisferante do Estado. 199 Waterhouse (1989) destaca os atos que são considerados pelo legislador constituinte como de importância fundamental para o exercício dos direitos individuais. Por esse motivo, a lei estabeleceu a obrigatoriedade do Estado de atender aos interesses da pessoa, no que tange aos direitos de petição e de obtenção de certidões, ainda que não tenha havido pagamento da taxa correspondente. O processo legislativo ordena a estrutura normatizadora do Estado e da própria sociedade, atinge a coletividade como um todo e ao indivíduo particularmente, direta ou indiretamente, assim, na democracia os atores sociais, informados dos instrumentos de defesa, tendem a exigir os seus direitos. Todavia, não basta estar tipificada a iniciativa popular na Constituição Federal, mister a implementação de mecanismos para publicizar e conceder condições para que o contingente populacional pátrio perceba, entenda e conheça o modus operandi da iniciativa popular, a fim de poder apresentar junto à Câmara de Deputados os projetos de lei. A LEI DE ARQUIVOS NO BRASIL: ESTUDO ACERCA DA ORGANIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ARQUIVOS Além da Constituição Federal, vigora no Brasil a chamada Lei de Arquivos (BRASIL/1991), a qual dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, cabendo ao Poder Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumentos de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação. A Lei de Arquivos é regulamentada por Decretos, além de estar ligada a normatizações referentes ao acesso da população a documentos públicos. A Lei de Arquivos tem como regulamentações: o Decreto N.º 2.134/97, o Decreto N.º 4.073/2002 e o Decreto N.º 4.553/2002. Existe também a Lei N.º 11.111, de 05/05/2005 (antiga Medida Provisória N.º 228/2004, regulamentada pelo Decreto N.º 5.301/2004). Existe a necessidade de se identificar os processos por meio dos quais se dá a disponibilização da informação pelo Estado Nacional Brasileiro no que 200 se refere à “Lei de Arquivos”, a partir do consignado na Constituição Federal de 1988. Destarte, tem-se a análise de dispositivos e critérios consignados em lei (sobretudo na “Lei de Arquivos” e de suas regulamentações) ou na praxe administrativa quanto à classificação das informações não-passíveis de disponibilização para a sociedade civil (ultra-secretos, secretos, confidenciais e reservados). A ponto de investigar o modo mediante o qual o poder público considera uma informação como não passível de disponibilização nem de acesso ao público em geral. Procedendo-se à análise dos requisitos levantados para que o Estado considere uma informação como inacessível por trinta anos, prorrogáveis por igual período, ou mesmo, inacessível por tempo indefinido. A regulamentação que se tem produzido em relação ao direito à informação consagrado na Constituição Federal de 1988 impede, com base nos posicionamentos teóricos e doutrinários de cientistas sociais, nacionais e internacionais, acerca da Ciência da Informação, da Arquivologia e do Direito, a aplicação ou cumprimento desse direito. Assim, surge a da necessidade de conhecimento acerca do direito à informação inerente a todos os brasileiros, no sentido de se estudar a disponibilização e a publicização das informações contidas em documentos sob a égide do poder público. Como efetivamente o cidadão comum exerceria o seu direito de ser informado pelos órgãos públicos sobre assuntos do seu interesse. No que tange à disponibilização e ao acesso da população brasileira a informações que estejam sob a égide do Estado, faz-se necessária a abordagem da normatização legisferante que compõe política de arquivos do Brasil. Desta forma, o Decreto 4.553/2002 (BRASIL, 2002) disciplina a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos, bem como das áreas e instalações onde tramitam. Considera como sigilosos dados e informações cuja divulgação possa prejudicar a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários à proteção da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. O art. 4.º do Decreto 4.553/2002 conceitua: - Autenticidade: a asseveração de que o dado ou informação são verdadeiros e fidedignos tanto na origem quanto no destino; 201 - Classificação: a atribuição, pela autoridade competente, de grau de sigilo a dado, informação, documento, material, área ou instalação; - Comprometimento: a perda de segurança resultante do acesso nãoautorizado; - Credencial de segurança: o certificado, concedido por autoridade competente, que habilita determinada pessoa a ter acesso a dados ou informações em diferentes graus de sigilo; - Desclassificação: cancelamento, pela autoridade competente ou pelo transcurso de prazo, da classificação, tornando ostensivos dados ou informações; - Disponibilidade: a facilidade de recuperação ou acessibilidade de dados e informações; - Grau de sigilo: a gradação atribuída a dados, informações, área ou instalação considerados sigilosos em decorrência de sua natureza ou conteúdo; - Integridade: incolumidade de dados ou informações na origem, no trânsito ou no destino; - Investigação para credenciamento: averiguação sobre a existência dos requisitos indispensáveis para concessão de credencial de segurança; - Legitimidade: asseveração de que o emissor e o receptor de dados ou informações são legítimos e fidedignos tanto na origem quanto no destino; - Marcação: aposição de marca assinalando o grau de sigilo; - Medidas especiais de segurança: medidas destinadas a garantir sigilo, inviolabilidade, integridade, autenticidade, legitimidade e disponibilidade de dados e informações sigilosos. Também objetivam prevenir, detectar, anular e registrar ameaças reais ou potenciais a esses dados e informações; - Necessidade de conhecer: a condição pessoal, inerente ao efetivo exercício de cargo, função, emprego ou atividade, indispensável para que uma pessoa possuidora de credencial de segurança, tenha acesso a dados ou informações sigilosos; 202 - Ostensivo: sem classificação, cujo acesso pode ser franqueado; - Reclassificação: alteração, pela autoridade competente, da classificação de dado, informação, área ou instalação sigilosos; - Sigilo: segredo; de conhecimento restrito a pessoas credenciadas; proteção contra revelação não-autorizada; - Visita: pessoa cuja entrada foi admitida, em caráter excepcional, em área sigilosa. O art. 5.º do Decreto 4.553/2002 (BRASIL, 2002) traz as seguintes definições: referentes à soberania e à integridade territorial nacionais, a planos e operações militares, às relações internacionais do país, a projetos de pesquisa e - Ultra-secretos: desenvolvimento científico e tecnológico de interesse da defesa nacional e a programas econômicos, cujo conhecimento não-autorizado possa acarretar dano excepcionalmente grave à segurança da sociedade e do Estado. concernentes a sistemas, instalações, programas, projetos, planos ou operações de interesse da defesa nacional, a assuntos diplomáticos e de inteligência e a - Secretos: planos ou detalhes, programas ou instalações estratégicos, cujo conhecimento não-autorizado possa acarretar dano grave à segurança da sociedade e do Estado. no interesse do Poder Executivo e das partes, devam ser de conhecimento restrito - Confidenciais: e cuja revelação não-autorizada possa frustrar seus objetivos ou acarretar dano à segurança da sociedade e do Estado. - Reservados: possam comprometer planos, operações ou objetivos neles previstos ou referidos. A indicação do grau de sigilo em mapas, fotocartas, cartas, fotografias, ou em quaisquer outras imagens sigilosas obedecerá às normas complementares adotadas pelos órgãos e entidades da Administração Pública. Os meios de armazenamento de dados ou informações sigilosos serão marcados com a classificação devida em local adequado. Consideram-se meios de armazenamento documentos tradicionais, discos e fitas sonoros, magnéticos ou ópticos e qualquer outro meio capaz de armazenar dados e informações, conforme se afere dos arts. 22 e 23 do Decreto N.º 4.553/2002 (BRASIL, 2002). 203 Com o advento do Decreto N.º 5.301/2004 (BRASIL, 2004), foram ampliadas as autoridades com competência para atribuição de grau de sigilo, atualmente vigoram as seguintes atribuições: Presidente da República; Vice-Presidente da República; Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas; Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; Chefes - grau ultra-secreto: de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior; excepcionalmente, a competência prevista no caput pode ser delegada pela autoridade responsável a agente público em missão no exterior; além das autoridades competentes para atribuir grau de sigilo ultra-secreto; também as autoridades que exerçam funções de - grau de sigilo secreto: direção, comando, chefia ou assessoramento, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade da administração pública federal; os servidores civis e militares, de acordo com regulamentação - grau de sigilo confidencial e reservado: específica de cada órgão ou entidade da administração pública federal. Considerando-se o interesse da segurança da sociedade e do Estado, poderia a autoridade responsável pela classificação nos graus secreto, confidencial e reservado, ou autoridade hierarquicamente superior competente para dispor sobre o assunto, renovar o prazo de duração, uma única vez, por período nunca superior aos prescritos (BRASIL, 2002). Com o advento das modificações sofridas no texto do Decreto N.º 4.553/2002 (BRASIL, 2002) introduzidas pelo Decreto N.º 5.301/2004 (BRASIL, 2004), a partir da data de produção do dado ou informação cada dado, documento e informação, dentre outros materiais, os prazos de duração da inacessibilidade passaram a vigorar sob nova fixação: - grau de ultra-secreto: máximo de trinta anos; - grau de secreto: máximo de vinte anos; - grau de confidencial: máximo de dez anos; - grau de reservado: máximo de cinco anos. Os prazos de classificação poderão ser prorrogados uma vez, por igual período, pela autoridade responsável pela classificação ou autoridade hierarquicamente superior competente para dispor sobre a matéria. 204 Para os graus secreto, confidencial e reservado, poderá a autoridade responsável pela classificação ou autoridade hierarquicamente superior competente para dispor sobre o assunto, respeitados os interesses da segurança da sociedade e do Estado, alterá-la ou cancelá-la, por meio de reclassificação ou desclassificação dirigido ao detentor da custódia do dado ou informação sigilosos. Outrossim, dados ou informações classificados no grau de sigilo ultrasecreto somente poderão ser reclassificados ou desclassificados, mediante decisão da autoridade responsável pela sua classificação (BRASIL, 2002). Entende-se por documentos públicos qualquer base de conhecimento, pertencente à administração pública e às entidades privadas prestadoras de serviços públicos, fixada materialmente e disposta de modo que se possa utilizar para informação, consulta, estudo ou prova, incluindo áreas, bens e dados (art. 3.º, § Único do Decreto N.º 5.301/ 2004). Quando se dá a reclassificação o novo prazo de duração conta-se a partir da data de produção do dado ou informação (Decreto N.º 5.301/ 2004). Diferentemente do aposto anteriormente no Decreto N.º 4.553/2002, em que na reclassificação o prazo de duração reiniciava-se a partir da data da formalização da nova classificação. Existe também o Documento Sigiloso Controlado (DSC), previsto no art. 18 do Decreto N.º 4.553/2002 (BRASIL, 2002), que é aquele documento que requer medidas adicionais de controle, incluindo: a identificação dos destinatários em protocolo e recibo próprios, quando da difusão; a lavratura de termo de custódia e registro em protocolo específico; a lavratura anual de termo de inventário, pelo órgão ou entidade expedidores e pelo órgão ou entidade receptores; e a lavratura de termo de transferência, sempre que se proceder à transferência de sua custódia ou guarda. O documento ultra-secreto é, por sua natureza, considerado Documento Sigiloso Controlado (DSC), desde sua classificação ou reclassificação. A critério da autoridade classificadora ou a hierarquicamente superior competente, podem outros tipos de documentos ser considerado como um DSC. A critério da autoridade classificadora ou autoridade hierarquicamente superior competente para dispor sobre o assunto. Consoante o aposto no art. 205 25 do Decreto N.º 4.553/2002 (BRASIL, 2002), a expedição, condução e entrega de documento ultra-secreto, em princípio, será efetuada pessoalmente, por agente público autorizado, sendo vedada a sua postagem. A comunicação de documento ultra-secreto feita por outro meio será permitida excepcionalmente e em casos extremos, que requeiram tramitação e solução imediatas, em atendimento ao princípio da oportunidade e considerados os interesses da segurança da sociedade e do Estado. Pelo aposto no art. 26 do Decreto N.º 4.553/2002 (BRASIL, 2002), a expedição de documento secreto, confidencial ou reservado poderá ser feita mediante serviço postal, com opção de registro, mensageiro oficialmente designado, sistema de encomendas ou, se for o caso, mala diplomática. A comunicação dos assuntos poderá ser feita por outros meios, desde que sejam usados recursos de criptografia compatíveis com o grau de sigilo do documento. 1. Como aspectos positivos no que tange ao acesso e à disponibilização de informações contidas em suportes documentais sob a proteção do Estado, o Decreto 5.301/2004, alterou artigos do Decreto N.º 4.553/2002: 1.1. Ao diminuir os prazos acerca da inacessibilidade dos documentos de graus ultra-secreto, secreto, sigiloso e reservado de, no máximo, 50, 30, 20 e 10 anos, respectivamente, para, no máximo, 30, 20, 10 e 5 anos. 1.2. De forma positiva o Decreto N.º 5.301/2004, alterou artigos do Decreto N.º 4.553/2002, retirando a renovação por tempo indeterminável para os documentos de grau ultra-secreto, em havendo “o interesse da segurança da sociedade e do Estado”. 2. Como aspectos negativos: Note-se que na redação anterior do Decreto N.º 4.553/2002, os prazos eram renovados uma única vez, “por período não superior aos prescritos”, de acordo com “o interesse da segurança da sociedade e do Estado”. Com o advento do Decreto N.º 5.301/2004, “os prazos de classificação poderão ser prorrogados uma vez, por igual período”, pela autoridade com competência para a classificação ou a autoridade hierarquicamente superior. Ora, “por igual período” pode gerar interpretação dúbia: igual período ao fixado inicialmente pela autoridade competente, ou, mesmo que a autoridade decida prorrogar o prazo, mas em tempo inferior ao anteriormente fixado, estaria impedida de fazê-lo? 2.1. Ao aludir sobre a renovação dos prazos de inacessibilidade de documentos pertencentes a qualquer grau de sigilo, o Decreto N.º 5.301/2004 retirou a ressalva concernente ao “o interesse da segurança da sociedade e do Estado”. 2.2. Denota-se a majoração de autoridades competentes para classificar o documento como de conteúdo sigiloso, o que pode refletir no aumento de documentos de arquivos inacessíveis à população. Pelas mudanças inseridas pelo Decreto N.º 4.553/2002, há a previsão da delegação de competência para atribuir grau de sigilo ultra-secreto pela autoridade responsável a agente público em missão no exterior; mesmo quaisquer “autoridades que exerçam funções de direção, comando, chefia ou assessoramento, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade da Administração Pública Federal” podem atribuir grau de sigilo secreto; também os “servidores civis e militares, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade da Administração Pública Federal” podem atribuir grau de sigilo 206 confidencial e reservado. 2.3. Não existe no Decreto N.º 4.553/2002 (BRASIL, 2002) uma comissão de acesso, a qual possa garantir o direito constitucional à informação destinado à coletividade. 2.4. Houve a restrição da sua aplicabilidade para órgão do Poder Executivo federal (deixando de lado os poderes estaduais, municipais e do Distrito Federal); não se aludiu ao direito da privacidade (esta garantia constitucional fora esquecida), aliás, o direito à privacidade está previsto na Lei de Arquivo a qual o referido decreto veio a regulamentar. 2.5. Verifica-se a permanência de prazos longos para documentos pertencentes a graus de sigilo, especialmente os ultrasecretos e os secretos, ficando estes arquivos alheios ao conhecimento público. Haja vista que a autoridade competente para classificar o documento público no mais alto grau de sigilo poderá, depois de vencido o prazo ou a sua prorrogação, provocar, de modo justificado, a manifestação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas para que avalie, previamente a qualquer divulgação, se o acesso ao documento acarretará dano à segurança da sociedade e do Estado (art. 5.º do Decreto N.º 5.301/2004). Ou seja, a autoridade estipula o prazo para que o arquivo fique inacessível à população, entretanto, mesmo depois de decorrido o tempo fixado, o poder público pode interpor consulta à Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, a fim de saber se a divulgação deste documento deverá ou não ser feita. 2.6. O art. 5.º do Decreto N.º 5.301/2004 não prescreve o que seja considerado como dano à segurança da sociedade e do Estado. 2.7. Não existe menção de como o agente classificador irá se embasar do ponto de vista intelectual e sob a ótica do direito administrativo público. 2.8. Inexiste a exposição dos critérios que deverão ser utilizados na classificação, nem mesmo foi designado um meio de registro dos fatores que levaram o agente classificador a considerar a informação sigilosa. 2.9. Percebe-se uma dificuldade de controle por parte da sociedade no que tange aos atos efetuados pelos agentes classificadores. DA COMPETÊNCIA JURÍDICA PARA A CLASSIFICAÇÃO DOS ARQUIVOS O Decreto N.º 5.301, de 27/12/2004 (BRASIL, 2004), modificou a competência para classificar um arquivo. Percebe-se que houve um aumento do número de autoridades públicas que podem classificar um arquivo como inacessível à população, assim, o seu teor não será do conhecimento do público-eleitor. No que tange aos requisitos e condições para que um arquivo seja considerado como sigiloso, a legislação indica os atributos da segurança da sociedade e do Estado, da proteção da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Surgiram as seguintes configurações: Para classificar o Presidente da República; o Vice-Presidente da República; os Ministros de Estado e 207 Arquivo ultra-secreto: autoridades com as mesmas prerrogativas; os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; os Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior. E, excepcionalmente, a competência para classificar documento como ultrasecreto pode ser delegada pela autoridade responsável a agente público em missão no exterior. Ressalte-se que estas autoridades podem também classificar arquivos com pertencentes a grau de sigilo secreto, confidencial e reservado. - Para classificar as autoridades que exerçam funções de direção, de comando, de chefia ou assessoramento, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou Arquivo secreto: entidade da Administração Pública Federal. - Para classificar os servidores civis e militares, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade da Administração Pública Federal. Arquivo confidencial e reservado Não há uma indicação pormenorizada destes atributos. Aliás, o que seria segurança da sociedade? Quais as prerrogativas a serem consideradas para o estudo classificatório de arquivo que possa prejudicar a segurança social, a segurança do Estado, a intimidade da vida privada, a honra e a imagem das pessoas? Quais são os critérios adotados pelo Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), órgão competente para atribuir as diretrizes do Sistema Nacional de Arquivos (SINAR), objetivando a gestão, a preservação e o acesso aos documentos de arquivos? Esta ausência de discriminações acerca da classificação dos arquivos ditos sigilosos possibilitaria o mau uso da máquina pública por gestores inescrupulosos? Cumpre indagar se esta inacessibilidade informacional poderia fomentar o desvio do erário, os crimes contra a administração pública, a prescrição do apenamento dos maus administradores públicos. Poder-se-ia perquirir se o modo como está sendo normatizada a classificação da informação como sigilosa suscitaria prejuízos causados ao erário por desonestos gestores, os quais deixariam de ser processados administrativa e judicialmente, se locupletando do dinheiro desviado em benefício próprio. Cumpre indicar alguns fatores que podem suscitar polêmica: 1. Houve um aumento no número de agentes públicos com competência funcional para atribuir grau de sigilo a documentos. 2. Não há a indicação de conceitos a serem considerados pelos agentes públicos classificadores. 208 3. Não estão nitidamente previstos os procedimentos a serem fixados para a classificação destas informações como sendo ultra-secretas, secretas, reservadas e confidenciais. 4. Inexiste a previsão dos pré-requisitos para que se considere um documento como inacessível ao conhecimento público. 5. Não há clareza na conceituação do risco à segurança da sociedade e do Estado, da proteção da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. 6. Pode suscitar confusão a juntada de aspectos subjetivos como “honra”, “imagem” e “vida privada” com a segurança do Estado e da sociedade. 7. A ausência de indicadores para a classificação de arquivos pode servir de argumento para que maus gestores públicos acobertem as suas infrações. 8. A ausência de indicadores quanto à classificação dos arquivos não disponibilizados para a coletividade tende a dificultar a transparência dos governantes quanto às informações referentes à administração pública. 9. A ausência de indicadores quanto à classificação dos arquivos não disponibilizados para a coletividade tende a dificultar a pesquisa científica brasileira. 10. Inexiste a previsão de órgãos fiscalizadores destes agentes públicos que detêm competência funcional para classificar os arquivos, a fim de acompanhar os procedimentos e critérios a serem adotados pelos mesmos. São questões aqui levantadas para que a sociedade avalie de maneira mais crítica o direito à informação como está constituído e regulamentado no Brasil. A sociedade deve sopesar se o direito à informação atualmente no Brasil está sendo violado ou desobedecido mediante uma estrutura de regulamentações que têm legitimidade funcional para retirar os arquivos públicos do acesso coletivo, permitindo a não disponibilização de informações provenientes de órgão públicos, por um tempo não estipulado. A hermenêutica jurídica muitas vezes utiliza-se de termos rebuscados e que em muitos casos não são inteligíveis à grande massa populacional. Não obstante o fato de que muitos cidadãos desconhecem estas regulamentações referentes à Lei de Arquivos. INACESSIBILIDADE À INFORMAÇÃO: A LEI N.º 11.111/2005 QUE REGULAMENTA A PARTE FINAL DO DISPOSTO NO INCISO XXXIII DO 209 CAPUT DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL É UM CONTRASENSO AO DIREITO À INFORMAÇÃO O acesso aos documentos públicos de interesse particular ou de interesse coletivo ou geral é tratado pela Lei N.° 11.111, de 05 de maio de 2005. A referida lei definiu que as informações constantes em documentos públicos classificados como de mais alto grau de sigilo, e que sejam referentes à segurança da sociedade e do Estado, deixarão de ser disponibilizadas para o indivíduo e para a coletividade por trinta anos, prorrogáveis por igual período, por uma única vez. Antes de vencido este prazo de prorrogação, a Comissão de Averiguação e Análise de Informação Sigilosa poderá manter esta inacessibilidade pelo tempo que estipular, desde que em sua avaliação fique apontada que a disseminação desta informação possa ameaçar a soberania, a integridade territorial nacional ou as relações internacionais do Brasil. É o que prescreve o art. 6.°, parágrafos 1° e 2° (BRASIL, 2005). Os documentos públicos que contenham informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado poderão ser classificados no mais alto grau de sigilo, conforme regulamento, consoante o aduzido no art. 3.º da Lei 11.111/2005 (BRASIL, 2005). Conforme apõe o art. 4.º da Lei 11.111/2005 (BRASIL, 2005), cabe ao Poder Executivo Federal, instituir, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, com a finalidade de decidir sobre a aplicação da ressalva ao acesso de documentos. Neste estudo da Lei de Arquivos brasileira, do direito à informação e da regulamentação deste direito por parte do poder público federal, observou-se a existência de diversas atribuições direcionadas ao Chefe da Casa Civil da Presidência da República. Destarte, interessante ressaltar que existe autonomia concedida aos Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público da União e o Tribunal de Contas da União para disponibilizar as suas informações para o público ou para mantê-las sob sigilo. É o que preceitua o art. 5.º da Lei N.º 11.111/2005 (BRASIL, 2005) ao aduzir que os Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público da União e o Tribunal de Contas da União disciplinarão internamente sobre a necessidade de manutenção da proteção das informações por eles produzidas, cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como a possibilidade de seu acesso quando findar essa necessidade, observada Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991 (a Lei de Arquivos). a 210 Outro fator positivo, no art. 6.º, §§ 3.º e 4.º da Lei N.º 11.111/2005 (BRASIL, 2005), há a previsão de que qualquer pessoa que demonstre possuir efetivo interesse poderá provocar, no momento que lhe convier, a manifestação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas para que reveja a decisão da ressalva ao acesso de documento público classificado no mais alto grau de sigilo. Assim, a referida comissão decidirá se defere o acesso livre ou condicionado ao documento, ou, se optará pela permanência da ressalva ao seu acesso (BRASIL, 2005). Analisando as relações entre este direito de requerer o acesso aos documentos públicos classificados no mais alto grau de sigilo por parte de qualquer pessoa, previsto no art. 6.º, §§ 3.º e 4.º da Lei N.º 11.111/2005 (BRASIL, 2005), pondera-se situações não previstas na legislação: Em havendo o indeferimento do pedido de acesso ao documento por parte da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, como se procederá ao recurso à decisão denegatória? O particular poderá recorrer? Qual seria a autoridade responsável pelo julgamento do recurso, se cabível? Percebe-se que a Lei N.º 11.111/2005 prevê o direito do indivíduo de requerer o acesso aos documentos públicos classificados no mais alto grau de sigilo, mas, em sendo indeferido o pedido, não se reporta à questão do recurso, deixando de regulamentar uma possível avaliação da matéria por outro órgão ou autoridade alheia à Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas. Existem disposições na Lei N.º 11.111/2005 que podem gerar um cerceamento da informação para o público, ou mesmo, que venham a ferir o direito à informação se houver abuso por parte da qualquer autoridade responsável pela classificação da informação como de alto grau de sigilo. A Lei N.º 11.111/2005 assegura o direito à privacidade, ao consignar que os documentos públicos que contenham informações sobre a intimidade, imagem ou honra da pessoa, poderão ser cedidos a quem interessar, por meio de certidão ou de documento, desde que sejam retirados os trechos que 211 mencionem terceiros não diretamente envolvidos, desta forma, protegendo o direito a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem da pessoa. Há o acesso restrito à pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes. Art. 4º da citada Lei N.º 11.111/2005 (BRASIL, 2005) dispõe que o Poder Executivo instituirá, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, com a finalidade de decidir sobre o impedimento quanto ao acesso de documentos. Exige-se cautela no estudo do art. 6.º da Lei N.º 11.111/2005: Art. 6º O acesso aos documentos públicos classificados no mais alto grau de sigilo poderá ser restringido pelo prazo e prorrogação previstos no §2º do art. 23 da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991. § 1º Vencido o prazo ou sua prorrogação de que trata o caput deste artigo, os documentos classificados no mais alto grau de sigilo tornar-se-ão de acesso público. § 2º Antes de expirada a prorrogação do prazo de que trata o caput deste artigo, a autoridade competente para a classificação do documento no mais alto grau de sigilo poderá provocar, de modo justificado, a manifestação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas para que avalie se o acesso ao documento ameaçará a soberania, a integridade territorial nacional ou as relações internacionais do País, caso em que a Comissão poderá manter a permanência da ressalva ao acesso do documento pelo tempo que estipular (...) .§ 3º Qualquer pessoa que demonstre possuir efetivo interesse poderá provocar, no momento que lhe convier, a manifestação da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas para que reveja a decisão de ressalva a acesso de documento público classificado no mais alto grau de sigilo.§ 4º Na hipótese a que se refere o §3º deste artigo, a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas decidirá pela: I - autorização de acesso livre ou condicionado ao documento; ou II - permanência da ressalva ao seu acesso (BRASIL, 2005). Sessenta anos é o prazo, já acrescido da prorrogação, que o cidadão fica obstado de acessar a informação constante em um arquivo classificado como ultra-secreto. Entretanto, com o advento da Lei N.º 11.111/2005 (BRASIL, 2005), antes de expirada a prorrogação, a autoridade competente para a classificação do documento no mais alto grau de sigilo, pode requerer o posicionamento da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas para que avalie se o acesso ao documento ameaçará a “soberania, a integridade territorial nacional ou as relações internacionais do País”, caso em 212 que a Comissão poderá manter a permanência da ressalva ao acesso do documento “pelo tempo que estipular”. A expressão “pelo tempo que estipular” não define o momento em que haverá a disseminação de informações em poder do Estado para o indivíduo e para a coletividade, inclusive, pode gerar inquietações sociais, haja vista que o direito à informação é imprescindível para o exercício da cidadania, e a comunicação entre o Estado e o público-eleitor contribui para a transparência política e para a legitimidade governamental. CONCLUSÃO A essência do direito constitucional está nas normas que regulam o poder público, ou o poder do Estado, haja vista que a previsão de direitos e garantias individuais constitui um limite àquele poder. Daí se afere que os cidadãos são os destinatários dos direitos e das garantias individuais, podendo opor estes direitos e garantias às autoridades (MACHADO, 2004, p. 55). Segundo Bobbio (2005, p. 43) a relação jurídica é caracterizada não pela matéria que constitui o seu objeto, mas pela maneira que os indivíduos se portam um em face do outro. Dado o vínculo entre a relação jurídica e a norma jurídica, surge a concepção de que uma norma é jurídica porque está regulada pelo direito. O que se nota é a ausência de políticas públicas que comuniquem ao público-eleitor da prerrogativa atinente à iniciativa popular. Não se vê propagandas veiculadas nas TICs que informem aos cidadãos sobre esta prerrogativa constitucional. Os ditames legais têm que se despir do formalismo jurídico, apresentando-se de maneira inteligível para o povo, que originariamente em um regime democrático, pelo menos em tese, é o detentor do poder. Afinal, como preceituam os juristas, o poder emana do povo que o exerce mediante o voto. Houve mudanças com o advento das Constituições do Brasil no que se refere ao direito à informação a ser prestada por órgãos públicos ou pelas autoridades públicas. O cidadão ganhou instrumentos constitucionais de defesa destes direitos e garantias individuais. O público-eleitor goza atualmente de condições jurídicas para requerer a transparência dos atos e fatos da 213 administração pública. Falta, porém, uma maior divulgação destes instrumentos para a coletividade. Ao tratar da cultura, do patrimônio cultural brasileiro, da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira e da identidade cultural do povo, aduz que compete à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. O ser humano deve ter o direito de formar opinião e de exprimi-la individualmente ou em assembléias pacíficas. As sociedades livres criam um mercado de idéias no qual as pessoas trocam informações sobre qualquer assunto. Os cidadãos em uma democracia não têm apenas direitos, têm o dever de participar do sistema político, lutando pela proteção dos seus direitos e das suas liberdades. Para manter os direitos humanos os cidadãos devem estar vigilantes. A cidadania requer atividades participativas direcionadas a assegurar que a administração pública se mantenha responsável perante as necessidades da coletividade. O Estado de Direito denota que nenhum indivíduo, governante ou cidadão comum, está acima da lei. A administração pública nos governos democráticos exerce a autoridade emanada do povo, mediante o voto, conforme se afere dos dispositivos legais, estando ela própria sujeita aos constrangimentos impostos pelos aludidos dispositivos. REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. 3.ª ed. Revista. Bauru, SP: EDIPRO, 2005. BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil. Jurada a 25 de Março de 1824. Rio de Janeiro/RJ: 1824. Disponível em: <http://www.brasilimperial.org.br/c24t44.htm> Acesso 31 de agosto de 2006. _______. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Jurada a 24 de Fevereiro de 1891. Rio de Janeiro/RJ: 1891. 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Brasília, DF: 1996. 218 O NEOCONSTITUCIONALISMO COMO PARÂMETRO PARA A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Dejair dos Anjos Santana Júnior1 RESUMO: Inegavelmente, as questões mais atuais e relacionadas, por exemplo, à interpretação e à aplicabilidade das normas constitucionais não podem ser bem compreendidas se não forem enunciados os principais fatos históricos responsáveis pela transformação dos Estados e, logicamente, dos modelos normativo-constitucionais que sustentaram tais ordenamentos. Este trabalho tem o objetivo de analisar a aplicabilidade das normas constitucionais frente ao atual estado moderno. Palavras-chave: Constitucionalismo – neoconstitucionalismo – eficácia – normas constitucionais ABSTRACT: Undeniably, the most current and related issues, for example, the interpretation and applicability of the constitutional rules can not be well understood unless are listed the main historical facts responsible of the processing of States and, of course, the normative-constitutional models that supported such jurisdictions. This study aims to examine the applicability of the constitutional front of the current modern state. Keywords: Constitucionalism constitutional rules - neoconstitucionalism - effectiveness - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES O estudo aqui pretendido tem como objeto a aplicabilidade das normas introduzidas na Constituição, tenham elas aderido a este diploma quando da sua promulgação, pelo constituinte originário, seja através das emendas constitucionais advindas com o decorrer dos anos, através dos legitimados derivados. Este projeto tem o intuito de explorar um dos pontos fundamentais referente ao tema combate às omissões inconstitucionais. A fim de entender o que é a omissão inconstitucional, como ela surge, qual a forma de combatê-las, mister analisar-se, primeiramente, a teoria sobre a aplicabilidade das normas constitucionais e o seu devido alcance e efetividade. Após vinte anos de promulgada a Constituição Cidadã, a sociedade brasileira percebe que muitos dos direitos por ela assegurado ainda não podem ser exercidos pela falta legislativa referente a devida matéria. “Neste complexo Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia; Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho; Professor da Universidade Regional da Bahia. 1 219 quadro de aspirações individuais e sociais, ganham relevo categorias novas de expectativas, cujos contornos estão em divergência com as fórmulas clássicas”42. Evidencia-se a necessidade da real efetivação desses direitos. Devem os intérpretes da Constituição Cidadã entender e apreender o sentido das palavras do nosso ilustre Presidente da Assembléia Nacional Constituinte Ulysses Guimarães: “Esta constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo43.” Com a promulgação da nova constituição, ele e seus compatriotas perceberam que era preciso extirpar da sociedade brasileira preconceitos e rótulos que não mais coadunavam com a realidade da sociedade, compreenderam que era hora de alcançar o novo, de chegar até ele. A realidade, entretanto, é diversa do esperado. Os instrumentos judiciais criados para dar aplicabilidade às normas constitucionais têm apresentado resultados cada vez mais insatisfatórios. Em face desta insatisfação, é necessário que se criem novas possibilidades para suprir essa leniência legislativa. A discussão sobre o tema é das mais modestas na doutrina, e em trabalho posterior teremos a ousadia de trazer novas soluções e dar uma diferente leitura a mecanismos já existentes, desmitificando os preconceitos e equívocos que circundam o tema do controle de constitucionalidade e explicálos à luz dos princípios e direitos fundamentais. No momento, iremos nos ater à referida questão da aplicabilidade, explorando as teorias clássicas referente ao tema, as características das normas constitucionais e o pressuposto da supremacia da constituição para a sua existência no direito moderno. A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO COMO PRESSUPOSTO PARA O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 42 BENJAMIN, Antônio Herman. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. In LEITE, José Rubens Morato; CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 58. 43 Trecho do discurso pronunciado pelo Presidente Ulysses Guimarães, na Sessão da Assembléia Nacional Constituinte, em 27 de julho de 1988. Disponível em <http://www. fugpmdb.org.br/c_cidada.htm>. Acesso em 28 de agosto de 2008. 220 Inegavelmente, as questões mais atuais e relacionadas, por exemplo, à interpretação e à aplicabilidade das normas constitucionais não podem ser bem compreendidas se não forem enunciados os principais fatos históricos responsáveis pela transformação dos Estados e, logicamente, dos modelos normativo-constitucionais que sustentaram tais ordenamentos44. Pode-se entender, inicialmente, que o constitucionalismo foi “um movimento político-constitucional que pregava a necessidade da elaboração de Constituições escritas que regulassem o fenômeno político e o exercício do poder, em benefício de um regime de liberdades públicas”45. Essa regulamentação era necessária para impor limites ao exercício do poder do soberano, marca suprema do Absolutismo. As Constituições desses Estados tinham a característica marcante de obediência irrestrita ao seu soberano, o que fez surgir a necessidade de se criar um instrumento que não apenas ditasse limites a ele, mas que também abrigasse preceitos asseguradores das funções estatais e dos direitos fundamentais. Tornou-se imprescindível, então, que as constituições fossem escritas, pois só assim ficaria ao alcance de todos o conhecimento sobre os limites da autoridade e os direitos e garantias dos cidadãos. Contudo, de nada adiantaria redigir uma constituição se suas normas não fossem respeitadas, daí dizer-se que as normas constitucionais têm força imperativa, o que será melhor explicado adiante. Mas as normas constitucionais não são apenas imperativas, elas são supremas. Não se deve esquecer que as normas constitucionais são elaboradas por um poder constituinte originário, detentor de poderes iniciais e ilimitados, além de ser um poder autônomo; diferentemente das demais normas que se integram ao ordenamento jurídico, já que estas são elaboradas por um poder constituinte derivado (ou constituído). “A supremacia da constituição resulta, conseqüentemente, do seu caráter inicial e fundante do sistema jurídico.”46 Afinal, é a Constituição quem inicia a vida jurídica de um país. Esse sistema hierarquizado de normas jurídicas foi primeiramente previsto por Hans Kelsen. O autor previu o ordenamento jurídico como uma 44 SILVA NETO. Manoel Jorge e, Curso de Direito Constitucional, p. 37. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle de Constitucionalidade, p. 23. 46 SILVA NETO. Manoel Jorge e, Curso de Direito Constitucional. p. 169. 45 221 pirâmide, no qual no topo estaria a Constituição emanando a sua força por todo o sistema. “Assim, em face de sua supremacia, todas as manifestações normativas, em um Estado de Direito, devem estar em consonância com a Constituição e jamais contra ela”.47 A Constituição é a norma primeira de um ordenamento jurídico, ela é a norma fundamental e por isso tem supremacia em relação às demais normas do sistema legal. Dirley da Cunha Júnior48, parafraseando Canotilho, considera a constituição como uma Lei Suprema não apenas por ser ela uma fonte de produção normativa, mas também porque lhe é reconhecido um valor normativo hierarquicamente superior que faz dela um parâmetro obrigatório de todos os atos da vida humana. Mais adiante, explica o autor que: “A supremacia da Constituição conduz à sua superioridade hierárquico-normativa relativamente às outras normas do ordenamento jurídico. Essa superioridade, ainda segundo o autor de Coimbra, implica em que: a) as normas constitucionais constituem uma Lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); b) as normas da constituição são normas de normas (normae normarum), afirmando-se como uma fonte de produção jurídica de outras normas, e c) a superioridade normativa das normas constitucionais gera o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes públicos com a Constituição.” Portanto, todos os atos públicos devem estar em conformidade com a Constituição, sejam esses atos comissivos ou omissivos. Ou seja, a Constituição ordena que toda ação realizada pelo poder público deva estar atrelada aos ditames da norma fundamental, assim como também impõe que o poder público atue quando lhe for exigido, a fim de que não se configure a omissão inconstitucional. O controle de constitucionalidade, portanto, só existe na hipótese de uma constituição suprema. Mas não apenas isso, a possibilidade de controle de constitucionalidade reclama a satisfação de alguns requisitos, quais sejam: “a) existência de uma Constituição formal e rígida; b) previsão de ao menos um 47 48 CUNHA JÚNIOR. Curdo de Direito Constitucional. p. 99. CUNHA JÚNIOR. Curdo de Direito Constitucional. p. 99-100. 222 órgão dotado de competência para o exercício dessa atividade; c) compreensão da Constituição como Lei Fundamental e vontade de realizá-la.”49 Sendo assim, percebe-se que só é possível se falar em supremacia constitucional quando houver uma constituição rígida, pois é a estabilidade conferida por essa constituição, alcançada com a previsão de um rito solene e rigoroso para a sua transformação, que garante que o legislador ordinário não preveja hipóteses que não coadunem com o espírito da Constituição. Ademais, necessário se faz a existência de um órgão que julgue as possíveis inconstitucionalidades. No Brasil, esse órgão fica a cargo do Poder Judiciário, seja pela esfera concentrada, através do Supremo Tribunal Federal, seja na esfera difusa, através dos tribunais. Contudo, excepcionalmente, a Constituição confere ao Legislativo e o Executivo poder de apreciar a matéria. A doutrina prevê duas vertentes para a supremacia constitucional: a material e a formal. “Dizer que a constituição é portadora de supremacia material é o mesmo que afirmar a submissão ao conteúdo de tudo quanto nela está contido. (...) Por outro lado, defender a sua supremacia formal é admitir a existência de processo legislativo mais solene e demorado para a mudança da constituição.”50 Ora, a fim de se efetivar a Constituição, mister que sejam respeitadas suas normas, por serem elas supremas e imperativas, de ordem obrigatória e incondicional. E, para entender esse caráter imperativo, necessário se faz que as estudemos mais detalhadamente. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A IMPERATIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Antes de adentrarmos na discussão da aplicabilidade em si, mister relembrarmos neste ponto o conceito de constituição quanto ao critério do seu conteúdo, no qual podemos ter constituições formais ou materiais. Constituições materiais são aquelas que disciplinam de forma exclusiva as questões ligadas à organização do Estado, a separação dos poderes e aos direitos e garantias fundamentais; por outro lado, as Constituições formais são 49 PUCCINELLI JÚNIOR. André. A Omissão Legislativa inconstitucional e a responsabilidade do Estado legislador. p. 106. 50 SILVA NETO. Manoel Jorge e, Curso de Direito Constitucional. p. 169. 223 aquelas que não apenas disciplinam estes temas, elas vão além, inserindo em suas normas matérias que não guardam co-relação com aquelas. “Assim, será constituição tudo o que versar sobre a organização do poder político, a separação dos poderes e a disciplina dos direitos fundamentais. O objeto remanescente, malgrado inserido no texto constitucional, apenas pode ser considerado sob a ótica formal (...).”51 Há doutrinadores que entendem que a aferição da aplicabilidade deveria estar restrita às disciplinas materiais da Constituição, contudo, a doutrina brasileira amplamente majoritária entende que nossa Constituição é eminentemente formal, ou seja, todas as normas inseridas neste diploma têm caráter constitucional, podendo, portanto, ser-lhes aplicadas a teoria da aplicabilidade. Pode-se inferir, desta forma, que apesar da importância da classificação das constituições, esta classificação quanto ao conteúdo fica prejudicada quando o assunto é sobre a aplicabilidade das normas constitucionais, uma vez que basta que exista a norma na constituição para que ela seja interpretada constitucionalmente. Seguindo o mesmo entendimento quanto à irrelevância da classificação referente a este critério no que tange a aplicabilidade das normas constitucionais, elucida o professor Dirley da Cunha Júnior52: (...) é irrelevante essa classificação, tendo em vista que, independente de serem normas materiais ou formais, ambas têm igual hierarquia, produzem os mesmos efeitos jurídicos e só podem ser alteradas segundo o rígido e idêntico processo tracejado no texto constitucional onde coabitam. Ou seja, são normas constitucionais e têm a mesma dignidade e juridicidade constitucionais. Ora, se as normas constitucionais são dotadas de juridicidade, significa que elas são imperativas, de cumprimento obrigatório, devendo ser respeitadas e obedecidas por todos os seus destinatários. A norma constitucional, espécie de norma jurídica, não depende da vontade dos indivíduos, pois a norma não é conselho, mas ordem a ser seguida. A norma é jurídica “(...) não só quando 51 52 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. p. 125. CUNHA JÚNIOR. Curdo de Direito Constitucional. p. 137. 224 comanda, impõe ou proíbe uma conduta, como, também, quando impõe ou estabelece forma de organização de ente jurídico, uma situação jurídica etc.”53 Mas não basta o caráter imperativo da norma para que ela seja cumprida, mister que haja a previsão de uma sanção na hipótese de sua transgressão. A fim de explicar a questão, leciona o ilustre doutrinador Paulo Nader54: Para alcançar a sua maior efetividade e garantir ao mesmo tempo a ordem social, as normas jurídicas possuem coercibilidade, isto é, possibilidade de ser acionado o dispositivo força sempre que necessário ao cumprimento das prescrições. Enquanto a coercibilidade é força em potência, a coação é em ato. Ocorrendo a hipótese, por exemplo, de uma ordem judicial, fundada na lei, não ser acatada, a força deixa o seu estado de potência para transformar-se em ato. A disponibilidade do uso de força é essencial à vida do Direito. A experiência mostra, a cada dia, que o ser humano não se contém nos lindes da lei. Uma parcela considerável da sociedade revela desvio de conduta, descumprindo a lei e não honrando os pactos assumidos. O corpo social sente-se vulnerável à ilicitude e exige a aplicação da lei na defesa de seus legítimos interesses. Assim, ao planejar os atos normativos, o legislador, ao mesmo tempo que estabelece as diretrizes do comportamento, se ocupa em definir o modus operandi da força, tanto para fins intimidativos quanto para efeito de ressarcimentos. É a presença da sanção na norma, efeito material da coação55, que garante a sua plena eficácia. E, “Em se tratando de normas constitucionais, a desobediência implica, entre outras, na sanção jurídico-constitucional da nulidade absoluta do ‘ato infrator’, ou da ‘inércia transgressora’.”56 53 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. p. 83. NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Parte Geral. p. 57. 55 De acordo com Paulo Dourado Gusmão, a coação pode ser de duas espécies: psicológica e material. “Esta, pouco usada, ou melhor, exercida razoavelmente; o número de condenados no cível ou no crime é muito menor em relação ao dos que respeitam o direito. Isso porque a coação psicológica, geradora do temor à sanção, ou a educação, fazem com que a maioria se conduza dentro da lei. Vanni (Lezioni di Filosofia Del Diritto) a definiu como pressão psíquica do direito, que ‘se dirige à vontade, exercendo constrangimento sobre a consciência’. O temor à sanção, nota Vanni, é um freio à tentação de se desviar do direito. Mas, no entender de Vanni, além desse motivo psicológico haveria motivação superior: o reconhecimento da autoridade que prescreve a norma e o respeito pela própria norma. Dentro desse ponto de vista, de toda procedência, pode-se dizer ser a norma observada pela maioria das pessoas por considerá-la obrigatória e necessária, e não para evitar a sanção.” (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. p. 84) 56 CUNHA JÚNIOR. Curdo de Direito Constitucional. p. 138. 54 225 Por outro lado, as normas constitucionais brasileiras possuem diferentes funções e objetivos, o que faz com que possuam eficácia e aplicabilidade diferentes entre si, hora sendo de eficácia plena, limitada ou contida, hora de aplicabilidade mediata ou imediata. Mas, antes de aprofundarmos nas diferença entre cada uma delas, mister que nos atenhamos à distinção terminológica de alguns conceitos. Como os de existência, validade, eficácia e efetividade. EXISTÊNCIA Em primeiro lugar, devemos distinguir os conceitos de existência e o de vigência, pois a confusão de significado entre eles não é incomum no mundo jurídico hodierno. O termo existência está relacionado à inclusão da norma jurídica no mundo jurídico. Tal inclusão ocorre através de um complexo processo legislativo, no qual as funções executiva e legislativa atuam em concomitância. Em geral, a iniciativa do projeto de lei compete ao Executivo ou Legislativo. Proposta a lei, ela deve ser então discutida na Assembléia Legislativa competente, seguida de uma votação no qual deve constar o quorum fixado na Constituição ou no regimento interno da instituição. Aprovada a lei, ela deve ser sancionada e, posteriormente, promulgada. Havendo preenchido todos os requisitos estabelecidos em lei e na própria Constituição, a lei passa a existir no mundo legal. Pode-se inferir, portanto, que é inexistente a lei que por ventura não tenha preenchido de forma adequada todos os requisitos necessários para a sua implementação. Sintetizando o entendimento, exemplifica André Puccinelli Júnior57: “Suponhamos, ilustrativamente, que algum funcionário do Diário Oficial da União publique, por um lapso, projeto rejeitado pelo Congresso Nacional que fixava a anistia de multas tributárias, dando-o como aprovado. É impossível invocar o argumento da inconstitucionalidade na situação ilustrada. Com efeito, a suposta ‘lei’ não é inconstitucional, pois sequer existe, uma vez que não foi aprovada, sancionada e promulgada pelos órgãos 57 PUCCINELLI JÚNIOR. André. A Omissão Legislativa inconstitucional e a responsabilidade do Estado legislador. p. 37. 226 competentes. Vale dizer, não necessários à sua formação.” preencheu os requisitos Leciona o mestre Pablo Stolze Gagliano58 que, para que um negócio jurídico venha a existir, deve ter ele quatro elementos constitutivos: manifestação de vontade, agente emissor da vontade, objeto e forma. Como a lei é uma forma de ato jurídico, pode-se concluir que estes elementos também constituem a existência da norma jurídica. Para que uma lei venha a surgir, deve o agente ser, primeiramente, competente para publicar a norma aprovada, exteriorizando, assim, a manifestação de vontade de um sujeito legal. Conseqüentemente, se a exteriorização da vontade ocorrer por meio de erro (como no exemplo supra) ou através de coação, por exemplo, inexistirá a referida lei59. Quanto ao requisito do objeto, para existir, “o ato legislativo deve reger hipóteses de ocorrência factível e possuir um mínimo de conteúdo comunicativo”.60 Além disso, é necessário que as formalidades referente ao processo legislativo sejam cumpridas na íntegra, sob pena de nem vir a existir. “Assim, o projeto aprovado pelo Legislativo e sancionado pelo Executivo não será lei enquanto não houver promulgação.”61 Cumpridas, assim, todas as formalidades, passa a lei a existir. E é só a partir da sua existência que a norma passa a ter vigência. Mas perceba-se: a norma passa a existir com o cumprimento dos requisitos necessários para a sua implementação, contudo, a vigência não precisa necessariamente nascer junto com a norma, pois ela pode vir ao mundo em um dia e passar a ter vigência após o prazo previamente estabelecido na própria norma, a qual a doutrina convencionou chamar de vacacio legis. Nota: para uma lei ter vigência, necessariamente ela deve existir. 58 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. p. 328-329. No mesmo sentido, Wilson Alves de Souza: “No que se refere ao sujeito, é indispensável verificar a capacidade do agente e a liberdade no agir, ou seja, se o ato foi praticado por agente capaz segundo o disposto pelo ordenamento jurídico a respeito das condições de aquisição da capacidade, e se a manifestação de vontade não se encontra viciada (provida mediante erro, dolo, fraude ou coação).” (SOUZA, Wilson Alves de. Sentença Civil Imotivada. p. 136) 60 PUCCINELLI JÚNIOR. André. A Omissão Legislativa inconstitucional e a responsabilidade do Estado legislador. p. 38. 61 PUCCINELLI JÚNIOR. André. A Omissão Legislativa inconstitucional e a responsabilidade do Estado legislador. p. 40. 59 227 Durante esse período da vacacio legis a norma existe, mas não é obrigatória, ou seja, não produz efeito nenhum. Saliente-se, dizer que uma norma existe não é a mesma coisa de dizer que ela tem vigência. VALIDADE Também aqui deve-se atentar para não se confundir os conceitos de validade e existência. “Explica-se: uma norma jurídica existe ou não existe; existindo, será válida ou inválida, eficaz ou ineficaz. Além disso, poderá ser observada de forma espontânea e efetiva pelos seus destinatários, ou jazer como letra morta por não granjear a simpatia popular (...)”62. Apesar de trazer uma certa dificuldade de separar o entendimento de existência e validade, ambos não se confundem, haja vista os critérios dogmáticos de reconhecimento de cada um deles serem diferentes. Carlos Henrique Bezerra Leite63 conceitua a validade da norma jurídica com os dizeres de Luiz Antonio Rizatto Nunes, para quem a validade: “tanto pode referir-se ao aspecto técnico-jurídico ou formal quanto ao aspecto da legitimidade. No primeiro caso, fala-se de norma jurídica ser válida quando criada segundo os critérios já estabelecidos no sistema jurídico: respeito à hierarquia, que tem como ponto hierárquico superior a Constituição Federal; aprovação e promulgação pela autoridade competente; respeito a prazos e quorum; conteúdo de acordo com as designações de competências para legislar. No outro, fala-se do fundamento axiológico, cuja incidência ética seria a condição que daria legitimidade à norma jurídica, tornando-a válida” Portanto, norma válida é a norma que cumpriu adequadamente o seu processo de formação de acordo com o que fixa a Constituição e preenche os requisitos que a lei lhe outorgou para que o ato seja considerado perfeito. Exemplificando, não basta que determinado ato administrativo seja proferido por agente público (elemento de existência), mas que esse agente seja competente; não basta que haja a simples exteriorização do ato, pois sua forma deve vir prevista em lei; e não basta que simplesmente haja um objeto, mister que ele seja lícito e possível. “Em síntese: se estiverem presentes os 62 PUCCINELLI JÚNIOR. André. A Omissão Legislativa inconstitucional e a responsabilidade do Estado legislador. p. 36. 63 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Justiça, validade e eficácia das normas jurídicas. In_ Direito e Processo do Trabalho na Teoria Geral do Direito. São Paulo: LTr, 2000. 228 elementos agente, forma e objeto, suficientes à incidência da lei, o ato será existente. Se, além disso, estiverem presentes os requisitos competência, forma adequada e licitude – possibilidade, o ato, que já existe, será também válido.”64 A validade está intimamente ligada a existência de uma norma superior e uma inferior, na qual esta só será válida se cumprir os requisitos impostos por aquela. A Constituição é o principal parâmetro para a verificação de validade das normas jurídicas. É ela quem fixa o procedimento e a matéria que cada ente tem de legislar. A observância das normas de competência é chamada de validade formal, já a relacionada a matéria, de material. Percebe-se, então, que todas as normas jurídicas no ordenamento jurídico só existem se estiverem respaldadas no processo previsto na Constituição, já que esta é a norma máxima no sistema jurídico brasileiro. Contudo, e a norma constitucional, qual diploma pode ser considerada como parâmetro para o aferimento de sua validade? Elucida-nos o professor Dirley da Cunha Júnior65: A Constitucional (sic), entretanto, como norma suprema de uma ordem jurídica, fundamenta-se, por sua vez, em um poder legítimo cujo titular é o povo, ou seja, o poder constituinte, entendido como um poder político soberano, de caráter inicial, sem limites, autônomo e incondicionado, que cria e elabora a própria Constituição. Portanto, a validade da norma constitucional repousa, não em outra norma superior, pois não há norma superior à Constituição, mas sim no poder constituinte. Cumprido todo o processo de criação da norma de forma adequada, temos uma norma válida, passando a surtir efeitos com a sua publicação. Em virtude disso, cumpre ressaltarmos que validade e vigência também são institutos díspares. Afinal, “Uma norma pode ser válida sem ser vigente, embora a norma vigente seja sempre válida.”66 Por outro lado, uma norma pode ser válida e vigente, mas não possuir eficácia. EFICÁCIA E EFETIVIDADE 64 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. p. 83. CUNHA JÚNIOR. Dirley. Curso de Direito Constitucional. p. 141. 66 FERRAZ JÚNIOR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. p. 198. 65 229 O entendimento da eficácia está intimamente ligado à produção de efeitos jurídicos. “Uma norma se diz socialmente eficaz quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos.”67 Vigência e eficácia, portanto, não se confundem. Enquanto aquela opera no mundo do dever-ser, esta se realiza no mundo do ser. Para que haja eficácia, é preciso que a norma cumpra com alguns pressupostos. Tais pressupostos serão diferentes a depender do tipo de eficácia que se espera, se social ou jurídica. Citando Michel Temer, esclarece Flávia Piovesan68 a singularidade entre eles: “Esclarece Michel Temer que a “eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de situações concretas, mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam.” Sinteticamente, pode-se dizer que a eficácia social (também chamada de efetividade) é a real possibilidade de aplicação da norma a casos concretos, dela ser efetivamente obedecida e aplicada na realidade social, enquanto a eficácia jurídica está relacionada às condições de aplicabilidade da norma. “A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.”69 Percebe-se, portanto, que a norma jurídica, antes de ter eficácia social, deve ter eficácia jurídica. Ou seja, a possibilidade de produção de efeitos deve ser anterior à sua efetiva obediência. Sendo assim, podemos dizer que há a possibilidade de existir normas jurídicas dotadas de eficácia jurídica, mas sem eficácia social. Exemplificativamente, temos as omissões inconstitucionais. Estas são frutos de normas não-regulamentadas, o que inviabiliza a efetividade do exercício do direito prescrito pela Constituição no mundo exterior. 67 FERRAZ JÚNIOR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. p. 199. PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas. p. 57. 69 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. p. 85. 68 230 O termo eficácia jurídica é tida como um termo conexo ao de aplicabilidade de acordo com José Afonso da Silva70. Assim sendo, pode-se dizer que norma aplicável tem o mesmo significado de norma juridicamente eficaz. Deve-se destacar que, quanto aos direitos fundamentais, a Constituição brasileira no art. 5º, § 1º verbera que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Como conseqüência desse dispositivo, assenta o professor Ingo Wolfgang Sarlet que os direitos prestacionais, típicos de normas limitadas, sempre estarão aptas a gerar um mínimo de efeitos jurídicos, por menor que seja sua densidade normativa ao nível constitucional. Tema que será melhor explorado infra. Devido a importância dos conceitos até agora vistos e da sua importância para o entendimento de todo o ordenamento jurídico, vale a pena repassá-los com a síntese do professor Manoel Jorge da Silva e Neto71: a) b) c) d) e) f) “eficácia é a possibilidade de a norma produzir, efetiva (eficácia social) ou potencialmente (eficácia jurídica), os efeitos peculiares adscritos pelo político e, portanto, sustentando-nos na ilação kelseniana concernente ao mínimo de eficácia, temos por certo que todas as normas constitucionais são eficazes; aplicabilidade é a qualidade do que é aplicável, potencialidade para produção de resultados, identificando-se, assim, com eficácia jurídica; validade da norma reconduz aos requisitos de ordem objetiva (observância do processo legislativo específico para a ponência do enunciado normativo no sistema), subjetiva (autoridade competente para emitir a espécie normativa) e material (adequação do conteúdo da lei às normas constitucionais); vigência é a qualidade da norma que se encontra apta ao desencadeamento de efeitos no que tange ao espaço e no que toca ao tempo delimitados pela própria ordenação; vigor corresponde ao efeito inerente à ultratividade da norma jurídica; existência indica o fato de a norma jurídica estar no sistema, pouco importando seja eficaz, aplicável ou, em certos casos, até mesmo vigente (como na hipótese de lei ainda não em vigor por força de vacacio legis, mas, sem dúvida, existente na ordem positiva).” TIPOLOGIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 70 De acordo com o renomado autor “(...) eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados sob prismas diferentes: aquela com potencialidade; esta com razoabilidade, praticidade. Se a norma não dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de aplicabilidade. Esta se revela, assim, como possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efeitos jurídicos.” (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 03) 71 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. p. 133 e 134. 231 Tema recorrente nos últimos anos, a eficácia das normas jurídicas é cada vez mais estudada. Muitos a têm estudado e feito classificações pessoais quanto ao tema, dentre eles, Marçal Justen filho, Maria Helena Diniz, Carlos Ayres Brito, Luis Roberto Barroso, Virgílio Afonso da Silva, dentre outros. Em virtude do recorte feito para este trabalho, iremos nos ater à tradicional classificação de José Afonso da Silva sistematizada por ele em 1967 e sendo esta a classificação adotada em ampla maioria de julgados no STF. Para o renomado autor72, todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, contudo, em graus diferente, levando-o a classificar as normas constitucionais em: a) normas de eficácia plena; b) normas de eficácia contida; c) normas de eficácia limitada (sendo esta última subdividida em normas de princípio institutivo ou organizativo e normas de princípio programático). NORMAS DE EFICÁCIA PLENA O autor define as normas de eficácia plena como sendo “aquelas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos comportamentos os efeitos e situações, essenciais, que o relativamente legislador aos constituinte, interesses, direta e normativamente, quis regular.”73 Desta forma, a aplicabilidade de uma norma de eficácia plena é direta e imediata, haja vista não precisar de nova manifestação do legislativo ordinário para o exercício do direito, eis que possui normatividade o suficiente para atuar. Em virtude disso, pode-se dizer que essas normas são auto-aplicáveis. A fim de sistematizar o pensamento de José Afonso da Silva, Manoel Jorge da Silva e Neto74 elenca os seguintes traços distintivos da norma de eficácia plena: a) b) c) 72 “contêm vedações ou proibições (art. 5º, III); conferem isenções, imunidades e prerrogativas (o art. 95, I, II, III); não designam órgãos ou autoridades especiais, a que incumbe, de modo específico, a execução do comando constitucional; A classificação proposta por José Afonso da Silva partiu da classificação de Vezio Crisafulli. Este classificou as normas constitucionais em apenas dois tipos: as de eficácia plena e as de eficácia limitada. Ficou a cargo do eminente autor brasileiro a inserção de um terceiro grupo a essa classificação. 73 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 101. 74 SILVA NETO, Manoel Jorge. Curso de Direito Constitucional. p. 149. 232 d) e) não indicam processos especiais ou solenes para a sua execução; e, por fim, não demandam a intermediação do legislador ordinário para que se complete o alcance ou sentido da norma porque, desde a sua elaboração, já possuem normatividade suficiente e apta ao desencadeamento dos efeitos perseguidos pelo órgão constituinte.” NORMAS DE EFICÁCIA CONTIDA As normas de eficácia contida são normas que também possuem a característica de ser aplicável de forma direta e imediata na realidade social, contudo essas normas podem sofrer restrição posterior através de lei infraconstitucional. José Afonso da Silva define essas normas como sendo “aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados.”75 Percebe-se, contudo, que houve uma atecnia por parte do citado doutrinador. Em verdade, o nome “contida” não é o mais adequado para o caso em tela. Como a restrição ao direito ocorrerá no futuro, melhor seria chamar esse tipo de norma de contível ou restringível76. “Nesse sentido, se um dispositivo constitucional que veicule uma norma de eficácia contida faz menção a uma legislação posterior, enquanto essa legislação não existe, a eficácia da norma é plena.”77 Em outras palavras, a norma posterior tem o poder de restringir o campo de abrangência da norma contida. Com o escopo de evitar discussões infrutíferas, o ilustre doutrinador pontuou as características deste tipo de norma: “I – são normas que, em regra, solicitam a intervenção do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura; mas o apelo ao legislador ordinário visa restringir-lhes a plenitude da eficácia, regulamentando os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidadãos, indivíduos ou grupos; II – enquanto o legislador ordinário não expedir a normação restritiva, sua eficácia será plena; nisso também diferem das normas de eficácia limitada, de vez que a interferência do legislador ordinário, em relação a estas, tem o escopo de lhes conferir plena eficácia e aplicabilidade concreta e positiva; 75 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 116. No mesmo entendimento, Michel Temer e Manoel Jorge da Silva e Neto. 77 SILVA. Vírgilio Afonso da. O Conteúdo Essencial dos Direitos Fundamentais e a Eficácia das Normas Constitucionais. p. 282. 76 233 III – são de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria de que cogitam; IV – algumas dessas normas já contêm um conceito ético juridicizado (bons costumes, ordem pública, etc.), como valor societário ou político a preservar, que implica a limitação de sua eficácia; V – sua eficácia pode ainda ser afastada pela incidência de outras normas constitucionais, se ocorrerem certos pressupostos de fato (estado de sítio, pó exemplo).”78 A norma clássica referente a esse tipo de classificação é o inc. XIII do art. 5º da CF/88: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Assim, a liberdade conferida por tal dispositivo se opera in continenti, tornando viável o exercício deste direito de forma plena até que venha norma posterior a limitá-la. NORMAS DE EFICÁCIA LIMITADA As normas de eficácia limitada são aquelas que têm aplicabilidade indireta e mediata, pois precisam de normatização posterior para que seus efeitos tenham um alcance maior. “É dizer, como o constituinte não pretendeu ser exaustivo, nem avocar a última palavra sobre determinados assuntos, deles cuidou apenas superficialmente, pois não ousou estabelecer uma normatividade suficiente, relegando ao legislador ordinário e a outros órgãos estatais a incumbência de desenvolver o dispositivo constitucional carecedor de eficácia, conferindo-lhe plena executoriedade.”79 Para José Afonso da Silva, as normas de eficácia limitada subdividem-se em dois grupos: a) normas constitucionais de princípio institutivo (ou organizado); e b) normas constitucionais de princípio programático. As primeiras, normas constitucionais de princípio institutivo ou organizado, como o próprio nome já diz, se destinam a criar organismos ou entidades. “São de eficácia limitada porque dependem de lei para alcançarem a plenitude. Quer dizer, elas instituem órgãos ou entidades, que necessitam do 78 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 104-105. PUCCINELLI JÚNIOR. André. A Omissão Legislativa inconstitucional e a responsabilidade do Estado legislador. p. 61. 79 234 legislador para lograrem funcionamento. São exemplos dessas normas: o art. 18, § 2º; (...) entre outros.”80 A fim de evitar dilações doutrinárias, José Afonso da Silva explica que o sentido do termo princípio da norma constitucional em destaque tem acepção própria de “começo”, “início”, dando apenas as coordenadas primárias para o começo do órgão ou entidade, mas “deixando a efetiva criação, estruturação ou formação para a lei complementar ou ordinária, como dá exemplo o art. 33 da Constituição: ‘A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios’.”81 O festejado autor ainda sub-classifica as normas constitucionais de princípio institutivo em duas espécies, impositivas ou facultativas. Importante para o nosso estudo entender a dimensão desses institutos. As normas impositivas são aquelas que determinam, ao legislador, em termos peremptórios, a emissão de uma legislação integrativa. Ilustrativo o exemplo referente ao art. 88 da Constituição, o qual verbera que “A lei disporá sobre a criação, estruturação e atribuições dos Ministérios”. Já as normas facultativas não impõem uma obrigação, mas limitam-se a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular a situação nelas delineadas. Exemplo claro é o art. 125, § 3º: “A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual (...)”.82 Conclui-se, portanto, que nas normas impositivas há a obrigatoriedade do legislador de emitir o comando normativo. Nas normas facultativas, diversamente, há a faculdade do legislador, se considerar conveniente, de regular determinada matéria constitucional. Por seu turno, as normas constitucionais programáticas fazem parte das constituições contemporâneas, haja vista serem elas os componentes sócio- 80 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. p. 162. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 119. 82 Sobre o tema, v. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 126127. Importante, também, sua consideração acerca da obrigatoriedade da regulamentação: “Algumas normas obrigatórias chegam, mesmo, a marcar data até a qual a lei reguladora deverá estar votada, como foi exemplo o art. 4º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de São Paulo, de 13 de maio de 1967, e é também o caso de várias disposições transitórias e finais da Constituição italiana.” (p. 128) 81 235 ideológicos das constituições atuais. Sobre o seu surgimento e importância, elucida o professor Luís Roberto Barroso83: Na esteira do Estado intervencionista, surtido do primeiro pósguerra, incorporaram-se à parte dogmática das Constituições modernas, ao lado dos direitos políticos e individuais, regras destinadas a conformar a ordem econômica e social a determinados postulados de justiça social e realização espiritual, levando em conta o indivíduo em sua dimensão comunitária, para protegê-lo das desigualdades econômicas e elevar-lhe as condições de vida, em sentido mais amplo. Algumas dessas normas definem direitos, para o presente, que são os direitos sociais; outras contemplam certos interesses, de caráter prospectivo, firmando determinadas proposições diretivas, desde logo observáveis, e algumas projeções de comportamentos, a serem efetivados progressivamente, dentro do quadro de possibilidades do Estado e da sociedade.” Modernamente, é de grande relevância jurídica, mas já sofreu muitas críticas por diversos autores, haja vista tais normas terem servido, anteriormente, apenas como enunciados políticos, meras exortações morais, destituídas de eficácia jurídica. Procura-se através delas o fim social do direito, é uma busca incessante para uma democracia substancial, de justiça social e de bem comum. “Apontando aos valores sociais e especialmente ao da justiça social, as normas programáticas indicam o sentido dos fins sociais e do bem comum que devem guiar o intérprete e o aplicador do direito, ou seja, traduzem sentido teleológico para a interpretação.”84 Para Crisafulli, as normas programáticas são “aquelas normas constitucionais com as quais um programa de ação é assumido pelo Estado e assinalado aos seus órgãos, legislativos, de direção política e administrativos, precisamente como um programa que a eles incumbe a obrigação de realizar nos modos e nas formas das respectivas atividades.”85 Nessa perspectiva, percebe-se que as normas programáticas86 não regulam a matéria em si a que se referem, mas sim a atividade estatal para que 83 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. p. 118. PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas. p. 69. 85 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 137-138. 86 Salutar o entendimento de Jorge Miranda. Para ele, as normas programáticas “são de aplicação diferida,e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comandos-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; têm como destinatário primacial – embora não único – o legislador, a cuja opção fica a ponderação do 84 236 se alcance a devida matéria. A norma programática fixa um programa para que a atividade estatal o realize. José Afonso da Silva sub-classifica as normas programáticas em três categorias: normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, normas programáticas referidas aos Poderes Públicos e normas programáticas dirigidas à ordem econômico-social em geral.87 Contudo, não deve-se perder de alcance que, mesmo não havendo a normatização posterior, as normas programáticas possuem alguns efeitos diretos, imediatos e vinculantes. A fim de revelar tais efeitos, esclarece-nos Dirley da Cunha Júnior:: a) “estabelecem um dever para o legislador infraconstitucional; b) condicionam a legislação futura, implicando na inconstitucionalidade das leis ou atos que as ofendam; c) informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a fixação de fins sociais; d) constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 09) 87 Vale frisar, novamente, que a teoria de José Afonso da Silva é a majoritária na doutrina atual, mas há entendimentos diverso. Paulo Roberto Lyrio Pimenta, por exemplo, não coaduna com a classificação das normas programáticas adotada por José Afonso. Para ele, essa classificação “incorre no erro de ser efetuada com certo grau de generalidade, não abarcando, pois, todas as espécies. Em primeiro lugar, é forçoso reconhecer que todas as normas programáticas vinculam os órgãos públicos, como reconhece a moderna doutrina. Entretanto, alguns mencionam expressamente a atuação do legislador, enquanto outras traçam os fins do Estado, dirigem-se à Constituição Econômica, ou enunciam direitos. Em suma, as normas programáticas apresentam aspectos relatos distintos, embora o cometimento seja o mesmo. Atentando-se para tais singularidades, parece-nos que as normas programáticas, na Constituição jurídica pátria, comportam a seguinte tipologia: I – Normas programáticas em sentido estrito – são aquelas que correspondem à primeira espécie aludida por José Afonso, nas quais o Estado, ao fixar o programa, exige que o legislador o implemente através de lei (...); II – Normas programáticas meramente definidoras de programas – este tipo de normas programáticas estabelece os programas, sem mencionar, contudo, a atuação do legislador através de lei (...); III – Normas programáticas enunciativas ou declaratórias de direitos – são as normas programáticas que enunciam direitos, sem estabelecer a forma de implementação destes, vinculando, entretanto, todos os órgãos públicos à sua observância, mesmo diante da ausência de regulamentação infraconstitucional (...); IV – Normas programáticas definidoras dos fins organizacionais, econômicos e sociais do Estado – trata-se das normas que fixam os fins mediante os quais o Estado se organiza, inclusive mencionando os de natureza econômica e social, inseridos na Constituição econômica.” (PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Eficácia e Aplicabilidade das Normas Constitucionais Programáticas. p. 143-144) 237 e) condicionam a atividade discricionária da administração, do legislador e do judiciário, e f) criam situações subjetivas, de vantagem ou de desvantagem.”88 Percebe-se, assim, que as normas programáticas não regulam uma conduta exigível, mas, indiretamente, invalidam determinados efeitos que lhes sejam antagônicos. No mesmo sentido, afirma Ingo Wolfgang Sarlet89 que é característica das normas de eficácia limitada, além de obrigar o legislador a atuar no sentido de concretização do direito fundamental, impedi-lo de editar normas que atentem contra o sentido e a finalidade do direito fundamental. NORMAS PROGRAMÁTICAS DEFINIDORAS DE DIREITOS Não obstante a subclassificação tradicional das normas de eficácia limitada seja baseada na teoria de José Afonso da Silva (e a adotada para fins deste trabalho), para quem as normas de eficácia limitada podem ser ou de princípio institutivo ou de princípio programático, merece destaque a possibilidade de uma terceira espécie desse tipo de norma vislumbrado por Luís Roberto Barroso: normas constitucionais definidoras de direito. Para o citado autor, tais normas, definidoras de direitos, são aquelas que estabelecem direitos fundamentais no aspecto civil, político e sócio-econômico que a Constituição defere à população. Pode-se estudar os direitos fundamentais, didaticamente, em Gerações, o que permite uma melhor análise de como essas normas definidoras de direito se inserem em seu conteúdo. Em relação aos direitos de Primeira Geração, os direitos civis e políticos, como o direito à liberdade e à igualdade, por exemplo, são efetivados com um não-fazer do Estado, ou seja, para a realização do direito mister que o Estado permaneça inerte. Percebe-se que a não regulamentação desse tipo de direito em nada influenciaria no exercício do direito do cidadão, haja vista o seu direito já integrar o seu patrimônio com a leniência do Estado. 88 89 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. p. 163. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 366. 238 O mesmo não ocorre com as normas definidoras de direitos provenientes da Segunda e Terceira Gerações. Para a efetivação dos direitos sociais e transindividuais necessita-se da atuação estatal, o Estado precisa normatizar esses direitos para que eles possam ser exercidos no mundo nãojurídico. Ocorre que, a sua não regulamentação implica em impossibilidade do seu exercício, o que provoca grandes transtornos para a sociedade em geral. A fim de ilustrar a diferença das normas definidoras de direito das demais supra analisadas, Barroso utiliza como exemplo o art. 7º, inc. XI da Constituição Federal90. Analisando-se tal dispositivo, afirma o autor não se tratar de norma de eficácia plena ou contida, uma vez que não tem aplicabilidade direta e imediata, haja vista precisar de regulamentação posterior. Também não pode ser caracterizado como norma de eficácia limitada institutiva, uma vez que não impõe a criação de nenhum órgão ou entidade pública; e não pode ser entendida como norma de eficácia limitada programática, pois não impõe a criação de políticas assistenciais ou de políticas públicas. Luís Roberto Barroso, portanto, vislumbra um novo tipo de eficácia limitada, na qual a sua não-regulamentação enseja uma inconstitucionalidade por omissão. Sintetiza o eminente autor91 que a Constituição não Remarque-se que a Constituição não delega ao legislador competência para conceder aqueles direitos; concede-os ela própria. Ao órgão legislativo cabe, tão-somente, instrumentalizar sua realização, regulamentando-os. Faltando a esse dever, dá ensejo à inconstitucionalidade por omissão, disfunção para a qual a doutrina e o direito positivo vêm buscando soluções eficazes.” A TEORIA DA APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E AS OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS Visto as principais características das normas constitucionais e suas espécies em relação a sua eficácia, falta-nos relacionar a teoria da 90 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.” 91 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. p. 112. 239 aplicabilidade das normas constitucionais com o objeto deste ensaio, qual seja, o combate às omissões inconstitucionais. O primeiro passo é saber quais tipos de normas constitucionais poderá dar ensejo às omissões inconstitucionais. Primeiramente, deve-se ter em mente que, se todas as normas na Constituição fossem de eficácia plena, não haveria nenhum tipo de omissão, muito menos de omissão inconstitucional. “Melhor dizendo, se todas as normas da Constituição tivessem aplicabilidade imediata e integral, não haveria espaço para a omissão legislativa inconstitucional.”92 Portanto, no estudo das omissões inconstitucionais fica de fora a análise das normas de eficácia plena e contida, sendo alvo principal desse estudo as chamadas normas de eficácia limitada. Foi visto que as normas constitucionais de eficácia limitada, de acordo com José Afonso da Silva, se subdividem em normas de princípio institutivo e normas de princípio programático. Dentre as normas de princípio institutivo, foi dito que podem ser divididos nas categorias impositivas, nas quais o legislador é obrigado a regulamentar a ordem constitucional, ou facultativas, as quais conferem ao legislador certo grau de discricionariedade quanto a regulamentação das normas em apreço. Fica claro que, como as normas facultativas conferem apenas uma faculdade ao legislador de regular a normas, não configura omissão a sua nãonormatização. Por outro lado, no momento em que o parlamentar não legisla sobre um comando que a Constituição o obrigou, surge a necessidade de um controle para que ele exerça a sua devida função. Em relação às normas programáticas (vinculada ao princípio da legalidade, referente aos poderes públicos ou dirigidas à ordem econômicosocial em geral), deve-se procurar o mesmo questionamento: em quais dessas espécies a omissão do legislador em disciplinar o comando proveniente da Constituição configura uma omissão inconstitucional. De acordo com a professora Flávia Piovesan, “só há uma que se relaciona ao objeto do estudo proposto: as normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade. Nesta hipótese, as normas programáticas 92 PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas. p. 78. 240 dependem, necessariamente, de providências normativas ulteriores que venham a desenvolver a sua aplicabilidade.”93 Conclui-se, assim, que o objeto do estudo hora pleiteado centra-se nas normas constitucionais limitadas de princípio institutivo de caráter impositivo e nas normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade94. Destarte, afirmamos supra que, por ocasião da imperatividade das normas jurídicas, toda conduta que não esteja de acordo com a sua devida regulamentação deve ser eivada de sanção. Ocorre que, no caso do legislador não proceder a normatização da matéria que a Constituição o obrigou, não há a devida previsão de sanção. Isso não significa que a norma constitucional não seja imperativa, entendemos, em verdade, que deve-se “criar” uma sanção com base em uma interpretação sistemática. Como possibilidade de sanção, aderimos a doutrina do professor Walter Claudius Rothenburg, no qual prevê como sanção o que ele denomina de Troca de Sujeito95. Procura-se através da regulamentação das normas de eficácia limitada que a justiça seja realizada na esfera social, uma vez que até o dia presente o legislador brasileiro possui o vício de se distanciar da realidade social ao elaborar os seus projetos de lei. Em virtude disso, ansiosos pela realização dos direitos que tanto almejam, a sociedade procura cada vez mais o judiciário com o escopo de concretizá-los e superar a leniência legislativa. A sociedade hodierna clama por um Estado ativo, que defenda os direitos individuais e que efetive os direitos sociais. Da mesma forma, a esfera individual deixa de ser a única existente, a coletividade se organiza e exige a eficácia e a regulamentação dos direitos transindividuais. Assim como a sociedade, o Direito evolui. Dirley da Cunha júnior (2009, p. 132) assenta que a Constituição Federal de 1988 é um exemplo disso. A 93 PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas. p. 79. Seguiu a mesma linha de raciocínio o professor Alexandre de Moraes ao explicar o tema referente à Ação de Inconstitucionalidade por Omissão: “As hipóteses de ajuizamento da presente ação não decorrem de qualquer espécie de omissão do Poder Público, mas em relação às normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo, em que a Constituição investe o Legislador na obrigação de expedir comandos normativos. Além disso, as normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, por dependerem de atuação normativa ulterior para garantir sua aplicabilidade, são suscetíveis de ação direta de inconstitucionalidade por omissão.” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 686) 95 Sobre o assunto, ROTHENBURG, Walter Claudius. Inconstitucionalidade por Omissão e Troca de Sujeito, 2005. 94 241 Constituição Cidadã não figura mais como um mero instrumento de governo que fixa competências e ordena processos, pelo contrário, ela é um plano normativo global que enuncia metas, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela Sociedade. Ela não é apenas uma “Constituição Social”, vai além, sendo “Dirigente”, “promissora” e “aberta para o futuro”. Resta agora sermos pós-modernos, incutirmos em toda a sociedade, e em especial nos legisladores, o sentimento de mudança para que possamos cumprir o princípio da efetividade proposta pela carta constitucional, tornando, assim, o Estado brasileiro um verdadeiro Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5a ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2001. BEZERRA, Paulo César Santos. 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São Paulo: Malheiros, 2008. SILVA NETO. Manoel Jorge e, Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. 243 ABORDAGEM SOBRE A PSICONEUROIMUNOLOGIA E A FASE MEDITATIVA RELACIONADA À PRÁTICA DO QI GONG96 APPROACH ABOUT THE PSYCHONEUROIMMUNOLOGY AND THE MEDITATIVE PHASE OF QI GONG PRACTICE Renato Santos de Almeida97 RESUMO: O Sistema Imunológico (SI), formado por milhões de estruturas celulares responsáveis pela proteção e manutenção da vida humana, é diretamente dependente dos níveis de comportamento adotado pelo homem. A Psiconeuroimunologia (PNI), um recente ramo da medicina que estuda a relação entre mente, Sistema Nervoso Central (SNC) e SI, vem demonstrando que alterações psicológicas, caracterizadas pela subjetividade, têm influenciado diretamente as funções destes sistemas. No intuito de evidenciar de que maneira tais características exercem influência tanto sobre o SNC quanto o SI, este trabalho de revisão abordará a relação entre a PNI e a fase de meditação presente na prática do Qi Gong. Os sistemas neuroendócrino e imunológico têm sido caracterizados por relevantes interações psicossomáticas, as quais têm se mostrado amplamente beneficiadas pela prática do Qi Gong, principalmente pelo seu componente meditativo. Do ponto de vista psiconeuroimunológico, o Qi Gong envolve a saúde psicológica e o sistema imune através da secreção de beta-endorfina, hormônio do crescimento e muitos outros tipos de neurohormônios. Tais respostas orgânicas resultam na redução do estresse físico e psicológico e na sensibilização do corpo humano através do sistema neuroendócrino, denominada homeostase. Palavras-chave: Qi Gong, Psiconeuroimunologia, Qualidade de Vida ABSTRACT: The Immunologic System (IS), formed by millions of cell structures that protect and maintain human life, is directly dependent from the levels of men´s behavior. The Psychoneuroimmunology (PNI), a recent aspect of the medicine that studies the relation between the mind, the nervous and immunologic systems, demonstrates that psychological alterations, characterized by the subjectivity, have influenced functions of such systems directly. In intention to clear how this qualities influence both nervous and immunologic system, this article approaches the relation between PNI and the meditation aspect from Qi Gong. The neuroendocrinal and immunologic system have been characterized by relevant psychosomatic interactions so that have show a lot of benefits with Qi Gong practice. In psychoneuroimmunologic view, the Qi Gong practice involves mental health and immune system by some kinds 96 Trabalho realizado no IBRAPEQ (Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa em Qi Gong e Medicina Chinesa – Salvador/BA) em 2008 97 Professor do Curso de Biomedicina da Unirb; Bacharel em Fisioterapia (EMBSP); Especialista em Acupuntura (ABACO/RJ) 244 of hormones. The organics responses reduce physics and mental stress such as improve the human body homeostasis. Keywords: Qi Gong, Psychoneuroimmunology, Quality of Life INTRODUÇÃO O Sistema Imunológico (SI), formado por milhões de estruturas celulares responsáveis pela proteção e manutenção da vida humana, é diretamente dependente dos níveis de comportamento adotado pelo homem. Uma série de fatores tais como alimentação balanceada, estilo de vida adequado e a prática regular de exercícios físicos têm um efeito positivo sobre tal sistema, aumentando, conseqüentemente, a capacidade de combater doenças (LEVY, MONTE 1998). Estes fatores, entretanto, não são os únicos fortalecedores do SI à disposição do homem: a meditação, as técnicas de relaxamento e outros métodos de utilização do poder da mente aumentam a capacidade do corpo em reverter enfermidades. As atitudes podem fazer a diferença entre a depressão ou o fortalecimento do SI, visto que há ligação direta entre este e o Sistema Nervoso Central (SNC) devido à presença, nas células imunológicas, de receptores para as substâncias químicas produzidas no cérebro, as quais estão associadas a humores específicos, possibilitando elo bioquímico entre as emoções e a imunidade (LEVY, MONTE 1998). A Psiconeuroimunologia (PNI), um recente ramo da medicina que estuda a relação entre mente, SNC e SI, vem demonstrando que alterações psicológicas, caracterizadas pela subjetividade, têm influenciado diretamente as funções destes sistemas (ULLA, REMOR 2002). Esta área médica ocidental, devido às suas características, apresenta grande semelhança ao complexo método denominado Medicina Tradicional Chinesa (MTC), o qual possui, dentre suas terapêuticas, o Qi Gong (Chi Kung), cujo termo está relacionado a uma série de exercícios compostos tanto por movimentos corporais quanto práticas meditativas. No intuito de evidenciar de que maneira tais características exercem influência tanto sobre o SNC quanto o SI, este trabalho de revisão abordará a relação entre a PNI e a fase de meditação presente na prática do Qi Gong. 245 OS SISTEMAS NEUROLÓGICO, IMUNOLÓGICO E ENDÓCRINO A noção de que fatores psicossociais influenciam o SI está baseada numa crescente evidência. Os sistemas neuroendócrino e imunológico têm sido caracterizados por relevantes interações psicossomáticas, sendo o primeiro a principal ligação entre o estado psicológico e o sistema imune devido à existência de um relação mútua entre ambos. O neuroendócrino influencia o imune através de vias hormonal e neural, enquanto este afeta o primeiro através das citocinas. A relação precisa entre estas duas áreas pode ser vista pela existência de receptores de hormônios nas células imunes e pelo contato entre os sistemas nervoso e imune, através das inervações (MANZANEQUEL 2004). A literatura tem evidenciado a influência dos fatores psicossociais sobre a função imunológica, a qual tem se mostrado altamente modificada por elevações no nível de estresse. Num caso de estresse agudo, por exemplo, o indivíduo apresentará elevação na competência imunológica como uma resposta adaptativa ao estímulo. Ao tratar-se de um estresse crônico, entretanto, a competência imunológica se apresentará comprometida, havendo um decréscimo tanto na atividade como na proliferação de determinadas subpopulações de linfócitos. Estudos têm confirmado a relação entre o estresse e o aparecimento de enfermidades infecciosas devido ao comprometimento dos sistemas neuroendócrino e imunológico (ULLA, REMOR 2002). Atualmente, o campo da qualidade de vida tem englobado e transcendido o da saúde, envolvendo outras dimensões. O envolvimento das questões psíquicas sempre esteve presente desde o início do desenvolvimento dos estudos sobre a qualidade de vida. Esta relação caracteriza tal abordagem como de fundamental importância na criação e aplicação de intervenções em saúde com ênfase nos aspectos espirituais. Tal possibilidade se evidencia de extrema pertinência devido o construto da qualidade de vida ser mais amplo e multidimensional, exigindo o engajamento do profissional para um melhor entendimento destes aspectos (PANZINI et al 2007). Nas últimas duas décadas, exercícios físicos têm atraído grande interesse pela sua relação com o SI. Estudos têm verificado que o exercício físico sistematizado pode acarretar diversos benefícios tanto na esfera física 246 quanto mental do ser humano, proporcionando uma melhor qualidade de vida (MELLO 2005). EFEITOS DA PRÁTICA DO QI GONG De acordo com o antigo pensamento oriental, todos os seres nascem com uma força energética dentro de si, denominada Qi (Chi). Tal energia, a qual é utilizada à medida que todos crescem, está relacionada às substâncias do corpo humano, as quais mantêm tanto a atividade vital quanto o funcionamento dos órgãos e tecidos (LEE et al 2005). Segundo a MTC, saúde é o resultado do livre fluxo e do equilíbrio do Qi, enquanto que a doença ou a dor são resultantes do bloqueio ou do desequilíbrio desta energia (CHEN et al 2006). Apesar da natureza física do Qi ser desconhecida, o crescimento de evidências científicas sugere tanto a sua existência quanto o restabelecimento da saúde através da prática de exercícios específicos que visam sua mobilização e o seu fortalecimento. Qi Gong é o termo utilizado para estes exercícios, o qual consiste numa antiga arte chinesa praticada, antes somente na China, por milhões de pessoas ao longo de milhares de anos. Esta terapêutica, considerada o alicerce da MTC, é caracterizada por exercícios físicos que regulam a mente e melhoram a capacidade física, baseando-se, para isso, em três princípios básicos imprescindíveis para sua prática: movimentos, respiração e quietude mental adequadas (CHEN et al 2006). Na evolução da MTC surgiram numerosos tipos e estilos de Qi Gong envolvidos em quatro categorias: terapêutico, marcial, filosófico e espiritual. A despeito da variedade, todos os estilos tinham uma filosofia similar baseada na antiga idéia chinesa onde a energia vital existe em tudo no universo. O homem, como parte constituinte deste, possui a capacidade de circulá-la e trocá-la com o ambiente através da indução voluntária de diversas ações físicas e mentais. Esse processo é baseado na repetição de sugestões positivas as quais promovem saúde e sensação de bem-estar (LEUNG, SINGHAL 2004). A MTC vê a debilidade como uma das responsáveis pela desarmonia do corpo, sendo os estímulos negativos à mente um dos grandes responsáveis pelo mau funcionamento do organismo (GALLAGHER 2003). A prática do Qi 247 Gong é utilizada para manifestar a influência positiva em relação à atividade física, fadiga e qualidade de vida dos indivíduos com câncer avançado, assim como cardiopatas e idosos com dor crônica. Além disso, tem sido descrito como uma terapia complementar efetiva na promoção da saúde e no controle de condições crônicas em idosos (BURINI 2006). Estudos randomizados têm demonstrado o efeito da prática do Qi Gong sobre os aspectos físico e mental prevenindo e restaurando alterações advindas do envelhecimento. Outros estudos têm demonstrado os efeitos desta prática na prevenção de quedas, melhora do equilíbrio, ganho de força, adequado funcionamento cardiovascular, menor incidência de dor articular e promoção do relaxamento (GALLAGHER 2003). A FASE MEDITATIVA DO QI GONG A literatura tem demonstrado os benefícios obtidos através da prática do Qi Gong, principalmente do seu componente meditativo, em relação às alterações fisiológicas e bioquímicas. Tal prática tem sido usada tanto para redução de estímulos deletérios quanto exacerbação de benefícios à saúde do homem. O aumento dos níveis de atividade neural e função fisiológica, segundo alguns estudos, ocorrem devido à redução do estresse físico e psicológico e a sensibilização do corpo humano através do sistema neuroendócrino, denominada homeostase. Além disso, tem sido reportado que a prática do Qi Gong e da meditação influenciam o tronco cerebral e o tálamo onde as funções de numerosos grupos de células influenciam o Sistema Nervoso Autônomo (SNA) (LEE et al 2000). Este relato corrobora com achados que abordaram a prática da meditação na modificação da atividade de estruturas neurais envolvidas tanto na atenção quanto no controle deste sistema. A meditação realizada durante a prática do Qi Gong tem mostrado ser benéfica na melhora de pacientes com artrite, HAS, dor crônica, ansiedade, asma, desintoxicação de heroína, insônia e demência senil (LEUNG, SINGHAL 2004). DISCUSSÃO 248 Tem sido observado que a ligação entre fatores psicológicos e o funcionamento do sistema neuroendócrino e imunológico através da atividade física pode representar um grande benefício para a saúde (MANZANEQUEL 2004). Foi demonstrado tanto que alterações do sistema imune estão diretamente relacionadas à intensidade do exercício assim como a resposta orgânica ao mesmo é bastante considerável, a qual depende de variáveis tais como tempo de prática e duração de cada sessão. Para o incremento dos seus efeitos, o Qi Gong deve ser praticado diariamente, no intuito de manter um adequado fluxo de Qi (MANZANEQUEL 2004). A prática do Qi Gong proporciona diversas alterações orgânicas: aumento do número de células CD4, CD8 e células mediadoras da imunidade, estabilidade da função cerebral, equilíbrio da saúde mental e aumento das funções imunes. Todos estes aspectos são influenciados por hormônios secretados através tanto de estímulo físico quanto psicológico. Observam-se também o aumento do número de monócitos e linfócitos, células mais sensíveis durante um relaxamento, além da regulação de células imunes no sangue periférico (LEE et al 2003). Do ponto de vista psiconeuroimunológico, o Qi Gong envolve a saúde psicológica e o sistema imune através da secreção de beta-endorfina, hormônio do crescimento e muitos outros tipos de neurohormônios. A regulação de células imunes através desta prática está relacionada à atividade do Sistema Nervoso Simpático (SNS) e do eixo neurohormonal (LEE et al 2003). Estes mesmos autores apresentaram os efeitos da prática do Qi Gong sobre mudanças psicológicas, neurohormonais e imunológicas, sugerindo que estes exercícios podem reduzir a atividade do SNS e afetar as células imunológicas. Existem dados psiconeuroimunológicos que demonstram que respostas imunes podem ser estimuladas ou inibidas com intervenções comportamentais (LEE et al 2000). A meditação pode afetar o estado psicológico e o sistema neuroendócrino através da influência de determinadas células do sistema imune (MANZANEQUEL 2004). Leung et al relataram que monges tibetanos reduziram suas taxas metabólicas através da meditação. Em outro estudo observaram um estudo neurológico através de imagem em praticantes de 249 meditação budista, a qual aumentou o fluxo sangüíneo em determinadas áreas do cérebro, sendo sugerido que a meditação envolve tanto o processo cognitivo, associado com foco na atenção, quanto à alteração na percepção espacial. Este estudo demonstrou que a prática do Qi Gong permitiu a redução da pressão sangüínea, o aumento da percepção cognitiva e a estabilização do SNS. Foi demonstrado, através de eletroencefalograma, indicações de alto poder de concentração além de profundo relaxamento após a meditação. Além disso, foi sugerido que a meditação aumenta a ativação da área anterior do hemisfério esquerdo, a qual está envolvida nas emoções e possui interação com a função imune (LEUNG 2004). Evidências sugerem que a meditação tem um impacto positivo na saúde psicológica, sendo observadas, em praticantes de Qi Gong com dores crônicas, melhoras tanto físicas quanto psicológicas, tais como redução da depressão e aumento da auto-estima (LEUNG, SINGHAL 2004). CONCLUSÃO Embora os resultados demonstrem importantes benefícios do exercício físico para as funções cognitivas, os transtornos de humor e o sono, ainda hoje há uma carência de pesquisas nesta área de estudos, já que a influência de fatores como a intensidade, a duração e o tipo de exercício, ou ainda, a combinação do exercício aeróbio ao de força, a flexibilidade e a velocidade sobre os aspectos psicobiológicos, necessitam ser avaliados. A literatura abordada evidenciou que a prática do Qi Gong permite a mudança de determinados parâmetros imunológicos, sugerindo que esta terapêutica tem efeito psicossomático sobre o sistema imune. Estes efeitos ocorrem principalmente devido aos componentes específicos desta terapêutica, dentre eles a meditação, sendo observada uma estreita relação com o estado psicológico do indivíduo durante sua prática. REFERÊNCIAS 250 BURINI, D.. A randomised controlled cross-over trial of aerobic versus Qi Gong in advanced Parkinson´s disease. Eura Medicophys, 2006, 42, 231-38; CHEN, K.W., HASSETT, A.L., HOU, F., STALLER, J., LICHTBROUN, A.S.. A Pilot Study of External Qigong Therapy for Patients with Fibromyalgia. The Journal of Alternative and Complementary Medicine, 2006, 12 (9), p.p. 851– 56; GALLAGHER, B.. Tai Chi Chuan and Qi Gong: Physical and Mental Practice for Functional Mobility. Topics in Geriatric Rehabilitation, 2003, 19 (3), JulySeptember; LEE M.S., YANG S.H., LEE K.K.; MOON S.R. 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Este trabalho visa apresentar as condutas fisioterapêuticas utilizadas nas diversas repercussões pulmonares que o paciente com tumor de mediastino venha a apresentar. Nestes pacientes têm como principais objetivos evitar complicações respiratórias e motoras e minimizar as exacerbações destas, garantindo assim uma maior independência funcional ao indivíduo, reduzindo seus sentimentos de desesperança, frustração e desespero. As condutas citadas neste trabalho têm demonstrado eficiência na diminuição dos desconfortos gerados pelos tumores no compartimento mediastinal, ficando evidente a necessidade da intervenção fisioterapêutica o mais precoce possível, uma vez que esta doença pode levar ao óbito devido ao acometimento de diversos órgãos e tecidos presentes no mediastino. Palavras-chave: tumor de mediastino, paciente oncológico, fisioterapia respiratória. ABSTRACT: The efforts for the maintenance of the life of patients with cancer had stimulated the research in the different specialties of the health. Amongst these patients, those that present tumors in the mediastinum, zone of great activity that contains diverse organs and tissues, deserve a special attention on the part of the clinical body. In this, the Physiotherapist not only acts aiming at the survival of the individual, but also one better quality of life, during and after the treatment. The objective of this article is to present the used physiotherapeutics behaviors in the diverse pulmonary repercussions that the patient with mediastinum tumor comes to present. In these patients have as main objectives to prevent respiratory and motor complications and to minimize the exacerbations of these, thus guaranteeing a bigger functional independence to the individual, reducing its feelings of hopelessness, frustration and desperation. The behaviors cited in this work have demonstrated efficiency in 98 Trabalho realizado no Hospital São Rafael (HSR/Monte Tabor) em 2004 Professor do Curso de Biomedicina da Unirb; Bacharel em Fisioterapia (EMBSP); Especialista em Acupuntura (ABACO/RJ). 99 252 the reduction of the discomforts generated for the tumors in the mediastinal compartment, being evident the necessity of possible precocious the physiotherapeutic intervention, a time that this illness can take to the death due to the attempt of diverse organs and tissues gifts in the mediastinum. Keywords: tumor of mediastinum, oncologic patient, respiratory physiotherapy INTRODUÇÃO A incidência do câncer tem aumentado em todo mundo, apesar dos esforços de pesquisa quanto à etiologia e biologia das doenças malignas e do aparecimento de novas formas de tratamento. Os esforços pela manutenção da vida impulsionaram as pesquisas nas diferentes especialidades da saúde, resultando em avanços clínicos, cirúrgicos, farmacológicos e laboratoriais, além de incontáveis recursos tecnológicos disponíveis nesse final de século (RICIERI 2001). É grande a diversidade de tumores e neoplasias, cada qual com suas diferentes características, que serão definidas baseando-se na localização, agressividade e comportamento evolutivo, sendo que, de acordo com o tipo, a evolução e o tempo de tratamento empregado, metade dos pacientes oncológicos tende a sobreviver por mais de cinco anos (FRIEDRICH et al 2000). O mediastino, devido as suas características, é uma zona de suma importância, dada a grande atividade e a presença de diversos órgãos e tecidos, nos quais podem originar-se tumores de diferentes tipos e localizações, tornando-se, por isso, de difícil diagnóstico e tratamento (FLORES et al 2003). As áreas mais comumente acometidas são a anterior e a superior, principalmente por tumores malignos, enquanto que a área posterior é a menos acometida, geralmente por tumores benignos (CHESNUTT et al 2004; FLORES et al 2003). Os tumores de mediastino podem ser de origem neoplásica, congênita, inflamatória ou cardiovascular. Estes podem manifestar-se por uma variedade de sintomas, sendo que seus efeitos sobre órgãos e estruturas adjacentes variam conforme a sua localização, podendo causar diversos quadros sistêmicos, mediante substâncias ou fatores imunológicos próprios do tumor (FLORES et al 2003). 253 Os sinais e sintomas são inespecíficos, sendo desencadeados pela ação que a massa exerce sobre as estruturas vizinhas, quando não detectadas acidentalmente em radiografias de rotina (CHESNUTT et al 2004). Os sintomas repercutem sobre a função respiratória, sendo os mais comuns: dor torácica, tosse, dispnéia e rouquidão, entre outros (HAHN 1997). O oncopata é um indivíduo especial, devido à própria natureza da enfermidade que o acomete, tornando-se assim, um paciente multissistêmico, que necessita do amparo da equipe multidisciplinar (SIMON et al 1999). A maior parte dos tipos de câncer, os quais resultam em seqüelas motoras e respiratórias, tem evoluído para um aumento do prognóstico devido ao crescimento do número de serviços especializados no tratamento das neoplasias (RICIERI 2001). Dentre estes, a Fisioterapia atua visando não somente a sobrevivência do indivíduo, mas também uma melhor qualidade de vida, durante e após o tratamento (OLIVEIRA 2004). O tratamento fisioterapêutico deve ser instituído o mais precocemente possível, com o objetivo de reduzir o risco de complicações pulmonares, circulatórias e músculo-esqueléticas, estando de acordo com as situações específicas apresentadas por cada paciente (FRIEDRICH et al 2000). Baseado no impacto epidemiológico do câncer sobre a sociedade e na importância da atuação do fisioterapeuta na equipe multidisciplinar de assistência ao paciente oncológico, este trabalho tem por intuito apresentar as condutas fisioterapêuticas utilizadas nas diversas repercussões pulmonares que o paciente com tumor de mediastino venha a apresentar. METODOLOGIA Esta revisão bibliográfica foi realizada através da análise de artigos científicos, capítulos de livros e endereços eletrônicos, cujo conteúdo compreendia o período de 1996 a 2004. Foram utilizados 6 (seis) artigos nas línguas portuguesa e espanhola, adquiridos em meios eletrônico e impresso. Os 9 (nove) livros utilizados eram compostos por edições atualizadas de títulos pertinentes ao assunto, além de guias, planilhas e estudos epidemiológicos realizados por instituições brasileiras sobre o assunto em questão. 254 O MEDIASTINO: SINAIS E SINTOMAS DAS NEOPLASIAS MEDIASTINAIS O mediastino é o espaço anatômico situado no mesotórax que separa as duas cavidades pleurais, sendo limitado inferiormente pelo diafragma, superiormente pela abertura torácica, anteriormente pelo esterno, posteriormente pela coluna vertebral e lateralmente pela pleura mediastinal. Neste contém todas as vísceras torácicas, exceto os pulmões, de modo que a ocorrência de anormalidades mediastinais pode causar sinais e sintomas significativos. Para fins clínicos e definição do prognóstico, o mediastino é dividido em três compartimentos: anterior, médio e posterior. A porção anterior contém o timo, a paratireóide, vasos sanguíneos, pericárdio e linfonodos. Vários autores consideram a presença do mediastino superior, localizado acima de uma linha imaginária entre o ângulo esternal e o disco vertebral, entre T4 e T5, espaço em que se encontra a parte superior da traquéia, esôfago, veia cava superior, ducto torácico e nervo frênico, arco da aorta, troncos braquiocefálicos arterial e venoso, início da carótida e subclávia esquerdas e o recorrente esquerdo. A porção média contém o coração, parte inferior da traquéia, carina, início dos brônquios-fonte, os linfonodos, aorta ascendente, cajado aórtico e seus grandes ramos para cabeça e extremidades. A porção posterior contém a aorta descendente, o esôfago, as veias ázigo e hemiázigo, a porção inferior do nervo vago, gânglios simpáticos e os linfonodos mediastinais posteriores (BENNETT, PLUM 1997). Como descrito acima, o mediastino é o espaço compreendido entre os dois pulmões, o qual desempenha várias funções, como: a) manter o equilíbrio anátomo-funcional entre os dois hemitórax; b) criar condições para que os movimentos respiratórios possam contribuir ativamente para a chegada e a saída do sangue nas cavidades cardíacas, isto por que durante a inspiração, a pressão no mediastino se torna negativa, o que facilita o afluxo de sangue ao coração, ao contrário da expiração, que eleva a pressão, se tornando positiva, contribuindo para o aumento do débito cardíaco; c) permitir a interdependência entre as vísceras contidas, em face de sua diversidade funcional; d) conduzir ar, sangue e alimentos (CENDOM, JARDIM 1997). 255 Os sinais e sintomas estão relacionados com o processo expansivo e compressivo que o tumor causará sobre as estruturas circunvizinhas. Quando presente, levará a diversas repercussões pulmonares que podem vir na maioria das vezes associadas com sintomas gerais de febre, anorexia e perda ponderal, bastante freqüentes nas lesões malignas (TARANTINO, MOREIRA 1997). Dentre as manifestações dos sintomas, encontram-se: • Tosse: fenômeno irritativo e em geral de característica seca, não responsivo à terapia medicamentosa; quando produtiva, a secreção expectorada poderá ser de aspecto hemoptóico ou purulento (TARANTINO, MOREIRA 1997; FERNÁNDEZ-CORZO et al 2001); • Dispnéia: ocorre devido à compressão das vias aéreas de maior calibre; a depender da localização do tumor, causará estenose nos brônquios, provocando, a princípio, a formação de uma zona de hiperventilação e posteriormente surgirão áreas de atelectasias (TARANTINO, MOREIRA 1997; FERNÁNDEZ-CORZO et al 2001); • Dor torácica: resultado do processo expansivo do tumor de caráter compressivo, que acomete estruturas somáticas ou viscerais, bem como estruturas nervosas periféricas e/ou centrais localizadas no mediastino. A intensidade da dor relaciona-se geralmente com o estágio do tumor (FRIEDRICH et al 2000; TARANTINO, MOREIRA 1997; FERNÁNDEZ-CORZO 2001); • Estridor: som de altura elevada, produzido por estreitamento das vias aéreas superiores, mais especificamente acima das cordas vocais, caracterizando um som predominantemente inspiratório (TARANTINO, MOREIRA 1997; FERNÁNDEZ-CORZO et al 2001); • Derrame pleural: secundário a doença maligna, é o segundo tipo mais comum de derrame pleural exsudativo. A maioria dos pacientes se queixa de dispnéia, que freqüentemente está associado com o tamanho do derrame (SLAPAK 1998); • Derrame pericárdico: deve-se ao implante de líquido na região pericárdica, cujas repercussões apresentam características cardiovasculares, devido à estreita relação com o sistema respiratório. O paciente pode apresentar 256 sintomas como: tosse seca, dispnéia aos pequenos esforços e palpitações, podendo desencadear dores torácicas e insuficiência cardíaca (SLAPAK 2008); • Síndrome da Veia Cava Superior (SVCS): causada por obstrução ao fluxo sanguíneo desta veia por: compressão extrínseca; fibrose mediastinal; trombose ou invasão da veia por tumor. Compromete o retorno venoso dos membros superiores (MMSS), parede do tórax e cabeça para o átrio direito, causando os sinais e sintomas típicos da síndrome. Pacientes com SVCS apresentarão edema de face e MMSS, náuseas, disfagia, cefaléia, desmaios, convulsão e alterações visuais. Apresentarão também repercussões sobre o aparelho respiratório como dispnéia, que se acentua ao agachar ou inclinar para frente, e tosse, sintomas estes os mais importantes (SLAPAK 2008); • Distúrbios endócrinos e humorais: Síndrome de Cushing, Miastenia, anemia, ginecomastia, HAS, diarréia, hipercalcemia, hipertireoidismo, hipoglicemia, lúpus, infecções bacterianas e virais de repetição (FERNÁNDEZ-CORZO et al 2001); • Febre: pode levar a sepse, como em casos de linfoma, infecções locais ou distais à compressão, e necrose da massa, produzindo pneumonia, abscessos e expectoração purulenta fétida. Estudos realizados demonstraram que em 60% dos casos, os pacientes mostraram-se assintomáticos, apresentando alterações apenas detectadas pela radiografia torácica (FERNÁNDEZ-CORZO et al 2001). Essas alterações caracterizam-se por hipotransparência ou perda da nitidez das estruturas mediastinais, alargamento mediastinal, formação expansiva no mediastino ou em campos pleuropulmonares, elevação diafragmática uni ou bilateral, podendo vir associado a derrame pleural (FERNÁNDEZ-CORZO et al 2001; CASTILHO et al. 2002). Segundo Flores et al, os métodos de obtenção de biópsias de massas mediastinais têm evoluído desde 1959, quando foi descrito a mediastinoscopia, procedimento este que era usado principalmente no estadiamento do carcinoma pulmonar, onde era possível evitar a realização de uma toracotomia somente para colher o material histológico. Devido às suas limitações, foi proposto então a mediastinostomia anterior, abrangendo assim tanto o mediastino anterior quanto o superior. Os métodos anteriores foram agregados 257 à toracoscopia, abordagem esta que começou como manobra diagnóstica, e logo com os avanços nas anestesias e tecnologias, passou a ser utilizada como procedimento terapêutico (FLORES et al 2003). Durante os últimos anos, diversos tipos de procedimentos terapêuticos de tumores e massas mediastinais têm sido realizados por acessos mínimos com assistência de câmeras de vídeo. Estas técnicas videotoracoscópicas e a experiência cirúrgica têm progredido para permitir suas aplicações numa variedade de patologias do mediastino, sendo que o tamanho do tecido ou massa a ser extraída torna-se um fator limitante para tais procedimentos (FERNÁNDEZ-CORZO et al 2001). Os tipos de procedimentos cirúrgicos usados para tumores benignos, localizados na região posterior do mediastino, são a toracotomia ou a VLC (videolaparoscopia), sendo esta uma alternativa útil tanto para remoção quanto ressecção da porção envolvida, com um pequeno envolvimento traqueal. (CAMPOS et al 2000; CASTILHO et al 2003). Num estudo realizado em 1998, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a irradiação préoperatória, através da radioterapia, foi empregada como procedimento terapêutico em tumores que acometiam a região anterior do mediastino, seguida de ressecção completa dos mesmos, com subseqüente radioterapia pós-operatória. Este método mostrou-se efetivo, diminuindo o risco de recidivas em aproximadamente 20% dos casos, enquanto que menos de 5% desenvolveram metástase extratorácica. Neste mesmo estudo, comprovouse que a ressecção isolada é um procedimento insuficiente, e a radioterapia pré e pós-operatória faz-se necessária em todos os casos, independente da extensão cirúrgica, dada a freqüência reduzida de recidivas locais naqueles pacientes submetidos à mesma (EBAID et al 2001). O tratamento dos tumores mediastinais é sempre cirúrgico, exceto em casos comprovados de linfoma, alguns tumores germinativos, metastásicos, quimio e radiosensíveis, assim como massas inflamatórias que respondem a tratamento medicamentoso. Devido ao risco de compressão das vias aéreas por grandes massas mediastinais, deve-se ter muito cuidado nos momentos da intubação traqueal e da indução anestésica, procedimentos estes que 258 antecedem a cirurgia, pelo risco de perda da ventilação espontânea e, conseqüentemente, asfixia (FERNÁNDEZ-CORZO et al 2001). A ATUAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA O paciente oncológico deve sempre ser abordado como um todo, visando o equilíbrio global de seu organismo, afim de que possam ser traçados os objetivos de curto e longo prazo. Um completo tratamento de impacto contra a doença, incluindo intervenção cirúrgica, quimioterapia, radiação e programa de reabilitação, deve ser oferecido a todos os pacientes com câncer, mesmo aqueles com metástases (SALMON, BERTINO 1997). A Fisioterapia tem sido proposta como uma estratégia para restaurar a independência funcional dos pacientes oncológicos, reduzindo seus sentimentos de desesperança, frustração e desespero, além de promover melhoras dos sintomas respiratórios presentes nestes indivíduos, como dispnéia, tosse, secreção nas vias aéreas superiores, utilizando, para isso, os recursos terapêuticos específicos para cada quadro clínico (FRIEDRICH et al 2000). As condutas fisioterapêuticas nestes pacientes têm como principais objetivos evitar complicações respiratórias e motoras e minimizar as exacerbações destas, garantindo assim uma maior independência e qualidade de vida para esses indivíduos (FRIEDRICH et al 2000). Dentre as condutas terapêuticas pertinentes a esta patologia, têm-se: Padrões ventilatórios reexpansivos: visam aumentar a mobilidade da caixa torácica, reexpandir os pulmões e, conseqüentemente, aumentar o volume corrente, favorecendo o relaxamento da musculatura respiratória, diminuindo, assim, o gasto energético durante o ciclo respiratório (SLUTZKY 1997; AZEREDO 2000); Manobras desobstrutivas: compreendidas por tapotagem, vibração, compressão torácica, Flutter, pressão positiva expiratória (PEP), terapia expiratória manual passiva (TEMP), técnica de expiração forçada (TEF), aceleração do fluxo expiratório (AFE), tosse manualmente assistida (TMA), tic traqueal e aspiração endotraqueal, têm como finalidade deslocar e mobilizar secreções aderidas na parede brônquica, facilitando assim sua eliminação. São 259 utilizadas em pacientes hipersecretivos e com dificuldade de expectoração, devendo ser evitadas em pacientes com distúrbios da coagulação, plaquetopenia, queixas álgicas e, especificamente a tapotagem e a vibração, em fraturas patológicas de arcos costais; (AZEREDO 2000; SOARES, SILVA 2001). Incentivadores respiratórios: consiste em aparelhos, tais como Voldyne (incentivador volumétrico) e Respiron (incentivador à fluxo), que possibilitam uma forma de exercício respiratório resistido que enfatiza a manutenção da inspiração máxima, sendo utilizados para aumentar o volume de ar inspirado, evitando, assim, o colapso alveolar na condição pós-operatória (AZEREDO 2000; SOARES, SILVA 2001). Terapia de expansão pulmonar com EPAP: considerada a forma mais simples de se ofertar peep em respiração espontânea, pode ser realizada através de resistores de fluxo ou de limiar pressórico, que consistem num sistema de demanda na qual a fase expiratória é realizada contra uma resistência, tornando-se positiva no final. CONCLUSÃO O Fisioterapeuta, segundo o Código de Ética da profissão, presta assistência ao homem, participando da promoção, tratamento e recuperação de sua saúde funcional. Devido as suas características, apresenta-se como um profissional imprescindível na equipe multidisciplinar de assistência oncológica, estando diretamente relacionado à promoção de uma melhor qualidade de vida ao paciente oncológico, independente de suas limitações físico-funcionais. A aplicação das condutas fisioterapêuticas nas repercussões pulmonares dos tumores de mediastino dependerá da peculiaridade do quadro clínico de cada paciente, sendo instituídas de acordo com a condição álgica, fadigabilidade, comprometimentos das funções respiratórias e motoras e a condição psicossocial apresentada pelo indivíduo em tratamento. É importante lembrar que o comprometimento do sistema músculoesquelético repercute sobre o respiratório, sendo necessário retirar precocemente os oncopatas acamados do leito, visando melhorar tanto o 260 desempenho ventilatório quanto o sistema imunológico, dada relação entre este e a função motora. O repouso prolongado no leito ou a diminuição relativa da atividade resulta em diversos efeitos que podem ser observados nos sistemas respiratório, músculo-esquelético, gastrintestinal, nervoso, renal, cardiovascular, além de alterações emocionais. As condutas citadas neste trabalho têm demonstrado eficiência na diminuição dos desconfortos gerados pelos tumores no compartimento mediastinal, ficando evidente a necessidade da intervenção fisioterapêutica o mais precoce possível, uma vez que esta doença pode levar ao óbito devido ao acometimento de diversos órgãos e tecidos presentes no mediastino. REFERÊNCIAS AZEREDO, C.A.C. Fisioterapia respiratória no Hospital Geral. 1.ed. São Paulo: Manole, 2000; BENNETT, J.C., PLUM, F. Cecil – Tratado de Medicina Interna. 20.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, v.1, 1997; CAMPOS, J.R.M. et al. Diagnóstico e tratamento dos tumores mediastinais por toracoscopia. J Pneumologia, v.26, n.4, São Paulo, jul/ago. 2000; CASTILHO, A. et al. Schwannoma benigno do mediastino posterior com desenvolvimento em ampulheta para a traquéia. J. Pneumologia, maio/jun. 2002, vol.28, n.3, p.163-166. ISSN 0102-3586 CENDOM, S.P., JARDIM, J.R.B. Reabilitação Pulmonar. In: TARANTINO, A. B. Tarantino – Doenças Pulmonares. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p.627-664, 1997; CHESNUTT, M.S. et al. Pulmão. In: Lange: Diagnóstico e tratamento. 41.ed. São Paulo: Atheneu, p.269-362, 2004; EBAID, G.X. et al. Timoma: discussão sobre tratamento e prognóstico. J Pneumol 27(6) – nov-dez de 2001; FERNÁNDEZ-CORZO, M.A. et al. Guía diagnóstico-terapéutica: Tumores y masas del mediastino. Rev Inst Nal Enf Resp Mex, v.14, n.3, Julio/Septiembre 2001; FLORES, M.N. et al.. Análisis y seguimiento de pacientes con tumores mediastinales egresados de los hospitales metropolitanos de Costa Rica durante 1996. Acta méd. costarric, jun. 2003, vol.45, n.2, p.68-74. ISSN 00016002. FRIEDRICH, C.F. et al.. O papel do fisioterapeuta no tratamento oncológico. In: BACARAT, F.F., JÚNIOR, H.J.F., DA SILVA, M.J. Cancerologia atual: um enfoque multidisciplinar. 1.ed. São Paulo: Roca, p 198-204, 2000; 261 HAHN, S. M. Emergências oncológicas. In: BENNETT, J.C., PLUM, F. 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Fisioterapia respiratória nas enfermidades neuromusculares. 3.ed. Rio de Janeiro: RevinteR, p.231, 1997; SOARES, P.R.D., SILVA, L.C.C. Fisioterapia respiratória para o paciente pneumológico. In: Condutas em Pneumologia. 1.ed. Rio de Janeiro: RevinteR, v.2, p.901-915, 2001; TARANTINO, A.B., MOREIRA, J.S. Síndromes paraneoplásicas. In: TARANTINO, A. B. Tarantino – Doenças Pulmonares. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p.709-718, 1997. 262 EFEITOS DA ACUPUNTURA NO TRATAMENTO DA ASMA100 EFFECTS OF THE ACUPUNCTURE IN TREATMENT OF THE ASTHMA Renato Santos de Almeida101 RESUMO: As doenças respiratórias constituem importante causa de adoecimento e morte em adultos e crianças em todo mundo. Dentre tais afecções respiratórias destaca-se a asma, doença bastante comum, cujos métodos de tratamento tradicionalmente utilizados visam principalmente minimizar os sintomas. Em contrapartida, a Medicina Tradicional Chinesa (MTC), tendo como base o tratamento tanto da causa quanto da conseqüência, utiliza-se de diversas técnicas, dentre elas a acupuntura, no intuito de promover um reequilíbrio orgânico, do ponto de vista físico e psicológico, fazendo com que a melhora dos sintomas da asma seja apenas um dos resultados alcançados. Este trabalho visa apresentar os efeitos da acupuntura no tratamento da asma através revisão bibliográfica compreendendo artigos publicados nos períodos de 1996 a 2005, sendo incluídos aqueles que abordavam o tratamento da asma com acupuntura e excluídos os que utilizavam outras terapêuticas da Medicina Tradicional Chinesa para a mesma finalidade. A asma, sendo uma doença bem definida, com etiologia e patologia muito bem especificadas, deve ter seus sintomas correspondentes à base da MTC adequadamente identificados, visando um diagnóstico e tratamentos eficazes com a acupuntura. Com um planejamento terapêutico adequado, uma correta escolha dos pontos e uma combinação balanceada dos mesmos, o tratamento por acupuntura resultará tanto no uso reduzido de medicamentos quanto na restauração do bem estar do indivíduo de forma completa. Palavras-chave: Acupuntura, asma e acupuntura na asma. ABSTRACT: The respiratory diseases constitute important cause of falling ill and death in adults and children in every world. Amongst such respiratory affections it is distinguished asthma, sufficiently common illness whose traditionally used methods of treatment mainly aim at to minimize the symptoms. On the other hand, Chinese Tradicional Medicine (CTM) having as base the treatment in such a way of the cause how much of the consequence it is used of diverse techniques, amongst them the acupuncture, in intention to promote a organic balance, of the physical and psychological point of view making with that the improvement of the symptoms of the asthma is only one of the reached results. The objective of this article is to present the effect of the acupuncture in the treatment of the asthma through a bibliographical revision understanding articles published in the periods of 1996 and 2005, being enclosed those that approached the treatment of the asthma with acupuncture 100 Trabalho realizado na Academia Brasileira de Arte e Ciência Oriental (ABACO) em 2006 Professor do Curso de Biomedicina da Unirb; Bacharel em Fisioterapia (EMBSP); Especialista em Acupuntura (ABACO/RJ). 101 263 and excluded the ones that used other therapeutical ones of the Chinese Traditional Medicine for the same purpose. The asthma, being a defined illness well, with etiology and pathology very specified well, it must have its corresponding symptoms to the base of the CTM adequately identified aiming at an efficient diagnosis and treatments with the acupuncture. With an adequate therapeutical planning, a correct selection of the points and a balanced combination of the same ones, the treatment with acupuncture will in such a way result in the reduced medicine use how much in the restoration of the individual welfare in complete form. Key words: Acupuncture, asthma and acupuncture in the asthma. INTRODUÇÃO As doenças respiratórias constituem importante causa de adoecimento e morte em adultos e crianças em todo mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), estas doenças representam cerca de 8% do total de mortes em países desenvolvidos e 5% em países em desenvolvimento. Dados revelam que em 1995, 4,3 milhões de crianças com idade inferior a cinco anos morreram por doenças respiratórias agudas nos países em desenvolvimento (TOYOSHIMA, ITO, GOUVEIA 2005). Estas doenças têm também um papel de destaque na morbidade da população, sendo freqüente causa de absenteísmo na escola e no trabalho, além de exercerem enorme pressão sobre os serviços de saúde. No Brasil, as doenças respiratórias agudas e crônicas também ocupam posição de destaque. Entre as principais causas de internação no Sistema Único de Saúde – SUS, em 2001, estas doenças ocuparam o segundo lugar em freqüência, sendo responsáveis por cerca de 16% de todas as internações do sistema (TOYOSHIMA, ITO, GOUVEIA 2005). Dentre as afecções respiratórias destaca-se a asma, doença bastante comum, afetando aproximadamente 7-10% da população, cuja estimativa de prevalência no Brasil, segundo dados do International Study for Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), situa-se em torno de 20%, sendo a mesma responsável por aproximadamente 350.000 internações hospitalares no SUS por ano (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). A qualidade de vida dos pacientes portadores de asma tem se mostrado cada vez mais prejudicada, apesar do surgimento de novos tratamentos 264 medicamentosos e a realização de programas de reabilitação. Os dados de qualidade de vida têm-se mostrado muito úteis na avaliação do sucesso de intervenções em pacientes com asma e têm sugerido que os objetivos principais dessas intervenções deveriam ser a melhora do desempenho físico e o desenvolvimento de estratégias de tratamento mais adequadas (RAMOSCERQUEIRA, CREPALDI 2000). Os métodos de tratamento tradicionalmente utilizados baseiam-se na administração de broncodilatadores e antiinflamatórios, visando principalmente minimizar os sintomas. Contrapondo a ótica da medicina ocidental, cujo principal objetivo no tratamento da asma é atenuar as manifestações clínicas e exacerbações, a Medicina Tradicional Chinesa (MTC), tendo como base o tratamento tanto da causa quanto da conseqüência, utiliza-se de diversas técnicas, dentre elas a acupuntura, no intuito de promover um reequilíbrio orgânico, do ponto de vista físico e psicológico, fazendo com que a melhora dos sintomas da asma seja apenas um dos resultados alcançados. Os conhecimentos da acupuntura estiveram isolados do mundo ocidental por cerca de 5000 anos, resultando num grande distanciamento de vários aspectos entre os dois mundos, dentre eles a forma de raciocínio e a linguagem. Além do empecilho semântico, a prática dessa técnica se deparou, com o passar dos anos, com algumas deficiências, especificamente situadas no ensino e na difusão científica. A própria ciência rejeitou, por muito tempo, o princípio energético, a linguagem metafísica e o sistema aparentemente primitivo da MTC, dificultando o engajamento de profissionais na investigação e desenvolvimento da acupuntura. A OMS, entretanto, baseando-se no número cada vez maior de trabalhos realizados em toda China, cujos resultados mostraram-se bastante eficazes com o uso da acupuntura, publicou em 1979, a partir da reunião de diversos especialistas presentes ao Seminário InterRegional, uma lista provisória de enfermidades que passariam a ser tratadas pela acupuntura, dentre elas a asma (SCOGNAMILLO-SZABO, BECHARA 2001). Baseado no impacto epidemiológico das doenças respiratórias sobre a sociedade, na necessidade do uso reduzido de medicamentos devido aos efeitos adversos observados e na contínua busca de métodos terapêuticos que 265 objetivam restaurar o bem-estar do indivíduo de forma completa, este trabalho tem por intuito apresentar os efeitos da terapia por acupuntura no tratamento da asma. METODOLOGIA O trabalho consiste numa revisão bibliográfica realizada nas bases de dados Scielo, Medline e Lilacs, compreendendo artigos publicados nos períodos de 1996 a 2005, onde foram incluídos aqueles que abordavam o tratamento da asma com acupuntura e excluídos os que utilizavam outras terapêuticas da Medicina Tradicional Chinesa para a mesma finalidade. Seguindo tais critérios, foram escolhidos 17 artigos nos idiomas português, inglês e espanhol, que apresentavam tanto o embasamento teórico sobre a asma, nos contextos ocidental e oriental, quanto os resultados obtidos após a realização da terapia por acupuntura. ASMA NA VISÃO DA MEDICINA OCIDENTAL A asma é uma doença inflamatória crônica caracterizada por hiperresponsividade das vias aéreas inferiores e limitação ao fluxo aéreo (obstrução) potencialmente reversível, seja de forma espontânea ou através de tratamento. Clinicamente caracteriza-se por episódios (crises) recorrentes de sibilância, dispnéia, tosse seca e desconforto ou opressão torácica, que predominam durante a noite ou pela manhã, logo após o despertar (DALCIN 2000; SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). Sendo uma doença multicausal resulta da interação entre genética, exposição ambiental e outros fatores específicos que levam ao desenvolvimento e manutenção dos sintomas, tais como infecção respiratória viral, exposição à alérgenos ambientais ou ocupacionais (polens, fungos, ácaros, pêlos de animais, fibras de tecidos, dentre outros), exposição a agentes irritantes (fumo, poluição do ar, aerossóis), drogas (aspirina, antiinflamatórios não hormonais, beta-bloqueadores), alterações climáticas, ar frio, alterações emocionais (riso, ansiedade) ou exercícios. Os sintomas costumam melhorar espontaneamente ou pelo uso de medicações específicas como 266 broncodilatadores e antiinflamatórios hormonais (corticosteróide tópico ou sistêmico), sendo que durante o período intercrise o paciente geralmente permanece assintomático ou oligossintomático, embora nas formas graves da doença os sintomas possam ser contínuos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). A inflamação brônquica é o principal fator envolvido na fisiopatogenia da asma, resultante de interações complexas entre células inflamatórias, mediadores e células estruturais das vias aéreas. Está presente nos pacientes asmáticos independentemente da gravidade da doença. Caracteristicamente, a inflamação na asma é resultado de uma série de eventos em que estão incluídas as ativações dos mastócitos com liberação de mediadores inflamatórios, resposta alérgica imediata, resposta alérgica tardia e recrutamento de células inflamatórias com predomínio de eosinófilos. Os mediadores inflamatórios atingem o epitélio ciliado, causando-lhe dano e ruptura. Como conseqüência, células epiteliais e miofibroblastos, presentes abaixo do epitélio, proliferam e iniciam o depósito intersticial de colágeno na membrana basal, o que explica o aparente espessamento da membrana basal e as lesões irreversíveis que podem ocorrer em alguns pacientes com asma. Outras alterações, incluindo hipertrofia e hiperplasia do músculo liso, elevação no número de células caliciformes, aumento das glândulas submucosas e alteração no depósito e degradação dos componentes da matriz extracelular, são constituintes do remodelamento brônquico que interfere na arquitetura da via aérea, levando à irreversibilidade de obstrução que se observa em alguns pacientes (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). Os pacientes asmáticos geralmente têm história familiar de asma ou de outra doença atópica. O exame físico geralmente é normal fora da crise. Em razão da associação freqüente com as doenças atópicas, podem ser encontrados estigmas dessas patologias: rinorréia, polipose nasal, eczema flexural, entre outros. Naqueles com formas mais graves e persistentes da doença podemos encontrar sinais de hiperinsuflação do tórax. Nas exacerbações, os sibilos e o prolongamento do tempo expiratório estão presentes e refletem a obstrução brônquica, embora não traduzam, 267 necessariamente, a gravidade da crise. O diagnóstico de asma é essencialmente clínico, embora alguns exames complementares tais como espirometria, teste de broncoprovocação ou medidas seriadas de pico de fluxo expiratório (PFE), possam auxiliar no seu diagnóstico e classificação (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). A asma pode ser classificada como intermitente ou persistente, quando então é dividida em persistente leve, persistente moderada ou persistente grave, de acordo com a intensidade e freqüência dos sintomas e o grau de comprometimento da função pulmonar. Tal classificação é importante, pois vai orientar o tratamento a ser adotado. Estima-se que 60% dos casos de asma sejam intermitentes ou persistentes leves, 25% a 30% moderados e 5% a 10% graves. Os asmáticos graves são a minoria, mas representam a parcela maior em utilização de recursos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). A avaliação usual da gravidade da asma pode ser feita pela análise da freqüência e intensidade dos sintomas e pela função pulmonar. A tolerância ao exercício, a medicação necessária para estabilização dos sintomas, o número de visitas ao consultório e ao pronto-socorro, o número anual de cursos de corticosteróide sistêmico, o número de hospitalizações por asma e a necessidade de ventilação mecânica são aspectos também utilizados para classificar a gravidade de cada caso. A presença de apenas uma das características acima é suficiente para incluir o paciente na categoria de gravidade. Pacientes com crises menos freqüentes, mas que coloquem a vida em risco, devem ser classificados como portadores de asma persistente grave (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). Considerando que a asma é uma doença inflamatória crônica, em princípio os pacientes devem manter-se em tratamento contínuo. Costuma-se iniciar o tratamento de acordo com a classificação da gravidade da asma e este se divide em tratamento de manutenção e tratamento das crises agudas (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). Os objetivos principais do tratamento da asma são: - Alcançar e manter o controle dos sintomas; 268 - Permitir atividades normais – trabalho, escola e lazer; - Prevenir as exacerbações da asma - evitar crises, idas à emergência e hospitalizações; - Manter a função pulmonar mais próxima possível do normal; - Minimizar os efeitos adversos das medicações utilizadas no tratamento da asma; - Prevenir o desenvolvimento de obstrução irreversível das vias aéreas (remodelamento brônquico); - Prevenir a mortalidade por asma. As crises de asma devem ser classificadas segundo sua gravidade e o tratamento instituído imediatamente. O tratamento das crises agudas consiste na administração de broncodilatadores, corticosteróides sistêmicos e oxigênio, na dependência do quadro clínico. As medicações de resgate são drogas broncodilatadoras utilizadas para promover alívio imediato dos sintomas da asma e são caracterizadas pelo início rápido de ação, porém sem apresentar efeito sobre a inflamação brônquica, devendo ser usados sempre que houver sintomas da asma. No entanto, é importante lembrar que são drogas com ausência de poder antiinflamatório, de tal forma que não combatem o processo patogênico básico da doença. Sendo assim, a necessidade do uso freqüente da medicação indica que a doença não está adequadamente controlada, sendo necessários ajustes no tratamento de manutenção (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). O tratamento de manutenção (também chamado de preventivo ou antiinflamatório) consiste em utilizar estratégias terapêuticas, entre elas a medicamentosa, que visam combater a inflamação brônquica e, conseqüentemente, alcançar o controle da doença. Estudos clínicos mostram que o uso precoce do tratamento antiinflamatório pode resultar em melhor preservação da função pulmonar em longo prazo, reduzindo os riscos de remodelamento das vias aéreas, além de atenuar os sintomas, as exacerbações, as hospitalizações e idas às emergências, com melhora significativa da qualidade de vida do paciente. Importante destacar que o tratamento medicamentoso de manutenção não é obrigatório para todos os asmáticos, sendo que naqueles pacientes portadores de asma intermitente o 269 tratamento pode ser feito adequadamente sem essas drogas antiinflamatórias (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). Os efeitos adversos mais freqüentes dos corticosteróides inalatórios são os locais, e incluem: candidíase oral, rouquidão, tosse e irritação da garganta, algumas vezes acompanhada de broncoespasmo. Embora raros, podem ocorrer efeitos sistêmicos, tais como supressão do eixo hipotálamo-hipófiseadrenal, osteoporose, catarata, glaucoma, adelgaçamento da pele, equimoses, miopatias e desenvolvimento de diabetes mellitus. Convém destacar que o uso do corticosteróide inalatório é o pilar principal do tratamento da asma pela medicina ocidental, sendo essencial para a maioria dos pacientes. Seu uso reduz a necessidade de corticosteróide sistêmico o qual pode provocar efeitos adversos ainda mais graves e mais freqüentes (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). Se o paciente estiver controlado e estável por período aproximado de três a seis meses, as doses das medicações podem ser reduzidas mantendose a menor dose possível que permita ao paciente ficar livre dos sintomas e com função pulmonar corticosteróides normal. Tentativas inalatórios são apropriadas para se reduzir o a paciente dose dos alcançou estabilidade, indicada por sintomas esporádicos, normalização da função pulmonar e uso ocasional de medicações para alívio. Por outro lado, a cessação completa dos corticosteróides inalatórios provavelmente resultará em deterioração clínica, em tempo variável, estando relacionada ao grau de hiperresponsividade brônquica (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA 2002). ASMA NA VISÃO DA MEDICINA ORIENTAL O ser humano é constituído, segundo a MTC, por dois aspectos fundamentais: Qi e Matéria, seguindo a concepção dualística Yin-Yang do universo. A matéria caracteriza-se pela estrutura orgânica do corpo, e a energia, que permanece agregada à matéria, promove o dinamismo dessa parte material orgânica (YAMAMURA 2003). A energia caracteriza-se por preceder a forma física, mantendo nítida relação com as estruturas teciduais responsáveis pelo controle do dinamismo e 270 nutrição do corpo. Tais estruturas se sobrepõem à rede nervosa central, periférica e à distribuição dos vasos sangüíneos, ocorrendo repercussão sobre os tecidos de modo local e/ou sistêmico, a partir de variações intrínsecas ou extrínsecas de energia dos canais (YAMAMURA 2003). Os estímulos dos pontos de acupuntura resultam em efeitos combinados de Qi, primariamente nos canais de energia, agindo posteriormente sobre os sistemas nervosos central e autônomo, assim como no sangue, difundindo o Qi e os substratos (hormônios) e provocando as diversas reações sobre as estruturas orgânicas (analgesia, hipoalgesia, hiper ou hipofunção) (YAMAMURA 2003). Segundo a MTC, três fatores fundamentais fazem parte da patogenia da asma: a deficiência dos sistemas de defesa do Qi do Pulmão e do Rim, a presença de Vento, seja ele interno ou externo, e a relação da asma com o Fígado (Gan). O Qi de defesa (Wei Qi), que é de natureza Yang, tem como raiz o Rim (Shen) e é difundido para pele e músculos, através do Pulmão (Fei). O Yang do Rim (Shen) é a fonte de todas as energias yang do corpo e fornece, devido à ligação do Rim (Shen) e da Bexiga (Pangguang), o Qi para a transformação dos fluidos, processo este onde uma parte límpida dos fluidos ascende superficialmente, ao longo do meridiano da bexiga, de forma a interagir com o Qi Defensivo. Além do meridiano da Bexiga (Pangguang), o Vaso-Governador (Du Mai) também está conectado ao Rim (Shen), difundindo o Qi Defensivo (Wei Qi) por toda região posterior, contribuindo para a resistência a fatores patogênicos, incluindo os alérgenos (MACIOCIA 1996; LEE et al 1999; ESTRADA, VALDIVIA, ESTRADA 2002). Uma deficiência do sistema de defesa do Qi do Rim (Shen) pode originar-se de determinados fatores, dentre eles: fraqueza hereditária constitucional, problemas com a mãe durante a gravidez (fumo, drogas, álcool, choques), problemas no parto e imunizações. O tipo de deficiência envolvida na asma caracteriza-se tão somente pela conexão dos rins com o Qi Defensivo (Wei Qi), por isso não são observados outros sinais e sintomas característicos, tais como tontura, surdez, zumbido, dor nas costas, joelhos fracos ou 271 transpiração noturna (MACIOCIA 1996; LEE et al 1999; ESTRADA, VALDIVIA, ESTRADA 2002). A hiperreatividade imunológica, que é a base da asma, é proveniente de uma deficiência dos sistemas de defesa do Qi do Pulmão (Fei) e Rim (Shen), sendo que este último influencia o sistema imune, não apenas através da conexão entre o Yang e o Qi Defensivo (Wei Qi), mas também por que a Essência do Rim (Shen), através dos Meridianos Vaso-Governador (Du Mai), Penetrador (Chong Mai) e Concepção (Ren Mai), é parcialmente responsável pela proteção dos fatores patogênicos externos. A fisiologia ocidental confirma este papel dos rins nas defesas imunes, uma vez que todas as células envolvidas na resposta imune são originárias de um tronco celular comum na medula, que, de acordo com a MTC, é um produto da Essência do Rim (Shen) (MACIOCIA 1996; LEE et al 1999; ESTRADA, VALDIVIA, ESTRADA 2002). Outro aspecto a ser observado é a relação entre a Essência do Rim (Shen) e a Alma Corpórea. Esta é derivada da mãe e surge logo após a formação da essência pré-natal, sendo responsável pelos primeiros processos fisiológicos após o nascimento e caracterizada como a manifestação da essência na esfera das emoções. Ela está intimamente relacionada com a pele, através da qual tais sensações são experimentadas, dentre elas o eczema atópico, que se apresenta na forma de erupções na pele, devido ao calor tóxico vindo da superfície, proveniente do útero, estando intimamente ligado com a essência pré-natal, podendo a asma ser explicada da mesma forma, uma vez que a essência deficiente falha para enraizar a Alma Corpórea e, conseqüentemente, o Pulmão (Fei) (MACIOCIA 1996) As inalações de poeira, fezes de ácaros em casas empoeiradas, pólen e pêlo de animais poderiam ser comparadas à invasão de Vento no conceito da MTC, visto que o caractere para vento, na Medicina Chinesa, inclui o radical “inseto” ou “verme”, comparável a alérgenos e germes (MACIOCIA 1996) O Vento é um fator patogênico não substancial responsável pela perda da função de descendência e dispersão do Qi do Pulmão (Fei), levando ao acúmulo de líquidos nas vias aéreas superiores com conseqüente obstrução das mesmas, resultando no seu alojamento nos brônquios, causando broncoespasmo (ESTRADA, VALDIVIA, ESTRADA 2002). 272 Ingestão de comidas frias, mal cozidas, excessivamente doces ou gordurosas, trabalho excessivo, alterações emocionais e mudanças climáticas podem desencadear, nos indivíduos com deficiência do Baço-Pâncreas (Pi), uma alteração no transporte e na transformação dos alimentos, levando à desarmonia do metabolismo hídrico, favorecendo também o acúmulo de fleuma que tende a ascender e obstruir as vias respiratórias (MACIOCIA 1996) As doenças crônicas, a debilidade corporal e o trabalho excessivo são fatores que também depauperam a energia do Rim (Shen), o qual perde a função de captar o Qi torácico (Zong Qi), contribuindo igualmente para a ocorrência da asma (MACIOCIA 1996) DIFERENCIAÇÃO E TRATAMENTO Durante as crises os padrões de Vento-frio e Vento-calor podem corresponder a uma crise de asma provocada por uma invasão verdadeira de Vento, com todos os sintomas relevantes, ou a partir de um quadro de sinais e sintomas proveniente da preexistência de Vento nos brônquios, que muitas vezes não é percebida (MACIOCIA 1996). Mesmo que não haja uma invasão verdadeira de Vento exterior, o princípio de tratamento consistiria em: • Aliviar o exterior, expelir o vento-frio, acalmar a asma e a mente, no caso de Vento-frio, sem transpiração: - Dingchuan - cessa a asma aguda; - B 12 (Fengmen) - expele o vento; - B 13 (Feishu), VC 22 (Tiantu) e P 7 (Lieque) – restabelecem a descida do Qi do Pulmão (Fei); - P 6 (Kongzui) – ponto de acúmulo, cessa a asma aguda; - C 7 (Shenmen) e VC 15 (Jiuwei) – acalmam a mente, além de C 7 descender o Qi e VC 15 aliviar a plenitude no tórax; - VB 20 (Fengchi) e VB 21 (Jianjing) – relaxam o pescoço e os ombros, que são importantes para soltar o ombro-cintura e ajudar na respiração, além de VB 21 descender o Qi. Obs: Usar método de sedação podendo utilizar ventosa em B 12 e B 13. 273 • Aliviar o exterior, harmonizar o Qi Defensivo (Wei Qi) e Nutritivo (Ying Qi), acalmar a asma e a mente, quando for Vento-frio, com transpiração: - Dingchuan - cessa a asma aguda; - B 12 (Fengmen) e B 13 (Feishu) – expelem o vento e restabelecem a difusão e descida do Qi do Pulmão (Fei); - VC 22 (Tiantu) – restabelece a descida do Qi e cessa a asma; - P 6 (Kongzui) – ponto de acúmulo, cessa a asma aguda; - E 36 (Zusanli) e BP 6 (Sanyinjiao) – harmonizam o Qi de defesa e nutrição; - C 7 (Shenmen) e VC 15 (Jiuwei) – acalmam a mente, além de C 7 descender o Qi e VC 15 aliviar a plenitude no tórax. • Aliviar o exterior, restabelecer a descida do Qi do Pulmão (Fei), expelir o Vento-Calor, acalmar a asma e a mente, em se tratando de Vento-calor: - P 5 (Chize) – clareia o calor do pulmão; - P 7 (Lieque), P 1 (Zhongfu) e B 13 (Feishu) – restabelecem a descida do Qi do Pulmão (Fei); - P 6 (Kongzui) – ponto de acúmulo, cessa a asma aguda; - P 11 (Shaoshang) – expele o vento-calor e alivia a garganta; - Dingchuan - cessa a asma aguda; - C 7 (Shenmen) e VC 15 (Jiuwei) – acalmam a mente, além de C 7 descender o Qi e VC 15 aliviar a plenitude no tórax. Entre as crises a prioridade é direcionar o tratamento para a raiz, concomitantemente à manifestação, que seria a presença de Vento nos brônquios obstruindo a descida do Qi do Pulmão (Fei) (MACIOCIA 1996): • Tonificar os sistemas de defesa do Pulmão (Fei) e do Rim (Shen): - B 23 (Shenshu), VC 4 (Guanyuan), B 52 (Zhishi), VC 8 (Shenque) com cones de moxa sobre sal, R 16 (Huangshu), P 9 (Taiyuan) e B 13 (Feishu). • Restabelecer a descida do Qi do Pulmão (Fei): • P 7 (Lieque), P 5 (Chize), VC 17 (Shanzhong) e B 13 (Feishu). Acalmar a mente: 274 - VG 24 (Shenting), C 7 (Shenmen), VG 19 (Houding) e VC 15 (Jiuwei). • Tonificar o Baço-Pâncreas (Pi): - E 36 (Zusanli), E 40 (Fenglong), VC 12 (Zhongwan), B 20 (Pishu) e B 21 (Weishu). FÍGADO (GAN) E ASMA O Fígado (Gan) está relacionado à patologia da asma, a partir de três possibilidades (MACIOCIA 1996): • Estagnação do Qi do Fígado (Gan), com inversão do fluxo de Qi no tórax, obstruindo a descida do Qi do Pulmão (Fei), caracterizando a contra-dominância da Madeira em relação ao Metal, cujo princípio de tratamento seria suavizar o Fígado (Gan), regular o Qi, restaurar o Qi do Pulmão (Fei) descendente e acalmar a mente: - BP 4 (Gongsun) e CS 6 (Neiguan) – abrem o Vaso Penetrador (Chong Mai), aliviam a plenitude no tórax e contém o Qi rebelde no tórax, além de CS 6 acalmar a mente; - F 14 (Qimen) e B 18 (Ganshu) – pontos Mo frontal e Shu Posterior do Fígado (Gan), movimentam o Qi do Fígado (Gan); - VC 17 (Shanzhong) – move o Qi no tórax e restabelece a descida do Qi do Pulmão. • Fogo do Fígado (Gan), também com inversão do fluxo de Qi no tórax, obstruindo a descida do Qi do Pulmão (Fei), além da possibilidade deste secar completamente os fluidos do Pulmão (Fei), cujo princípio de tratamento seria limpar o Fígado (Gan), clarear o fogo, conter o Qi rebelde, restabelecer a descida do Qi do Pulmão (Fei) e acalmar a mente: - F 2 (Xingjian) – clarear o fogo do Fígado (Gan); - F 14 (Qimen) e B 18 (Ganshu) – pontos Mo frontal e Shu Posterior do Fígado (Gan), movimentam o Qi do Fígado (Gan); - CS 6 (Neiguan) – regula o Fígado (Gan), abre o tórax e facilita a respiração, além de aclamar a mente; - P 7 (Lieque) – restabelce a descida do Qi do Pulmão (Fei). 275 • Deficiência do Yin do Fígado (Gan), levando a falha na nutrição do Rim (Shen), além da possibilidade de uma deficiência do Yin do Rim (Shen) gerar secura no Pulmão (Fei), cujo princípio de tratamento seria nutrir o Yin do Fígado (Gan), mover o Qi do Fígado (Gan), restabelecer a descida do Qi do Pulmão (Fei) e acalmar a mente: - F 8 (Ququan) e VC 4 (Guanyuan) – nutrem o Yin do Fígado (Gan); - BP 6 (Sanyinjiao) e R 3 (Taixi) – nutrem o Yin do Rim (Shen), que auxilia na nutrição do Yin do Fígado (Gan); - CS 6 (Neiguan) e BP 4 (Gongsun) – abrem os vasos de ligação Yin, nutrem o sangue do Fígado (Gan), abrem o tórax e acalmam a mente. DISCUSSÃO Pesquisadores da Escola Paulista de Medicina, visando compreender de que maneira a acupuntura permite aliviar os sintomas da asma e explicar os resultados que vinham sendo observados na prática com pessoas, realizou aplicações em 44 ratos, separados em quatro grupos: acupuntura, falsa acupuntura, controle e imobilizado (esse último não recebeu tratamento e passou por uma situação estressante, sendo escolhido como o controle definitivo para a análise dos dados). Primeiramente, foi provocada uma reação alérgica nos ratos, induzindo-os à asma. Um dia após o procedimento, a amostra foi submetida a aplicações de eletroacupuntura, em dias alternados, durante duas semanas. No final do período, os ratos tiveram de inalar ovoalbumina, o que gerou asma grave, com quadros de fibrose e enfisema pulmonar. Após analisar os pulmões dos animais, foi observado que o tratamento com acupuntura diminuiu a quantidade das células inflamatórias, além de reduzir a incidência de lesões ao redor dos brônquios e alvéolos (PEREIRA 2005). Num outro estudo, eles realizaram 30 sessões de acupuntura em 54 crianças usuárias de broncodilatadores, sendo observadas reduções na freqüência, intensidade e duração das crises asmáticas, além do menor número de infecções de repetição como amidalite, otite e sinusite. Após as aplicações, apenas 5% da amostra necessitou recorrer aos medicamentos (PEREIRA 2005). 276 Gamboa e Rios aplicaram sessões de acupuntura em 49 pacientes asmáticos, sendo observada uma efetividade do método em 84% da amostra e uma diminuição importante do consumo de medicamentos pós-tratamento (GAMBOA, RIOS 1995). Troyano realizou um estudo com 25 pacientes, onde foram aplicadas 12 sessões de acupuntura em cada, sendo observada melhora significante em 53% dos indivíduos, melhora parcial em 34,6% e ausência de mudanças significativas em 11,5% (TROYANO 1984) Salvador et al aplicaram sessões de acupuntura durante 6 meses numa amostra composta de 30 pacientes asmáticos, cujas crises duravam de 1 a 12 horas, sendo observada uma diminuição da duração das crises em 80% dos indivíduos, além da melhora em relação à intensidade das mesmas, principalmente naqueles com crises severas antes do tratamento (SALVADOR et al 1997). Em 1997, Carneiro et al aplicaram 30 sessões de acupuntura em crianças do Setor de Medicina Chinesa da Escola Paulista de Medicina, com o objetivo de observar o efeito desta terapêutica sobre os parâmetros cínicos da asma: batimento de asa de nariz, tiragem intercostal, sibilos, tosse, alergia, expectoraçäo e dispnéia. Os resultados obtidos, quando aplicados ao teste C de Cochran, demonstraram melhora significante em todos parâmetros estudados, observando-se que tal melhora ocorreu entre a 3ª e a 4ª sessões, sendo que a dispnéia e a alergia melhoraram a partir das 9ª e 21ª sessões, respectivamente (CARNEIRO et al 1997). No mesmo ano, realizaram outro estudo visando analisar os efeitos da acupuntura sobre a qualidade de vida em crianças asmáticas, onde observaram melhora significante em relação à assiduidade e rendimento escolares, práticas desportivas e redução no uso de medicamentos (CARNEIRO et al 1997). No ano seguinte, Carneiro et al aplicaram sessões de acupuntura em 17 crianças asmáticas, visando obter os efeitos desta terapêutica em relação à intensidade e duração das crises, valores espirométricos e infecções de repetição. Os resultados obtidos, após análise com os testes Kappa, de 277 concordância, McNemar e Wilcoxon apresentaram melhora significante dos parâmetros estudados (CARNEIRO et al 1998). Já em 1999, eles realizaram um estudo com a finalidade de avaliar o efeito da acupuntura sobre o peso, estatura e índice de massa corporal de crianças asmáticas. A amostra foi composta de 34 crianças portadoras de asma, as quais foram dispostas em dois grupos: o primeiro constituído por 17 crianças que receberam tratamento por acupuntura utilizando-se pontos específicos para o tratamento da asma e o segundo com 17 crianças que receberam tratamento com broncodilatadores por vias oral e inalatória, sem corticóides. Observou-se, nos parâmetros estudados, melhora significativa no grupo acupuntura em relação ao grupo controle (CARNEIRO et al 1999). Dominguez e Mirabal realizaram um estudo com 56 indivíduos, 34 mulheres e 22 homens, com idades variando entre 19 e 40 anos, onde foram aplicadas sessões de acupuntura em pontos específicos para o tratamento da asma. A melhora do quadro clínico, referida como um maior espaço de tempo entre as crises, variando entre 45 e 60 dias, foi observada por 35 pacientes, após 60 dias do início do tratamento, e por 49 indivíduos, passados 6 meses, ao final do estudo (DOMINGUEZ, MIRABAL 1999) Estrada, Valdivia e Estrada realizaram um estudo com 200 pacientes asmáticos, sendo 125 adultos e 75 crianças, aplicando 10 sessões de acupuntura, com 30 minutos de duração cada, onde 161 indivíduos apresentaram bom resultado, 26 relataram melhora parcial, 10 não observaram alterações e 3 não apresentaram boa evolução com a terapêutica. Após o tratamento, mais de 80% dos pacientes não apresentaram os sintomas durante um período de 3 meses (ESTRADA, VALDIVIA, ESTRADA 2002). Guerra, Hidalgo e Lopez realizaram um estudo com 30 crianças, variando de 7 a 14 anos, cujo diagnóstico era de asma grave, aplicando sessões de acupuntura, de 20 minutos cada, durante 10 dias alternados. Foi observado melhora da dispnéia já a partir da primeira sessão e outros progressos foram alcançados no decorrer do tratamento, sendo que ao final do mesmo, 86,6% da amostra apresentou melhora considerável do quadro e 13,4% relatou melhora parcial. Observou-se que as crises asmáticas se 278 mantiveram em poucos pacientes e que alguns não mais as apresentou após a terapêutica (GUERRA, HIDALGO, LOPEZ 2000). CONCLUSÃO Para que a terapia por acupuntura seja realizada adequadamente, são necessários determinados fatores, dentre eles um diagnóstico correto, um planejamento terapêutico adequado, uma correta escolha dos pontos e uma combinação balanceada dos mesmos. A base teórica da Medicina Tradicional Chinesa e seu modo de tratamento, como dito anteriormente, concentram-se mais nos sintomas do que nas doenças propriamente ditas. A asma, sendo uma doença bem definida, com etiologia e patologia muito bem especificadas, deve ter seus sintomas correspondentes à base da MTC adequadamente identificados, visando um diagnóstico e tratamentos eficazes com a acupuntura. Assim, o problema principal na asma é uma deficiência nos sistemas de defesa do Qi do Pulmão (Fei) e do Rim (Shen), que permite que o vento penetre e aloje-se nos brônquios causando crises de broncoespasmo, cuja dificuldade em expelir não está relacionada à mucosidade, e sim à deficiência dos sistemas de defesa do Qi do Pulmão (Fei) e do Rim (Shen). Até que essa deficiência seja resolvida, o vento não pode ser expelido. Ao final do tratamento, os pacientes devem ser orientados quanto às medidas preventivas, tais como evitar o consumo de quantidades excessivas de laticínios, doces, alimentos fritos e gordurosos, exposição ao frio e ao vento sem uso de roupas adequadas. Os adultos, particularmente, devem descansar o suficiente e evitar atividade sexual excessiva. Tanto crianças quanto adultos devem ser tratados imediatamente aos primeiros sinais de invasão de vento externo, uma vez que tais invasões facilmente precipitam crises de asma em indivíduos suscetíveis. REFERÊNCIAS CARNEIRO, E.R.; YAMAMURA, Y.; MENEZES, A.A.; TABOSA, A.; NOVO, N.F.; ESPER, R.S.. Efeito da acupuntura no tratamento dos parâmetros clínicos da asma brônquica em crianças. Rev. paul. acupunt;3(2):57-62, 1997; 279 CARNEIRO, E.R.; YAMAMURA, Y.; MENEZES, A.A.; TABOSA, A.; NOVO, N.F.; ESPER, R.S.. Efeito da acupuntura no tratamento da asma brônquica em crianças, em relação à qualidade de vida. 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São Paulo, Roca, 2003. 281 PREVALÊNCIA DAS ENTEROPARASITOSES NO ORFANATO LAR DA CRIANÇA, NO BAIRRO DE VILA LAURA, SALVADORBA Márcia Moreira102 Karen Pereira103 Vera Lucia da Silva104 Denise Passos105 RESUMO: No Brasil as enteroparasitoses estão entre os principais problemas de saúde publica principalmente em crianças por provocarem: má absorção, diarréia crônica, dor abdominal, desnutrição, atraso no crescimento, anemia e dificuldade de concentração no aprendizado, o que resulta no baixo rendimento escolar. Realizar o diagnóstico, através do exame parasitológico de fezes é de suma importância para determinar a prevalência das enteroparasitoses, a fim de promover o tratamento correto, e acompanhar a eficácia dos diferentes medicamentos a serem utilizados. O objetivo desse estudo é determinar a prevalência das enteroparasitoses presentes em crianças de 0 a 17 anos, que vivem no orfanato Lar da criança, no bairro de Vila Laura, Salvador-BA, associar à prevalência encontrada as condições socioeconômicas. Além de estabelecer medidas preventivas das infecções parasitárias através de ações educativas, a fim de evitar o aumento dessas parasitoses (epidemias) e promover a saúde física e mental das crianças menos favorecidas. Foi realizada a coleta das amostras de fezes em coletores apropriados (coprotest), uma amostra por criança. O exame parasitológico foi realizado no laboratório de parasitologia da FIB, utilizando a técnica de centrifugação, com leitura de três lâminas de cada amostra. No grupo de criança, a prevalência de enteroparasitoses foi de 65%, das 20 amostras de fezes coletadas 13 obtiveram resultados positivos. Dessas 13 crianças positivas, 61,5% (8/13) apresentaram um ou mais parasitos e 38,5% (5/13) estavam monoparasitados . Entre as enteroparasitoses causadas por protozoários, foi encontrada uma maior prevalência de Endolimax nana 50% (10/20) seguida pela Entamoeba coli 30% (6/20) e Giardia lamblia 0,4% (2/20). Para enteroparasitoses causadas por helmintos encontramos 0,4% (2/10) de Ascaris lumbricoides, seguido por 0,2% (1/20) de Trichuris trichiura. Grupo de adultos obtivemos uma prevalência de 77,7% (7/9) de enteroparasitoses, sendo as mais prevalentes a Entamoeba coli 44% (4/9) e a Endolimax nana 44% (4/9), seguida pela Entamoeba histolytica 22,2% (2/9) e 11,1% (1/9). Os achados enfatiza a necessidade de criação e execução de políticas publica que divulgue orientações higiene domestica e educação sanitária nas instituições de ensino. Além de chamar atenção para a cruel realidade que vive as nossas crianças e apoiar instituições como a de nosso estudo. PALAVRAS-CHAVE: Prevalência. Parasitoses. Enteroparasitoses 102 103 104 105 282 ABSTRACT: Brazil, intestinal parasites are among the major public health problems especially in children because they cause: malabsorption, chronic diarrhea, abdominal pain, malnutrition, stunted growth, anemia, and difficulty concentrating on learning, resulting in poor academic performance. Make a diagnosis through the examination of stools is very important to determine the prevalence of intestinal parasites in order to promote the correct treatment, and monitor the effectiveness of different drugs to be used. The aim of this study is to determine the prevalence of intestinal parasites found in children aged 0 to 17 years, living in the orphanage home of the child in the neighborhood of Villa Laura, Salvador-BA, associate with the prevalence socioeconomic conditions. In addition to establishing preventive measures for parasitic infections through educational activities in order to avoid the increase of these parasitic diseases (epidemics) and promote physical and mental health of disadvantaged children. Was performed to collect the stool samples in appropriate collectors (coprotest), one sample per child. The stool examination was performed in the laboratory of parasitology of the FIB, using the technique of centrifugation, with readings from three slides for each sample. In the group of children, the prevalence of intestinal parasites was 65%, from 20 stool samples collected 13 were positive. Of these 13 positive children, 61.5% (8 / 13) had one or more parasites and 38.5% (5 / 13) were mono. Among the parasitic infections caused by protozoa, was found a higher prevalence of Endolimax nana 50% (10/20) followed by Entamoeba coli 30% (6 / 20) and Giardia lamblia 0.4% (2 / 20). To caused by intestinal helminths found 0.4% (2 / 10) of Ascaris lumbricoides, followed by 0.2% (1 / 20) of Trichuris trichiura. Group of adults found a prevalence of 77.7% (7 / 9), parasitic infections, being the most prevalent Entamoeba coli 44% (4 / 9) and Endolimax nana 44% (4 / 9), followed by Entamoeba histolytica 22, 2% (2 / 9) and 11.1% (1 / 9). The findings emphasize the need for developing and implementing public policies to disseminate guidelines domestic hygiene and health education in educational institutions. Besides calling attention to the cruel reality that lives our children and supporting institutions such as our study. Keywords: Prevalence. Parasites. Protozoans. INTRODUÇÃO As parasitoses intestinais ou enteroparasitoses apresentam ampla distribuição geográfica no Brasil e acometem principalmente crianças de faixas etárias mais baixas e provenientes de comunidades com condições socioeconômicas precárias, podendo causar diarréia, emagrecimento, desnutrição, dificuldade no aprendizado e no crescimento (1,7). A transmissão desses agentes ocorre na maioria dos casos por ingestão de água ou alimentos contaminados com os ovos ou cistos dos parasitos. Sendo a maior prevalência ligada às condições higiênicas sanitárias deficientes, falta de tratamento de água e esgoto, a manipulação incorreta dos alimentos e a falta de higiene pessoal, fatores que facilitam a disseminação de cistos de 283 protozoários e ovos de larvas de helmintos (2). A evidência disso é demonstrada em um estudo realizado na cidade de Salvador-BA, utilizando crianças em idade escolar revelou 66,1% de infectadas. Destas 38,6% por Trichuris trichiura, 31,2 % por Ascaris lumbricóides, seguido por ancilostomídeos 8,4%, giárdia 8,9 % e Entamoeba 5,5%. Entretanto, após a implantação do Programa de Saneamento Básico Bahia Azul houve uma redução da prevalência dessas parasitoses (1;3). Em contraste com a alta prevalência 89,1% (79,5% T. trichiura, 55% A. lumbricóides, 28% ancilostomídeos) na área do recôncavo (4). Outro estudo (sertão baiano) encontrou uma prevalência de 70,7% de crianças infectadas por ovos e/ou cistos (maior prevalência 48,3% para A. lumbricóides e G. duodenalis), vale salientar que a maioria das crianças que participaram desse estudo viviam sem água potável, sem saneamento básico, com hábito de defecar próximo ao domicílio, por não ter sanitários em sua casa, sendo o banho realizado em bacias ou locais coletivos, além de freqüentar açudes para laser. Além de uma renda familiar próximo ao salário mínimo (5). Em 2005, outro estudo realizado em um local onde existe bom saneamento básico, foi encontrada uma prevalência 11,5% de enteroparasitoses, mas que puderam ser relacionadas a aspectos socioeconômicas, foi escolhido uma escola de maior taxa de parasitismo (23,5%) para realizar ações educativas, onde a prevalência caiu para 6,6% após dois anos desse trabalho (6). Sendo assim, o objetivo desse estudo é de determinar a prevalência das enteroparasitoses presentes em crianças de 0 a 17 anos, que vivem no orfanato Lar da criança, no bairro de Vila Laura, Salvador-BA. E dos funcionários do próprio orfanato com idade de 19 a 53 anos, associar a prevalência encontrada às condições socioeconômicas e de higiene e adotar medidas preventivas que possam reduzir a incidência dessas parasitoses MATERIAIS E MÉTODOS Neste estudo, foram utilizadas amostras de fezes de 20 crianças de ambos os sexos, de 0 a 17 anos de idade, residentes no Orfanato Lar da Criança, Vila Laura, Salvador-BA e 09 funcionários, de 19 a 53 anos. Foi realizada visita para a observação das instalações do orfanato, principalmente 284 cozinhas e sanitários, preparo dos alimentos, freqüência que ingerem verduras cruas, fonte da água, higiene dos funcionários e crianças. Essas observações foram somadas a aplicação de um questionário (Anexo 1) para obter mais informações sobre o orfanato, crianças e funcionários, através deste foi constatado, presença de seis dormitórios, um berçário, sala, cozinha, uma copa, onde as crianças fazem as refeições, e três banheiros (um masculino, um feminino e um misto para funcionários). Todas as crianças são carentes, com baixo nível sócio-econômico, abandonadas. maltratadas pelos pais e até mesmo A participação das crianças foi previamente autorizada pela responsável do orfanato. Foi realizada a coleta das amostras de fezes em coletores apropriados (coprotest), uma amostra por criança. O exame parasitológico foi realizado no laboratório de parasitologia da FIB, utilizando a técnica direta e de centrifugação, com leitura de duas lâminas de cada amostra. Em objetivas de 10x e 40x com uso de lugol. Após a realização do exame os resultados foram repassados para a diretora do orfanato, assim como, informativos contendo medidas profiláticas foram divulgados para os funcionários da instituição. RESULTADOS No grupo de crianças, a prevalência de enteroparasitoses foi de 65%, das 20 amostras de fezes coletadas 13 obtiveram resultados positivos (Tabela 1). Dessas 13 crianças positivas, 61,5% (8/13) apresentaram um ou mais parasitos e 38,5% (5/13) estavam monoparasitados (Tabela 2). Entre as enteroparasitoses causadas por protozoários, foi encontrada uma maior prevalência de Endolimax nana 50% (10/20) seguida pela Entamoeba coli 30% (6/20) e Giardia lamblia 0,4% (2/20). Para enteroparasitoses causadas por helmintos encontramos 0,4% (2/10) de Ascaris lumbricoides, seguido por 0,2% (1/20) de Trichuris trichiura (Tabela 3). Grupo de adultos obtivemos uma prevalência de 77,7% (7/9) de enteroparasitoses, sendo as mais prevalentes a Entamoeba coli 44% (4/9) e a Endolimax nana 44% (4/9), seguida pela Entamoeba histolytica 22,2% (2/9) e Giárdia lamblia 11,1% (1/9). DISCUSSÃO 285 Uma análise preliminar dos dados encontrados indica que a população em estudo possui elevado índice de parasitismo visto que 65% (13/20) das crianças e 77% (7/9) dos adultos estão infectados com cistos e/ou ovos de enteroparasitos, com maior freqüência de Endolimax nana 50% (10/20) seguida pela Entamoeba coli 30% (6/20) para protozoários, e Ascaris lumbricóides (0,4%) para helminto, em crianças. No grupo dos funcionários não foi encontrado ovos de helmintos, foi observado um achado com mesmo perfil de parasitismo, onde a Entamoeba coli 44% (4/9) e a Endolimax nana 44% (4/9) foram as mais freqüentes, seguida pela Entamoeba histolytica 22,2% (2/9), Giárdia lamblia 11,1% (1/9) para protozoários. Fato que pode sugerir ciclo de recontaminação entre funcionários e crianças. Apesar da transmissão mais comum serem a oro-fecal (própria criança se contamina) e ingestão de alimentos já contaminados, não podemos descartar a contaminação no momento do preparo do mesmo por falta de condições adequadas de higiene. A positividade de 65% nas crianças foi superior a observada num estudo em creches no Rio de Janeiro onde a positividade foi de 35,04% (4). Aos resultados obtidos em Ribeirão Preto-SP de 29,8% (11), e aos encontrados Niterói-RJ que foi de 55% de prevalência em crianças, e 34,9% funcionários (8) em relação aos do nosso estudo 77%, porém, obedecendo ao padrão de freqüência dos enteroparasitas, encontrada em nossos achados: E. coli 26,6 %, E. nana 17,7 % e E. histolytica 11,6%, sendo a E. coli, também a mais freqüente nos funcionários. Houve uma diferença em relação à prevalência alta 21,4% de G. lamblia, em relação 0,4% positividade do nosso estudo, essa baixa ocorrência pode ser devida ao uso de água potável e presença de saneamento básico, variante entre os dois estudos (8). Outra questão que pode explicar essa diferença de prevalência é o fato de usarmos somente uma amostra de fezes por pessoa e da realização de técnicas de concentração ou mais especificas (Baermman). Isso pode justificar também a baixa freqüência ou ausência de outros enteroparasitas. O uso de uma única amostra de fezes é tão relevante que pode ser o motivo de aparecer uma taxa de 35% de crianças negativas para as enteroparasitoses, apesar de compartilharem o mesmo ambiente e estarem submetidas a mesmas rotinas, e expostas aos mesmos fatores de riscos. A nossa taxa de prevalência 65% (crianças) foi bem superior 286 a taxa de 11,5% encontrada em Estiva Gerbi, SP, essa diferença pode ser explicada por melhor condição de saneamento nesta região. Vale salientar que esta prevalência caiu para 6,6% após dois anos de trabalho com oficina que ensinava, cuidados de higiene, tais como, lavar corretamente as mãos e alimentos (6), reforçando a associação entre enteroparasitose e falta de hábitos de higiene. Os nossos achados foram compatíveis com os resultados de 68,6% em filhos em idade pré escolar, de operários em Manaus (12), e com estudo realizado em Santa Catarina, onde a prevalência encontrada 73,3% e o protozoário mais freqüente foram a Entamoeba 27,3% e helminto foi o Ascaris 38%, mesmo padrão de nosso estudo (9). Nossos achados foram proporcionais com estudo realizado em Salvador que demonstrou uma prevalência de 66% de enteroparasitose, nas crianças em idade escolar, entre os achados destacam-se T. Trichiura (38,6%), Ascaris (31,2%), Ancilostomídeo (8,4%), Giárdia (8,9%) e 5,5% para Entamoeba histolytica (1). Entretanto, após a implantação do Programa de Saneamento Bahia Azul houve uma queda significativa da prevalência dessas enteroparasitoses na população da capital (3). Já nas regiões não alcançadas pelo programa como, o recôncavo baiano e Sertão Baiano as taxas encontradas foram de 89% e 70,7% respectivamente (4,5), ratificando a forte ligação da de saneamento o aumento das taxas de enteroparasitoses. Analisando um estudo realizado em um orfanato-SP, população amostragem similar a nossa: Revelou uma prevalência de 65% de monoinfectados e 34,5% das crianças apresentavam entre duas ou mais formas parasitárias (10). Em contraste com os nossos achados, onde das 13 crianças 38,5% (5/13) estavam monoparasitados, 61,5% (8/13) apresentaram positivas para um ou mais parasitos. Esse fato pode ter associação a condições higiênico-sanitaria precárias, e baixas condições sócio-econômicas do orfanato em estudo, que sobrevive de doações de voluntários, onde as verduras e frutas são as sobras de supermercados doadas. Além das crianças serem muito carentes trazidas das ruas por abandono familiar ou maus tratos graves. Os achados enfatizar a necessidade de criação e execução de políticas publica que divulgue orientações higiene domestica e educação sanitária nas instituições de ensino. Além de chamar atenção para a cruel 287 realidade que vive as nossas crianças e apoiar instituições como a de nosso estudo. CONCLUSÃO Esse estudo foi desenvolvido para verificar as condições de saúde de crianças carentes que vivem no orfanato Lar da criança, no bairro de Vila Laura, em Salvador. Foi verificado um elevado número de crianças e funcionários contaminados, como em Salvador tem saneamento básico, esta alta prevalência tem como fator de risco maus hábitos de higiene pessoal, ambiental e no preparo dos alimentos. Implicando na necessidade de implantação de políticas de saúde públicas mais eficazes, que propicie uma qualidade de vida mais saudável a esta faixa da população brasileira. Que para esse estudo pode ser um número pequeno, mas reflete um número muito maior. REFERÊNCIAS PRADO, MD, Barreto ML, Strina, A, Faria, JAS, Nobre AA e Jesus, SR, Prevalência e intensidade da infecção por parasitas intestinais em crianças na idade escolar na cidade de Salvador (Bahia, Brasil). Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 2001; 34 (1): 99 -101. CARDOSO GS, Santana ADC, Aguiar CP, Prevalência e aspectos epidemiológicos da giardíase em creches no município de Aracaju, SE, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 1995; 28: 25 -31. 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FERRARONI, M.J.R. et al.Prevalência de enteropatias na cidade de Manaus.J.Pediatria,67: 24-28,1991. 289 Anexo 1 EDUCAÇÃO EM SAÚDE, COM ENFOQUE EM PARASITOSES INTESTINAIS, ENTRE CRIANÇAS ASSISTIDAS PELO ORFANATO: LAR DA CRIANÇA 290 Contatos:________________________________________________________ Endereço:________________________________________________________ Data da entrevista: _____/_____/_____ DADOS PESSOAIS: Número de crianças:_________________________________________________ Número de meninos:_________________________________________________ Número de meninos:_________________________________________________ Idade (anos): _______________________________________________________ Média:__________________________________ SOBRE A FAMÍLIA ESCOLARIDADE DOS PAIS: Não alfabetizado________________________________________________________ 1ª à 4ª serie________________________________________________________ 5ª à 8ª serie________________________________________________________ Ou mais___________________________________________________________ Profissão do pai____________________________________________________ Profissão da mãe___________________________________________________ Renda familiar mensal: 1 à 3 salários Até um salário mínimo Mais que 7 salários 4 à 6 salários 0.NS CARACTERÍSTICAS DO DOMICÍLIO Número de cômodos utilizados para dormir: ______________________________ Número de Crianças por cômodo para dormir:____________________________ 291 Uso da instalação sanitária__________________Quantos banheiros___________ Banheiros de funcionários separados____________________________________ Abastecimento de água_______________________________________________ HÁBITOS ALIMENTARES E DE HIGIENE Tipo de água utilizada para beber____________________________________________ 1. Filtrada:____________________ Consome verduras cruas? 1. Sim 2. Não 9. NR 0. NS As frutas e verduras consumidas têm algum preparo especial? 1. Lavadas (água filtrada/fervida) 2. Lavadas (água sem tratamento) 3. Lavadas (água + vinagre/água sanitária) 4. Não Quem prepara as refeições______________________ Costuma lavar as mãos antes de comer? 1. Sim 2. Não 3. Às vezes Costuma lavar as mãos depois de ir ao banheiro? 1. Sim 2. Não 3. Às vezes Destino do lixo: 1. Recolhido Outros: _____________________ Rotina de exame de fezes: 1. Sim 2. Não _______________________________ Tem orientações sobre vermes? 292 SER MULHER E HOMOSEXUAL: UM DIREITO DE SER DIFERENTE A WOMAN AND HOMOSEXUAL: A RIGHT TO BE DIFFERENT Jaylla Maruza R. S. e Silva106 RESUMO: Este artigo refere-se às mulheres homossexuais. Representantes de dois dos grupos historicamente discriminados (dentre eles, encontram-se, ainda, os idosos, deficientes, negros, entre outros). Através do multiculturalismo mundial; que insere a coexistência de grupos diversos chegase à possível solução para sanar as diferenças sofridas por tais grupos por meio das ações afirmativas, no sentido de concretizar a dignidade humana e o direito à igualdade. Palavras-chave: Gênero, Homossexualidade, Multiculturalismo, Dignidade, Ação afirmativa. ABSTRACT: This article refers to homosexual women. Representatives of two of historically discriminated groups (among them, are also the elderly, disabled, blacks, among others). Through multicultural world, which inserts the coexistence of diverse groups arrive at a possible solution to resolve differences experienced by these groups through affirmative action in order to achieve human dignity and the right to equality. Keywords: Gender, Homosexuality, Multiculturalism, Dignity, Affirmative action. INTRODUÇÃO A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948, vem sendo refletida por todo o mundo, motivando o debate concernente à democracia, que pode ser compreendida como o regime político destinado a proteger e promover os direitos humanos. Esse Estado democrático de direito, influenciou o constitucionalismo contemporâneo visando à constatação do direito do cidadão participar das práticas estatais, de forma igualitária. 106 Graduada em Direito pela Fadivale/MG. Pós Graduada em Direito Civil pela UFBA. Mestranda em Direito das Relações Sociais e Novos Direitos no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Advogada. Professora do curso de Direito da Faculdade Regional da Bahia – UNIRB. 293 Com o advento da Constituição de 1988, do Estado democrático de direito e de uma sociedade moderna e pluralista, o princípio da igualdade se fortalece, com a finalidade de respeitar as diferenças. O respeito às peculiaridades individuais e coletivas dos diversos grupos de pessoas que se distinguem por origem, sexo, opção sexual, idade, raça etc é a maneira atual de externar a preocupação com os direitos humanos.2 Os alvos mais comuns dessa diferença são grupos vulneráveis e que, por isso, merecem ser tratados com igualdade e não serem discriminados. Essa pesquisa ater-se-á à diferença direcionada às mulheres homossexuais. As mulheres e os homossexuais representam dois dos grupos discriminados historicamente. Dentre os quais podemos citar os deficientes, os idosos, os negros e os étnicos, entre outros. O multiculturalismo mundial, reflexo de imigrações ao longo da historia, possui a finalidade de possibilitar a coexistência de grupos diversos, cada qual com seus costumes e hábitos de vida, com respeito e solidariedade. Esse diálogo pacífico faria surgir várias interpretações para um mesmo tempo, enriquecendo sobremaneira a cultura de cada povo. Os costumes religiosos são um marco na determinação histórica dessas culturas. O remédio encontrado para integrar esses grupos, que por destoarem dos padrões comportamentais, foram marginalizados socialmente, por conta de uma herança discriminatória, são as ações afirmativas. Estas promovem esses grupos lesados pela discriminação, à condição de protagonistas no campo social, exercendo, de forma plena, sua dignidade. Eles deixam de serem vistos como uma marca infamante – mulher, homossexual, para seres reconhecidos como indivíduos, protegidos e exaltados pela Constituição Federal de 1988, em todos os seus direitos. Tais ações afirmativas possuem um caráter temporário. Elas perduram ate desaparecer o fator discriminatório que deu causa à sua implementação. O perigo dessas ações é se criar um abismo entre o que é padrão e o que não é. E, definitivamente, essa não é a destinação, nem das ações afirmativas, nem do multiculturalismo. A coexistência é o objetivo. 294 Não há como falar em direito à diferença sem abordar a dignidade da pessoa humana. Ressalta-se que esta não pode ser engessada. Tendo que ser aplicada e ajustada, ao caso concreto. Como braço da dignidade humana tem-se o direito à igualdade, e seus desdobramentos, e o direito a não-discriminação, promovendo o individuo como fim da norma. E, se o individuo é fim, a ordem deve existir para atender a cada um em seus direitos, deixando-os livres para gerir suas vidas da forma que lhes aprouver. A reprodução assistida é uma das formas de casais homossexuais exigirem esses direitos, tendo em vista o direito à saúde e a não violação de sua opção sexual, entre outros. MULTICULTURALISMO Uma das significações de cultura, a mais antropológica; e que interessa a esta pesquisa, diz respeito a formas de vida, “aos saberes quotidianos, às imagens e aos mitos”. Estes estilos de vida remete ao “culturalismo, comunitarismo, de minorias (grupos étnicos, religiosos, sexuais) e, sobretudo, de identidades (nacionais, locais, sociais etc).3 Multiculturalismo reflete a existência de várias culturas em um mesmo lugar (país, região etc).4 Minorias que representam raça, etnia, orientação sexual, sexo e classe social são alguns dos grupos que representam uma diversidade cultural. No Brasil, existe uma grande distancia entre o discurso multiculturalista e a pratica social. Um fenômeno que nasceu como ideal de sociedade nos países europeus, o multiculturalismo, em países como a França, Holanda, Inglaterra, representa a preocupação da sociedade elitizada em proteger os excluídos, através de medidas, como a redistribuição de renda, que facilitem a integração desses marginalizados ao seio social. 5 No multiculturalismo, as culturas estabelecem um diálogo, com finalidade de coexistência, onde todas adquiram um resultado satisfatório. A pluralidade de culturas enseja diferentes abordagens do mesmo tema6. Esta multiplicidade de culturas pode ser relativista; onde não existem critérios para instituir uma conversa entre grupos sociais diversos, e, pode 295 também ser universalista; valores mínimos; que podem ser traduzidos em direitos humanos, apresentando-se como suficientes para uma boa convivência entre diversos grupos culturais. Ou seja, é a aceitação, por todos, da existência de varias culturas e opiniões, respeitando a diversidade, seja ela racial, sexual, de gênero, entre outras tantas que há.7 Desta forma, põe-se limite ao respeito às tradições culturais e ao direito à diferença, quando este esbarra nos Direitos Humanos. Esse conceito de universalismo não significa unificar os pensamentos. Acima de tudo se encontra a dignidade de cada individuo. E ela deve ser respeitada. Para tanto, deve existir um mínimo de direitos, que são os direitos humanos. O universalismo, não se configura em qualquer manifestação cultural, mas apenas naqueles que afetam direitos (fundamentais) na seara internacional. À exceção disto, cada grupo social possui liberdade para exercer seus costumes, tradições e planos de vida. 8 Como exemplo de multiculturalismo relativo pode-se citar a circuncisão feminina, que acontece em diversos países da África do Norte, onde as mulheres ao completar uma determinada idade, são obrigadas a submeter-se a uma cirurgia de retirada do clitóris, que além de brutal, na visão ocidental, pois não é utilizada anestesia, ainda expõe a mulher a uma infecção pela falta de condições higiênicas.9 Uma manifestação do multiculturalismo universal são os direitos humanos, presentes na Declaração dos Direitos do homem e do cidadão (1978). O Brasil, por exemplo, é um país multicultural, devido às diversas imigrações no decorrer dos tempos. Onde a discriminação racial e de gênero foram umas das conseqüências de padrões culturais importados da Europa.10 De acordo com Mônica Aguiar, o multiculturalismo tem por finalidade a existência concomitante de várias culturas. Acontece que, na prática, essa proteção a grupos sociais diversos tem gerado um abismo cultural. Entende a autora que esse isolamento é conseqüência de conceitos pré-estabelecidos em relação àquilo que não se enquadra nos padrões culturais de determinada sociedade.11 296 Um exemplo deste isolamento cultural são as escolas específicas12, quer terminam por criar um verdadeiro abismo entre as diferentes culturas. Acontece que, a discriminação de raça, gênero, inclinação sexual, etnia e ordem financeira continuam a existir.13 Para combater essa segregação, uma das opções seria ações afirmativas. Estas ações podem ser executadas de diversas formas “tratam de aplicação de leis, regulamentos, políticas voluntárias e, sobretudo, de decisões judiciais”.14 AÇÃO AFIRMATIVA As ações afirmativas foram desenvolvidas visando à integração cultural, o bem-estar daqueles discriminados e a promoção das minorias. Surgiu nos Estados Unidos da América, na Década de 60 – “Affirmative Action”. Tendo como destinação a difusão de oportunidades para grupos sociais excluídos, em especial negros e mulheres.15 A população norte-americana, na época, defendia que o Estado americano, além de assegurar leis anti- segregacionistas, assumisse uma posição ativa para melhorar as condições de vida daqueles grupos discriminados (mulher, negros, étnicos etc)16. As áreas onde existem um maior desequilíbrio social são as concernentes à saúde, ao acesso a contratos públicos, educação, moradia, ao emprego, entre tantas outras. A igualdade de condições e acessos à esses recursos e o respeito à diversidade de opiniões e costumes são a finalidade das ações afirmativas. Não apenas adstrita aos Estados Unidos, a ação afirmativa, também, foi experimentada por países da Europa ocidental, Índia, Canadá, Malásia, Austrália, Cuba, África do Sul, Nigéria, Argentina, dentre tantos outros.17 A expressão ação afirmativa foi desenvolvida em diversos países e, por isso, assumiu sentidos diferentes de acordo com o país em que estava sendo implantada, refletindo as experiências históricas de cada país. Tendo em vista estas composições variadas, de acordo com cada país em que estava sendo desenvolvida, a ação afirmativa adquiriu termos como: “ações voluntárias, de caráter obrigatório, ou uma estratégia mista; programas governamentais ou privados; leis e orientações a partir de decisões jurídicas ou agências de fomento e regulação”.18 297 Dos tipos de ação afirmativa, um dos mais conhecidos é o sistema de 19 cotas . Implantado, principalmente, em universidades públicas e concursos públicos, as cotas são um determinado numero de vagas que são destinadas a um determinado grupo discriminado (por exemplo, negros, deficientes, mulheres, entre outros) ao longo da história, visando oferecer oportunidades para que esses desiguais consigam tratamento igualitário na medida de suas desigualdades. Para Álvaro Cruz, ação afirmativa é: [...] uma necessidade temporária de correção de rumos na sociedade, um corte estrutural na forma de pensar, uma maneira de impedir que relações sociais, culturais e econômicas sejam deterioradas em função da discriminação.20 As ações afirmativas são um meio, utilizado pelas sociedades democráticas, para extinguir a discriminação ilícita, que é uma realidade histórica. Tal discriminação é um fato, onde fatores econômicos são apenas um dos contribuintes, assim como o religioso, histórico, cultural, sociológico, antropológico etc.21 As ações afirmativas são baseadas em algumas teorias, desenvolvidas ao longo dos anos, como a teoria da compensação e a utilitarista. Esta (utilitarista) defende um “mecanismo de redistribuição de bens e oportunidades”, extremamente perigoso, por abrir caminho para o surgimento de novas discriminações. Álvaro cruz, afirma que essa concepção utilitarista abre caminho para a arbitrariedade e esvazia a legitimidade das ações afirmativas.22 A teoria compensatória surge, então, no sentido de validar as ações afirmativas, trazendo a idéia, como o próprio nome diz, da compensação, da indenização paga por causa de uma herança cultural de discriminações que causaram prejuízos a gerações passadas. A compensação desses prejuízos é dada aos descendentes dessas gerações. As criticas à esta teoria está no fato de que legislações que tratem de indenizações trazem que, apenas quem causou o dano é pode ser acionado e, portanto, culpar toda a sociedade seria um argumento apenas moral e não jurídico.23 298 A então teoria, defendida por autores, como Álvaro Cruz24, é a que as ações afirmativas se legitimam baseadas nos princípios do pluralismo jurídico e da dignidade humana. Onde, [...] a necessidade do reconhecimento de uma sociedade plural e democrática exige a participação formal, material e, sobretudo, procedimentalmente igualitária no tocante ao tratamento estatal e sua divisão social de oportunidades. De acordo com o mesmo autor, o melhor conceito para ações afirmativas é o que se segue: [...] são discriminações licitas que podem amparar/resgatar fatia considerável da sociedade que se vê tolhida no direito fundamental de participação na vida publica e privada.25 Ainda, no mesmo sentido, ações afirmativas: [...] são políticas públicas ou iniciativas privadas, objetivando a efetivação do princípio constitucional da igualdade e a eliminação dos efeitos da discriminação étnico-racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de constituição física. São concebidas como políticas particularistas (portanto diferencialistas), que têm como propósito declarado, a eliminação da discriminação, a promoção da inclusão e da redução dos índices de pobreza entre brancos e negros.26 AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL A Constituição da Republica de 1988, recepcionou a dignidade humana como princípio maior, colocando o ser humano no centro das argumentações e decisões. O ser humano é o fim, e não o meio, de todas as ações. No Brasil, as ações afirmativas possuem duas características: o Estado intervindo para reparar a ineficiência de políticas preventivas, garantindo o cumprimento dos direitos sociais; e, a segunda, é o tempo de duração (são temporárias), que perduram apenas enquanto existirem as desigualdades e exclusões sociais.27 No Estado Democrático de Direito as ações afirmativas é um recurso indispensável a sua estruturação e, por conseguinte, não pode ser encaradas como ‘esmolas’ ou proteção política, mas como conduta de discriminação licita.28 No Brasil, o racismo é crime inafiançável (art. 5º, XLII, CF/88). A liberdade de expressão, de crença, é inviolável (art. 5º, VI, CF/88). O homem e 299 a mulher são iguais (art. 5º, I, CF/88). E todos os entes federativos devem proteção aos portadores de deficiência (art. 23, II, CF/88). Tem-se como exemplos dessas ações, no Brasil: as cotas universitárias para negros e pobres. O percentual, nos concursos públicos, destinado aos deficientes. A igualdade salarial para as mulheres que exercem os mesmos cargos e funções que os homens. A implementação das Delegacias de Polícia da Mulher; especializada no combate aos crimes cometidos contra a mulher. A Lei nº 11.340/2006 - Maria da Penha, que protege as mulheres da violência doméstica. Ainda em favor das mulheres, a Lei nº 9.504/97, que em seu art. 107, §3º, reserva um mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Outro exemplo que pode ser dado como ação afirmativa no Brasil, foi a indicação, da “primeira mulher a ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, a Ministra Ellen Gracie Nortfleet”29, indicada pelo então Presidente, Fernando Henrique Cardoso. A mulher, que outrora era vista como uma criança tutelada, devendo obediência ao marido, alcança o direito à igualdade, com a Constituição da Republica de 1988. O direito foi alcançado, porém, pouco praticado, pois, ate os dias atuais é grande a desigualdade entre homens e mulheres. Apesar dessa desigualdade, as mulheres vêm superando-se, mesmo sem ajuda/facilitação da sociedade, e infiltrando no mercado de trabalho, em áreas antes consideradas apenas masculinas, como a engenharia, o direito etc.30 Álvaro Cruz afirma que as empresas têm preferido as mulheres devido ao seu perfil organizado. Criando, inclusive, creches para que o número de mulheres/empregadas possam ser maiores31, tendo em vista que o sentimento, experimentados por algumas, de abandonar o filho, é um dos motivos que não as permitem trabalharem. Ao contrário, dois dos motivos que tem feito as mulheres despirem-se do perfil brasileiro da década de 40, de dona de casa, e adentrar no mercado de trabalho são o surgimento e aumento das famílias monoparentais, onde, habitualmente, as mulheres como mães solteiras são as responsáveis pelo 300 sustento da família e; as condições financeiras na atualidade, que, por muitas vezes, faz com que as mulheres tenham que trabalhar para complementar a renda familiar.32 As crianças também foram protegidas com o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90. Os idosos, pelo Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003. Aos homossexuais, uma realidade em todo o mundo, há uma tentativa de ação afirmativa que há são: um projeto de lei nº 1.151/95 (Autoria de Martha Suplicy) que visa o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo – parceria civil registrada – conferindo aos homossexuais direitos sucessórios. Ainda, de autoria da ex-Deputada, tramita a PEC nº 139/95, alterando os artigos 3º e 7º da Constituição da República de 1988, propondo a proibição de segregação por causa da orientação sexual de cada ser. Note-se que esta tentativa de efetivar uma ação afirmativa em favor dos homossexuais, encontra dificuldades de aprovação, principalmente pela bancada evangélica. Tanto que um projeto que iniciou no ano de 1995 teve sua última ação no dia 31/05/2001, no plenário, para ser retirado de pauta. E, em 14/08/2007, por um requerimento do Dep. Celso Russomanno, solicitando a inclusão do mesmo na ordem do dia.33 Diante do fato, pode-se observar que setores conservadores, como o Congresso Nacional e representações religiosas, provocam um obstáculo, uma verdadeira resistência à consolidação de direitos para os homossexuais e, a implementação de ações afirmativas nesse sentido. Como exemplo, inclusive a ser seguido pelo Congresso Nacional, colase a esta pesquisa a lei municipal nº 8.176, de 29 de janeiro de 2001, aprovada pela Câmara Municipal de Belo Horizonte, que traz repressão contra atitudes discriminatórias, “dentre as quais multa, interdição de estabelecimento e, no caso de servidor publico, sua suspensão, chegando ate a seu afastamento definitivo”.34 No ano de 2002, o Decreto Federal nº 4.229, que lançou o PNDH2 – Segundo Plano Nacional de Direitos Humanos, Fernando Henrique Cardoso, na época Presidente da República, defendeu os homossexuais, e seus direitos, propondo: 301 “a) Proposta de emenda constitucional que proíbe expressamente a discriminação por orientação sexual; b) Exclusão do termo “pederastia” do Código Penal Militar; c) Inclusão nos censos demográficos e nas pesquisas oficiais dados relativos à orientação sexual; d) Promoção de campanha junto a operadores do Direito e a profissionais de saúde, bem como o esclarecimento de conceitos científicos e éticos relacionados à comunidade homossexual, entre outras”.35 Um Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/06, torna crime a discriminação e o preconceito contra homossexuais. Este Projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados (CD. PL. 05003/2001), em novembro de 2006. Atualizando, o projeto encontra-se, desde dezembro de 2008, com a relatoria – Comissão de Assuntos Sociais.36 Principalmente no Estado do Rio Grande do Sul, os julgados reconhecendo as uniões entre pessoas do mesmo sexo, vêm afirmando ações, mostrando que os homossexuais, em suas relações afetivas, merecem a proteção do Estado. Senão vejamos: “EMENTA: SUCESSÕES. INVENTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNIÃO HOMOAFETIVA. NOMEAÇÃO DO SEDIZENTE COMPANHEIRO COMO INVENTARIANTE. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. Ainda que a alegada união homoafetiva mantida entre o recorrente e o de cujus dependa do reconhecimento na via própria, ante a discordância da herdeira ascendente, o sedizente companheiro pode ser nomeado inventariante por se encontrar na posse e administração consentida dos bens inventariados, além de gozar de boa reputação e confiança entre os diretamente interessados na sucessão. Deve-se ter presente que inventariante é a pessoa física a quem é atribuído o múnus de representar o Espólio, zelar pelos bens que o compõem, administrá-lo e praticar todos os atos processuais necessários para que o inventário se ultime, em atenção também ao interesse público. Tarefa que, pelos indícios colhidos, será mais eficientemente exercida pelo recorrente. Consagrado o entendimento segundo o qual a ordem legal de nomeação do inventariante (art. 990, CPC) pode ser relativizada quando assim o exigir o caso concreto. Ausência de risco de dilapidação do patrimônio inventariado. RECURSO PROVIDO (ART. 557, §1º-A, CPC). (Agravo de Instrumento Nº 70022651475, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 19/12/2007)”. 37 302 Com o reconhecimento das uniões homossexuais, outros direitos também são certificados. Entre eles, a sucessão, alimentos, adoção de crianças e, para estrangeiro, que viva em união homossexual, visto de permanência no País. A instrução Normativa 25/2000, editada após a tutela antecipada concedida pela 3ª Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Sul nos autos da Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-038, proposta pelo Ministério Público Federal, assegura, ainda, o auxilio reclusão e a pensão previdenciária, que será concedido através da inscrição do companheiro no INSS, como dependente. Em decisão recente, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu a companheira da Prefeita do município de Viseu no Pará, como inelegível, conforme art. 14, §4º da Constituição Federal de 1988, identificando a união homossexual como entidade familiar, como adiante se apresenta: “REGISTRO DE CANDIDATO. Candidata ao cargo de prefeito. Relação estável homossexual com a prefeita reeleita do município. Inelegibilidade. (CF 14 § 7º). Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14 § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento. (TSE-Resp. Eleitoral 24564 – Viseu/PA – Rel. Min. Gilmar Mendes – j. 01/10/2004)”. Outra forma de reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo manifestou-se em 2004, através da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, do Ministério da Fazenda, também cumprindo antecipação de tutela, concedido nos autos da Ação Civil Pública nº 2003.61.00.026530-739, emitiu a circular nº 257, onde o companheiro homossexual, equiparado ao heterossexual, na condição de dependente, possui o direito de receber indenização do DPVAT – Danos pessoais causados por veículos automotores de Via terrestre e, também, pela morte de parceiro. Ainda, em concessão de tutela antecipada, em Ação civil Pública nº 2005.61.00900598-6, proposta pelo Ministério Público Federal, determinou que a autorização para doação de órgãos feita pelo companheiro homossexual do 303 falecido (a) seja atendida, pela União, através das Unidades que integram o Sistema Nacional de transplante, combatendo, assim, uma discriminação não autorizada pela Constituição.40 Portanto, para o direito, a família tem que ser vista como um fenômeno social e econômico, e, não apenas religioso e ético, merecendo, a proteção do Estado, por se apresentar a este como uma instituição jurídica.41 AÇÃO AFIRMATIVA NO MUNDO: RECONHECIMENTO HOMOSSEXUAL No direito estrangeiro a união homossexual já é reconhecida na Espanha, Holanda, Hungria, Bélgica e Groelândia. A Islândia (em 1996), a Suécia (em 1994), a Noruega (Lei 40, em 1993) e a Dinamarca (Lei 372/89, ou seja, o primeiro país do mundo que permitiu o registro da união de um casal homossexual), reconhecem o registro de parceria homossexual. A França (Lei 99-994 de 1994) promove o PACS – Pacto Civil de Solidariedade. A Holanda, desde 1998, autoriza o casamento civil entre homossexuais, bem como transforma as uniões já existentes em casamento.42 Em Washington, no dia 03/06/09, o Poder Legislativo de New Hampshire aprovou o casamento homossexual, tornando-se o sexto Estado norteamericano a reconhecer o direito. Ainda que não autorizem a adoção, por casais homossexuais, nem mesmo inseminação artificial em mulheres homossexuais.43 Entre os países contrários a união homossexual estão os islâmicos e mulçumanos; com pena de morte diante de simples manifestação da homossexualidade. E na Irlanda e a Grécia, onde a homossexualidade é considerada como ilícito penal. A Suprema Corte da Califórnia, no dia 26/05/09, confirmou a proibição do casamento homossexual. Aos casais que já haviam formalizado a união no período de tramitação da medida poderão manter o status adquirido.44 Dos países que ainda não possuem Leis especificas reconhecendo a união homossexual, mas reconhecem de alguma forma, conseqüências jurídicas provenientes dessa aliança, o Canadá, Brasil, Alemanha, o Estado americano de Nova Iorque, são alguns exemplos.45 304 No Brasil, uma igreja da comunidade metropolitana de São Paulo, realizou, na véspera da parada gay, dia 13/06/09, um casamento coletivo, onde quatro casais de lésbicas e dois casais de homens trocaram alianças.46 Atualmente, no Brasil, a união entre pessoas do mesmo sexo configura uma sociedade de fato, tratando-se de um acordo comercial47. Ou seja, o casal é tratado pela legislação brasileira como sócios. Assim, caso necessitem ir à justiça, por motivos relacionados ao casal, serão julgados por uma vara cível, lidando apenas com a divisão de bens, e não por uma vara de família. Alguns Tribunais brasileiros já se posicionam no sentido de equiparar as uniões homossexuais a uniões heterossexuais. Porém, a legislação em nenhum momento cita união entre pessoas do mesmo sexo. Independente do sistema jurídico brasileiro essa união é um fato e, portanto, merece a tutela jurídica. Em junho de 2008, a Advocacia-Geral da União emitiu parecer favorável a uma ADPF nº 13248, proposta pelo governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, reconhecendo legalmente a união estável de casais homossexuais. Caberá, então aos Ministros do STF decidirem se as leis brasileiras devem tratar a união entre pessoas do mesmo sexo da mesma forma como uma união entre homem e mulher. Veja que a ação não pretende equiparar a união homossexual ao casamento, mas sim à união estável entre casais heterossexuais. O casal homossexual não teria, por exemplo, direito a adotar o sobrenome do companheiro. Em 2006, a Associação Parada do Orgulho Gay, ingressou com uma ADIN – ação direta de inconstitucionalidade, contestando a definição de união estável, que configura-se apenas quando realizada entre homem e mulher. A ação foi extinta, pelo relator, Celso de Mello, que indicou a ADPF – arguição de descumprimento de preceito fundamental como o instrumento correto para tratar da questão. O ministro também externou que a união homossexual deve ser reconhecida como família e não apenas como sociedade de fato49. Apesar da omissão legislativa, no Rio Grande do Sul, desde o ano de 2004, os cartórios possibilitam aos casais homossexuais, com algum tipo de união estável, fazerem um registro neste sentido. E os processos no Rio 305 Grande do Sul, sobre relações homossexuais, são julgados pela vara de família.50 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Conforme Roxana Borges, a dignidade “deriva de sucessivas conquistas históricas que encontram raízes em vários momentos, tais como na doutrina cristã, no iluminismo, no kantismo e nas reações ao nazismo.” 51 Casabona e Beriain, afirmam que “a noção de dignidade está ligada ao valor próprio da pessoa, ate o extremo de que não pode haver pessoa sem dignidade nem dignidade fora do âmbito da pessoa”. Tudo isso ligado à concepção de pessoa como um ser autônomo. Assim, basta ser pessoa para possuir valor, ser digno.52 O mesmo autor destaca, ainda, que, por não haver um conceito concreto de dignidade, surge uma grande discussão sobre quais atitudes afetam a dignidade humana, gerando, portanto posições diversas na defesa da dignidade. Desta forma, conclui Espiell que a maior manifestação da dignidade são os direitos humanos, pois, ao mesmo tempo que nasce da dignidade é sua salvaguarda.53 Para Cristiano Chaves, a dignidade da pessoa humana é “o valor máximo da ordem jurídica brasileira”.54 E as demais normas estão posicionadas ao derredor desta. A dignidade da pessoa humana desempenha o papel de um filtro na aplicação das normas de toda monta. Ingo Wolfgang destaca que a dignidade da pessoa humana não pode ser vista como algo engessado, mas sim compreendida de acordo com a diversidade e mudança de valores sociais (democracia contemporânea). Assim nos encontramos diante de um conceito jurídico-normativo que deve estar sendo sempre revisto e delimitado pela praxis constitucional, por estar em constante construção.55 Segundo entendimento de Monica Aguiar o princípio da dignidade humana tem que ser concretizado, sob pena de que, “reduzido de forma tão 306 brutal [...] chegue ao ponto de não trazer qualquer garantia efetiva ao ser humano”.56 Sendo a dignidade esse valor maior da ordem jurídica brasileira, é relevante reconhecer que o ser humano é o centro dos acontecimentos jurídicos (do sistema jurídico); e, portanto, as normas são elaboradas para a pessoa humana, em função desta, e deve ser aplicada e interpretada para assegurar a vida de maneira prioritária. Assim, não é o direito à vida que deve ser assegurado, mas o direito à vida digna, seguindo Cristiano Chaves.57 Ainda, tendo na tabela axiológica, que compõe o ordenamento jurídico, os valores constitucionais como prioridade, e sendo a dignidade da pessoa humana um valor constitucional, há que se reconhecer seu caráter vinculante, fazendo deste um filtro para as demais normas, seja de direito público ou privado. Nesse sentido, Cristiano Chaves assevera que “a dignidade da pessoa humana constitui um verdadeiro mínimo existencial intangível, garantindo direitos fundamentais e vinculando toda a sistemática jurídica”.58 O que se concretiza através de promoções de condutas ativas pelo Estado e expulsando toda norma que vier de encontro com a dignidade humana. Rodrigo da Cunha Pereira afirma que o principio da dignidade da pessoa humana é um “macro principio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.59 Por isso as leis infraconstitucionais devem moldar-se ao princípio da dignidade humana e colocar a pessoa humana como centro protetor do direito.60 E a partir dessa opção Constitucional de privilegiar e priorizar o ser humano, Maria Berenice pontua que “o principio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para sua ação positiva”.61 Para o CNECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências, “a dignidade humana afirma que: todo o ser humano, por o ser, é o maior valor, e este sobressai quando é mais agredido, violentado, ignorado ou negado”.62 Ainda, conforme entendimento do mesmo Conselho, “os comportamentos que mais indignificam o próprio são os que indignificam os 307 outros, sobretudo os mais débeis e vulneráveis”.63 Que representam as mulheres, os idosos, as crianças, os homossexuais, os excluídos financeiramente, bem como àqueles a quem é negado o amor. É necessário que os operadores do direito, resistentes a mudanças, comecem a aplicar de forma concreta o principio da dignidade da pessoa humana no sentido optado pela Constituição da Republica, que é o da despatrimonialização e personalização das relações humanas/jurídicas, privilegiando a vida, trazendo realizações para cada ser humano envolvido. O Homem passa a ser a finalidade e, o Estado, o instrumento. Nunca será despiciendo tecer que o principio da dignidade da pessoa humana, como dever-ser, deve ser aplicado de acordo com o caso concreto, ou seja, conforme cada pessoa e diferente caso, não podendo ser engessado. Tudo isso por ser esse principio uma conquista humana histórica, que deve ser retratada ajustando ao contexto adequado. DIREITO À IGUALDADE E A NÃO-DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL A priori, o que vem a ser um homossexual? Pois bem. “Pode ser definido primariamente como a pessoa que mantém relações sexuais com pessoas do mesmo sexo”. Para Álvaro Cruz essa é uma perigosa e imprecisa significação64, pois reduziria a homossexualidade à relação sexual pura e simplesmente, sem a adição do afeto, da solidariedade, das carícias e do respeito, entre outros sentimentos, presentes em qualquer relação humana. Ainda, homossexualidade: “São homens e/ou mulheres que orientam o seu desejo afetivo-sexual por pessoas do mesmo sexo”.65 Para Marta Suplicy, “é um jeito de ser que não pode ser de outro jeito”.66 Em uma historia, de um casal homossexual feminino, que será exposta, ainda neste trabalho, em capitulo posterior, veja o que externa uma das companheiras quanto à sua homossexualidade: “Ate hoje eu continuo gostando de homens, olhando para homens. Só olho para as botas ou os cintos das mulheres, não para elas. Descobri que gosto de homens masculinos e mulheres masculinas. Não conseguiria beijar ou transar com um homem feminino ou uma mulher feminina. [...] Não me 308 interesso por iguais. Pelo contrário, o que me atrai é a diferença de posição, seja ela em homens ou em mulheres”. 67 Veja que, lendo o depoimento acima, há quem a titule como bissexual. Talvez ela mesma não se sinta uma pessoa homossexual. Mas o fato é que ela vive com uma mulher há 11 anos e, com a mesma, construiu uma família. Isto só mostra o quanto é delicado conceituar a homossexualidade, pois esta pode ser muito mais uma questão de atração pela maneira como determinada pessoa se mostre para a/na sociedade, do que ao sexo (feminino ou masculino). A psicologia e a biologia provaram que o ser humano possui diferentes dimensões psicológicas e hormonais de ambos os sexos.68 Tanto que, historicamente, no mundo antigo a homossexualidade era considerada normal, havendo inclusive rituais de iniciação homossexual, entre jovens e velhos, nas ilhas de Nova Guiné, na Grécia, em Roma etc. O que só mudou em torno do século 14, quando a natureza humana foi dividida em homossexual e heterossexual, para satisfazer interesses políticos, religiosos e econômicos.69 Até a segunda metade do século 20, os homens viam a sociedade e o Estado como um consenso comum sobre fatos sociais e culturais. Hoje, o principio do pluralismo, junto ao da dignidade, passa a ser o centro dessa sociedade.70 Ou seja, a valorização do individuo e o respeito a sua privacidade, o que impõe limites aos poderes do Estado. Ainda com o pensamento de Álvaro Cruz, o fato da sociedade moderna priorizar o individuo não significa que a mesma já não mais possui ligação com os costumes e tradições. Ao revés. O consenso representa tudo àquilo que é verdadeiro, bom e digno, enquanto que tudo o que fugir do comportamento da maioria, do consenso, é tido como errado e desprezível.71 A homossexualidade foge do habitual e, por isso, vista como algo repugnante, torna-se alvo de discriminação da maioria. Acontece que cada indivíduo possui seu projeto de vida, que, por sua vez, pode ou não seguir a maioria. Esses projetos merecem respeito e proteção, mesmo que sejam projetos alternativos, distintos do que a sociedade considera como padrão. 309 A discriminação homossexual não restringe-se apenas ao campo moral. As torturas nazistas, nos campos de concentração, são exemplos de violência contra os homossexuais.72 Um homossexual deveria ser tratado pela sociedade da mesma forma que um heterossexual. Ou seja, ele tem que ser visto como um ser humano, protegido pela Constituição da República e dotado de dignidade, princípio este que abre portas e janelas para o exercício pleno de tantos outros direitos e princípios, que devem ser desfrutados por aquele. Essa é a grande dificuldade. A discriminação continua muito presente e os dados concretos desta, traduzidos em violência aos homossexuais, não são divulgados. Grupos representativos (ABGLT – Associação Brasileira de Gays, lésbicas, Bissexuais, Travestis e transexuais, CLAM – Centro Latino-Americano em Direitos Humanos e Sexualidade e o Grupo Gay da Bahia) tentam colher essas estatísticas.73 O GGB – Grupo gay da Bahia, em seu relatório de 2002, revelou que “o Brasil é o país onde ocorrem mais assassinatos de homossexuais”. E que entre os anos de 1980 e 2001, morreram, no Brasil, 2.092 homossexuais, e que São Paulo e o Distrito Federal lideram no ranking dos estados brasileiros mais violentos.74 No Brasil, uma entrevista, feita na parada gay, constatou que, dos entrevistados, 75% já sofreu algum tipo de discriminação, sendo que 65% já foi vítima de violência física e verbal. Conforme a Senadora Fátima Cleide (PT – RO), também relatora do PLC 122/06 na CDH – Comissão de Direitos Humanos, a cada dois dias um homossexual é assassinado no Brasil.75 A existência de pessoas que nutrem afeto pelo mesmo sexo é uma realidade, e mais, é crescente a cada dia. Falta apenas, a sociedade entender que a orientação sexual de um indivíduo não influencia em sua intelectualidade e, muito menos, é contagioso. Monica Aguiar76 afirma que a existência da união homossexual não pode ser ignorada pelos operadores do direito, pois essas pessoas vivem como em um casamento, desfrutando a construção afetiva e patrimonial. 310 Sendo assim, o papel do direito é buscar uma legitimidade na aceitação recíproca entre as pessoas. Isso pode ser feito através de um novo consenso, traduzido no discurso, onde o direito a iguais liberdades subjetivas passa a ser uma das condutas institucionalizadas.77 Este procedimento dar ao direito destaque em relação à moral, deixando de submeter-se a esta. Diante disto, os projetos de vida individuais serão permitidos pela garantia da liberdade individual.78 Quanto à igualdade, a que aqui interessa é à que respeita as diferenças. Assim Flavia Piovesan79 destaca três discussões sobre a compreensão da igualdade. Quais sejam: a igualdade formal, que reduz a formulas, como exemplo “todos são iguais perante a lei”; a igualdade material, aquela que visa uma melhor distribuição econômica e social; e a igualdade material, direcionada ao reconhecimento de identidades como ideal de justiça. Ou seja, aceitar grupos isolados como as mulheres, os negros, os homossexuais, os idosos, as crianças, os deficientes, os étnicos e tantos outros. Ou seja, resta claro que o direito a não-discriminação pune as ações discriminatórias, enquanto que o direito a igualdade promove os marginalizados à uma condição de igualdade, mediante suas diferenças. Alvaro Cruz afirma que a maior parte da população do ocidente tem como requisito básico de projeto de vida a constituição de uma família, externando, também, a responsabilidade e obrigação recíproca entre os membros desta família, inclusive pais e filhos.80 O GENERO COMO FATOR DE DISCRIMINAÇÃO Conforme Álvaro Cruz, em tempos primitivos, a mulher possuía um alto valor na sociedade pelo fato de poder gerar filhos. Isto, era visto como algo sobrenatural, fazendo com que o homem não compreendesse seu papel reprodutivo. Nesta época, culturalmente de caça de pequenos animais, onde a mulher ocupava o centro da sociedade e, por não haver a transmissão de herança, a relação sexual era vista com muita liberdade. Passada essa fase primitiva, de prevalência feminina, rompe-se outra, onde a necessidade da força física para efetuar caça de animais de grande porte faz com que o homem comece a entender sua importância biológica. 311 Surge o casamento, a transmissão da herança e a divisão de funções entre o homem e a mulher. Com o surgimento da agricultura, acompanha a necessidade das pessoas fixarem-se em determinado local. É a idéia de propriedade e das sociedades patriarcais, onde os filhos representam a força braçal, para o trabalho e as mulheres submetem-se aos homens. Invertem-se os pólos e o poder de gerar um ser humano, que consagrou a mulher nos tempos primitivos, é agora visto como a única função da mulher: perpetuar a espécie do homem. É a fragilidade e a fraqueza simbolizadas pela mulher. O sexo, controlado, só serve para a procriação. Caso feito com finalidade diversa será tido como pecado. Já não há mais prazer no sexo. Ao contrario, o sexo é instrumento da dominação do homem sobre a mulher. Essa repressão já perdura há quatro milênios.81 Outra questão interessante, abordada, ainda, por Álvaro Cruz é “o mito da passividade” feminina, onde havia um mito de que as mulheres, assim como os negros com a escravidão, aceitavam, com passividade, a opressão que lhe era imposta pela sociedade (em sua essência machista). A luta, em favor da emancipação feminina intensificou-se século passado e, começou a consolidarse em 1948, nos Estados Unidos, através da aprovação da 19ª Emenda, dando às mulheres direito ao voto. No Brasil, isso apenas aconteceu em fevereiro de 1932.82 Essa não era a única forma de opressão. Havia ainda a incapacidade relativa da mulher casada; que só encerrou com a Constituição da Republica de 1988, o impedimento para a mulher estudar; principalmente na carreira jurídica, tida como atividade masculina, alem das questões trabalhistas; onde os maridos poderiam interferir nos trabalhos de suas mulheres (cessando, apenas com a lei n. 4121/62), além da diferença salarial existente ate os dias atuais. Que, por sua vez, são apenas exemplos da opressão feminina.83 A discriminação feminina ainda existe, mesmo que, por vezes; como em alguns casos de aceitação (seleção) empregatícia, seja camuflada. Assim como a opressão dos homens que quando não se concretizam; como nos casos de violência domestica praticada pelos maridos ou mesmo os estupros, 312 também praticados pelos maridos ou parentes, continuam sendo tentados, muitas vezes pelos maridos/homens que entendem, por exemplo, serem as atividades do lar obrigação e função feminina. DIREITO À DIVERSIDADE SEXUAL FEMININA Para a psicologia a homossexualidade não é uma doença e sim um distúrbio de identidade. Sendo algo involuntário, que se determina aos 03 ou 04 anos de idade, não há como ser reprovado pela sociedade, pois não constitui uma opção consciente.84 A discriminação com os homossexuais induzem estes ao comportamento escondido, levando, muitas vezes a ser um homossexual, comportando como heterossexual, conduzindo-o para a bissexualidade. Estas pessoas são aquelas que se casam e têm filhos, mas continua mantendo relações homossexuais às escondidas. A conseqüência disto é, alem da infelicidade, a promiscuidade sexual e a transmissão de doenças sexuais, como a AIDS.85 Cientificamente, deixou de ser considerada como doença mental em 1985, não constando mais no CID – Código Internacional das Doenças. Ocupa, portanto o capitulo dos Sintomas Decorrentes de Circunstancias Psicossociais. Em 1995, perdeu o sufixo “ismo” e ganhou o sufixo “dade”. Deixou de ser considerada uma doença e passou a ser vista como um modo de ser.86 Inclusive, o Conselho Federal de Psicologia proíbe que algum psicólogo trate a homossexualidade como doença, querendo, portanto, ‘curar’ um homossexual.87 Já foi provada, em pesquisa americana, que a homossexualidade é uma questão genética, não sendo, ainda identificado, o gen. Além de que o hipotálamo de uma pessoa homossexual é do tamanho do hipotálamo de uma mulher, sendo portanto a metade do de um heterossexual. Portanto, resta claro que a homossexualidade não uma questão de escolha.88 As pessoas detém a liberdade de exercer sua orientação sexual. Elas podem ser heterossexuais, homossexuais, ou mesmo bissexuais. A discriminação direcionada a mulheres homossexuais traz, a sua saúde, danos graves. Regina Fachinni,89 em pesquisa aprofundada, 313 desenvolvida nos Estados Unidos, constatou que, o índice de câncer de mama, câncer do colo do útero, ingestão de bebida alcoólica e uso de drogas ilícitas, além das doenças sexualmente transmissíveis é alto. Isso acontece porque as mulheres não se submetem à exames preventivos devido a vergonha, conseqüência da discriminação sofrida por sua orientação sexual. No Brasil, essa porcentagem varia de 70% a 13%, sendo que a população estudada era composta de mulheres brancas, nível médio e certa escolaridade. Constata-se, ainda que, por aproximação, metade (40% a 60%) das mulheres que se submetem a exames ginecológicos não revelam sua opção sexual. As que fazem, mais da metade, têm a surpresa como reação dos profissionais. O direito à saúde não se consuma apenas com a doença e seu tratamento, mas, e principalmente, com a prevenção. E mais, estar saudável não significa dizer que determinada pessoa não possui doença alguma. Estar saudável é também, se encontrar pleno e feliz com suas opções de vida, e isso inclui sua orientação sexual. Esse direito à saúde perfaz, além da orientação sexual, o direito à reprodução. Monica Aguiar90 leciona que técnicas de reprodução assistida podem ser utilizadas por aqueles casais homossexuais que não desejam poluir sua orientação sexual para procriar. O que seria suficiente para atestar uma infertilidade mental, tornando aptas as mulheres homossexuais para utilização das diversas técnicas de reprodução assistida. Como exemplos de reprodução assistida entre mulheres homossexuais, no Brasil, reconhecem-se dois casos. O primeiro deles, o de Munira Khalil El Ourra e Adriana Tito Maciel91. Adriana está grávida e os óvulos fecundados pertencem a Munira. As duas lutam na justiça para que possam registrar seus filhos, em cartório (são gêmeos – Eduardo e Ana Luisa) com o sobrenome de cada uma, constando o nome de ambas as mães. As crianças já nasceram e o processo continua em andamento, tendo o pedido de tutela antecipada negado. Para realizar o procedimento da reprodução, o medico responsável deu uma moderna interpretação à regra do CFM – Conselho Federal de Medicina, que, em resolução, permite que a chamada “barriga de aluguel” somente seja 314 utilizada entre parentes. Para o medico, o relacionamento de suas pacientes é considerado um modelo de família, que apesar de diferente, continua mantendo o mesmo propósito social. No trabalho de Munira, o setor de RH – Recursos humanos da empresa aconselhou que ela registrasse sua união em cartório, para que pudesse incluir Adriana em seu plano de saúde, como sua dependente. Alem de conceder a Munira uma semana de licença, a mesma concedida aos pais (licençapaternidade). O segundo caso é o das psicanalistas Michelle Kamers e Carla Cumiotto92. Elas se casaram, em uma cerimônia simbólica, celebrada por um amigo, em 2004, após alguns anos de namoro. Em 2005 veio o primeiro desejo de terem um filho. Os gêmeos nasceram no dia 08 de fevereiro de 2007, mas a autorização da justiça para que ambas registrassem seus filhos só veio no dia 12 de dezembro de 2008, com a decisão do juiz Cairo Roberto Rodrigues Madruga, da 8ª vara de família e sucessões de porto Alegre. No dia 14 de maio deste ano, foi feita a modificação da certidão dos gêmeos, em cartório, onde consta: Joaquim Amandio e Maria Clara Cumiotto Kamers, filhos de Carla Cumiotto e Michele Kamers, e seus avós são Alcides e Clara Cumiotto e Jaime e Maria Kamers. Neste caso, Carla engravidou, tendo seu óvulo fecundado por material de doador anônimo. Para Michelle Kamers, elas acreditam tanto na importância da família que decidiram reinventá-la, considerando-se, assim, tradicionais. Na indecisão do que seria para seus filhos, já que tinha certeza que não seria pai, nem mãe, Michelle, depois de muita reflexão, criou a expressão “pami”. Uma mistura de pai com Michelle, assim como uma forma ‘masculinizada’ de ‘mami’ (mãe). E, é desta forma que seus filhos lhe chamam: pami. Com um relacionamento saudável com os filhos, o casal tradicional preocupa-se com os detalhes do desenvolvimento deles, tanto que na escolha da escola o critério que prevaleceu foi a brincadeira como prioridade. Para elas: “Não queremos nossos filhos no computador ou aprendendo inglês, para isso vão ter muito tempo depois”. 315 A rotina das crianças e do casal é como a de qualquer outra família: café da manha juntos; uma leva as crianças à escola, a outra pega, conforme disponibilidade; os afazeres com os filhos são divididos entre a mãe e a pami e, a hora de dormir é mais um momento em família, onde o casal coloca as crianças na cama. Michelle e Carla entendem que “toda criança investiga, lá pelas tantas, de onde eu venho e porque meus pais me tiveram. Na verdade, elas querem saber da sexualidade dos pais (não da anatomia), assim como do desejo que as trouxe ao mundo. Isso é o que importa”. Os projetos de lei foram todos rejeitados por causas das inúmeras divergências entre eles. Propõe Monica Aguiar, um farto debate sobre o assunto, para que seja editada uma lei sobre a matéria. CONCLUSÃO A discriminação é algo que vem sendo edificado há muito tempo atrás. De uma época em que a dignidade não era reconhecida ao individuo e a liberdade não era usufruída por todos. Acontece que a sociedade evoluiu, e neste cenário atual não cabe mais as amarras históricas. Há que se quebrar os grilhões do passado e aceitar as pessoas como elas são, mesmo que isso signifique fugir dos padrões traçados pelas diversas sociedades do mundo. A consciência individual é muito pouco para promover essa igualdade fundamentada na diferença. Existem àqueles mais resistentes que se recusam a enxergar que os tempos mudaram e que hoje o que importa é a satisfação de cada ser humano, contanto que isso não signifique agredir a satisfação e felicidade alheia. Por isso, se faz necessária a implantação de ações afirmativas pelo Estado, asseverando que as relações entre os indivíduos se pautam na solidariedade, no afeto, no amor e, que todos, mesmo que sejam diferentes, possuem o direito de serem tratados com igualdade de oportunidades. Essas medidas são compensatórias visando corrigir o prejuízo, a inferioridade histórica. Essas ações afirmativas são temporárias, cessando 316 quando houver equiparação dessas minorias com os demais grupos sociais. É apenas um instrumento de inclusão social. Cabe ao Poder Judiciário assegurar todos esses direitos, obedecendo ao principio da dignidade humana e respeitando o individuo em sua diferença. Ao direito cabe o papel de transformar a sociedade, visando resgatar direitos que ainda não foram realizados. Para tanto é necessário “reconstruir o caminho dos direitos fundamentais”. O caminho justo para o respeito às diferenças é a discriminação licita, seja na universalização das normas ou adequando-as ao caso concreto.93 REFERÊNCIAS 2 CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 03. 3 SILVA, Helenice Rodrigues da. Cultura, culturalismo e identidades: reivindicações legítimas no final do século XX. Disponível em http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_livres/artg17-9.pdf, em 16/06/09, às 14h54min. 4 WIKIPEDIA, a enciclopédia livre. Acesso http://pt.wikipedia.org/wiki/Multiculturalismo, em 13/04/2009, às 22h37min. em 5 SANSONE, Livio. O Estado e o Multiculturalismo. Disponível em http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S000967252005000300002&script=sci_arttext, em 16/06/09, às 15h39min. 6 REIS, Marcus Vinicius. Multiculturalismo e Direitos Humanos. Acesso em http://www.senado.gov.br/sf/senado/spol/pdf/ReisMulticulturalismo.pdf, em 14/04/09, às 16h18min. 7 Ibidem 8 Ibidem 9 Essa pratica cultural é proibida em alguns países; como no Egito, e rechaçada pela OMS e comunidade ocidental de uma forma geral. Traduz-se no desrespeito aos direitos humanos. Mas ainda existem comunidades que praticam esse ritual. 10 IDEM. Acesso em 13/04/2009, às 23h42min. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_do_Brasil, em 11 AGUIAR, Monica. A Proteção do Direito à Diferença como Conteúdo do Princípio da Dignidade Humana: A Desigualdade em Razão da orientação Sexual. In Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Org.: Rosmar Alencar. 2008: Porto Alegre. Nuria Fabris, p. 81/82. 317 12 Ibidem. p.81. 13 Ibidem. p. 82 14 MOLOGNI, Celina Kazuko, MASSARO, Daniela, INAGAKI, Fernanda Emi, YUSSEF, Thalita. Ações Afirmativas em favor dos Homossexuais: Fundamentos Juridicos. Acesso em, http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/18715/2/A%C3%A7%C3%B5es_afirm ativas_em_favor_dos_homossexuais.pdf, em 14/04/09, às 22h15min. 15 Ibidem. às 22h31min. 16 MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: debates e historia no Brasil. Acesso em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010015742002000300011&script=sci_arttext&tlng=es, em 15/06/09, às 10h29min. 17 Ibidem. 18 Ibidem. 19 Ibidem. Em 15/06/09, às 12h26min. 20 CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 134. 21 Ibidem. 22 Ibidem. p. 136/137. 23 Ibidem. p.137/138. 24 Ibidem. p. 141. 25 Ibidem. 26 TESES ABERTAS – PUC-Rio. Capitulo 03. Políticas de Ações Afirmativas Hoje no Brasil. p. 41. Acesso em http://www2.dbd.pucrio.br/pergamum/tesesabertas/0510437_07_cap_03.pdf, em 15/06/09, às 15h23min. 27 Ibidem. às 15h43min. 28 CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 143. 29 Ibidem. p.167. 30 Ibidem. p. 166. 31 Ibidem. 32 Ibidem. p.167. 33 eCâmara – Modulo Consulta tramitação das proposições. Acesso em http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329, em 15/06/09, às 18h09min. 318 34 CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 169. 35 MOLOGNI, Celina Kazuko, MASSARO, Daniela, INAGAKI, Fernanda Emi, YUSSEF, Thalita. Ações Afirmativas em favor dos Homossexuais: Fundamentos Juridicos. Acesso em, http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/18715/2/A%C3%A7%C3%B5es_afirm ativas_em_favor_dos_homossexuais.pdf, em 15/04/09, às 00h40min. 36 PLC 122/2006, origem CD. PL. 05003/2001. Acesso em http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=7960 4, dia 15/04/09, às 21h33min. 37 Poder Judiciário, tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Acesso em http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php, dia 15/04/09, às 01h18min. 38 ACP nº 2000.71.00.009347-0. Disponivel em http://www.senado.gov.br/sf/senado/advocacia/pdf/Par05-272.pdf, em 15/06/09, às 18h54min. 39 ACP nº 2000.71.00.009347-0. Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/senado/advocacia/pdf/Par05-272.pdf, em 15/06/09, às 18h54min. 40 Ibidem. 41 Ibidem. 42 DIAS, Maria Berenice. União homossexual – aspectos sociais e jurídicos. Disponível em http://www.gontijofamilia.adv.br/novo/artigos_pdf/Maria_berenice/Uniaohomo.pdf, em 15/06/09, às 22h19min. 43 Legislativo de New Hampshire aprova casamento homossexual. Disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2009/06/03/legislativo+de+new+hampshi re+aprova+casamento+homossexual+6524912.html, em 15/06/09, às 22h 25min. 44 Supremo da Califórnia veta casamento gay no Estado. Disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2009/05/26/supremo+da+california+veta +casamento+gay+no+estado+6350986.html, em 16/06/09, às 00h00min. 45 MOLOGNI, Celina Kazuko, MASSARO, Daniela, INAGAKI, Fernanda Emi, YUSSEF, Thalita. Ações Afirmativas em favor dos Homossexuais: Fundamentos Juridicos. Acesso em, http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/18715/2/A%C3%A7%C3%B5es_afirm ativas_em_favor_dos_homossexuais.pdf, em 15/04/09, às 02h29min. 46 Igreja em São Paulo celebrara seis casamentos homossexuais ao mesmo tempo. Disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2009/06/12/igreja+em+sp+celebrara+sei 319 s+casamentos+homossexuais+ao+mesmo+tempo+6700912.html, em 15/06/09, às 22h37min. 47 Revista Veja. União Estável de Homossexuais. Disponível em http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/uniao_homossexu al/index.shtml#4, em 16/06/09, às 11h09min. 48 Supremo Tribunal Federal. Acompanhamento Processual. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=132 &classe=ADPF&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M, em 16/06/09, às 11h08min. 49 Revista Veja. União Estável de Homossexuais. Disponível em http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/uniao_homossexu al/index.shtml#4, em 16/06/09, às 11h10min. 50 Ibidem. 51 BORGES, Roxana C. Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada, 2007, p. 19. 52 CASABONA, Carlos Maria, BERIAIN, Iñigo de Miguel. Alcance y objetivos de La Declaración Universal sobre bioética y derechos humanos. In: GOMÉZ SÁNCHEZ, Yolanda; GROS ESPIELL, Héctor. La declaración universal sobre bioética y derechos humanos de la unesco. Granada: Comares, 2007. p.243. 53 Ibidem. p. 243/244. 54 FARIAS, Cristiano Chaves de. “A Separação Judicial à Luz do Garantismo Constitucional”, 2006, p. 46. 55 Ibidem, p. 40. 56 AGUIAR, Monica. A Proteção do Direito à Diferença como Conteúdo do Princípio da Dignidade Humana: A Desigualdade em Razão da orientação Sexual. In Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Org.: Rosmar Alencar. 2008: Porto Alegre. Nuria Fabris, p. 85. 57 FARIAS, Cristiano Chaves de. “A Separação Judicial à Luz do Garantismo Constitucional”, 2006, p. 46. 58 FARIAS, Cristiano Chaves de. A Separação Judicial À Luz do Garantismo Constitucional. 2006, p. 48. 59 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais e Norteadores para a Organização Jurídica da Família. Curitiba: Faculdade de Direito, 2003, 155 f. tese (doutorado em direito) – Faculdade de Direito, Universidade federal do Paraná, 2004, p. 68, APUD DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 2005, p. 57. 60 TEIXEIRA, Ana Carolina B. e SÀ, Maria de Fátima F. de. Fundamentos Principiologicos do Estatuto da Criança e do Adolescente e do estatuto do Idoso. 2004, P.21. 61 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 2005, p. 58. 320 62 CENECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Reflexão Ética sobre a Dignidade Humana. Documento de Trabalho, 26/CENECV/99. Acesso em http://www.cnecv.gov.pt/NR/rdonlyres/9D4875F1-511B-4E29-81B2C6201B60AD52/0/P026_DignidadeHumana.pdf, dia 15/04/09, às 15h32min. 63 Ibidem. 64 CRUZ, Alvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 74. 65 Estruturação – Grupo Homossexual de Brasília. Acesso www.mj.gov.br/sedh/ct/orient_sexual.ppt, em 11/06/09, às 00h28min. em 66 Ibidem. 67 Revista Época. Acesso http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI75111-15228,00A+PRIMEIRA+FAMILIA+DE+DUAS+MULHERES.html, em 10/06/09, 23h45min. em 68 Revista Isto É. Acesso http://istoe.terra.com.br/planetadinamica/site/reportagem.asp?id=146, 11/06/09, às 00h08min. em em às 69 Ibidem. 70 CRUZ, Alvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 69. 71 Ibidem. p.70 72 Ibidem. p.77 73 Agencia Senado. Projeto que Trata da Discriminação de homossexuais causa polemica no Senado. Acesso em http://www.direitodoestado.com/noticias/noticias_detail.asp?cod=3602, dia 15/04/09, às 21h48min. 74 CRUZ, Alvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 77. 75 Agencia Senado. Projeto que Trata da Discriminação de homossexuais causa polemica no Senado. Acesso em http://www.direitodoestado.com/noticias/noticias_detail.asp?cod=3602, dia 15/04/09, às 21h48min. 76 AGUIAR, Monica. A Proteção do Direito à Diferença como Conteúdo do Princípio da Dignidade Humana: A Desigualdade em Razão da orientação Sexual. In Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Org.: Rosmar Alencar. 2008: Porto Alegre. Nuria Fabris, p. 90. 321 77 CRUZ, Alvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 72. 78 Ibidem. p. 73. 79 PIOVESAN, Flavia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos. Acesso em http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0435124.pdf, dia 16/04/09, às 00h07min. 80 CRUZ, Alvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 73. 81 CRUZ, Alvaro Ricardo Souza. O direito à diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 52-54. 82 Ibidem. p. 59. 83 Ibidem. p. 61/63. 84 DIAS, Maria Berenice. União homossexual – aspectos sociais e jurídicos. http://www.gontijoDisponível em familia.adv.br/novo/artigos_pdf/Maria_berenice/Uniaohomo.pdf, em 16/06/09, às 00h17min. 85 Ibidem. 86 Ibidem. 87 Nucleo Universalidade e Diversidade Sexual. Disponível http://nucleounisex.org/homossexualismo, em 16/06/09, às 14h24min. em 88 Ibidem. 89 FACHINNI, Regina. Mulheres, Diversidade Sexual, Saúde e Visibilidade Social. Acesso em http://www.abiaids.org.br/_img/media/anais%20homossexualidade.pdf#page=3 5, dia 16/04/09, às 01h04min. 90 AGUIAR, Monica. A Proteção do Direito à Diferença como Conteúdo do Princípio da Dignidade Humana: A Desigualdade em Razão da orientação Sexual. In Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Org.: Rosmar Alencar. 2008: Porto Alegre. Nuria Fabris, p. 103/104. 91 Revista Época. Estou grávida da minha namorada. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI64032-15228-2,00ESTOU+GRAVIDA+DA+MINHA+NAMORADA.html, em 16/06/09, às 01h22 min. 92 Revista Época. A primeira família de duas mulheres. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI75111-15228-3,00A+PRIMEIRA+FAMILIA+DE+DUAS+MULHERES.html, em 16/06/09, às 02h04min. 322 93 CRUZ, Álvaro Ricardo Souza. O direito a diferença. As ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. 2ª Ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2005, p. 14. 323 REFLEXÕES SOBRE O USO DE CHECKLIST PARA A AUTO-AVALIAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DE APRENDIZAGEM EM UM CURSO DE PEDAGOGIA REFLECTING UPON THE USE OF CHECKLISTS AS SELF ASSESSMENT TOOL TO FOSTER LEARNER AUTONOMY IN A TEACHER EDUCATION COURSE. Lys Maria Vinhaes Dantas107 Olívia Maria Costa Silveira108 RESUMO: Este artigo relata uma experiência de utilização de checklist como ferramenta de auto-avaliação dos alunos em uma disciplina de graduação em Pedagogia, em dois semestres de 2006. A auto-avaliação foi proposta como estratégia para construção da autonomia de aprendizagem. A partir do feedback dos alunos, foi possível observar que o instrumento não foi adequado para a maior parte dos alunos, iniciantes quanto à auto-avaliação e pouco autônomos. Para muitos desses, seu uso foi ritualizado, apenas para cumprir uma exigência da disciplina; outros sequer tentaram utilizá-lo. Para aqueles estudantes que buscaram a auto-avaliação, o checklist foi insuficiente, especialmente por não apresentar a descrição da qualidade esperada para cada elemento que o compôs. Para uma disciplina com 68 horas, a utilização de um checklist é adequada caso as turmas tenham adquirido anteriormente as competências de auto-avaliação e de autonomia de aprendizagem, mas não para construí-las. Palavras-chave: auto-avaliação; checklist; autonomia de aprendizagem. ABSTRACT: In this article the authors describe and reflect upon using a checklist as a self-assessment tool to foster autonomous learning in two groups of learners attending a Teacher Education course in 2006. Students’ feedback showed that the checklist choice did not have the predicted effect for most of the learners. Some of them used the checklist in a ritual manner, while others were not able to utilize it at all. The students who actually adopted the self-assessment tool considered the checklist insufficient, mainly because it did not bring the description of the expected level of quality they were supposed to reach. The authors conclude that the checklist is useful as a self-assessment tool when both self-assessment and autonomy have already been acquired, but that it is not adequate to build such competencies in a short period of time. Keywords: self-assessment; checklist; learning autonomy. 107 Doutora em Educação, Mestre em Administração - Endereço eletrônico: [email protected] 108 Doutoranda e Mestre em Educação, Especialista em Teoria da Clínica Psicanalista Coordenadora do curso de Psicologia da UNIRB - Endereço eletrônico: olí[email protected] 324 INTRODUÇÃO O senso comum admite que, na Educação Superior, os estudantes trazem consigo, dos níveis educacionais anteriores, estratégias que lhes permitem aprender, em um processo autônomo e isolado. Ledo engano. Ainda que tenham passado muitos anos no sistema educacional, os alunos no nível superior, da mesma forma que no fundamental e no médio, encontram-se em um continuum de autonomia no processo de aprendizagem: alguns são autônomos, outros são absurdamente dependentes e uma boa parte deles situa-se entre esses extremos (MYNARD, 2002). Essa competência não brota espontaneamente: ela deve ser construída (LIBÂNEO, 1994; MYNARD, 2002; MURPHY, 2007). Essa demanda torna-se mais forte diante da rapidez das mudanças que afetam a ciência e a tecnologia, que implica a necessidade de aprender a aprender. Os professores do Ensino Superior, assim como seus pares nos demais níveis de ensino, precisam, portanto, incluir estratégias para o desenvolvimento da autonomia de aprendizagem do aluno nos seus planos e execuções de curso e aulas. Principalmente em um curso de Pedagogia, onde os futuros profissionais trabalharão diretamente com a aprendizagem em escolas de nível fundamental e médio, onde o desenvolvimento da autonomia é essencial para o sucesso destas crianças e adolescentes na vida acadêmica e profissional. A avaliação é peça fundamental nessas estratégias. Através dela, é possível dialogar com os estudantes com o objetivo maior de fazê-los responsáveis pelas decisões e ações que resultam em suas aprendizagens. Em especial, na construção da autonomia, há que se buscar o equilíbrio entre abordagens de hetero-avaliação (pelo professor, pelos colegas) com aquelas que resultam em auto-avaliação. Novamente, é necessário levar em conta que a auto-avaliação precisa ser aprendida (ROPÉ, 1997:81 apud MELCHIOR, 2003:127). Para a construção, junto aos alunos, das duas competências (autonomia de aprendizagem e auto-avaliação), cabe ao professor lançar mão de um variado cardápio de ferramentas e instrumentos. Um deles é o checklist que, por ser bastante simples e por apontar a ausência ou presença de elementos em um determinado produto ou performance, ajuda o aluno a perceber aspectos 325 importantes em sua construção, favorecendo a aquisição de uma determinada habilidade ou conhecimento. Checklists relacionam os componentes que devem estar presentes em um produto ou um desempenho (performance). Não há nessas listagens uma escala de qualidade dos itens. Elas são simples de usar, mas apenas se aplicam para situações nas quais um julgamento “ausente ou presente” ou “sim ou não” é suficiente (ARTER; McTIGHE, 2001:5). Esse artigo traz reflexões sobre o uso de checklist como instrumento para construção da competência de auto-avaliação de alunos de pedagogia, na disciplina Pesquisa em Educação (FACED/UFBA), em um contexto de busca de autonomia de aprendizagem. Para tanto, discute os conceitos de autonomia de aprendizagem e de auto-avaliação e relata a utilização de um checklist preparado para e com os alunos, em uma experiência ocorrida em 2006, em dois semestres letivos, com duas turmas diferentes. Por fim, reflete sobre a experiência a partir do posicionamento dos próprios alunos sobre o uso dessa ferramenta na esperança de que venha a contribuir para a escolha de ferramentas de avaliação que venham a impactar positivamente o processo de ensino-aprendizagem. O CONTEXTO DE UTILIZAÇÃO DO CHECKLIST As reflexões, objeto desse artigo, são decorrentes de uma experiência conduzida a partir do planejamento e da concretização da disciplina Pesquisa em Educação, oferecida pelo curso de Pedagogia na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA) em 2006. Essa disciplina é semestral, tem carga horária de 68 horas (divididas em dezessete encontros de 04 horas) e é normalmente oferecida para alunos do 5º semestre. Nos dois semestres de 2006, a disciplina foi desenvolvida por meio de três eixos: 1) discussão de conceitos e teorias a partir de livro-textoi, apoiado por várias referências paralelas; 2) leitura e análise de artigos de pesquisa cujo tema fosse de interesse da turma; 3) elaboração individual, ao longo dos encontros, de um projeto de pesquisa. Perpassando os eixos, os componentes atitudinais 326 a desenvolver se voltaram para a ética na pesquisa e para a construção da autonomia de aprendizagem do aluno. No contexto deste trabalho a autonomia de aprendizagem foi compreendida como um construto complexo que pode ser definido, segundo Horváth (2007), como a capacidade do aluno de administrar sua própria aprendizagem, o que implica assumir responsabilidade pelas decisões relacionadas aos diferentes aspectos desse processo. Além do aspecto gerencial, autonomia significa pensamento crítico, planejamento, avaliação e reflexão, em um esforço consciente, por parte do aluno, de continuamente monitorar o processo de aprendizagem do começo ao fim. Aqui é interessante distinguir os conceitos autonomia e autonomia de aprendizagem. A autonomia é tratada como uma capacidade que pertence ao aprendiz, sendo um atributo seu e não da situação de aprendizagem. A maioria dos pesquisadores concorda que autonomia não pode ser ‘ensinada’ ou ‘aprendida’. Ao professor cabe favorecê-la para que o estudante possa, internamente, desenvolve-la. Já a autonomia de aprendizagem é a capacidade de autonomia do aprendiz exercida e demonstrada. Ela é exibida em vários modos de aprendizagem, caracterizados por procedimentos e relacionamentos específicos entre aprendizes e professores que são mais ou menos autodirigidos. A participação em modos de aprendizagem que são auto-dirigidos não significa, entretanto, que o aprendiz é autônomo. (BENSON, 2001) Retomando o contexto da pesquisa, é importante ressaltar que a lógica que permeou a proposta da disciplina previu que um determinado conteúdo, após apresentação e discussão em sala, poderia ser identificado em artigos e textos científicos, sobre os quais o aluno aprenderia fazer uma análise crítica. Durante o processo, o aluno elaborou seu próprio projeto de pesquisa como meio de síntese do conhecimento e habilidades adquiridos. Em relação à construção da autonomia de aprendizagem, considerouse no planejamento, como posto por Murphy, que os professores devem se comprometer a criar um contexto de ensino no qual os alunos possam gradualmente aprender a aprender e a experimentar autonomia na busca de se tornarem autônomos (MURPHY, 2007:72). Isso significa criar condições de aprendizagem que os coloquem no centro do processo. 327 O senso comum associa autonomia de aprendizagem ao isolamento do estudante: ser autônomo significa estudar sozinho. Por essa razão, é importante ressaltar que o trabalho solitário não desenvolve automaticamente a competência da autonomia nos estudantes. Para Broady e Kenning (1996 apud MYNARD; SORFLATEN, 2002: 2) e Po-Ying (2007), o desenvolvimento da autonomia deve ser percebido como componente central das estratégias de ensino, aprendizagem e avaliação, dispostas de maneira integrada. Os objetivos de um delineamento de aprendizagem autônoma pretendem fortalecer o estudante a assumir responsabilidade pela aprendizagem, sem que professor e aluno descuidem-se do conhecimento e da competência a adquirir e sem que o professor desobrigue-se da condução/facilitação do processo. As abordagens para construção da autonomia precisam, portanto, prever o incentivo (e as ferramentas) para que os alunos desenvolvam suas próprias estratégias de aprendizagem, que os ajudarão a tornarem-se melhores aprendentes e a serem capazes de aplicar essas competências em novas situações. Nesse contexto, a avaliação assume um papel central em várias das abordagens. Diversos artigos trazem relatos e reflexão sobre experiências nas quais a avaliação está a serviço da construção da autonomia do aluno, como aqueles aqui utilizados. As abordagens oscilam entre a hetero-avaliação e a auto-avaliação, com propostas muitas vezes alternativas àquelas mais tradicionais (PO-YING, 2007; OLIVEIRA, 2006; RANGEL, 2003; MYNARD; SORFLATEN, 2002), mas baseadas na compreensão de que a construção da autonomia tende a resultar em aprendizagem (MURPHY, 2007:73). Para Barlow, os processos de auto-avaliação e de hetero-avaliação não são puros. Como o aluno sabe o que seu professor espera, ele busca auto-avaliarse a partir dessa expectativa. Já o professor, mesmo com o conjunto de critérios claramente definidos, precisa de uma “autorização” do aluno quanto à avaliação, já que é o aluno que aprende e é ele quem se apropria dos resultados do processo avaliativo, especialmente quando o mesmo foi desenhado para contribuir para sua aprendizagem (BARLOW, 2006:71-72; 74). 328 Há um interesse recente em novas formas de avaliação, como autoavaliação, avaliação por pares ou ainda co-avaliação (normalmente utilizadas em conjunto) que respondem à necessidade de reflexão e, em última análise, resultam em uma conscientização sobre a aprendizagem de cada um. Por essas razões, em 2006, o planejamento da disciplina Pesquisa em Educação considerou estratégias que impactaram significativamente sua proposta de avaliação. Foram estabelecidas a hetero-avaliação (tradicional, por meio de provas), a avaliação por pares (apenas no 1º semestreii) e a auto-avaliação. Optou-se por um projeto de pesquisa, elaborado individualmente, como o produto final a ser avaliado. Uma reflexão crítica sobre esse projeto em construção ao longo do 5º semestre possibilitaria ao aluno não apenas tornarse ciente do seu próprio conhecimento, habilidade, atitudes e crenças, mas também questionar-se sobre eles, de modo a aprender com a experiência (MURPHY, 2007:73). Além disso, os aprendidos no 5º semestre poderiam ser muito úteis em um futuro próximo, sendo percebidos pelos alunos como ferramenta para a construção da monografia de conclusão do cursoiii. A avaliação de um projeto de pesquisa individual pode ser classificada genericamente como uma avaliação de resposta construída e, mais especificamente, como uma avaliação de desempenho na qual o aluno é convidado a construir um produto tangível (no caso em relato, escrito), de modo a que possa demonstrar o que aprendeu e o que sabe fazer ao utilizar o que foi aprendido (ARTER; McTIGHE, 2001:3). Nesse tipo de avaliação, para o qual não existe uma “resposta única”, é essencial tornar o processo claro e consistente, o que é possível por meio da definição e divulgação de critérios de avaliação. No caso da disciplina relatada, os critérios de avaliação do projeto de pesquisa foram discutidos e traduzidos em um checklist, para ser usado na auto-avaliação dos alunos, e em uma performance list, derivada do checklist e utilizada pelo professor para pontuar o projeto ao final do curso. Uma performance list consiste em uma relação de itens a pontuar e em sua escala de pontuação, o que dá ao avaliador a flexibilidade de ressaltar uma dimensão em relação às demais (ARTER; McTIGHE, 2001:6-8). No caso de 329 Pesquisa em Educação, as cinco dimensões de avaliação receberam pesos diferentes e cada indicador (pergunta norteadora) passou a ser medido em graus variados, em uma escala de 0 a 5, onde zero era a ausência total do item e cinco o seu atendimento completo. Como já relatado por Oliveira (2006), a definição de critérios é um desafio. O que levar em conta e como detalhar as dimensões do produto avaliado em um conjunto lógico de perguntas que faça sentido para os alunos são duas atividades que devem ser desenvolvidas com cuidado. No caso da performance list, a esses cuidados deve ser acrescida a definição da escala, lembrando inclusive a possibilidade de, para uma determinada pergunta, ser possível a ausência do elemento a ser avaliado, sem que isso seja um problema. Isso pode ocorrer com alguma freqüência nos indicadores de forma e comunicabilidade do projeto. Esperava-se que o checklist pudesse contribuir para internalização dos principais aspectos da construção do projeto, ao tempo em que deixaria claros os critérios de avaliação e a pontuação do produto final. O objetivo ao fazê-lo era, como visto em Libâneo (1994:200), deixar claras “as evidências de aprendizagem a serem valorizadas no curso” e implicar o aluno em sua própria aprendizagem, dando-lhe oportunidade de avaliar-se antes de se submeter a uma hetero-avaliação. Durante os dois semestres letivos, as turmas foram incentivadas a utilizar a ferramenta para auto-correção dos rumos de elaboração dos projetos, como visto em Bonniol e Vial (1999), ao discutirem regulação como sinônimo de melhoria. Para a primeira turma, no primeiro e no quarto encontros, foi instruído que o uso do checklist seria feito individualmente e que deveria ser arquivado junto às diversas versões do projeto. Caberia ao professor receber e comentar essas versões, em paralelo ao desenvolvimento do conteúdo ao longo do curso. Eventualmente, os alunos utilizaram esse ir-e-vir de versões de projeto para tirar suas dúvidas após a auto-aplicação do checklist, mas, mais frequentemente, preferiram aplicar a ferramenta apenas antes da entrega do produto final, optando por um monitoramento externo, via professor. Apenas um aluno dessa turma entregou – voluntariamente - o formulário preenchido junto ao projeto. 330 Cada turma respondeu dois questionários: o QT0, para levantamento das expectativas e perfil, e o QT1, para levantamento do atendimento às expectativas e posicionamento dos alunos em relação às decisões tomadas para e durante o curso. Além disso, sessões breves de feedback, não sistemáticas, foram conduzidas em boa parte dos encontros nos dois semestres. Os resultados do processamento dos questionários e das posições dos alunos nas sessões de feedback contribuíram para a adequação do planejamento elaborado para os semestres ao perfil dos alunos e suas expectativas para o curso, sem prejuízo do conteúdo. O feedback da primeira turma apontou para dificuldade no uso da ferramenta. Para endereçá-la, na segunda turma, foram planejados e implementados exercícios coletivos de aplicação de checklist, a partir de trechos de projetos de pesquisa entregues no semestre anterioriv. Também para a segunda turma, foi instruído que o checklist preenchido deveria ser entregue junto ao produto final, o que mudou bastante a forma como a turma passou a perceber a ferramenta (e que vai ser discutida na seção seguinte). O checklistv utilizado foi dividido em cinco grandes dimensões: Foco Investigativo (o que pesquisar), Justificativa (por que pesquisar), Fundamentação Teórica (com base em que pesquisar), Metodologia (como pesquisar) e, finalmente, a quinta dimensão lidava com os aspectos de forma e comunicação do projeto. A mesma estrutura foi utilizada para o planejamento das aulas, ainda que os aspectos de forma e comunicação tenham permeado todas as discussões, desde o início do curso. Com o feedback dos alunos de 2006-I, o documento foi alterado, mas as dimensões se mantiveram. Cada dimensão foi representada por sub-dimensões e essas, por perguntas diretas que pressupunham a presença ou ausência de um determinado elemento / característica no projeto. Um exemplo (ver Figura 01): a dimensão Justificativa foi representada pelas sub-dimensões Contexto e Relevância. Em Contexto, o aluno foi convidado a refletir e a responder as seguintes perguntas norteadora: A justificativa insere a pesquisa no campo temático definido? e O tema definido foi problematizado? A sub-dimensão Relevância também esteve representada por duas perguntas: A justificativa 331 argumenta a relevância do estudo? e A justificativa apresenta as contribuições da pesquisa para o contexto colocado? Ao todo foram utilizados 16 sub-dimensões e 54 perguntas. O aluno recebeu um documento impresso em três folhas, nas quais se podia observar a seguinte estrutura: Dimensão / Sub-dimensão / Pergunta norteadora / Sua avaliação / Data. A colocação da data visou o registro do exercício de autoavaliação nas diferentes fases do processo de construção do projeto. Figura 01: Seção do formulário checklist de auto-avaliação utilizado pelos alunos de Pesquisa em Educação (FACED/UFBA) em 2006 Para a criação das dimensões, sub-dimensões e perguntas norteadoras, foi elaborado um quadro teórico interpretativo (como proposto por Demo, 2002:22, ao discutir a necessidade de base teórica para utilização de indicadores) a partir do livro-texto utilizado nas aulas e de livros e artigos indicados como complementação. Dessa maneira, ficou mais fluida a discussão do checklist com os alunos que poderiam, a qualquer momento, lançar mão desse quadro teóricovi. Os alunos, nos dois semestres, responderam um questionário no final do curso, no qual, dentre outras perguntas, estavam: o checklist foi útil para a elaboração do projeto de pesquisa? e o checklist foi útil para sua autoavaliação? Nos dois casos, as perguntas pediam que os alunos justificassem 332 suas respostas. No primeiro semestre, foram processados 29 questionários; no segundo semestre, 13vii. A seção a seguir traz o posicionamento dos alunos sobre o checklist e a auto-avaliação nos dois semestres e as reflexões feitas a partir dele. A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS Pela grade curricular do curso de graduação em Pedagogia da FACED/UFBA, o aluno entra em contato sistematizado com a pesquisa pela primeira vez por meio da disciplina Pesquisa em Educação. O levantamento do perfil das duas turmas confirma esse dado. Nos dois semestres em que foi feita esta pesquisa, no início do curso, a grande maioria dos estudantes ainda não tinha definido seu tema da monografia final de graduação ou seu orientador. Menos de um décimo dos alunos das duas turmas teve ou estava tendo contato com grupos de pesquisa. Apenas um quarto dos alunos, aproximadamente, assistia apresentações de monografia. Quanto à leitura de livros e artigos científicos, em 2006-I, apenas três alunos disseram fazê-lo com freqüência, enquanto 10 informaram nunca ler. Em 2006II, a maior parte da turma informou ler raramente esse tipo de material. No questionário sobre o levantamento de perfil, não foram feitas perguntas sobre o grau de autonomia dos alunos ou se estavam habituados a fazer autoavaliação. Para o futuro, talvez seja interessante buscar dados sobre o domínio dessas competências como parte do perfil já que, como será visto a seguir, os alunos optaram pelo feedback constante do professor para as versões de seus projetos, em lugar de contar com seus pares ou consigo próprios, resistindo à proposta de auto-avaliação. Para fins desse artigo, optou-se por identificar algumas vozes dos alunos que, de alguma forma, representaram as discussões postas pelas turmas para refletir sobre o checklist e a auto-avaliação. Essas vozes estão apresentadas a seguir. ALUNOS QUE UTILIZARAM O CHECKLIST Essa primeira subseção trata dos alunos que referiram, de maneira positiva, ter utilizado o checklist. Em 2006-I, cinco alunos mencionaram que o 333 usaram em diversas ocasiões e que fizeram correções e ajustes no projeto a partir da ferramenta, dos oito que consideraram o instrumento útil (em um total de 29 respondentes). Em 2006-II, a grande maioria dos respondentes referiu ter utilizado o instrumento. Existe uma diferença de posicionamento entre a turma do semestre I, para quem a entrega do checklist era voluntária, e a do semestre II, para quem o checklist fazia parte do produto final. Na segunda turma, 12 (em 13) alunos referiram utilidade da ferramenta no processo de avaliação do projeto, mas, ao conferir seu preenchimento com a performance list utilizada pelo professor para avaliar o projeto, percebeu-se que o checklist foi utilizado de maneira ritual, apenas para cumprir uma determinação para avaliação final, como pode ser visto nos depoimentos abaixo: Apesar de não ter utilizado na hora da construção, o utilizei no final para “avaliar meu texto”, só que acredito que não utilizei da maneira correta já que minha preocupação era responder o checklist e não voltar ao texto, no momento em que percebi que algumas respostas eram vagas. Ao final do meu projeto passei o checklist e observei que eu não havia conseguido me expressar quanto gostaria. Isso me deixou confusa e tentei melhorar o meu texto o máximo. Muitos dos alunos que relataram a utilização do checklist como ajuda à elaboração do projeto estavam buscando uma estruturação para seus textos, mas não chegaram a fazer uma auto-avaliação, como visto nos depoimentos a seguir. (O checklist foi) muito útil, pois seguindo os passos do checklist a construção tornou-se um pouco mais fácil. (O checklist foi) bastante útil por que usei como norte para a construção do projeto. (O checklist foi) bastante útil por que dá independência na hora de elaborar o projeto, podendo ainda ser usado em outros projetos. Somente um terceiro subgrupo dentre esses alunos apontou o checklist como ferramenta útil para a auto-avaliação, como nos exemplos a seguir: 334 [...] através dele pude perceber alguns erros que não havia me dado conta. O checklist me mostrou que eu não estudei o suficiente. Nesse grupo, as referências às crises, angústias e desesperos foram freqüentes, o que reflete a dificuldade do processo auto-avaliativo e a própria inexperiência dos alunos em caminhos mais autônomos de aprendizagem, como pode ser visto nos dois depoimentos abaixo. Foi útil, eu consegui dialogar com ele de uma forma em que eu cresci, não o bastante ainda, durante o processo de construção do projeto. Houve momentos de crise na minha auto-avaliação, mas não vou travar o processo por isso. Trouxe angústia quando não identifiquei o meu projeto com o que estava posto no checklist, que só funcionou no sentido de correção. Um dos geradores dessa angústia relatada também pode ser, como posto por Barlow (2006), a auto-avaliação mediada pelo olhar do professor, especialmente em uma situação em que ela está atrelada a uma performance list, como no caso em relato. ALUNOS QUE TENTARAM UTILIZAR O CHECKLIST E QUE DESISTIRAM Essa subseção trata de depoimentos de alunos que, apesar de terem tentado utilizar o checklist, encontraram um desconforto tal que os fez deixar o instrumento. Como posto por Po-Ying (2007), os alunos raramente são convidados a decidir sobre seu produtos; nesses momentos, sentem-se inseguros e desmotivados sobre como organizar sua aprendizagem. Os depoimentos seguintes mostram essa reação. 335 Apesar de ter ajudado na construção do projeto, o checklist aumentou a insegurança. [...] em alguns momentos me senti desmotivada ante minhas limitações como estudante de graduação. Confesso que ele (o checklist) me atormentava, por que me desesperava quando meu projeto não estava de acordo. O checklist me dava medo. Um aluno relatou ter usado o checklist no início e “esquecido dele na hora de escrever o projeto”. Outro registrou grande dificuldade em se enquadrar em “um instrumento tão objetivo”, embora tenha reconhecido que o ajudou na construção do projeto. A mais freqüente dentre as críticas ao instrumento referiu-se ao seu grande detalhamento, que “prejudicou mais que ajudou” na auto-avaliação. Usei para avaliar o projeto e, por ser muito detalhado, muitas vezes voltei ao ponto zero. Muito complexo – me deixou perdida e cansada. Outra crítica foi apresentada em forma de questionamento e permitia perceber que o aluno estava refletindo sobre o formato (“duro”) do instrumento e seu uso posterior à disciplina: Me questiono se ele (o checklist) serve como base para outras disciplinas, já que cada professor adota modelos diferentes de pesquisa e de pesquisar. Por fim, ainda nesse grupo de alunos, alguns depoimentos apontaram para uma capacidade diagnóstica não acompanhada por uma competência para mudança em favor da aprendizagem ou, mais simplesmente, da qualidade do projeto. [...] a percepção às vezes de que algo não estava bom não significava poder melhorar. As posições do grupo em 2006-I serviram para a reformulação do curso no semestre II, visto que, para melhorar o produto (projeto de pesquisa), era necessário o domínio do conteúdo conceitual e procedimental proposto. Mesmo com a reformulação, depoimentos desse tipo estiveram presentes também no segundo semestre, como o disposto a seguir: 336 O checklist só é útil para quem já sabe, já conhece o conteúdo. A utilidade desse tipo de instrumento, em situações complexas e em avaliações de desempenho, é questionada por vários autores, como Arter e McTighe (2001). Tendo uma estrutura muito simples, a ferramenta não provê descrição detalhada sobre a qualidade desejada para cada elemento listado. Para o aluno iniciante, fica mais difícil definir se observou ou não uma determinada característica do projeto quando não é capaz de identificá-la. Por outro lado, é interessante perceber que o depoimento acima foi dado por um aluno que teve, ao longo do semestre, o número máximo de faltas possível. Nesse contexto, ele não participou dos exercícios de uso do checklist. Neste caso, fica claro que o instrumento não é auto-explicativo. Para esse perfil de alunos, um curso com objetivos de construção das competências de autonomia e auto-avaliação, em paralelo às discussões sobre os conteúdos de Pesquisa em Educação, demandaria mais que 68 horas. Para esses alunos, os exercícios criados para ajudá-los a manejar a ferramenta foram insuficientes. Seria necessário que, em sala de aula, os alunos tivessem oportunidade de exercer a auto-avaliação, sendo mais bem orientados, por exemplo, na aplicação do checklist e nas reflexões dela decorrentes. ALUNOS QUE NÃO UTILIZARAM O CHECKLIST A resistência apresentada ao checklist teve um lado prático: a aplicação do instrumento demandava tempo fora de sala de aula e o diagnóstico obtido nessa aplicação poderia significar refazer o projeto, o que exigiria mais tempo ainda. Os alunos tinham que dividir seu tempo extra-faculdade com as atividades das outras disciplinas, com o trabalho e, em muitos casos, com tarefas domésticas e filhos. A resistência teve também um lado ideológico: a avaliação é coisa de professor, não devendo ser transferida ao aluno (nem mesmo quando esse aluno é estudante de Pedagogia e, em muitos casos, já está atuando como professor). O grupo de alunos que não utilizaram o checklist foi dividido, portanto, entre os que não quiseram ou não puderam usar a ferramenta e aqueles que acreditavam que a avaliação é responsabilidade do professor, não devendo ser transferida ao aluno. 337 Não usei o checklist por que não conseguia enxergar os erros do meu projeto. Não entendi o checklist. Não usei por que não entendi a importância do instrumento. Não usei o checklist para auto-avaliação porque acredito que ele sirva ao professor da disciplina. Esse último depoimento foi partilhado por outros alunos. Um deles declarou que a auto-avaliação era uma estratégia do professor para fugir da carga de trabalho que a avaliação traz, sem considerar que, na proposta de avaliação da disciplina, a auto-avaliação era uma entre várias abordagens. Essa posição merece uma reflexão por que permite perceber, pelo menos, duas coisas: 1) o aluno de graduação de Pedagogia na UFBA não conhece avaliação e tem uma idéia deturpada sobre ela e 2) o curso não o está ajudando a discutir esse conceito. Para esse grupo de alunos, o instrumento não ajudou a construir as competências de autonomia e de auto-avaliação e sequer orientou a elaboração do projeto de pesquisa a ser avaliado. REFLEXÕES SOBRE O CHECKLIST PARA A AUTO-AVALIAÇÃO DE ALUNOS EM UM AMBIENTE VOLTADO À CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA DA APRENDIZAGEM A experiência relatada abordou o planejamento e a realização da disciplina Pesquisa em Educação no curso de graduação em Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (FACED/UFBA) em dois semestres de 2006. A disciplina, semestral, tem carga horária de 68 horas. A proposta do curso, nos dois semestres, previu a construção da autonomia de aprendizagem dos alunos e, para isso, uma das estratégias de avaliação adotadas foi a auto-avaliação. Como ferramenta para a autoavaliação, os alunos contaram com um checklist cujo pano de fundo teórico foi desenvolvido em sala ao longo do semestre. No curso de Pedagogia, essa era a primeira vez que os alunos tinham acesso à pesquisa, de maneira sistematizada. Além disso, de maneira geral, 338 uma boa parte das disciplinas do curso não buscava a construção da autonomia do aluno, que não tinha hábito de auto-avaliar-se. Os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais previstos para a disciplina envolviam, portanto, não só aqueles voltados para a pesquisa educacional, como também para a auto-avaliação e para a autonomia de aprendizagem. A carga horária disponível foi, consequentemente, insuficiente para o atingimento de todos esses objetivos, como visto nos depoimentos dos alunos registrados na seção 3. A instrução sobre a auto-avaliação e a aproximação entre checklist e aluno deixaram a desejar. Auto-avaliação e autonomia de aprendizagem são função do desenvolvimento de habilidades cognitivas e meta-cognitivas que envolvem o planejamento e a regulação de atividades de aprendizagem, além de motivação. De acordo com McCombs e Whisler (1998), isso envolve o desenvolvimento de estruturas e processos individuais. No caso em relato, o tempo foi insuficiente. Além disso, para a construção da autonomia, o aluno precisa acreditar que, no final, será bem sucedido e que terá a competência de controlar as demandas oriundas do processo de aprendizagem. Esse traço pessoal esteve presente em poucos alunos das duas turmas. O diagnóstico das dificuldades e das lacunas nos projetos de pesquisa em construção, longe de se apresentar como um desafio, “congelou” vários alunos que, sentindo-se incapazes de seguir adiante, abandonaram o checklist e, ocasionalmente, a própria elaboração do projeto, mesmo em um ambiente no qual o erro era considerado parte do processo de aprendizagem. Especificamente em relação ao instrumento, sua escolha foi baseada na necessidade de transparência dos critérios de avaliação, em um reconhecimento de quanto a hetero-avaliação e a auto-avaliação estão relacionadas. Entretanto, seu detalhamento confundiu boa parte dos alunos. Em 2006-I, a avaliação do projeto final, a partir da performance list derivada do checklist, mostrou que várias dimensões se sobrepunham (caso das perguntas sobre a operacionalização da pergunta de pesquisa que, de certa forma, voltavam a ser feitas na metodologia, por exemplo). Isso foi corrigido para o 339 semestre II, mas ainda assim o instrumento ficou longo e detalhado demais para a sua clientela, confundindo-a. Além disso, como posto por Arter e McTighe (2001:5), por ser uma mera lista de elementos, o checklist não deu pistas para que os alunos pudessem ir atrás dos elementos faltantes ou melhorar os elementos presentes. A ausência de uma definição da qualidade do elemento na composição do produto talvez tenha dificultado o uso desse instrumento. Nesse sentido, talvez outra ferramenta avaliativa fosse mais adequada, uma possibilidade seria a rubrica. Uma rubrica consiste em critérios avaliativos, uma escala fixa (por exemplo, de quatro ou cinco pontos) e termos descritivos que permitem discriminação dentre os diferentes tipos de entendimento, qualidade ou proficiência (McTIGHE; FERRARA:1998:21). Segundo Popham (2000:288289), são três os elementos de uma rubrica: 1) os critérios avaliativos; 2) definições de qualidade; e 3) estratégias de pontuação (scoring strategies). As definições de qualidade descrevem a forma com que as diferenças qualitativas das respostas dos alunos devem ser avaliadas. Por exemplo, se questões de pontuação e ortografia compõem um critério avaliativo, a rubrica deve indicar que, para obter a nota máxima, a redação não pode apresentar qualquer erro. A rubrica precisa fornecer uma descrição para cada nível a ser usado para julgar o desempenho dos alunos. Isso significa que, se quatro níveis diferentes de qualidade são utilizados, a rubrica precisa apresentar a descrição de cada um desses níveis. Visto que a rubrica é usada para comunicar as qualidades importantes de um produto ou de uma performance, facilitaria ao estudante posicionar-se criticamente quanto à aquisição dos conteúdos, o que é um dos elementos da auto-avaliação e da própria autonomia de aprendizagem. Por outro lado, a rubrica tornaria o instrumento ainda mais complexo para um primeiro encontro, pois implicaria em mais informações. O tempo em sala de aula foi insuficiente para o desenvolvimento das competências de auto-avaliação e autonomia e, por outro lado, a demanda de tempo do professor (para a formulação do checklist, sua transformação em performance list e posterior aplicação) foi excessiva. De acordo com Brown (2004, apud Oliveira, 2006), não há razão para utilização de um instrumento 340 que seja tempo-intensivo, especialmente no contexto da universidade pública. A questão do tempo precisa ser, portanto, bastante ponderada quando da escolha dessa ferramenta de avaliação. Buscou-se o checklist como ferramenta na construção da competência de auto-avaliação, em um contexto de busca de autonomia de aprendizagem. Como posto por Melchior, isso aconteceria se o avaliando se conscientizasse de que “a auto-avaliação serve não só para expressar um resultado, mas para que ele faça uma reflexão sobre sua ação e busque alternativas de superação das dificuldades.” (MELCHIOR, 2003:129). No entanto, percebeu-se, especialmente quando o preenchimento do formulário fez parte do produto final a ser avaliado na disciplina em comento, que a ferramenta foi utilizada de modo ritual, apenas para “cumprir a tarefa”, sem que houvesse, no processo, qualquer mecanismo de reflexão sobre os conteúdos aprendidos ou sobre o processo de aprendizagem desses conteúdos. Por essa razão, não só o instrumento deve ser repensado como sua utilização por um alunado com o perfil aqui descrito. Não há um instrumento bom ou ruim. Os instrumentos, as estratégias e as ferramentas são (ou não) adequados a um determinado objetivo e público, em um contexto específico. No caso em relato, a utilização do checklist não contribuiu para a construção da competência de auto-avaliação ou de autonomia de aprendizagem da maior parte dos alunos. Para uns poucos, a semente foi plantada. O fato de essa experiência precisar ser repensada, para o caso de novos semestres, não significa que o professor deva abandonar a busca por estratégias, ferramentas e instrumentos que, adequados, contribuam para a construção da autonomia do aluno. Ao contrário, essas reflexões visam contribuir para que, nas próximas experiências, outras abordagens sejam utilizadas com o objetivo de ensinar a aprender a aprender. REFERÊNCIAS ARTER, Judith; McTIGHE, Jay. Scoring rubrics in the classroom: using performance criteria for assessing and improving student performance. 341 Thousand Oasks, California: Corwin Press, Inc. 2001. Series Experts in Assessment. BARLOW, Michel. Quem avalia? Lógica e ilógica da hetero-avaliação e da auto-avaliação. In: Avaliação Escolar. Mitos e Realidades. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 63-74 DEMO, Pedro. Mitologias da Avaliação. De como ignorar, em vez de enfrentar problemas. 2ª ed Campinas, SP: Autores Associados, 2002 (Coleção Polêmicas do nosso tempo, 68) HORVÁTH, Ildikó. Autonomous Learning: what makes it work in postgraduate interpreter training? In: Across Languages and Cultures 8 (1), pp. 103–122 (2007) DOI: 10.1556/Acr.8.2007.1.6 1585-1923© 2007 Akadémiai Kiadó, Budapest LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber. Porto Alegre: Artmed – UFMG, 1999. LIBÂNEO, José Carlos. A avaliação Escolar. In: Didática. São Paulo: Cortez, 1994. Coleção Magistério 2º grau. Série formação do professor. Capitulo 9. p.195-220. McCOMBS, Bárbara L; WHISLER, Jô Sue. The Role of affective variables in autonomous learning. In. Educational Psychologist. 1989, Vol. 24, No. 3, Pages 277-306 (doi:10.1207/s15326985ep2403_4) McTIGHE, Jay; FERRARA, Steven. Assessing learning in the classroom. USA: National Education Association, 1998. Student Assessment Series. MELCHIOR, Maria Celina. Da avaliação dos saberes à construção de competências. Porto Alegre: Premier, 2003. MURPHY, Linda. Supporting learner autonomy: theory and practice in a distance learning context. In: Learner Autonomy 10: Integration and support. Authentik books for language teachers, 10. Authentik Language Learning Resources Ltd, Dublin, Ireland, 2007. p. 72-92. ISBN 1-905275-02-1 & 978-1905275-02-1 MYNARD, Jo; SORFLATEN, Robin. Independent learning in your classroom. Learning Enhancement Center Coordinators, 2002. Zayed University, UAE. Disponível em: http://ilearn.20m.com/research/zuinde.htm. Acesso em 30.09.07 OLIVEIRA, Adelaide. Poster presentation and learning log: alternatives in assessment at undergraduate and graduate levels. In: I Congresso Latino Americano sobre Formação de Professores de Línguas. I Encontro Catarinense de Formação de Professores de Línguas, 2006, Florianópolis, I Congresso Latino Americano sobre Formação de Professores de Línguas. Caderno de Resumos, 2006, p. 160. 342 POPHAM, W. James. Modern Educational Measurement. Practical guidelines for educational leaders. 3a ed. Needham, MA, USA: Allyn & Bacon. 2000 PO-YING, Chu. How students react to the power and responsibility of being decision makers in their own learning. In: Language Teaching Research.2007; 11: 225-241 RANGEL, Jurema Nogueira Mendes. O Portfólio e a Avaliação no Ensino Superior. In: Estudos em Avaliação Educacional, n.28, jul-dez 2003. p. 147160 A PESQUISA, A AVALIAÇÃO E O PLANEJAMENTO COMO INSTRUMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL Jocelina Alves de Souza Coelho109 Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto110 109 Jocelina Alves de Souza Coelho, mestre em Serviço social, especialista em Serviço Social e Política Social pela Universidade de Brasília - UNB (2002) e graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (1992). Assistente social do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, Coordenadora da Pós-graduação em Política e Direito Previdenciário da FACDELTA/Salvador-BA, e FACSUL/Itabuna-BA, professora do curso de graduação em Serviço Social da FACDELTA/Salvador-BA, UNIRB e do curso de pós-graduação em Planejamento e Administração em Projetos Sociais do Instituto Aleixo-MG. Membro do Grupo de Pesquisa do Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica em Planejamento, Gestão & Avaliação em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva – UFBA. 110 Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto, graduada em Serviço Social, pela UFAL – Universidade Federal de Alagoas, mestra em Administração Estratégica e pós-graduada em Psicologia Organizacional pela UNIFACS, em Metodologia do Serviço Social pela UCSAL e em Recursos Humanos pela UFBA, formação em psicodrama aplicado e em psicologia social. Atua como Coordenadora de Recursos humanos no Colégio Anchieta e no Curso de Serviço Social da UNIRB. 343 RESUMO: O presente artigo busca analisar a importância da pesquisa, planejamento e da avaliação como formas de sistematização e direcionamento das práticas do Serviço Social, dentro da relação totalidade/singularidade/especificidade. Dessa forma, buscaremos socializar o perfil dos alunos do curso de graduação de Serviço Social da Faculdade Regional da Bahia - UNIRB, instituição privada, através dos seguintes dados: idade, situação sócio-econômica, sexo, estado civil dentre outros. Os resultados serão apresentados em valores absolutos e percentuais e culminam nos seguintes aspectos: motivos e escolhas do curso e expectativas. Partimos do pressuposto de que toda ação deve está sintonizada com a dinâmica da realidade social e que a avaliação da mesma de ser contínua e sistematizada tanto por parte de quem a executa, como por parte de quem dela faz uso. Isto implica numa constante e atenta análise conjuntural da sociedade na qual a prática está sendo desenvolvida, bem como na capacitação e compromisso dos profissionais com os aspectos téorico-metodológicos do Serviço Social. Palavras-chave: Pesquisa. Avaliação. Planejamento. Serviço Social. ABSTRACT: The present article intends to analyze the importance of survey, planning and evaluation as different forms of systematization and the guidance of social service practices, in the socio-institutional environment, as part of the totality/singularity/specificity relation. Thus this work is aimed at socializing the profile of under-graduation students of Serviço Social da Faculdade Regional Bahia – UNIRB, private institution, through the following data: age, socioeconomical situation, gender and marriage status among many others. The results will be presented as absolute and proportional values and culminate in the following aspects: Reasons and choices for the course as well as expectations. We started from the presupposition that every action must be in harmony with the social reality dynamics and that its evaluation must be continuous and performed in a systematic fashion both by its implementer, and the individual who makes use of these tools. This implies a constant and focused analysis of the social conjuncture in the society which the practice is being applied, as well as in the capacitation and engagement of professionals with the theoretical – methodological aspects of Social Service. Keywords: Research. Evaluation. Planning. Social Service. INTRODUÇÃO O presente artigo busca analisar a importância da pesquisa, do planejamento e da avaliação como formas de sistematização e direcionamento das práticas do Serviço Social no espaço sócio-institucional acadêmico inserido no contexto da relação totalidade/singularidade/especificidade. Dessa forma, buscaremos socializar o perfil dos alunos do curso de graduação de Serviço Social da Faculdade Regional da Bahia - UNIRB, instituição privada de ensino, coletados em meados de 2007 e início de 2008, através dos seguintes dados: faixa etária, estado civil, situação ocupacional, 344 rede de ensino e áreas de trabalho. Os resultados serão apresentados em valores absolutos e percentuais e culminam nos seguintes aspectos: motivos e escolhas do curso e expectativas. Partimos do pressuposto de que toda ação deve está sintonizada com a dinâmica da realidade social e que a avaliação da mesma de ser contínua e sistematizada tanto por parte de quem a executa, como por parte de quem dela faz uso. Isto implica numa constante e atenta análise conjuntural da sociedade na qual a prática está sendo desenvolvida, bem como na capacitação e compromisso dos profissionais com os aspectos téorico-metodológicos do Serviço Social. Assim, para a compreensão do perfil dos alunos do Curso de Serviço Social da UNIRB, precisamos analisar de forma breve a Reforma Universitária, enquanto uma exigência do cenário caracterizado pela globalização da economia mundial e pelo impulso da Terceira Revolução Industrial. O GOVERNO LULA E A REFORMA UNIVERSITÁRIA Na década de 1990, com a ascensão das políticas neoliberais no país, cujos eixos centrais foram o ajuste fiscal e a implantação de um Estado mínimo, tomou curso um controle e/ou corte nos gastos públicos, de dimensões drásticas, além da progressiva privatização de empresas estatais e de serviços públicos de uma maneira geral. Isso porque existia o entendimento de que o Estado deveria deixar de ser responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social por meio da produção de bens e serviços, devendo, outrossim, fortalecer seu propósito de promotor e regulador desse desenvolvimento. A função do Estado estaria restrita a uma "ação redistributiva" dos bens sociais e ao cumprimento do objetivo de garantir a ordem interna e a segurança externa. Para tanto, tornava-se premente a transferência para o setor privado das atividades que pudessem ser controladas pelo mercado. A privatização e a constituição do setor público não-estatal seriam os grandes instrumentos de execução dos serviços, que assim não demandariam o exercício do poder do Estado, mas apenas o seu subsídio. Como conseqüência imediata, obteve-se a diminuição dos investimentos públicos em saúde e cultura, bem como em 345 educação, incluindo a educação superior e todo o campo de produção de ciência e tecnologia. (MANCEBO, 2004). Sob esse discurso, o governo Lula herdou uma intensa desarticulação do setor público, da qual as universidades não foram poupadas, podendo-se mesmo afirmar que, nos anos que precederam a posse do mencionado presidente, as universidades também viveram a chamada "reforma universitária". A crítica à presença do Estado em todas as esferas da vida nacional resultou nas políticas de austeridade, com salários acanhados e redução de recursos para manutenção e investimento, de modo que o quadro geral das instituições de educação superior era (ou ainda é) de crise. A REFORMA DA PRIORIDADE - 2004 EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA COMO No início do segundo ano do Governo Lula, com a mudança do titular do Ministério da Educação, a "reforma universitária" foi trazida para a agenda das prioridades do governo depois de várias décadas. Este é um fato por si mesmo significativo, uma vez que, durante o primeiro ano do governo, a questão foi tratada em seminários nacionais e internacionais sem que houvesse um compromisso com um cronograma de ações voltadas para a sua implementação. O principal avanço foi a iniciativa da Secretaria de Educação Superior, do Ministério da Educação (SESU/MEC), em meados de 2003, de criar uma Comissão Especial de Avaliação que elaborou a proposta de um novo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), aprovado pelo Congresso por intermédio da Lei n. 10.861 de 14 de abril de 2004 sendo implementada sob a responsabilidade de uma recém-criada Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior. (TRINDADE, 2004). Entre os temas que constavam na agenda da reforma universitária foi o acesso à educação superior. Nesse caso, o governo encaminhou dois projetos de Lei ao Congresso. O primeiro deles, tratava do Projeto de Lei n. 3.627/2004, que institui a reserva de cotas nas universidades federais para alunos advindos da escola pública e para autodeclarados negros e indígenas. Este apresentava um teor que tem alimentado muitas críticas, especialmente da parte dos reitores, que reivindicam autonomia para definir a melhor forma de aumentar a 346 participação de estudantes pobres no ensino superior, para expandir o número de vagas. Além de solicitarem, também, a criação de um fundo de assistência estudantil que garantisse a permanência dos estudantes nos cursos, de modo a preservar o discurso da democratização do acesso ao ensino superior. O segundo projeto de lei encaminhado pelo governo relacionava-se as formas de acesso ao ensino superior - Projeto de Lei n. 3.582/2004 -, denominado Programa Universidade para Todos ou, ainda, PROUNI. Tal projeto visava o aproveitamento de parte das vagas ociosas das instituições de ensino superior privadas. O novo Programa concederia de bolsas de estudo integrais para estudantes considerados pobres, que cursaram o ensino médio em escolas públicas, e a professores da rede pública de ensino fundamental, sem diploma de nível superior, possibilitando, assim, a elevação da taxa de matrícula para esse nível de ensino. Além disso, o Programa adotou uma política de cotas, pela qual são concedidas bolsas de estudo para alunos autodeclarados negros, pardos e indígenas, de acordo com a proporção dessas populações nos respectivos estados. As instituições privadas são envolvidas no Programa mediante dois mecanismos: 1) as instituições filantrópicas de ensino superior - que já têm isenção de impostos federais - terão que transformar 20% de suas matrículas em vagas para o PROUNI; 2) as universidades privadas com fins lucrativos, que atualmente pagam todos os impostos, se aderirem ao PROUNI, terão isenção fiscal de alguns tributos e, como contrapartida, deverão oferecer uma bolsa para cada nove alunos regularmente matriculados em cursos efetivamente instalados na instituição. Esse projeto vem recebendo críticas, cabendo destaque àquelas que consideram o PROUNI sob a perspectiva do aprofundamento do quadro de privatização do sistema de educação superior no país. Isso posto cabe fazermos uso da pesquisa de campo como uma forma de sistematizarmos as ações voltadas para os alunos do Curso de Serviço Social da UNIRB. O PERFIL DOS ALUNOS DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA UNIRB, INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE ENSINO SUPERIOR – UNIVERSO PESQUISADO 105 ALUNOS/UNIRB 347 O Quadro 1 revela que a faixa etária que mais tem procurado o curso de Serviço Social está entre 18 e 25 anos, que representam 40% do universo de 105 alunos pesquisados. Quadro 1 – Faixa Etária IDADE 18 a 25 42 40% 26 a 33 30 29% 34 a 41 16 15% 42 a 49 14 13% 3 3% 105 100% 50 em diante TOTAL: O Quadro 2 revela que 69% dos alunos que estão na graduação de Serviço Social são solteiros. Quadro 2 – Estado Civil ESTADO CIVIL SOLTEIRA(O) 69 66% CASADA(O) 32 30% DESQUITADA (O) 2 2% VIUVA 2 2% 105 100% TOTAL: O Quadro 3 revela que 65% dos alunos que estão na graduação de Serviço Social trabalham. Quadro 3 – Situação Ocupacional TRABALHAM SIM 68 65% NÃO 37 35% 105 100% TOTAL: 348 O Quadro 4 revela que 82% dos alunos que estão na graduação de Serviço Social advêm da rede de ensino público. Quadro 4 – Rede de Ensino REDE DE ENSINO PUBLICA 86 82% PRIVADA 19 18% 105 100% TOTAL: O Quadro 5 demonstra que 18% dos alunos que estão na graduação de Serviço Social atuam na Prefeitura do Município de Salvador/ou Municípios circunvizinhos. Quadro 5 – Áreas de Trabalho AREAS DE TRABALHO Estado 7 10,30% Prefeitura 12 18% Serviços 7 10,30% Educação 4 6% Saúde 13 19% Terceiro Setor 2 3% Autonoma 2 3% Limpurb 2 3% Justiça 2 3% Comércio 10 14% Processamento de dados 1 1% Eventos 2 3% Cooperativa de transporte 1 1% Indústria 2 3% 349 Transporte 1 1% TOTAL 68 99% ENTRE OS PRINCIPAIS MOTIVOS QUE LEVAM A ESCOLHA DO CURSO DESTACAMOS: • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Gostar de ajudar e do social Área de atuação vasta Possibilidade de Mercado de Trabalho Realização pessoal e profissional Oportunidade de estudar à noite Ajudar a pensar Mudar a sociedade com ações concretas Trabalhar com educação Trabalhar com a comunidade carente Trabalhar na área de Saúde Envolvimento com o humano e político Qualidade de vida Gostar de ouvir e entender o outro Boa referência do curso Ter uma graduação Próximo da residência Vocação Identificação com o Curso Possibilidade de ajudar as pessoas e lidar com as seqüelas da questão social Atuar com Idosos Admirar a profissão Ajudar a Comunidade onde mora Ajudar as pessoas de forma mais técnica Trabalhar com o terceiro setor Mudar de área Fazer o melhor na minha área e desenvolver o trabalho social de forma mais técnica Prazer e sonho Capacidade para compreender a sociedade e o ser humano Ter sucesso na profissão escolhida Não ter matemática. Identificação com o curso. Possibilidade de emprego. Curso que possibilita ajudar as pessoas e a sociedade. Contribuir com o meio onde estar inserido – comunidade. Por gostar de ajudar as pessoas. Simpatizar com a área e já conhecer um pouco pela convivência com profissionais. Melhorar o relacionamento e evoluir como ser humano. 350 • • • • • • • • • Possuo já uma graduação e conhecer outra profissão. Gostar de trabalhar com crianças e idosos. Incentivada por outros profissionais e colegas. Gostei da proposta do curso. Por não constar na matriz curricular: Matemática, Física e Química. Ser uma referência para a família. Para procurar ser uma boa ouvinte. A sociedade precisa de profissionais capacitados e que goste do que faz. Realização Profissional ENTRE AS EXPECTATIVAS APRESENTADAS DESTACAMOS: • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Bom desenvolvimento teórico e prático As melhores possíveis Qualificar-me profissionalmente para o trabalho social Ser um profissional capacitado e de sucesso Ser um profissional que faça a diferença Condições financeiras para ir até o final do curso Bons professores e aulas dinâmicas Nova visão das pessoas e da realidade Trabalhar na área e ganhar dinheiro Aprender e colocar na prática os conhecimentos Aprender com leveza e sem pressão e desempenhar com autonomia. Adquirir conhecimento e tornar-se uma profissional mais humana Ser um curso bem estruturado Aprender com professores e colegas Corpo docente bem selecionado Subsídios para a pratica profissional no terceiro setor Sair com uma boa formação acadêmica Aprender a lidar com as dificuldades Como me relacionar melhor com as pessoas Ter bons orientadores. Ser um excelente profissional. Respeitar os direitos das pessoas e lutar por direitos e deveres. Bons professores. Sair capacitado para enfrentar o mercado de trabalho. Aprender valores e ter uma formação profissional para contribuir por uma sociedade melhor. Ser um profissional com competência e de responsabilidade. Aprender coisas novas. Aprender a interagir com outras profissões. Identificação com o curso. Crescer como profissional e pessoal. Absorver o máximo de conhecimentos. Aprender me relacionar bem com os colegas e contribuir com o outro. Não desistir Conhecer os campos de atuação do Assistente Social e a teoria. 351 • • Pronta para encarar qualquer desafio Adquirir conhecimentos e experiência CONCLUSÃO Os dados obtidos com a pesquisa revelam uma direta relação com a reforma universitária, o programa de acesso ao ensino superior e o perfil levantado dos alunos do Curso de Serviço Social na UNIRB. Pela primeira vez, desde o período anterior ao golpe militar, o tema da “reforma universitária” desencadeia-se num contexto democrático, em meio a um debate aberto e participativo. Em pleno início do século XXI, analisamos que o Brasil precisa construir urgentemente uma política que seja a expressão de uma sociedade democrática e pluricultural. Inspirada nos ideais de liberdade, de respeito pela diferença e de igualdade, que se constitua numa instância de consciência crítica em que a coletividade encontre seu espaço para repensar suas formas de vida e suas organizações sociais, econômicas e políticas. A pesquisa, planejamento e a avaliação como instrumentos do serviço social podem contribuir com essa construção, formando um profissional com competência ético-politica, teórico-metodológica e técnico-operativo para enfrentar as questões postas pela contemporaneidade que está em processo de constantes mudanças e de garantir a efetivação da democracia e da cidadania. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR. Anteprojeto de lei da reforma da educação superior: propostas de emendas da Andifes. Revista, Brasília, DF, 30 mar. 2005. Disponível em: <http//:www.andifes.org.br/files/revista.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2005. MANIFESTO em defesa da universidade pública. Boletim Informativo e Bibliográfico em Ciências Sociais (BIB), Rio de Janeiro, n. 19, p. 21-65, 1985. SANTOS, B. S. Da idéia de universidade à universidade de idéias. In: SANTOS, B.S. Pelas mãos de Alice. 3.ed. Porto: Afrontamento, 1994. TRINDADE, H. (org.). Universidade em Ruínas: na república dos professores. Petropólis, RJ: Vozes/Rio Grande do Sul: CIPEDES, 1999. 352 VIDA PSÍQUICA DO TRABALHADOR FRENTE ÀS MUDANÇAS DO MUNDO DO TRABALHO Maria Lúcia de Souza C. Couto111 RESUMO:O artigo trata de uma reflexão sobre os processos de mudanças no mundo do trabalho e o seu rebatimento nos aspectos tradicionalmente considerados como focos de comprometimento do trabalhador em articulação com as várias esferas da vida pessoal (família, lazer, religião, profissão etc). Visando também contribuir para a compreensão do estresse no ambiente profissional, buscou-se identificar os agentes avaliados como estressores. A natureza do processo de trabalho, crescentemente sob o efeito das novas tecnologias, requer todo um novo ajuste da relação indivíduo/posto de trabalho, vínculo primário, fonte de recompensas intrínsecas e de expressão de valores mais centrais da vida pessoal. Os resultados obtidos foram analisados de forma qualitativa e evidenciaram ser possível verificar formas de manifestação das rotinas organizacionais defensivas bem como outros indicadores de um processo de mudança e aprendizagem organizacionais. Palavras-chave: Vida Psíquica, Mundo do trabalho, Mudanças ABSTRACT: The article is a reflection on the processes of change in the working world and its rebatimento the aspects traditionally regarded as hotbeds of commitment of the worker in conjunction with the various spheres of life (family, leisure, religion, profession etc.). Aiming also contribute to the understanding of stress at work, trying to identify the agents assessed as stressors. The nature of the work process, increasingly under the influence of new technologies, requires a whole new adjustment of the individual / workstation, link primary, source of intrinsic rewards and expression of most central values of personal life. The results were analyzed in a qualitative and highlighted be possible to verify forms of manifestation of organizational defensive routines as well as other indicators of a process of change and organizational learning. Keywords: Psíquica Life, World of work, changes INTRODUÇÃO Nos contextos de trabalho o estresse pode estar presente em todas as áreas, ocupações e níveis hierárquicos, em maior ou menor grau. O seu caráter destrutivo, refletido no sofrimento físico e mental de fora do trabalho, tem sido responsável pelo aumento do absenteísmo e da rotatividade entre os 111 Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto, graduada em Serviço Social, pela UFAL – Universidade Federal de Alagoas, mestra em Administração Estratégica e pós-graduada em Psicologia Organizacional pela UNIFACS, em Metodologia do Serviço Social pela UCSAL e em Recursos Humanos pela UFBA, formação em psicodrama aplicado e em psicologia social. Atua como Coordenadora de Recursos humanos no Colégio Anchieta e no Curso de Serviço Social da UNIRB. 353 empregados. Os números crescentes de doenças psicossomáticas também estão relacionados à insatisfação no ambiente de trabalho. É, portanto, essa realidade que tem motivado um número significativo de pesquisas, buscando oferecer algumas respostas às inúmeras perguntas que o próprio processo de manifestação do estresse impõe. DESENVOLVIMENTO A capacidade de o sujeito realizar-se, parcialmente, na esfera da produção, decorre do fato de que o produto de seu trabalho lhe é expropriado, o que constitui a mais-valia, o lucro no modo capitalista de produção. Marx (1983, p.38-40), ao analisar as relações entre capital e trabalho, observa: A limitação do capital está no fato de que todo o seu desenvolvimento se efetua de maneira antagônica e a elaboração das forças produtivas, a riqueza universal, a ciência etc., aparecem como alienação do trabalhador que se comporta frente a condições produzidas por ele mesmo como frente a uma riqueza alheia e causadora de sua pobreza. Porém, esta forma contraditória é transitória e produz as condições reais de sua própria abolição. O resultado é que o capital tende a criar essa base que contém, em potencial, o desenvolvimento das forças produtivas e da riqueza, assim como a universalidade das comunicações; em uma palavra, a base do mercado mundial. O desenvolvimento real dos indivíduos a partir dessa base, pelo qual cada barreira é constantemente superada, lhes proporciona esta consciência: nenhum limite pode ser considerado como sagrado. O trabalho alienado e em escala exige não apenas a construção de defesas psíquicas: impossibilita a realização mais desenvolvida do desejo. Essas defesas são construídas de forma coletiva (DEJOURS, 2001). O trabalho é alienante quando nele o trabalhador não se reconhece, além do processo de competição que implica e por suas condições de realização, em geral. A ação dos mecanismos de defesa é sempre provisória e funcional, mas pode deixar de exercer seu papel antes que o sujeito possa dispensá-lo. Neste caso, adoece. O estresse, por exemplo, é uma patologia desenvolvida pelo sujeito que não encontra a possibilidade de transferências para a organização. Enriquez (2000) assinala que a organização precisa da conformidade e da inovação. Para obter as duas coisas, ela explora o conhecimento 354 proveniente da psicanálise que aponta, com Freud, a “angústia original”. Esta pereniza a necessidade de substituir as figuras do pai e da mãe pelo chefe, pois, ao representar força e poder, é o suprimento da necessidade narcísica. Desta forma, a organização infantiliza seus funcionários e deles obtém a conformidade, porque instala em cada indivíduo uma espécie de certeza; retira a busca que inquieta e mobiliza; leva à sublimação dos impulsos e bloqueia o desenvolvimento da criatividade. Se, por um lado, a organização convence o indivíduo de sua independência, capacidade e poder, por outro engendra aqueles que se vendem no mercado, tão logo a oportunidade apareça. Só o individuo autônomo, capaz de sublimação, estará pronto a permanecer nela, lutando, permanentemente, para “administrar” a própria ansiedade. Essa é a inteligência da organização de tipo estratégico. O risco é que esses mesmos indivíduos, por sua autonomia, instalem novos modos de pensar e agir na organização. Porém, como a desordem é salutar à organização, esses mesmos indivíduos são, afinal, saudáveis a ela. O Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em incidência de estresse; só perde para o Japão no índice de registros da síndrome de bornout, que designa o estágio mais acentuado do estresse, a mais devastadora patologia da vida moderna. Um estudo realizado em oito países (Brasil, Alemanha, França, Estados Unidos, Japão Israel, Fiji e China) mostra que o Japão ocupa o primeiro lugar no ranking, com cerca de 70% dos trabalhadores pesquisados vivendo em estado de exaustão física e mental. Em segundo lugar, o Brasil registra 30%. Esse índice coincide com outro resultante de uma pesquisa feita pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília, segundo a qual 30% dos professores de escolas particulares no Brasil sofrem da síndrome de bornout. O indivíduo por ela afetado perde o “sentido” de sua relação com o trabalho; nada mais lhe importa e qualquer esforço lhe parece inútil. Segundo Codo (1999, p.238), essa patologia envolve três componentes: 1) Exaustão emocional — situação em que os trabalhadores sentem que não podem dar mais de si mesmos em termos afetivos. Percebem esgotada a 355 energia e os recursos emocionais próprios, devido ao contato diário com os problemas. 2) Despersonalização — desenvolvimento de atitudes e sentimentos negativos com relação a quem se destina o trabalho (usuários/clientes); endurecimento afetivo, “coisificação” do comportamento. 3) Falta de envolvimento pessoal no trabalho — tendência à involução laborativa, que afeta as habilidades para realizar tarefas e compromete o contato com as pessoas usuárias do trabalho, bem como com a organização. A leitura da instituição pode ser analisada a partir de um sistema em três níveis: na superestrutura, em que se observa o funcionamento do cotidiano; no nível da infra-estrutura, em que os organizadores psíquicos dão cor e sentido à vida institucional; no nível intermediário, em que uma zona “ideológico-teórica” capta as correntes de pensamento, externas, transforma-as em argumentos e constitui as “razões” pelas quais este ou aquele tipo de funcionamento foi escolhido. A importância desse nível ideológico-teórico para o presente estudo provém do fato de que ele não se expressa de maneira objetiva. A montante, ele está infiltrado pelos organizadores psíquicos que escolhem, recusam, modificam, e, portanto, organizam de maneira original as informações externas. O que ele produz a jusante (um funcionamento institucional) provém de uma combinação original entre um “ao lado” (o que provém de um exterior social) e um “a montante” (o que prevalece como organizador psíquico). A organização traria uma resposta às contradições psicológicas individuais, permitindo a cada um de seus membros defender-se da angústia, através de eficazes mecanismos de ajustamento do ego, socialmente organizados e legitimados. Dessa mediação poderão resultar níveis de dominação ou equilíbrio entre o sujeito e a organização. Para Pagés (1987), a mediação é um processo que transforma uma contradição subjacente entre os trabalhadores e a organização: primeiro, em contradição interna às políticas da organização; segundo, porque ela absorve os termos da contradição original, transformando-os, pois permite evitar que esta chegue a explodir em conflito, ao antecipar-se a eles, fazendo a organização assumir um conflito em potencial com seus trabalhadores, para o 356 qual ela tem uma solução pronta. Agindo assim, ela ajusta o trabalhador a seus objetivos específicos, bem como às relações de produção capitalista sobre as quais está fundamentada. O processo de mediação se coloca, portanto, como a aliança das restrições (coerções) da empresa e os privilégios oferecidos ao indivíduo. Tal situação se evidencia nas greves quando o estremecimento das relações é resolvido pelo processo interno de negociação, em reuniões constantes que ocorrem com os representantes dos diversos setores da organização. Ainda conforme Pagés (1987), o indivíduo está ligado à organização não apenas por laços materiais e morais, por vantagens econômicas e satisfações ideológicas que ela lhe proporciona, mas também por laços psicológicos. A estrutura inconsciente de seus impulsos e de seus sistemas de defesa é ao mesmo tempo modelada pela organização e se inclui nela, de tal forma que o indivíduo reproduz a organização, não apenas por motivos racionais, mas por determinações mais profundas, que escapam à sua consciência. A organização tende a se tornar fonte de sua angústia e de seu prazer. Este é um dos aspectos mais importantes de seu poder. Seu domínio está na sua capacidade de influenciar o inconsciente, de ligá-lo a ela de forma quase indissolúvel, com mais força e, ao fim e ao cabo, de modo diferente do da empresa clássica. Segundo Morgan (1996, p.154), os mecanismos pessoais e organizacionais desenvolvidos são analisados através de três domínios interligados: tarefas, carreira e vida pessoal na organização. Interesses da tarefa: Estão ligados desempenhar. ao trabalho que alguém deve Interesses de carreira: Representam as aspirações e visões daquilo que o futuro do empregado deve ser. Interesses pessoais: Estão ligados à personalidade, atitudes próprias, valores, preferências, crenças e conjuntos de compromissos com o mundo exterior. Trabalhando numa organização, o sujeito tenta lutar pelo equilíbrio entre as três esferas de interesses: 357 Carreira Cargo Exterior da Organização Figura 3 — Conjunto de interesses A articulação das várias esferas da vida pessoal (família, lazer, religião etc.), no conceito de carreira, contrapõe-se às freqüentes referências a “carreiras profissionais” e “carreiras pessoais”, como se estas acontecessem distinta e dissociadamente. Para Bastos (1999), os processos de mudança no mundo do trabalho têm alterado bastante os aspectos tradicionalmente considerados como focos de comprometimento pelo trabalhador. A natureza do processo de trabalho, crescentemente sob o efeito das novas tecnologias, requer todo um novo ajuste da relação indivíduo / posto de trabalho, vínculo primário, fonte de recompensas intrínsecas e de expressão de valores mais centrais da vida pessoal. A noção de carreira tem sofrido alteração significativa, ao enfatizar o papel do próprio indivíduo na construção de seu percurso, não necessariamente (e até desejavelmente), no interior de uma mesma organização. As ocupações e profissões têm-se reestruturado e mudado de posição na hierarquia dos valores sociais a elas associados. Finalmente, as próprias organizações estão alterando a sua estrutura, estilos de gestão e as políticas de compensação tradicionalmente utilizadas para atender às expectativas de seus empregados, em uma direção cujo termo “flexibilização” parece descrever adequadamente o processo. A importância dos “clientes” é enfatizada, o papel dos gestores tem-se redimensionado perante as exigências de qualidade, competitividade e autonomia dos 358 empregados. Equipes e grupos ganham novo significado como unidades estruturantes do processo de organização do trabalho. Caracterizando o conjunto de transformações por que passa o mundo do trabalho, Motta (1997, p. 21-2) assim se reporta ao dilema sobre o compromisso do trabalho: Antes exigia-se consentimento e lealdade e oferecia-se progresso através da carreira. As exigências serão as mesmas, mas sem perspectivas ou garantias de progresso. Sem garantias, lealdade e dedicação só à tarefa, e não à empresa [...] Restringem-se a lealdade e a possibilidade de cooperação pela diminuição do sentido de pertencer — a ligação à empresa será mais de natureza financeira [...] Sem perspectivas dentro da mesma empresa, a vida profissional será centrada no indivíduo. Mesmo apoiado em reflexões sobre a perda de centralidade do trabalho e fragilização dos vínculos pessoais com as empresas, ao vê-las interligadas a macroprocessos histórico-sociais (pós-industrialismo, pós-modernidade), acrescenta esse autor: No trânsito para o futuro, o maior desafio estará na consciência da tecnologia como insuficiente ao êxito: robotizar, automatizar ou informatizar serão passos importantes, mas o sucesso dependerá de novos modelos organizacionais e da satisfação integral das pessoas, as dimensões humanas e sociais serão valorizadas a um nível antes desconhecido (MOTTA, 1997, p. 31). Segundo Enriquez (2000), a evidência de que a organização considera a vida psíquica e o imaginário dos sujeitos, está na freqüência de opções de representação e interiorização (um imaginário social) oferecidas a seus membros. Observa que algumas etapas deverão ser assinaladas como na visão taylorista e weberiana, ou seja, a adaptação do homem à maquina e à organização implica o desenvolvimento de concepções das quais decorrem as decisões e conhecimento das tarefas e responsabilidades no universo do trabalho, assunção competente de cargos e exercício parcimonioso do poder, separando a vida pública da vida privada. É a paixão pela eficácia. Assim, a vida psíquica do indivíduo, enquanto ser de paixão, é solicitada, mas não captada totalmente pela organização. CONCLUSÕES 359 Estudos realizados por psicólogos industriais, em 1927, atribuíam relevância aos aspectos humanos e ressaltavam a importância das relações informais, das normas de grupo, do papel do líder espontâneo, esboçando, assim, reações ao que preconizam Taylor e Weber. Outro formato de organização é o cooperativista, desenvolvido por SaintSimon e seus discípulos, como Proudhon, Fourier e R. Owen, cujo objetivo é [...] formar organizações nas quais os indivíduos, através da adesão livre, estivessem em situação de igualdade e compartilhassem os mesmos valores de camaradagem e fraternidade. As decisões eram tomadas coletivamente por pessoas eleitas por seus pares, perante os quais eram responsáveis (ENRIQUEZ, 2000, p. 13). Na visão de Lewin (1948), a psicossociologia compreende a vida dos grupos como agentes de mudança social e fontes de exercício de democracia no contexto da organização. Para Moreno, trata-se de como lidar com os conflitos, seja preventivamente ou corretivamente, procurando fazer com que os indivíduos e os grupos aprendam a conviver, a escutar-se, compreender-se, e a discutir franca e democraticamente, a fim de alcançar seus objetivos. Outra abordagem é a Rogeriana, que enfatiza a importância da empatia, do respeito incondicional ao outro como condição para um encontro entre as pessoas. Esse encontro possibilita-lhes “diminuir a distância que existe entre elas, de uma parte, e entre elas e sua própria afetividade, de outra”. À luz desse encontro, o bem-estar da organização passa pelo bem-estar dos sujeitos que a compõem. A visão tecnocrática, por ser autoritária, preconiza a racionalidade ilimitada, isto é, os indivíduos são apenas instrumentos, ou objetos manipuláveis, pois o dirigente sabe o que é bom para todos. Aplicar essa racionalidade significa neutralizar tudo que não esteja em conformidade com a organização. Para Enriquez (2000), a concepção estratégica é tomada pelo imaginário da performance e da excelência, através da canalização da afetividade, das pulsões inconscientes e de sua reflexão. Acrescenta que, neste caso, dá-se o esvaziamento de outros pólos de identificação e referência como Estado, classe social, família; em conseqüência, a organização se instaura como ator 360 principal da sociedade e exporta para outras os seus valores (a competição e o sucesso econômico), sua visão pragmática do mundo, suas normas de eficácia e de performance. Assim, a capacidade estratégica é destinada a todos que a constituem. É exatamente em meio a esse clima de indagações que, segundo Enriquez (2000), a organização como (microssociedade por excelência) luta contra os seguintes medos: a) medo do disforme, do caos; b) medo das pulsões não-canalizadas; c) medo do desconhecido; d) medo dos outros (daí a dificuldade de reconhecimento da alteridade); e) medo do pensamento exigente; f) medo da palavra livre, o que leva ao desenvolvimento de uma palavra “em liberdade vigiada”. De fato, em toda organização encontram-se os problemas essenciais postos pela instauração do vínculo social. REFERÊNCIAS BASTOS, Antônio Virgilio Bittencourt (Coord.). Clima organizacional: um estudo na GERAB. Salvador: UFBA/ISP. 1998. 85 p. ______. Organização e cognição como campo de estudo: explorando a relação indivíduo – organização em uma perspectiva cognitivista. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD. 2000. 1 CD-ROM. ______. Comprometimento no trabalho: contextos em mudança e os rumos da pesquisa neste domínio In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 21., 1999, Foz do Iguaçu. Anais ... Foz do Iguaçu. 1 CD-ROM. CODO, Wanderley (Coord.) Educação: carinho e trabalho. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 432 p. DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça. 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001. 158 p. ENRIQUEZ, Eugene. Vida psíquica e organização. In: MOTTA, Fernando C. Prestes; FREITAS, Maria Éster de (Org.). Vida psíquica e organizações. Rio de Janeiro: FGV, 2000. p.11-22. ______. A organização em análise. Tradução Francisco da Rocha Filho. Petrópolis: Vozes, 1997. 302 p. LEWIN, Kurt. Problemas de dinâmica de grupo. Tradução Miriam Moreira Leite. São Paulo: Editora Cultrix Ltda., 1948. 242 p. MARX, K. ; ENGELS, F. Moraes, 1983 Textos sobre educação e ensino. São Paulo: MORGAN, Gareth. Imagens da organização. Tradução Cecília Bergamini, Roberto Coda. São Paulo: Atlas, 1996. 421 p. 361 MATTA, Roberto da. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de janeiro: Rocco, 1987. 246 p. PAGÉS, Max. O poder das organizações: a dominação das multinacionais sobre os indivíduos. São Paulo: Atlas, 1987. 234 p. 362 ANEXOS 363 PROTEÇÃO JURIDÍCA DA INTIMIDADE, PRIVACIDADE, HONRA E IMAGEM NA RELAÇÃO DE EMPREGO. Rejane A. N. Gavazza¹ RESUMO: O presente trabalho retrata a realidade social do direito à personalidade, caracterizado pela proteção jurídica à intimidade, privacidade, honra e imagem na relação de emprego, demonstrando a importância do respeito ao Principio da Dignidade Humana, previsto nos preceitos Constitucionais. A fim de alertar as condutas abusivas do empregador na violação do direito do empregado e salientar reais conseqüências como dano moral e indenização, apresenta jurisprudências e também analisa criticamente a postura dos empregados, sugerindo uma relação trabalhista harmoniosa, descrevendo que o mesmo não pode se recusar a ser fiscalizado pelo empregador (dentro dos parâmetros da necessidade e razoabilidade), o que poderia resultar em dano patrimonial a este, que suporta o ônus da atividade econômica e tem função social no Estado. Enfim, faz-se um convite à reflexão acerca dos valores sociais e sua efetivação nas relações trabalhistas. PALAVRAS-CHAVE: Proteção Juridíca. Empregado. Empregador. Dignidade Humana. INTRODUÇÃO Este trabalho tem o intuito de contribuir para reflexão em torno do tema, sem a pretensão de esgotá-lo, considerando que hoje, na sociedade atual, o trabalho pode ser percebido como o núcleo central da vida humana, como uma fonte de identidade e dignidade, como algo que dá sentido a vida. Independente da profissão, do cargo, do salário, as pessoas buscam trabalhar. 364 Buscam um emprego, uma colocação no mercado de trabalho, não só para nutrir seus desejos capitalistas, para realizar prazeres pessoais, para garantir uma boa alimentação, a subsistência da família, mas também para se sentir incluso nos padrões básicos da sociedade. _____________________________________________________________________________________ ______ 1. Graduada em Pedagogia, Especialista em Psicopedagogia, Graduada em Direito, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Especialista em Direito do Trabalho- UFBA, Advogada, Professora de Direito Constitucional I e Direito das Sucessões – UNIRB (Unidade Regional da Bahia). Uma pessoa que trabalha é vista perante seus amigos, vizinhos, família, ou seja, por toda a sociedade como um cidadão de bem, alguém na qual se deve ter orgulho, uma pessoa honesta, refletindo diretamente na auto estima do trabalhador, pois com um emprego ele se sente digno, orgulhoso, valorizado, útil e provedor. Segundo Álvaro Gomes (2001, p. 109): “O trabalho deve significar para o indivíduo uma fonte de prazer e satisfação pessoal, além da garantia de renda e acesso a manutenção de consumo, sobrevivência, sensação de integração, apoio e engajamento sociais. Trabalhar, portanto, numa situação ideal, significa uma das mais importantes realizações do ser humano.” Hoje, com o sistema capitalista, o avanço tecnológico e a concorrência no mundo globalizado, com os mercados voltados para o consumo, visando lucros a qualquer custo, cada vez maiores, vêm exigindo ainda mais comprometimento dos trabalhadores, sempre resultados maiores em um tempo reduzido, faz com que aumente a pressão sobre os trabalhadores. Esses têm que cumprir prazos, bater metas para conseguirem acompanhar o crescimento e as cobranças do mercado. A concorrência é grande, as ofertas de empregos são poucas e o risco de perder emprego é grande, pois existe um número muito grande de desempregados e um número pequeno de oferta de empregos. Nesse ambiente de competitividade e de instabilidade é que cresce o assédio moral, os trabalhadores têm medo de perder o emprego e aceitam mais facilmente situações vexatórias. 365 1. ORIGEM DA INTIMIDADE. NATUREZA JURÍDICA. DOUTRINÁRIA A RESPEITO DO DIREITO À INTIMIDADE. DISCUSSÃO 1.1. Conceito de Dignidade O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, encontrado no art. 1º da C.F, é assim conceituado por Alexandre de Moraes: “A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2003, p.53).” A partir deste conceito observa-se que a dignidade da pessoa humana seria uma garantia de um mínimo existencial por parte do estado que tem o homem como seu principal alvo. Se o homem é o centro das preocupações, se tudo gira em torno dele e para ele, garantir a sua dignidade seria um mínimo que um estatuto poderia conferi-lo, por isso, a dignidade deve ser respeitada e garantida pela justiça, pois é um dos valores que deverão nortear todos os outros, por isso tamanha a sua importância. Visto do ponto de vista jurídico sobre as discussões teóricas a respeito do direito á intimidade sua trajetória é histórica, tendo como início com a publicação do artigo “ The right privacy” de Warren e Brandeis, publicado em 1890, o qual comenta sobre manifestações em relação a intromissão da imprensa na vida e na honra das pessoas, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência. A partir daí, o homem começa a ser visto sob perspectiva civilista, como um indivíduo e com atributos da personalidade. Antes a intimidade era vista como um bem, o sujeito visto como um bem móvel ou imóvel. Encontrou amparo na Declaração dos Direitos do Homem (1789); na Declaração Universal de Direitos do Homem (1948); na Convenção Européia dos Direitos do Homem (1950); na Convenção Panamericana dos Direitos do Homem (1959); no Pacto Internacional concernente aos Direitos Civis; Convenção Interamericana dos Direitos Humanos (1969) e na Resolução adotada por ocasião da Conferência sobre Direitos Humanos convocada pela ONU ( 1972). 366 Em 1996, a OIT editou um repertório de Recomendações Práticas sobre a proteção dos Dados Pessoais dos Trabalhadores, de caráter não obrigatório, cuja finalidade é proporcionar orientação para proteção dos dados. Este Repertório prevê fundamentalmente que o tratamento de dados pessoais deverá efetuar-se de modo lícito e limitar-se, exclusivamente, a assuntos pertinentes à relação de emprego. Esta preocupação proporcionou uma infinidade de estudos, em relação a exames médicos (teste de drogas, AIDS, gravidez e genéticos) a proteção de dados pessoais, fiscalização no local de trabalho, revistas pessoais e eletrônicas todos com objetivo de proteção a vida privada do trabalhador. 1.2. Inserção do Direito à Intimidade na Legislação Nacional Com o avanço tecnológico, devido as crescentes interferências na vida privada e íntima dos cidadãos, os direitos a intimidade foram elevados a nível constitucional. Em seu art. 5º, inciso X². “Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Alguns autores começaram a estabelecer definições e distinções entre o direito a vida privada, o direito a intimidade, o direito a honra e à imagem. Enquanto para alguns autores a intimidade é um direito a não ser reconhecido em certos aspectos pelos demais, é o direito ao segredo, a resguardar a vida privada das pessoas. Para outros o direito à privacidade é atribuída numa dimensão maior, compreendendo todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade. 2. TRÂMITES DA SELEÇÃO DE PESSOAL. 2.1. Trâmites do processo admissional e a proteção à intimidade do empregado Certamente na atual conjuntura empregatícia é notória a necessidade de discussão sobre o tema Proteção à intimidade, uma vez que permeia a fronteira da moral do empregado, 367 desde o momento pré contratual ao seu exercício. Pois a Proteção à intimidade, privacidade, honra e imagem é direito constitucional inerente ao homem, resguardado pelo Principio da dignidade da pessoa humana, como diz o texto constitucional no artigo 5º, X ², já citado. Antes da abordagem do tema relacionado aos tramites do processo admissional, comentar-se-á sobre os direitos em tela, separadamente, para melhor apreciação, uma vez que estão imbricados. Ao falar dos direitos à personalidade é preciso considerar a sua subdivisão – privacidade, intimidade, honra e imagem. Inicialmente, destacam-se os conceitos dado por dois grandes doutrinadores, Clóvis Bevilacqua, que diz ser a personalidade a aptidão reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações e Caio Mário que comenta que a personalidade está ² Constituição federal – 1988 – Artigo 5º X intimamente ligada à pessoa e exprime a aptidão genética de adquirir direitos e contrair obrigações. Eles deixam evidente que não há direito à personalidade e sim que a personalidade é ponto de apoio de todos os direitos e obrigações.112 Considera-se muito amplo o conceito de personalidade o que possibilita uma forma dissimulada de conceituar ao Direito do Trabalho, incorrendo certa 113 passividade nas práticas pré contratual e contratual. Feito tal comentário, cabe direcionar a atenção para aqueles direitos que compõem o direito à personalidade. Destaca-se o direito à privacidade que é aquele que o individuo deve ocultar de três informações alheias marcadas pela confidência, tais como a vida familiar, o lazer, hábitos, ideologia, crenças, preferências entre outros. O direito à privacidade evidencia-se ao Direito do trabalho, pois entram em conflito o poder do 368 empregador e o direito de sigilo do empregado, a fim de não revelar ao social aspectos confidências da pessoa. Como ilustração do direito à privacidade vale destacar jurisprudência citada no livra de Alice Monteiro de Barros² que trata do caso em que psicólogas vinculadas a uma empresa, sob a égide da CLT tinha como atribuição a avaliação de candidatas a emprego, através de aplicação de testes psicológicos e entrevistas, elaborando laudos e pareceres. A indústria empregadora acionou as empregadas, por terem incenerado tais documentos e obteve em juízo indenização pelo ilícito, na forma de lei civil. Na apelação, as psicólogas alegaram que esses documentos não eram de propriedade da empresa e que sua eliminação visava preservar o caráter sigiloso dos trabalhos de psicologia, agindo no exercício regular de um direito, sob o imperativo de um dever ético. Entretanto, a 2ª Camara Civil do TJRS, em acórdão de 25.10.90, AP n. 590.011.490,ADV 53.276, entendeu que a conduta das apelantes resvalou para a seara do interesse individual, pois a matéria destruída poderia, eventualmente, servir para as colegas que as sucedessem no Departamento de Psicologia da empresa, sem falar nos primeiros destinatários, os empregados. Entendeu o Tribunal que a determinação da empresa, exigindo a não destruição de informações relativa as aptidões funcionais de candidatos não extrapola, nem concede a profundidade ontológica que esse trabalho deve ter. Ficou esclarecido que não se exigiu dos profissionais que revelassem fatos de natureza íntima dos candidatos, até porque o direito à privacidade é assegurado, hoje, em preceito constitucional, logo, as profissionais e os candidatos poderiam recusar-se a fazê-lo ( Cf. CHAVES, Antonio. Direitos da Persanalidade e dano moral. Ver. Ltr 59-3/342). (p. 70/71) Quanto ao direito à intimidade, o qual não deve ser confundido com o direito à privacidade, uma vez que o segundo caracteriza-se por se relacionar á esfera secreta da vida da pessoa, e que ela tem o poder de evitar intromissões de outros. Para tal direito a proteção está para os bens confidenciais, informações de ordem pessoal, memórias, lembranças de família, costumes, afastados da curiosidade pública. Logo, enquanto a intimidade, a informação pertence ao individuo e a violação é caracterizada pela 369 intromissão à privacidade, possibilita a presença de pessoas próximas – mas aos dois é resguardado o fato de não permitir que os atributos da individualidade se tornem públicos. Sequencialmente abordar-se-á o direito à honra que consiste na proteção do direito de ser molestado, injuriado ou lesado sua dignidade ou reputação social. Segundo José Afonso da Silva³, em obra citada, conceitua honra: “... é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação114.” A doutrina subdivide o conceito de honra em: honra objetiva e honra subjetiva. Considera honra objetiva aquela que reconhece a necessidade de defesa da reputação da pessoa, nome, fama no seio familiar e coletivo, voltado para uma percepção externa/social. E honra subjetiva aquela que alcança o sentimento pessoal de estima e consciência da própria dignidade – alcançando apropria pessoa no seu inconsciente. Ao Direito do Trabalho se discute a prova escrita de honradez – como salienta Alice Monteiro de Barros no seu livro já citado115: “Adotadas nos setores de comércio e em instituições financeiras soa as provas escritas de honradez aplicadas aos candidatos a empregos que impliquem acesso a dinheiro ou a determinadas mercadorias. Sua validade é controvertida. Os adeptos da seleção por esse meio não o consideram atentado à intimidade e o justificam em face das chamadas “fraudes de tempo”, cometidas pelos empregados, entre elas a impontualidade, o abuso das licenças médicas ou o absenteísmo.” (p. 67) Para completar a análise dos direitos atrelados ao direito à personalidade destaca-se o direito à imagem que é um bem inviolável e que além da proteção constitucional, está regido no artigo 20 do Novo Código Civil, em destaque: Art.20 - Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavras, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, o boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. 114 SILVA. José Afonso da,Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 115 BARROS, Alice Monteiro de, Proteção à intinidade do empregado. 2. Ed. – São Paulo : Ltr, 2009. 370 Direito à imagem teve privilégio de discussão na doutrina de alguns escritores, em destaque Rizzatto Nunes, no seu texto – O principio Constitucional da Dignidade da pessoa humana, p. 25 - que traça distinção entre a imagem retrato e a imagem atributo. Considera-se imagem retrato aquela imagem reproduzida graficamente (foto), desenho, filmagem (reflete as características físicas), e a imagem atributo a imagem atribuída pelas características dadas pela sociedade e cultivada pelo individuo e reconhecida no contexto. Essas imagens podem ser: imagem privada que se caracteriza pela estreita esfera íntima da pessoa – de modo que a exposição deverá ser feita de acordo a vontade do interessado, logo implicitam reações a quem quer que seja do uso não autorizado de imagem alheia e à imagem pública chama-se a atenção para que mesmo que a pessoa exerça papel público, com conseqüente veiculação de sua imagem na mídia de forma freqüente, a utilização para propagandas só poderá ser feita com a devida autorização. Sabe-se então que a imagem é um bem jurídico relevante e protegido por lei. No entanto, inegavelmente, a proteção ao direito à intimidade do Empregador vem sendo desrespeitada pelos inúmeros instrumentos utilizados no processo admissional e práticas contratuais, quando entrevistas, que são perguntas formuladas e se distanciam da condição profissional e comprometem a vida privada do candidato, questionários, dinâmicas de grupo - jogos e brincadeiras, prova grafológica – sistema de aferição de personalidade. Contam ainda, com testes psicológicos que como instrumentos utilizados pela psicologia para apreciar, quantitativamente, com regras adequadas e comprovadas, um conjunto de comportamentos que se quer conhecer melhor, consolidando-se em Psico diagnósticos sobre a pessoa, testes genéticos – gota de sangue para descrição do biótipo, predisposição genética ou patológica, apreciação de certidão negativa, que embora muito utilizada a exigência de certidão de antecedentes criminais, civis e, trabalhista, débitos fiscais, referencia bancária, consulta aos serviços de proteção de credito, não podem ser levantados como fatores que impeçam o acesso ao emprego e nem exigidas no processo de seleção.Para tanto, Alice Monteiro de Barros116, retrata que: 116 BARROS, Alice monteiro de, Proteção à intinidade do empregado. 2. Ed. – São Paulo : Ltr, 2009 371 “ O ordenamento jurídico brasileiro não possui uma norma dispondo sobre a licitude dos métodos utilizados na seleção de pessoal [...].Quaisquer que sejam os métodos adotados, deve-se verificar sua aceitação ética e limitar a avaliação da aptidão profissional do candidato para a execução das funções. Informações sobre a esfera privada do empregado SÓ se perrmite excepcionalmente, quando apresentam relevância para a execução das funções que serão executadas, em nome da liberdade de contratação conferida ao empregador. “ ( p. 62/63) E mais, ela salienta a importância do respeito entre as partes, porém o candidato poderá recusar-se a responder questões sobre aspectos pessoais desde que não implique na execução do serviço. Ela destaca também o detector de mentiras ou polígrafos – instrumento criado nos EUA, mas encontra-se em desuso, pois além das dúvidas quanto a esfera íntima do trabalhador, infringe a proteção à intimidade. Vale citar a prova escrita de honradez, aplicadas àqueles candidatos que terão acesso a dinheiro ou determinadas mercadorias, mas essa é polêmica, pois acredita não atentar à intimidade e outros a considera inaceitável e inadmissível por ser explicita intromissão à vida privada do candidato. A autora Alice Monteiro de Barros chama atenção para as investigações prévias – para ela essa deve restringir-se a avaliar a aptidão do candidato para realizar as funções do cargo. Logo devem ser evitadas as indagações sobre a opinião política, crença religiosa, filiação sindical e origem ética – pois viola o direito à intimidade assegurado no artigo 5º,X – já mencionado. Seu posicionamento sustenta a ilegitimidade aos questionários sobre a situação familiar, diversão preferida, vida social, modo de passar o tempo livre ou férias, hobbies familiar – para que não possibilite ao empregador a segregação – ela sustenta a política Anti Discriminatória, exceto às Empresas de Tendência, que são aquelas que possuem um cunho ideológico, filosófico ou político, indispensável ao desenvolvimento da organização; ex: as igrejas . Sabe-se da ausência de legislação especifica para coibir, proibir ou punir sobre a aplicação indevida dos métodos, técnicas ou procedimentos. Mas há iniciativa com proposta de projeto de lei do deputado Paulo Paim/PT/RS com a proposta de acrescentar à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao artigo 443 o artigo 443 – A, que reza: “ Art. 443 – A No recrutamento pessoal é proibida a utilização de métodos, técnicas ou procedimentos: I – de caráter discriminatório; II – que exijam o 372 pagamento de taxas e despesas injustificáveis; III – que violem a intimidade, a honra e o sigilo de dados do trabalhador, ou sejam constrangedores. Parag. 1º - Pelo dano causado ao trabalhador responde a empresa que disponibiliza a vaga, cabendo ação de regresso contra o recrutador, seja ele pessoa física ou jurídica. Parag. 2º - A indenização será calculada com base no valor do salário oferecido pela empresa para a vaga pretendida, limitada ao máximo de 10 (dez) vezes esse valor. Parag. 3º A competência para julgar a ação de indenização é da Justiça do trabalho.” Atualmente tem-se a ideia de que o direito à intimidade não é absoluto, pois sofre limitações quando em confronto com o Direito Público, uma vez que seus dados em nome do interesse público deixarão de ser prioridade à sua intimidade e passará ao conhecimento da sociedade. No entanto a dignidade da pessoa humana é bem juridicamente tutelado e que deve se preservado. Logo, se faz necessário por parte do empregador a conciliação entre o seu interesse de defesa do patrimonial, ao lado do indispensável respeito ao direito do trabalhador. Embora sejam princípios Administrativos implícitos – Principio da Proporcionalidade e Razoabilidade tem sido muito eficaz de avaliação do equilíbrio entre meios e fins em relações sociais e jurídicas. Ao Direito do Trabalho a sua aplicação é como instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre o direito fundamental e se busca a solução conciliatória. 3. CONTROLE DA ATUAÇÃO LABORAL A Constituição Federal Brasileira assegura o direito à intimidade de todo cidadão brasileiro, no entanto não há no ordenamento jurídico pátrio qualquer dispositivo que proíba a invasão da intimidade do empregador para com os empregados. O Empregador é o detentor do Poder Diretivo (este poder diretivo também é limitado), e sendo assim o empregado tem a sua intimidade restrita, e a maior problemática (doutrinaria, jurisprudencial e legal) esta em definir parâmetros de dosagem entre o direito a intimidade do empregado e o poder diretivo do empregador. 3.1. Espécies de Controle da atuação laboral 373 3.1.1. Revistas Pessoais e intimas A Revista é uma forma de controle que só se justifica quando houver à falta de outras medidas preventivas e quando há existência de circunstâncias que a justifiquem (como à proteção do patrimônio do empregador a segurança das pessoas e um motivo determinante). 3.1.2. Circuito interno de televisão Já se tornou comum a utilização de aparelhos audiovisuais pelo empregador com o intuito de fiscalizar os empregados em busca de atingir uma melhor produtividade. A questão a ser discutida aqui sobre essa forma de controle (circuito interno de televisão) é a divulgação do uso dessa tecnologia aos empregados, que as câmeras sejam postas para todo o ambiente laboral e não focada para um único posto de trabalho e os locais onde eles não podem ser implantados tais como: banheiros, vestiários e cantinas, pois se tratam de locais íntimos ao trabalhador, vale dizer é necessário que seja restrito o uso dessas câmeras, sendo utilizadas somente em locais necessários. 3.1.3. Polígrafo È possível perceber que as seleções de pessoal atualmente são cada vez mais invasivas, viola-se direitos do cidadão sem qualquer preocupação. Novas medidas estão sendo adotadas pelos empregadores com o intuito de fiscalizar e avaliar o empregado, é justamente na fase pré-contratual que as mais diversas medidas são utilizadas, tais como: questionários, provas, testes genéticos, exames toxicológicos, testes psicotécnicos, investigação sobre aspectos pessoais e a mais comentada atualmente é o detector de mentiras o polígrafo. O Polígrafo vem sendo utilizado em empregados e candidatos a emprego, ato esse invasivo e violador dos direitos da pessoa humana. Não há certeza cientifica se há eficácia em medir de maneira absoluta se a pessoa esta mentindo ou não. 3.1.4. Monitoramento do e-mail 374 A correspondência é inviolável, conforme o artigo 5º, XII da Constituição Federal Brasileira, salvo por ordem judicial. Assim de forma análoga o e-mail pessoal do empregado é tratado como uma correspondência, que desfrutam da proteção à privacidade do cidadão e do sigilo da correspondência, constitucionalmente assegurado. Ocorre que somente o e-mail pessoal ou particular do trabalhador, goza dessa proteção, solução inversa tem o chamado e-mail corporativo, que é disponibilizado pela empresa, através de provedor e computador da empresa, destinado a mensagens profissionais. 4. DA INTERVENÇÃO DO EMPREGADOR NA VIDA LABORAL E EXTRALABORAL DO EMPREGADO E O SEU DIREITO A INTIMIDADE E A HONRA. Atualmente, muito se questiona acerca do contraponto Poder Diretivo do Empregador e Direito a Intimidade e honra do Empregado. Verifica-se que desta discussão, surgem alguns pontos relevantes a serem destacados, senão veja-se. 4.1. Da liberdade de pensamento. O primeiro ponto é a questão da liberdade de pensamento do empregado quanto a sua crença religiosa, opiniões ideológicas, políticas e sindicais. O empregador, sob o argumento de que a dispensa sem justa causa é um direito potestativo, acaba por vezes, a violar desmedidamente a liberdade de pensamento do empregado nas suas mais diversas formas. 4.2. Da liberdade de crença. Neste ponto, cumpre enaltecer que a liberdade de crença aqui mencionada está relacionada à fé, e a crença, seja ela qual for, desde que, não se preste a fins expressamente proibidos pelo sistema normativo. É direito fundamental da pessoa humana não ser obrigada a agir contra a própria consciência e contra os seus princípios religiosos, portanto, não é lícito obrigar o empregado a converter-se ou a rejeitar qualquer crença, ou impedir que o obreiro entre, permaneça ou abandone uma comunidade religiosa. 375 A Constituição Federal de 1988, consagrou em seu artigo artigo 5º, VI, “ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.” Seguindo esta linha de raciocínio, merece destaque a internacionalização da liberdade de crença, a Organização das Nações Unidas – ONU, na sua célebre Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim dispôs: "Artigo 18. Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente, em público ou em particular". 4.3. Dos aspectos individuais do trabalhador O empregador privado possui o direito de optar com quem deseja contratar, desde que, imbuído de qualificações e características próprias para a atividade que será exercida. Indaga-se contudo, se o empregador pode exigir das pessoas que já lhe prestam serviço, e portanto possuem a qualificação querida por ele, exames laboratoriais específicos para detectar doenças, alcoolismo, dependência química ou gravidez. Nessa seara, faz-se mister a elucidação do mestre Orlando Gomes117 ao definir como dano moral todo o “constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de lesão em direito personalíssimo seu, ilicitamente produzido por outrem”. O mesmo autor leciona que o ato ilícito tem por elementos o dano, a culpa e o nexo de causalidade. Contudo, deve-se concordar que em seu ambiente de trabalho, a postura do empregado deve ser de sobriedade, sempre condizente com a função que desempenha. Advindo qualquer conflito, deve ser ele analisado de acordo com o caso concreto, pautando-se sempre nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. DANO MORAL 117 GOMES, Orlando. Obrigações. Ed. Forense, página 271, 2009. 376 5.1. Responsabilidade pré-contratual, contratual e pós-contratual Como já foi visto, na fase de recrutamento, entrevista ou treinamento, não é raro o candidato ser submetido a exames físicos minuciosos (muitas vezes não relevantes ao cargo pretendido) e à invasão da privacidade (na entrevista que apresente questionamentos que ultrapassem a esfera do necessário para o bom desempenho da atividade laboral) etc. Estas situações, que ocorrem na fase pré-contratual, são passíveis de configuração em dano moral- observado o caso concreto. 5.2. Controvérsias Por um longo tempo, o Dano Moral foi encarado como “perfumaria”, um pária do Ordenamento Jurídico; doutrinadores e juízes não lhe davam a devida importância, estando “vinculados ao equivocado preconceito de não ser possível compensar a dor moral com dinheiro.118” Hoje essas palavras nos parecem absurdas, em especial a última frase; visto que o dano moral se consolidou, e criou independência do seu antes “companheiro obrigatório”- o dano patrimonial. Foi com o advento da Constituição Federal de 1988, e a expressa previsão do dano moral no seu texto, que se fez necessária a revisão destes antigos conceitos. Não restou mais espaços para controvérsias, afinal o art.5º, inciso V diz: “ é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; e ainda no inciso X, que “ são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” E, superando as desavenças jurisprudenciais que persistiam, o Superior Tribunal de Justiça, embasado na norma constitucional, consolidou a Súmula 37, que prevê: “ são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.” 5.3. Dano Moral nas Relações de Trabalho 118 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral, 3ª edição. Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 19 377 Quando a Constituição Federal de 1988, dissipou qualquer dúvida sobre a ocorrência dos danos morais, este instituto não se restringiu apenas ao âmbito do Direito Civil- ele foi se espalhando pelos diversos ramos do direito, configurando-se também no Direito do Trabalho. Através do conceito elencado no art. 3º da CLT, sabe-se que um dos requisitos para ser empregado é a relação de subordinação ao empregador. Também já foi visto no presente trabalho, que dessa subordinação decorre que o empregado fica sob o poder diretivo e disciplinar do empregador, cabendo a este a organização da produção e dos serviços, bem como os possíveis ônus decorrentes da sua empresa. Normalmente, os danos morais ao empregado ocorrem da subordinação que este deve ao seu empregador; visando manter ou conseguir um trabalho, o hipossuficiente muitas vezes se submete a desmandos. Já houve grande discussão a respeito da competência para apreciação de ação, em que o trabalhador pleiteie indenização por danos morais em face do empregador. Parte da doutrina e até jurisprudência, achava que a competência deveria ser da Justiça Comum. Mas a controvérsia teve fim com o advento da reforma judiciária feita pela Emenda Constitucional nº45, de 2004, que, deu nova redação ao art.114 da Constituição Federal e elencou no inciso VI: “ Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.” CONCLUSÃO É função da justiça, lutar para que condições ideais se aproximem cada vez mais da realidade. E a Justiça do Trabalho não foge a esse objetivo, tenta equilibrar os interesses de empregados e empregadores, visando a existência de um relacionamento mais harmônico entre essas partes. Ora, entre os princípios do Direito do Trabalho destaca-se o da Proteção, que visa compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, dando ao último superioridade jurídica. Sabe-se, portanto que da superioridade econômica do empregador, deduz-se o seu poder diretivo, de controle em face do empregado; justamente por estar em posição de subordinação, o empregado é propenso a ser vítima de dano moral por parte do empregador. A Constituição Federal de 1988, apelidada de constituição cidadã, priorizou o homem como indivíduo e também como coletividade; tanto é que os Direitos Fundamentais 378 vêm elencados no texto constitucional, em posição inicial, na frente até mesmo dos dispositivos sobre a Organização do Estado. E essa preocupação com a tutela dos direitos individuais fundamentais do homem, se estende à relação de trabalho. A relação de subordinação à qual é sujeita o empregado, não justifica o desrespeito aos seus direitos personalíssimos. Portanto, no ambiente laboral, também deve ser observado a proteção declarada no art.5º, inciso X da CF brasileira, vale lembrar: ”Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” O poder de controle da atividade laboral e os direitos da personalidade dos empregados são institutos que tendem ao confrontamento já que ambos são legítimos e fundamentais. Deve, portanto, coexistir, cada um fazendo as devidas concessões, na medida em que não cause lesão ao direito do outro. Então, o empregador não pode, a pretexto de resguardar o seu patrimônio, empregar práticas abusivas no exercício do poder de controle, pois estará violando direitos fundamentais do empregado; e também, o empregado, não pode se recusar a ser fiscalizado pelo empregador (dentro dos parâmetros da necessidade e razoabilidade), o que poderia resultar em dano patrimonial a este, que suporta o ônus da atividade econômica e tem função social no Estado. A relação de trabalho deve ser cortês e de confiança. Como vimos, o empregador deve usar os princípios da razoabilidade e da necessidade em todo momento da relação trabalhista, no controle da atividade laboral, na fase de seleção de pessoal e inclusive após o término no contrato de trabalho. A saída do empregado da empresa, não é razão para agir com má-fé e imputar-lhe crimes ou informações desabonadoras, ou mesmo inseri-lo em “listas negras”; toda forma de prejudicar o exercício dos direitos do empregado como indivíduo, será sujeita a indenização, seja o dano patrimonial ou moral. O Direito do Trabalho, quando passou a – sem mais controvérsias- ter competência para julgar situações ensejadoras de dano moral, decorrentes de relação de emprego (fases, pré-contratual, contratual e pós-contratual), ganhou mais uma arma contra a tendência 379 capitalista de fazer do empregado mera peça descartável, que pela hipossuficiência econômica não teria dignidade a ser tutelada. Portanto, a busca por maior produtividade não pode se tornar um objetivo cego do empregador, a ponto de querer transformar homens em máquinas e muito menos justificativa para menos prezar os valores sociais do trabalho. Enfim, todas as práticas danosas aos direitos personalíssimo do empregado, devem ser coibidas e limitadas; nem por isso queremos dizer que o empregador será lesado em seu direito à propriedade. Com racionalidade e bom senso- e claro, com vontade- é possível tornar o ambiente laboral mais humano e ao mesmo tempo contentar as demandas do empregador. Mas, mesmo assim, caso o trabalhador se sinta lesado em seus direitos fundamentais, a Justiça do Trabalho está a postos para sanar os conflitos e estimular relações de trabalho mais harmoniosas e fiéis aos direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal. BIBLIOGRAFIA: BARROS, Alice monteiro de, Proteção à intinidade do empregado. 2. Ed. – São Paulo : Ltr, 2009. CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Constitução Federal do Brasil GONZALES, Douglas Camarinha. As primeiras linhas do direito à intimidade e os novos tempos. Revista de doutrina do TRF da 4ª Região, jun. 2004. MAIOR, Jorge Luis Souto. O direito do trabalho e as diversas formas de discriminação. Sintese trabalhista, nº 166, abr.2003. SILVA. José Afonso da,Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª edição. Ed. Revista dos Tribunais. 2005 380 GOMES, Orlando. Obrigações. 14ª edição. Ed. Forense. 2000 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 21ª edição. Ed. Atlas. 2005 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 24ª edição. Ed. Saraiva. 2008 Revista IOB. Trabalhista e Previdenciária. Nº208- Outubro de 2006 381 IBPEX – INSTITUTO BRASILEIRO DE PESQUISA E EXTENSÃO ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO FRENTE À DETECÇÃO PRECOCE DO CÂNCER DE COLO DE ÚTERO EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE (UBS) Karoline Oliveira da Silva 1 Clairton Quintela Soares2 RESUMO O câncer de colo de útero há várias décadas vêm se tornando um problema de saúde pública. Os índices de acometimento dessa patologia vêm aumentando consideravelmente, mesmo diante de aparatos de políticas públicas ligadas à prevenção e aparatos ligados a detecção precoce ainda perde-se vidas por conta dessa patologia. É uma doença de crescimento lento e silencioso. O profissional de enfermagem por sua vez desempenha papel importante no contexto da prevenção do câncer do colo uterino, na qual sua atuação deve ser centrada na educação em saúde, trabalhando na promoção da saúde da mulher, visando à capacitação da equipe de enfermagem e da comunidade para atuarem como agentes multiplicadores enfatizando assim informações relacionadas a prevenção primária e secundária do câncer de colo de útero. Palavras-chave: Enfermagem, câncer do colo de útero, preventivo, detecção precoce. INTRODUÇÃO A atenção à saúde da mulher, no contexto das políticas públicas brasileiras, teve um grande avanço nas últimas décadas. As mulheres brasileiras eram vistas apenas como “reprodutoras”. As políticas voltadas a elas eram ligadas a área 382 materno-infantil, mas com o decorrer das décadas, houve uma grande mudança na situação epidemiológica ligada a morbimortalidade feminina. Com o processo de industrialização cada vez mais intenso e crescente no Brasil, a mulher passou a não ser apenas uma dona de casa, começou a trabalhar para auxiliar no sustento da própria casa, tendo assim uma maior exposição aos riscos ambientais e grandes modificações nos seus hábitos de vida, contudo notou-se um grande aumento das doenças crônicos-degenerativas entre elas; o câncer de colo de útero. Segundo Brito ET AL (2007) no período de 1978 a 1986 o câncer de colo de útero juntamente com o de mama foram responsáveis pelas maiores taxas de mortalidade feminina no Brasil. Diante dos alarmes epidemiológicos relacionados a patologias ligadas à saúde da mulher passou a serem criadas políticas com maior ênfase, mais holísticas e humanísticas para as pacientes. No entanto, diante de todo aparato político e tecnológico, atualmente ainda é alarmante os números ligados ao acometimento do câncer de colo de útero nas mulheres brasileiras, segundo pesquisa do Instituto Nacional do Câncer-INCA (2001), chega a ser a terceira neoplasia maligna que mais acomete as mulheres e quarta causa de morte. O câncer de colo de útero pode ser detectado precocemente e tratado com maior possibilidade de cura. O diagnóstico é obtido com a realização do exame Papanicolau, exame simples e de baixo custo e que se constitui em uma ferramenta imprescindível na prevenção e detecção do câncer de colo de útero. O profissional de enfermagem que atua nas UBS possui uma singular importância na captação de mulheres para realização desse exame, para isso, precisa conhecer bem seu território, estimular e intensificar a realização do exame, principalmente aquelas pacientes que se encontram em situações de risco. As normas e rotinas preconizadas pelo Ministério da Saúde (MS), através dos manuais, possibilitam aos enfermeiros da UBS orientações e estratégias que objetivam o melhoramento na detecção precoce do câncer de colo de útero, porém nem sempre essas normas são seguidas comprometendo o êxito do programa. O exame papanicolau envolve a exposição do órgão genital da mulher, que segundo as normas e rotinas do MS (2002), o profissional de saúde deve passar segurança e tranqüilidade para a mulher, usando o principio básico da humanização criando laços para que essa mulher retorne a unidade para buscar o resultado do seu 383 exame e para as próximas consultas, porém a humanização nem sempre é utilizada pelos profissionais o que compromete a continuidade do programa. 384 O objetivo geral desse estudo foi verificar como vem sendo a atuação do enfermeiro frente à detecção precoce do câncer de colo de útero em UBS tendo como parâmetro as normas e rotinas desenvolvidas pelo ministério da saúde, a partir da justificativa em que diversos estudos comprovam que quando as lesões percussoras do câncer de colo de útero são diagnosticadas precocemente e tratadas tem grandes possibilidades de cura. Contudo, faz-se necessário a intensificação, captação e realização do exame papanicolau, para obtenção dos resultados. Sendo assim, após estágios curriculares no período da graduação, a grande afinidade desenvolvida com a área de saúde da mulher, e ao ver as dúvidas, medos e ansiedades das mulheres que iriam realizar o exame do papanicolau, criouse a inquietação e necessidade de aprofundar os conhecimentos em relação a como vem sendo realizada atuação do enfermeiro frente à detecção precoce do câncer de colo de útero em UBS. Trata-se de uma revisão de literatura, que foi realizada a partir da seleção de artigos científicos que abordam a produção nacional sobre a detecção precoce do câncer de colo de útero em UBS. Segundo Gil (2002), a pesquisa bibliográfica caracteriza-se num estudo, a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e materiais disponibilizados na Internet. Foi utilizado como fonte, as bases de dados virtuais, tais como: Banco de Teses e Dissertações Scientific Electronic Library Online (SCIELO), e outras literaturas eletrônicas e não eletrônicas. Onde foram selecionados os artigos científicos que tratam sobre a atuação do enfermeiro frente à detecção precoce do câncer de colo de útero em UBS sendo utilizados critérios de inclusão. Artigos que foram baseados em pesquisas científicas, redigidos na língua portuguesa; Disponibilidade do artigo científico na íntegra no banco de dados on line, produção a partir de 1990. Os artigos foram classificados pelo período de sua publicação, de forma a avaliar se houve ou não um crescimento nas publicações sobre o tema, que tipo de conhecimento tem sido produzido sobre o assunto. Há tempos, as mulheres costumam serem vistas como usuárias passivas em todas as áreas ligadas a sua assistência e não como protagonistas da própria história, capazes de articular prioridades e tomar decisões, apenas eram vistas como ser reprodutor. Daí a importância das vozes femininas na definição de suas necessidades e no desenho de políticas e programas. As primeiras políticas ligadas à área de saúde da mulher só começaram a ser desenvolvidas a partir do ano de 1930, 385 políticas campanhistas que perduraram as décadas seguintes. De 1940 a 1950, os programas materno-infantis contribuíam para uma visão restrita da mulher como mãe e "dona de casa". A saúde da mulher passa a ser fonte de preocupação de diversos países devido ao crescimento acelerado da população mundial. No Brasil, programas de "controle da natalidade" disseminaram-se no final da década de 1970. (MORI ELIZABETH, 2006). Políticas públicas voltadas para a área de saúde da mulher só começaram a surgir a partir da década de 80, em 1983, o Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher (Paism), é anunciado como uma nova e diferenciada abordagem da saúde da mulher, baseado no conceito de "atenção integral à saúde das mulheres" (Aism). A partir dessa década passou-se a ter uma atenção voltada a saúde da mulher, devido aos grandes movimentos feministas e também aos altos índices de morbimortalidade. Segundo Brito, no período de 1978 a 1986 o câncer de colo de útero juntamente com o de mama foram responsáveis pelas maiores taxas de mortalidade feminina. As políticas públicas relacionadas à saúde da mulher continuaram em desenvolvimento e aperfeiçoamento nos séculos seguintes, no entanto mesmo com os índices alarmantes relacionados ao grande número de mulheres com câncer de mama e câncer de colo de útero o primeiro programa de apoio a essas mulheres só surge no final da década de 90 O VIVA MULHER – Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama , tendo como objetivo reduzir a mortalidade e as repercussões físicas, psíquicas e sociais desses cânceres na mulher brasileira, por meio da oferta de serviços para prevenção e detecção em estágios iniciais da doença e o tratamento e reabilitação das mulheres. Desta forma, as diretrizes e estratégias traçadas para o Programa contemplam a formação de uma rede nacional integrada, com base em um núcleo geopolítico gerencial, sediado no município, que permitirá ampliar o acesso da mulher aos serviços de saúde. Além disso, a capacitação de recursos humanos e a motivação da mulher para cuidar da sua saúde fortalecerão e aumentarão a eficiência da rede formada para o controle do câncer. (Brasil, 2001) No que tange ao controle do câncer do colo do útero, as ações envolvem a detecção precoce da doença por meio do exame citopatológico (Papanicolaou); a garantia do tratamento adequado da doença e de suas lesões precursoras em 100% dos casos e o monitoramento da qualidade do atendimento à mulher, nas diferentes etapas do Programa, com a metodologia “ver e tratar”. (Brasil, 2001). De acordo com Souza (2008), apesar das estratégias adotadas para ampliar o rastreamento precoce de novos casos de neoplasias de mama e 386 colo uterino, os resultados não tem sido satisfatórios, pois, no país, as taxas de incidência e de mortalidade permaneceram em patamares ainda muito elevados. Uma explicação para este resultado não satisfatório pode estar relacionada a outros fatores, que podem vir a determinar a adesão ou não das mulheres aos exames preventivos, além da disponibilidade do serviço nos sistema de saúde. A falta de conhecimento sobre a importância de realizar os exames, o tipo de acolhimento recebido no sistema de saúde, vergonha, dificuldades financeiras, dificuldade de transporte e de com quem deixar os filhos são, que podem estar associados a não realização dos exames preventivos pelas mulheres. A condição socioeconômica das mulheres tem sido apontada como um dos fatores mais importantes a influenciar o comportamento preventivo feminino. Estudos têm apontado que as mulheres que pertencem aos seguimentos de maior renda e com maior escolaridade tem maior probabilidade de realizarem os exames preventivos. Mas outros fatores podem contribuir para a adesão ou não das mulheres, a realização dos exames preventivos e dentre eles, pode-se citar a situação conjugal, número de filhos, a vida ocupacional, ter ou não seguro de saúde, freqüência de utilização dos serviços de saúde, residir na área urbana ou rural, dentre outros. O câncer de colo de útero há várias décadas vêm se tornando um grande problema de saúde pública. Os índices de acometimento dessa patologia vêm aumentando, mesmo diante de todo aparato de políticas públicas ligadas à prevenção e todo aparato tecnológico para detecção precoce ainda se perde muitas vidas por essa patologia. O câncer do colo do útero é uma doença de crescimento lento e silencioso. A prevenção primária é quando se evita o aparecimento da doença por meio da intervenção no meio ambiente e em seus fatores de risco, como o estímulo ao sexo seguro, correção das deficiências nutricionais e diminuição da exposição ao tabaco. A mulher com situação de risco pode ser identificada durante o acolhimento ou na consulta ginecológica e deve ser acompanhada de maneira mais freqüente. Por sexo seguro entende-se o uso de preservativo durante a relação sexual, uma das formas de evitar o contágio pelo HPV, vírus com papel importante para o desenvolvimento do câncer e suas lesões precursoras. Uma alimentação saudável pode reduzir as chances de câncer. A dieta deveria conter diariamente porções de frutas,verduras e legumes. Além disso, as mulheres devem ser estimuladas a manter uma atividade física regular, evitar ou limitar a ingestão de bebidas alcoólicas e parar de fumar. A mulher fumante tem um risco maior de câncer de colo de útero, além de infertilidade, dismenorréia, irregularidades menstruais e antecipação da menopausa (em média dois anos antes). (Brasil, 2002). O colo do útero é revestido por várias células epiteliais pavimentosas, arranjadas de forma bastante ordenadas. As desordenações dessas camadas são acompanhadas por alterações das células o que poderá vim a identificar lesões percussoras do câncer do colo de útero ou até mesmo lesões graves com grande comprometimento caracterizando o câncer de colo de útero. O exame Papanicolau também chamado de colpocitologia oncótica, citologia vaginal, ou preventivo, consiste na análise das células oriundas da ectocérvice e endocervice que são extraídas com raspagem do colo de útero. É a principal estratégia utilizada para detecção precoce do câncer de colo uterino 387 no Brasil através do rastreamento em mulheres sem os sintomas, com o objetivo de identificar aquelas que possam apresentar a doença em fase muito inicial, quando o tratamento pode ser mais eficaz prevenção secundária. Esse exame, descoberto na década de 1930, pelo médico George Papanicolau, é aceitável tanto pela população quanto pelos profissionais de saúde. Tal exame é realizado em nível ambulatorial e não provoca dor. No entanto, pela própria natureza do exame, que envolve a exposição de órgãos relacionados à sexualidade, o papanicolau é motivo de desconforto emocional para muitas mulheres. (Suzana, ET AL, 2006) O exame citopatológico deve ser realizado prioritariamente em mulheres de 25 a 59 anos de idade, uma vez por ano e, após dois exames anuais consecutivos negativos, a cada três anos. Mas, toda mulher que tem ou já teve atividade sexual deve submeter-se ao exame preventivo até os 69 anos de idade. (Brasil, 2002) De acordo com as normas e rotinas dos protocolos relacionados à área de saúde da mulher do MS (2002) o profissional de enfermagem capacitado poderá realizar consultas de enfermagem em todas as fases da vida da mulher incluindo quando necessário a realização do exame Papanicolau o qual é um momento íntimo onde o elo, o respeito e atenção entre o profissional e a usuária precisam ser firmados, para que o momento de descobertas, não se transforme em um trauma. Mulheres como seres que pensam e têm uma cultura própria, precisam ser vistas integralmente e não apenas pelo sintoma mais evidente; mas também procurar encontrar respostas às suas angústias, reconhecer as suas emoções, pode ser tanto ou mais importante para seu o conforto e sua saúde que o mais preciso dos diagnósticos biomédicos. De acordo com Figueredo (2003) a educação em saúde pressupõe uma combinação de oportunidades que favoreçam a promoção e a manutenção da saúde. Sendo assim, não se pode entendê-la somente como a transmissão de conteúdos, comportamentos e hábitos de higiene do corpo e do ambiente, mas também como a adoção de práticas educativas que busquem a autonomia dos sujeitos na condução de sua vida. Educação em saúde nada mais é do que o exercício da Construção da cidadania. É com essa visão em que os profissionais de saúde devem atuar, tentando desvincular-se do modelo biomédico e acolher o paciente não só por causa da sua patologia mais como um ser que precisa de um olhar holístico e humanizado. É importante enfatizar que o enfermeiro, dentro da equipe multiprofissional, é um dos agentes de educação para a saúde, objetivando integração em favor da promoção da saúde do paciente, da família, grupos sociais e da comunidade, a sua ação deve ser integral e participativa, na sua rotina de trabalho, deve estar voltado para o desenvolvimento de ações de saúde e práticas educativas no sentido de prevenir o câncer (Ministério da Saúde, 2002). 388 As atividades educativas são relevantes, já que muitas pacientes, por seus valores e cultura, não reconhecem as medidas de prevenção e detecção precoce do câncer, essas atividades devem sensibilizar as mulheres com vida sexual ativa para a realização do exame e para a importância de se tornarem agentes multiplicadores de informações. As atividades educativas também orientam quanto aos cuidados para a realização do exame e sobre dúvidas quanto aos resultados, utilizando meios de comunicação eficazes e mensagens adequadas para alcançar as mulheres e sensibilizá-las para a coleta do material do papanicolau (INCA, 2002). O enfermeiro que atua na rede básica deve estar preparado para lidar e direcionar uma população diversificada, o que implica estar capacitado para identificar e oportunizar momentos que facilitem o diálogo com seus usuários. É necessário intensificar o processo de escuta. Dessa forma, sua atuação deve orientar-se não apenas pelo seu conhecimento científico ou habilidades técnicas, mas também, e principalmente, pela arte e sensibilidade que pode desenvolver sentimentos e vontades no sentido de induzir as mulheres que pertencem ao seu território a realizar o exame Papanicolau, e sanar suas dúvidas quando preciso. 389 CONSIDERAÇÕES FINAIS A atenção à saúde da mulher ainda passa por barreiras, o acesso aos serviços de saúde muitas vezes ainda é limitado ou pouco difundido, a visão de dona de casa e reprodutora permanece mesmo diante da sua brilhante inserção no mercado de trabalho e até mesmo sua independência financeira. O câncer de colo de útero continua com alta prevalência, e como um problema de saúde pública que afeta mulheres brasileiras, precisando de adequações e reformulações nas políticas públicas ligadas a área, dentre essas novas adequações é imprescindível, uma nova reorientação para com os profissionais que atuam nessa área e também modificações nas grades curriculares das instituições formadoras destes, onde deve haver uma maior preocupação em preparar profissionais com visão humanística para criar laços de confiança, de acolhimento para com o usuário, e que modifiquem a abordagem a mulher, que essa nova abordagem seja centrada na compreensão, compartilhamento de saberes e reconhecimento de direitos, implicando no estabelecimento de relação entre profissional e cliente respeitando-se suas condições sociais, raciais, étnicas,culturais e religiosas. O exame preventivo é sem dúvida a melhor forma de detecção precoce para o câncer de colo de útero e precisa ser difundido e explicado para aqueles que não o conhece, a compreensão de sua importante relevância para a saúde pública. O enfermeiro desempenha um papel fundamental na prevenção do câncer do colo uterino, principalmente quando ele atua em UBS, onde ele tem a oportunidade de conhecer seu território, reconhecer sua população de risco e atuar de forma sistematizada, não apenas para a população de risco mais transformado seus usuários em multiplicadores de conhecimento e informações, no entanto estudos mostram que a assistência de enfermagem nem sempre é baseada no acolhimento e na humanização, precisando assim como outros profissionais da saúde se desvincular do modelo biomédico e reestruturar sua assistência onde o usuário seja a ferramenta mais importante, não sua patologia. 390 REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Saúde. Ações de Enfermagem para o controle do Câncer. 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer – INCA. Conhecendo o Viva Mulher; Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama. Rio de Janeiro: INCA, 2001 BRITO Cleidiane Maria Sales; NERY, Inez Sampaio; TORRES, Leydiana Costa. Sentimentos e expectativas das mulheres acerca da Citologia Oncótica. Rev. bras. enferm. vol.60 no.4 Brasília July/Aug. 2007. Disponível em: <www.scielo.com.br>. Acessado em: 01 outubro de 2009; FIGUEIREDO A.M.N. Ensinado a Cuidar em Saúde Pública. São Paulo: Difusão 2003. P. 31. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. MINISTÉRIO DA SAÚDE. INCA. Ações de Enfermagem para o Controle do Câncer. Uma proposta de Integração Ensino - Serviço. Brasil, 2002. MORI, Maria Elizabeth, ET AL. Sistema Único de Saúde e políticas públicas: atendimento psicológico à mulher na menopausa no Distrito Federal, Brasil. Caderno de Saúde Pública vol.22 no. 9 Rio de Janeiro, setembro. 2006. Disponível em: <www.scielo.com.br>. Acessado em: 03 de novembro de 2009; SOUZA, Luiza de Marilac, FIORAVENTE Edwan. Fatores associados à realização dos exames preventivos de câncer de mama e de colo uterino, pelas mulheres brasileiras, 2008. Disponível em: WWW.google.com.br. Acessado em 05 de janeiro de 2010. 391 392 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PROFESSORES SOBRE CONTEÚDO/CONHECIMENTO DOS JOGOS E DAS BRINCADEIRAS UTILIZANDO AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Ivo Nascimento Neto (UNIRB) [email protected] Resumo O objetivo deste estudo foi Investigar as Representações sociais dos professores de nível um sobre conteúdo/conhecimento dos jogos e das brincadeiras utilizando as aulas de Educação Física na educação infantil em uma escola municipal do Estado da Bahia, mapeando as concepções desses professores dos conteúdo/conhecimento dos jogos e brincadeiras, compreendendo os nexos destas concepções com a prática pedagógica adotada: utilizamos como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada e a observação participativa. A população envolvida foram professoras da educação infantil de nível um (sem formação). Conclusões: Os resultados encontrados indicam que a produção da Representação Social ocorre por influência de fatores advindos do cotidiano escolar e da própria experiência histórica e cultural, tais como, o jeito escolar de ensinar e os embates entre os saberes e os atores cotidianos. Palavras-chave: Representações sociais, jogos e brincadeiras e Educação Física Introdução Este trabalho tem como foco a educação infantil, que tornou recente sua legitimação sendo reconhecida sua importância no processo de formação humana na instituição escolar. Apesar de recente legitimação, via Lei Diretrizes e Bases 9.394/96 – LDB/96, “Educação infantil, primeira etapa da educação básica tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos: físico, psicológico, intelectual e social complementando a ação da família e da comunidade” (ART. 29, P. 27). 393 A Educação Física enquanto área de conhecimento vem se debruçando aos estudos sobre a educação infantil. Estudos do desenvolvimento humano apontam a necessidade de uma atenção mais especializada, a fim de permitir um aumento nas possibilidades e potencialidades do movimento humano. Esse alavancar aqui citado não se refere a um aumento da performance, mas o aumento de um se-movimentar mais refletido criticamente. Este estudo tem como principio investigar as concepções dos conteúdo/conhecimento dos jogos e das brincadeiras, que vêm sendo trabalhado na educação destas crianças, tendo como referência à compreensão dos jogos e das brincadeiras como experiência fundante para o desenvolvimento infantil. Embora saibamos que existe uma limitação a cerca da produção cientifica que gira entorno da Educação Física que versa a Educação Infantil, entretanto acreditamos que essas poucas publicações estão vinculadas a legitimada que se deu partir da LDB. 9.394/96. “A produção teórica da Educação Física, para a faixa etária de zero a seis anos e suas intersecção com o espaço educativo como creches e pré-escolas, caracteriza-se atualmente pela carência de pesquisa e estudos específicos para menino e meninas de pouca idade” (SAYÃO, 2002, P.48). A Educação infantil é uma área de pesquisa que vem se consolidando nos últimos anos (principalmente a partir da LDB/96). Esta consolidação vem possibilitando a ampliação do conhecimento sobre os profissionais que atuam na área e a compreensão da formação que tiveram, bem como compreender as brincadeiras das crianças, suas formas de expressão e os espaços destinados aos cuidados educativos. No cotidiano desses espaços, o que se deriva é uma concepção assistencialista (compensatória), em que, os professores são tidos como cuidadores, onde a preocupação maior gira, em atender as necessidades básicas das crianças como: “alimentar a criança, a proporcionar higiene tais como escovar os dentes, a dar banho agasalhar entre outros cuidados”. (KRAMER, 2003, P. 26). Fatores são apresentados como eixos centrais pela expansão da educação infantil nos últimos anos. Fatores esses que permitem um caráter compensatório de ordem sanitária e alimentar. É importante registrar que por parte dos cuidadores, existe outra preocupação maior que é a de propiciar atividades pedagógicas para essas crianças tais como: ensinar a desenhar, colar papel e recortar, mostrar as letras e os números, pois neste espaço escolar há também uma forte valorização para o desenvolvimento intelectual. (OLIVERA,1992, P.65). “Além disso, ocorre muitas vezes equívoco acerca do que seria uma atividade educativa realizada na creche. Por vez tal atividade é inadequadamente pensada como parecido com a escola de primeiro grau tradicional, sendo proposto treino de grafismo como forma de exercitação da coordenação motora, ou memorização dos nomes das cores”. 394 . De acordo com Kishimoto, (2001) a uma valorização em referendar valores relacionados às atividades didáticas, predominando o modelo escolar conservador, marginalizando o brincar, expressão, criatividade, liberdade e o espaço de iniciativa da criança. Com isso enfoca-se somente o desenvolvimento de atividades “intelectuais” (leitura, raciocínio lógico – matemático), deixando de valorizar outras possibilidades para o desenvolvimento integral da criança. Encontramos em algumas abordagens sobre o tema e sobretudo nos conteúdos que tratam do desenvolvimento infantil e seu processo educativo, que as atividades lúdicas (jogos e brincadeiras) propiciam a criança a criar, imaginar, conviver no coletivo além de desenvolver o raciocínio lógico-matemático, lingüístico verbal, expressão e comunicação corporal (RCNEI,1998; KISHIMOTO, 2001). Através do jogo a criança forma conceitos, selecionar idéias, estabelecer relações lógicas integra percepção fazem estimativas competitiveis com o seu crescimento físico e o que è mais importante socializa-se. Segundo o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil Brasil (1998). ”No ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos e os espaços valem e significam outra coisa daquilo que aparentam ser. Ao brincar as crianças recriam e repensam os acontecimentos que lhes deram origem, sabendo que estão brincando” (p, 7). Embora o estado da arte sobre o tema estudado aponte questões, o que percebemos, no espaço concreto da educação infantil, é que o jogo, brinquedo e a brincadeira, dentro da organização do trabalho pedagógico do professor estão em segundo plano e quando são utilizadas assumem apenas uma de suas dimensões, recreação. Segundo Kishimoto, (2001), a perspectiva recreativa do jogo significa restringe as possibilidades da utilização da experiência lúdica como princípios fundamentais para o desenvolvimento infantil, com tudo, percebe-se a importância da utilização dessa prática como ferramenta pedagógica. Principalmente nas aulas de Educação Física, que ao longo de sua historia sofreu varias transformações. Com isso passo a apresentar a problemática deste estudo: durante a utilização das aulas de Educação Física quais as representações sociais dos professores de nível um (magistérios), sobre conteúdo/conhecimento dos jogos e das brincadeiras? Essas concepções sobre os jogos e brincadeiras são instrumentos que balizam e trazem desdobramento a sua prática pedagógica? Para tratar da problemática exposta, perceber–se a necessidade de pensar sobre o processo educativo e conseqüentemente discutir a prática pedagógica dos professores, traçando o seguinte objetivo: Investigar as Representações sociais dos professores de nível um (magistérios) sobre conteúdo/conhecimento dos jogos e das brincadeiras utilizando as aulas de Educação Física na educação infantil em uma escola municipal do Estado da Bahia, analisando as concepções desses professores sobre o 395 conteúdo/conhecimento dos jogos e brincadeiras, compreendendo os nexos destas concepções com a prática pedagógica adotada. Com este estudo pretendemos contribuir para o segmento da Educação Física e demais campo de educação, reconhecendo seu caráter interdisciplinar e sua transversalidade que o tema discutido permite para todo cenário educacional, nacional e internacional, com temáticas que expressam as relações do desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Para tanto adotamos como referência teórico-metodológica a teoria das Representações Sociais. Focalizando a teoria das Representações Sociais Este estudo tem como referência e perspectiva de pesquisa dentro das teorias da Representação Social de Moscovici, uma abordagem que compreende as representações sociais enquanto forma de discurso proveniente de uma prática social de sujeitos socialmente situados, histórico e culturalmente (MINAYO, 1994 e 1998; SPINK, 1993 e; FRANCO, 2004). Neste sentido as representações sociais são fenômenos que mesmo representados a partir de um conteúdo cognitivo, imagens, discurso, conceitos, categorias, teorias, precisam ser, como expressos por Spink (1993), entendidos a partir do seu contexto de produção. De acordo com esse pensamento Franco (2004), reforça a necessidade da contextualização ou “análise contextual” dos sujeitos onde está inserida a Representação Social. Só a partir delas o pesquisador poderá mapear, compreender e superar a realidade e apreendê-las num contexto socialmente construído. Para Weber apud Minayo (1994) não são as idéias, mas os interesses materiais e ideais que governam diretamente a conduta do homem. Com isso o autor alerta para a necessidade de se conhecer, em cada caso, seu contexto e os fatores que contribuem para determinar cada fato social. Portanto, ao estudar as representações necessitamos perceber que “em primeiro lugar, é indispensável conhecer as condições de contexto em que os indivíduos estão inseridos mediante a realização de uma cuidadosa ‘análise contextual’ (FRANCO, 2004; P. 2)”. Isso porque se entende que as representações sociais são historicamente construídas e estão estreitamente vinculadas aos diferentes grupos socioeconômicos, culturais e étnicos que as expressam por meio de mensagens, e que nos reflete diferentes atos e nas diversificadas práticas sociais. 396 É necessário compreender e considerar que as Representações Sociais refletem condições contextuais dos sujeitos que as elabora. Seu pensamento advém de uma situação que expressam sua condição sócio-econômica, bem como, cultural. Daí a necessidade de buscarmos conhecer o sujeito concreto, sua história de vida, condições de existência social e educacional. É preciso levar em conta as Representações como manifestações de sujeitos históricos para uma efetiva apreensão da realidade concreta. No que se refere ao pensamento marxista Minayo (1994), apresenta como Marx vê os elementos por ele tratado, “consciência e matéria”. Para esse autor, a vida material precede o mundo das idéias, numa relação dialética onde “as circunstâncias fazem os homens, mas os homens fazem as circunstâncias”. Com isso podemos perceber que as idéias expressas pelo pensamento marxistas não são rígidas a ponto de tornar-se mecânica na determinação das condições materiais sobre a consciência humana. Com isso, o princípio dialético serve como referência para compreender os processos de construção social do conhecimento. Segundo Minayo, (1996), a pesquisa é a atividade básica das ciências, sendo sempre uma tentativa de aproximação da realidade que nunca se esgota. Concordando com a autora, considero que a perspectiva da abordagem dialética é a mais adequada para os fins desta investigação. O processo social é aqui entendido tanto por suas determinações múltiplas, sempre históricas, quanto por transformações promovidas pelo sujeito. Vimos assim, marcos teóricos advindos das tradições marxistas e compreensivas, numa tentativa de maior e melhor aproximação aos complexos fenômenos humanos, desta feita, não reduzidos a um único registro fragmentário. Para Minayo (1996; p.86), citando Demo, a metodologia dialética privilegia: “a contradição e o conflito predominando sobre a harmonia e o consenso; o fenômeno da transição, da mudança, do vir-a-ser sobre a estabilidade; o movimento histórico; e a totalidade e a unidade dos contrários”. Franco (2004) afirma a valorização das representações sociais como categoria analítica, apontado que significa efetuar um corte epistemológico que contribui para o enriquecimento e aprofundamento dos velhos e já desgastados paradigmas das ciências psicossociais. Sendo assim, “não apenas para a educação, mas, de uma maneira mais ampla, para a sociedade do conhecimento”, a abordagem e a realização de pesquisas sobre representações sociais podem ser consideradas ingredientes indispensáveis para a melhor compreensão dessa sociedade (FRANCO, 2004; P.1). As representações Sociais para as Ciências Sociais “apresentam-se como categorias de pensamento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questinando-a” (MINAYO, 1994; P.89). Com isso elas são elaborações mentais construídas sócio e 397 historicamente, que expressam uma prática social e histórica da humanidade, numa relação dinâmica, complexa e explicativa, que dê conta de compreendendo a dinâmica das relações sociais na sua provisoriedade e em sua configuração histórica. O caminho teórico-metodológico para apreensão do real Esta pesquisa cientifica é de natureza qualitativa, portanto segue um modelo classificado como teórico-empírico, que de acordo Trivinos (1987), os instrumentos de investigação na pesquisa científica representam a “teoria em ação”, é a partir do método e de sua apropriação do objeto de estudo que o pesquisador terá seus passos apoiados. Esta pesquisa decorre de um estudo de caso que consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante outros delineamentos já considerados (GIL, 2002). Para tanto, utilizamos como referência para a delimitação teórica do tema, a produção do conhecimento vinculados em periódicos, livros textos, artigos, dissertações e teses acumuladas na área. Paralelo ao delineamento da produção do conhecimento teórico foi feito um estudo de campo. Para o estudo de campo seguimos o referencial de Minayo (1999), que busca garantir a honestidade do pesquisador com o campo empírico, como também com a comunidade científica. Como instrumentos de investigação, estamos fazendo uso de duas estratégias para a abordagem ao campo empírico: a entrevista e a observação participante (TRIVINOS, 1987). A população do presente estudo foi composta por 04 professores de nível um (magistérios) que trabalha com a educação infantil, utilizando aulas de Educação Física e empregando os jogos e brincadeiras durante suas práticas. Esses professores não apresentam formação acadêmica. A pesquisa foi feita em uma instituição municipal do estado da BA. A estrutura da referida escola é a maior do município. É importante ressaltar que duas delas estão cursando a faculdade de pedagogia e estão no quinto semestre. Na interpretação dos dados, utilizamos o método de análise do discurso, cuja a proposta tem como foco o discurso e o texto proveniente do grupo estudado, compreendendo as condições de produção e as significações a eles atribuídas, pois as representações expressas pelos professores através de afirmações, opiniões, atitudes, gestos e crenças estão inseridas num contexto de produção falante, ouvinte, história de vida, condições materiais, contexto histórico-social e balizadas pelos mecanismos ideológicos que os sustentam. De acordo com 398 alguns autores as representações sociais são elaborações mentais construídas sócios e historicamente, que expressam uma prática social e histórica da humanidade, numa relação entre seres humanos, dinâmica, complexa e explicativa. Percebemos que nos discursos a um interesse em buscar os conhecimentos sobre os conteúdos dos jogos e brincadeiras, seja ele através de uma troca com outras pessoas, ou em fontes que permitam o acesso a essas atividades. Perguntamos se todas as professoras utilizam os jogos e brincadeiras nas suas aulas? A primeira professora responde: Sempre que posso utilizo, porque assim, enquanto professora da educação infantil, quanto mais você leva o lúdico para a sala de aula, eles se desenvolvem de uma forma mais espontania (depoimento). Já a segunda professora: Durante o período das aulas, Todos os dias, porque desenvolve bastante, assim esse clima de brincadeira, aprender brincando, não só na educação infantil, mas também no ensino fundamental, vendo que eles não tiveram essa experiência quando menores, e vejo muita coisa como integração amizade, é o jogo e a brincadeira auxilia muito isso para nos (depoimento). Quanto à fala da terceira professora: Sim, uma vez por semana, nas sextas feiras, geralmente, a gente faz rodas, brincadeiras de amarelinha, pega-pega, vivo ou morto, estátua, brincadeira de anel, de fita, roda mesmo, brincadeiras antigas, do nosso tempo... (depoimento). A quarta responde: Uso, quase todos os dia, os jogos, brincadeiras, que servi também pra interação deles, pra também ajudar na nota. “para Vygostky, o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual a criança penetra na vida intelectual daqueles que as cercam” (1984, p. 99), Ao questionarmos sobre a elaboração dos jogos e brincadeiras, essas atividades são entendidas como recreação ou como aula de Educação física? A primeira responde: Como recreação, até porque, não temos espaço adequado para as aulas de Educação Física (depoimento). A segunda argumenta: eu vejo como uma atividade didática, recreativa, também, geralmente eu uso a brincadeira para alcançar objetivos, seja em todas eu uso a brincadeira em todas as áreas já a terceira: É como recreação. A quarta ressalva: surgem momentos que aparece como recreação, outros não (depoimento). Segundo Kishimoto (2001), os jogos e brincadeiras quando utilizados intencionalmente deixam de ter sua característica básica, passando a desenvolver aspectos educativos quando utilizados pela escola. Nesse sentido, os professores, devem procurar incorporar estudos e pesquisas sobre a contribuição educativa do jogo e da brincadeira com rigor, para poder estabelecer um valor pedagógico durante sua 399 prática. Em se tratando da possibilidade que os jogos e brincadeiras têm para o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, a primeira professora responde? Com certeza, desenvolve o desenvolvimento sócio-motor principalmente crianças que estão nessa faixa de 0 a 6 anos, elas aprendem com mais facilidade brincando (depoimento). A segunda aborda que: com certeza eu vejo isso claramente aqui no meio criança tímida, depois das brincadeiras se torna outra criança, principalmente quando chegam muito tímida não falam bem, e ai com as brincadeiras a emoção deles se transformam (depoimento). Já a terceira diz: Com certeza, desenvolve, não só o desenvolvimento psicológico como o motor, organização e o convívio social (depoimento). Há quarta aborda durante a sua fala: Sim, possibilita o desenvolvimento a mental. Segundo Kishimoto (2001), Utilizar o jogo na educação infantil significa conduzir a criança para o campo do ensino-aprendizagem, proporcionando, condições para maximizar a construção do conhecimento, introduzindo as propriedades, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora. No que concerne ao papel de desenvolver o aspecto motor do aluno, torna-se evidente a presença da noção de psicomotricidade no olhar dos docentes estudados, principalmente relacionado ao trabalho realizado nos primeiros anos da vida escolar. Fato que não foi confirmado com a análise dos dados coletados junto às professoras da Educação Infantil. Com referências aos elementos da coordenação motora, desenvolvimento motor, coordenação grossa, equilíbrio e lateralidade, foram detectados nas falas de nossos depoentes e fizeram-nos acreditar que parte da representação desses docentes é permeada tanto pela concepção psicomotora de forma frágil. Para Minayo (1994), as Representações Sociais se manifestam em palavras, sentimentos e condutas e se institucionalizam, portanto, podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais evidenciado na realidade. Quando perguntamos qual a representação social e a concepção sobre o conteúdo e o conhecimento dos jogos e brincadeiras? Olhe, como eu estou em processo de conclusão do curso de pedagogia, eu tive uma disciplina que foi metodologia dos jogos e brincadeiras que me ajudou bastante, eu tinha apenas, só a prática, e hoje eu tenho embasamento na teoria que a questão de a gente estar sempre trazendo o lúdico (depoimento). Já a segunda diz: Olha eu leio muitas revistas como revista nova escola, aquela revista também, Projetos para Educação Infantil, da revista On-Line, eu leio bastante aqueles projetos, eu vejo assim, é, tem 400 coisas que não dá pra adaptar aqui porque não tem material, aí eu pego uma idéia ou outra, e me ajuda assim, a fortalecer que é por aí o caminho. Hoje eu vejo assim, eu uso muito do construtivismo (depoimento). Quando perguntamos a terceira: Eu utilizo jogos da nossa época antiga e também, tinha um professo (depoimento). Já a quarta: quando eu trocava idéias com as colegas, com pessoas de fora, que tinha esse tipo de conhecimento. Eu aproveito também as idéias dos alunos. (depoimento). De acordo com alguns autores a representação social são elaborações mentais construídas sócios e historicamente, que expressam uma prática social e histórica da humanidade, numa relação entre seres humanos dinâmica, complexa e explicativa. Percebemos que nos discursos a um interesse em buscar esses conhecimentos seja ele através de uma troca com outras pessoas, ou em fontes que permitam o acesso a esses conteúdos. Em alguns momentos durante a ação pedagógica vimos fragilidades com relação a sua ação durante o gerenciamento de suas aulas, além de mostrar aqueles inerentes às aulas de Educação Física, que dizem respeito as suas particularidades, tais como, espaço-tempo da aula, material didático, conteúdo específico de ensino e tipo de atividade, uma vez que, a utilização dos jogos e brincadeiras são conteúdos elaborados nas aulas de Educação Física. Ressalvamos, nesse ponto, o reconhecimento da possibilidade de tensões cotidianas, particularmente, vividas em cada um do espaço escolar pesquisado. Com relação ao jogo e a brincadeira, parece que tal atribuição não consegue ultrapassar as condições unicamente recreacionista, o que leva a não se diferenciar do momento do recreio, pois este papel é pautado no brincar, considerando a brincadeira com um fim apenas em si mesmo. Segundo Kishimoto (2001), os jogos e brincadeiras quando utilizados intencionalmente deixam de ter sua característica básica, passando a desenvolver aspectos educativos quando utilizados pela escola. Nesse sentido, os professores, devem procurar incorporar estudos e pesquisas sobre a questão do jogo e da brincadeira com rigor, para poder estabelecer um valor pedagógico durante sua prática. Durante a observação verificamos que as crianças brincavam por si, em momento algum existiu a ação dos professores durante as aulas. Isso reforça a concepção recreativa que cada professore tem sobre os jogos e brincadeiras. Entretanto percebemos que visão sobre os jogos e brincadeiras dentro de uma perspectiva recreativa, acaba contribuindo para desqualificação a Educação Física enquanto disciplina obrigatória do currículo da educação básica, ainda mais quando é direcionada por professore sem formação. Supomos que uma parcela dos profissionais da escola ainda não percebeu a importância do jogo e da brincadeira para o desenvolvimento da criança, embora estas atividades estejam presentes em seu cotidiano. 401 viii Considerações finais Portanto, não apenas para a educação, mas, sobre tudo de uma maneira mais ampla, para a sociedade, a abordagem e a realização de pesquisas sobre Representações Sociais podem ser consideradas ingredientes indispensáveis para uma melhor compreensão da sociedade (FRANCO, 2004). Os resultados encontrados indicam que a produção da representação ocorre por influência de fatores advindos do cotidiano escolar e da própria experiência histórica e cultural. Os resultados apontam, também, fatores característicos do ambiente escolar, tais como, o jeito escolar de ensinar e os embates entre os saberes e os atores cotidianos. As informações coletadas revelam categorias de conteúdos compondo a Representação Social do professor sobre os jogos e brincadeiras vivenciados em aulas de Educação Física na Educação Infantil. Ao olhar dos integrantes do grupo pesquisado, os sentidos dados às atribuições que perfazem o papel dos jogos e brincadeiras, sugerem, então, uma legitimidade delicada. Tal condição deixa dúvidas quanto ao reconhecimento de sua especificidade e de seu potencial pedagógico como atividade escolar. Realidade que pode ser transformada a partir de nova relação entre “representação – prática”, processo que deve ser engendrado no cotidiano escolar. Apesar de não ser um processo simples, tal possibilidade encontra nas ações coletivas empreendidas no interior da escola, permeadas pela tensão cotidiana, um caminho bastante significativo. Entendemos essas ações coletivas como tempos-espaços peculiares do ambiente escolar que devem ser ocupados, também, pelos professores de Educação Física. A Educação Física, enquanto disciplina do currículo obrigatório da educação básica, deve ter presença garantida em diversos espaços em que seu campo permite e em especial no contexto da educação infantil. 402 Referências BRASIL. Lein. 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. República federativa do Brasil. Disponível em: <http:www.mec.gov.br/legis/pdf/ldb.pdf>. acesso em 1º de novembro de 2004. BRASIL. Constituição Federal, 1988. FRANCO, Maria Laura Puglisi Barbosa. Representações sociais, ideologia e desenvolvimento da consciência. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1994. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogos infantis: o jogo,a criança e a educação. 2001. Petrópolis, RJ, KUHLMANN, M Jr. Instituições pré-escolares assistencialistas no Brasil (1899-1922). Cad Pesq 1991; 78:17-26. KRAMER,Sonia A política do pré-escola no Brasil: a arte do disfarce /Sonia Kramer.- 7 ed.- São ,Paulo:Cortez. 2003. biblioteca da educação- Série 1- escola; v.3) MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis,– RJ: Ed. Vozes, 1994. ________. M.C.S., 1999. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde, São Paulo: Ed. Hucitec; Rio de Janeiro: Ed. Abrasco. ______. O conceito de Representações Sociais dentro da Sociologia Clássica. In Textos em Representações Sociais. JOVCHELOVITCH, Sandra & GUARESCHI, Pedrinho (Orgs.)Petropólis, RJ: Vozes, 1994. ______ (org.). Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6ªed. São Paulo, SP: Hucutec, 1996. MOSCOVICI, Serge. Das representações coletivas as representações sociais: elementos para uma história. In: JODELET, Denise. As Representações Sociais. Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ, 2001. 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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PROFESSORES SOBRE CONTEÚDO/CONHECIMENTO DOS JOGOS E DAS BRINCADEIRAS UTILIZANDO AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Ivo Nascimento Neto (UNIRB) [email protected] Resumo O objetivo deste estudo foi Investigar as Representações sociais dos professores de nível um sobre conteúdo/conhecimento dos jogos e das brincadeiras utilizando as aulas de Educação Física na educação infantil em uma escola municipal do Estado da Bahia, mapeando as concepções desses professores dos conteúdo/conhecimento dos jogos e brincadeiras, compreendendo os nexos destas concepções com a prática pedagógica adotada: utilizamos como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada e a observação participativa. A população envolvida foram professoras da educação infantil de nível um (sem formação). Conclusões: Os resultados encontrados indicam que a produção da Representação Social ocorre por influência de fatores advindos do cotidiano escolar e da própria experiência histórica e cultural, tais como, o jeito escolar de ensinar e os embates entre os saberes e os atores cotidianos. Palavras-chave: Representações sociais, jogos e brincadeiras e Educação Física Introdução Este trabalho tem como foco a educação infantil, que tornou recente sua legitimação sendo reconhecida sua importância no processo de formação humana na instituição escolar. Apesar de recente legitimação, via Lei Diretrizes e Bases 9.394/96 – LDB/96, “Educação infantil, primeira etapa da educação básica tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de 404 idade, em seus aspectos: físico, psicológico, intelectual e social complementando a ação da família e da comunidade” (ART. 29, P. 27). A Educação Física enquanto área de conhecimento vem se debruçando aos estudos sobre a educação infantil. Estudos do desenvolvimento humano apontam a necessidade de uma atenção mais especializada, a fim de permitir um aumento nas possibilidades e potencialidades do movimento humano. Esse alavancar aqui citado não se refere a um aumento da performance, mas o aumento de um se-movimentar mais refletido criticamente. Este estudo tem como principio investigar as concepções dos conteúdo/conhecimento dos jogos e das brincadeiras, que vêm sendo trabalhado na educação destas crianças, tendo como referência à compreensão dos jogos e das brincadeiras como experiência fundante para o desenvolvimento infantil. Embora saibamos que existe uma limitação a cerca da produção cientifica que gira entorno da Educação Física que versa a Educação Infantil, entretanto acreditamos que essas poucas publicações estão vinculadas a legitimada que se deu partir da LDB. 9.394/96. “A produção teórica da Educação Física, para a faixa etária de zero a seis anos e suas intersecção com o espaço educativo como creches e pré-escolas, caracteriza-se atualmente pela carência de pesquisa e estudos específicos para menino e meninas de pouca idade” (SAYÃO, 2002, P.48). A Educação infantil é uma área de pesquisa que vem se consolidando nos últimos anos (principalmente a partir da LDB/96). Esta consolidação vem possibilitando a ampliação do conhecimento sobre os profissionais que atuam na área e a compreensão da formação que tiveram, bem como compreender as brincadeiras das crianças, suas formas de expressão e os espaços destinados aos cuidados educativos. No cotidiano desses espaços, o que se deriva é uma concepção assistencialista (compensatória), em que, os professores são tidos como cuidadores, onde a preocupação maior gira, em atender as necessidades básicas das crianças como: “alimentar a criança, a proporcionar higiene tais como escovar os dentes, a dar banho agasalhar entre outros cuidados”. (KRAMER, 2003, P. 26). Fatores são apresentados como eixos centrais pela expansão da educação infantil nos últimos anos. Fatores esses que permitem um caráter compensatório de ordem sanitária e alimentar. É importante registrar que por parte dos cuidadores, existe outra preocupação maior que é a de propiciar atividades pedagógicas para essas crianças tais como: ensinar a desenhar, colar papel e recortar, mostrar as letras e os números, pois neste espaço escolar há também uma forte valorização para o desenvolvimento intelectual. (OLIVERA,1992, P.65). 405 “Além disso, ocorre muitas vezes equívoco acerca do que seria uma atividade educativa realizada na creche. Por vez tal atividade é inadequadamente pensada como parecido com a escola de primeiro grau tradicional, sendo proposto treino de grafismo como forma de exercitação da coordenação motora, ou memorização dos nomes das cores”. . De acordo com Kishimoto, (2001) a uma valorização em referendar valores relacionados às atividades didáticas, predominando o modelo escolar conservador, marginalizando o brincar, expressão, criatividade, liberdade e o espaço de iniciativa da criança. Com isso enfoca-se somente o desenvolvimento de atividades “intelectuais” (leitura, raciocínio lógico – matemático), deixando de valorizar outras possibilidades para o desenvolvimento integral da criança. Encontramos em algumas abordagens sobre o tema e sobretudo nos conteúdos que tratam do desenvolvimento infantil e seu processo educativo, que as atividades lúdicas (jogos e brincadeiras) propiciam a criança a criar, imaginar, conviver no coletivo além de desenvolver o raciocínio lógico-matemático, lingüístico verbal, expressão e comunicação corporal (RCNEI,1998; KISHIMOTO, 2001). Através do jogo a criança forma conceitos, selecionar idéias, estabelecer relações lógicas integra percepção fazem estimativas competitiveis com o seu crescimento físico e o que è mais importante socializa-se. Segundo o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil Brasil (1998). ”No ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos e os espaços valem e significam outra coisa daquilo que aparentam ser. Ao brincar as crianças recriam e repensam os acontecimentos que lhes deram origem, sabendo que estão brincando” (p, 7). Embora o estado da arte sobre o tema estudado aponte questões, o que percebemos, no espaço concreto da educação infantil, é que o jogo, brinquedo e a brincadeira, dentro da organização do trabalho pedagógico do professor estão em segundo plano e quando são utilizadas assumem apenas uma de suas dimensões, recreação. Segundo Kishimoto, (2001), a perspectiva recreativa do jogo significa restringe as possibilidades da utilização da experiência lúdica como princípios fundamentais para o desenvolvimento infantil, com tudo, percebe-se a importância da utilização dessa prática como ferramenta pedagógica. Principalmente nas aulas de Educação Física, que ao longo de sua historia sofreu varias transformações. Com isso passo a apresentar a problemática deste estudo: durante a utilização das aulas de Educação Física quais as representações sociais dos professores de nível um (magistérios), sobre conteúdo/conhecimento dos jogos e das brincadeiras? Essas concepções sobre os jogos e brincadeiras são instrumentos que balizam e trazem desdobramento a sua prática pedagógica? Para tratar da problemática exposta, perceber–se a necessidade de pensar sobre o processo educativo e conseqüentemente discutir a prática pedagógica dos professores, traçando o seguinte objetivo: Investigar as Representações sociais dos 406 professores de nível um (magistérios) sobre conteúdo/conhecimento dos jogos e das brincadeiras utilizando as aulas de Educação Física na educação infantil em uma escola municipal do Estado da Bahia, analisando as concepções desses professores sobre o conteúdo/conhecimento dos jogos e brincadeiras, compreendendo os nexos destas concepções com a prática pedagógica adotada. Com este estudo pretendemos contribuir para o segmento da Educação Física e demais campo de educação, reconhecendo seu caráter interdisciplinar e sua transversalidade que o tema discutido permite para todo cenário educacional, nacional e internacional, com temáticas que expressam as relações do desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Para tanto adotamos como referência teórico-metodológica a teoria das Representações Sociais. Focalizando a teoria das Representações Sociais Este estudo tem como referência e perspectiva de pesquisa dentro das teorias da Representação Social de Moscovici, uma abordagem que compreende as representações sociais enquanto forma de discurso proveniente de uma prática social de sujeitos socialmente situados, histórico e culturalmente (MINAYO, 1994 e 1998; SPINK, 1993 e; FRANCO, 2004). Neste sentido as representações sociais são fenômenos que mesmo representados a partir de um conteúdo cognitivo, imagens, discurso, conceitos, categorias, teorias, precisam ser, como expressos por Spink (1993), entendidos a partir do seu contexto de produção. De acordo com esse pensamento Franco (2004), reforça a necessidade da contextualização ou “análise contextual” dos sujeitos onde está inserida a Representação Social. Só a partir delas o pesquisador poderá mapear, compreender e superar a realidade e apreendê-las num contexto socialmente construído. Para Weber apud Minayo (1994) não são as idéias, mas os interesses materiais e ideais que governam diretamente a conduta do homem. Com isso o autor alerta para a necessidade de se conhecer, em cada caso, seu contexto e os fatores que contribuem para determinar cada fato social. Portanto, ao estudar as representações necessitamos perceber que “em primeiro lugar, é indispensável conhecer as condições de contexto em que os indivíduos estão inseridos mediante a realização de uma cuidadosa ‘análise contextual’ (FRANCO, 2004; P. 2)”. Isso porque se entende que as representações sociais são historicamente construídas e estão 407 estreitamente vinculadas aos diferentes grupos socioeconômicos, culturais e étnicos que as expressam por meio de mensagens, e que nos reflete diferentes atos e nas diversificadas práticas sociais. É necessário compreender e considerar que as Representações Sociais refletem condições contextuais dos sujeitos que as elabora. Seu pensamento advém de uma situação que expressam sua condição sócio-econômica, bem como, cultural. Daí a necessidade de buscarmos conhecer o sujeito concreto, sua história de vida, condições de existência social e educacional. É preciso levar em conta as Representações como manifestações de sujeitos históricos para uma efetiva apreensão da realidade concreta. No que se refere ao pensamento marxista Minayo (1994), apresenta como Marx vê os elementos por ele tratado, “consciência e matéria”. Para esse autor, a vida material precede o mundo das idéias, numa relação dialética onde “as circunstâncias fazem os homens, mas os homens fazem as circunstâncias”. Com isso podemos perceber que as idéias expressas pelo pensamento marxistas não são rígidas a ponto de tornar-se mecânica na determinação das condições materiais sobre a consciência humana. Com isso, o princípio dialético serve como referência para compreender os processos de construção social do conhecimento. Segundo Minayo, (1996), a pesquisa é a atividade básica das ciências, sendo sempre uma tentativa de aproximação da realidade que nunca se esgota. Concordando com a autora, considero que a perspectiva da abordagem dialética é a mais adequada para os fins desta investigação. O processo social é aqui entendido tanto por suas determinações múltiplas, sempre históricas, quanto por transformações promovidas pelo sujeito. Vimos assim, marcos teóricos advindos das tradições marxistas e compreensivas, numa tentativa de maior e melhor aproximação aos complexos fenômenos humanos, desta feita, não reduzidos a um único registro fragmentário. Para Minayo (1996; p.86), citando Demo, a metodologia dialética privilegia: “a contradição e o conflito predominando sobre a harmonia e o consenso; o fenômeno da transição, da mudança, do vir-a-ser sobre a estabilidade; o movimento histórico; e a totalidade e a unidade dos contrários”. Franco (2004) afirma a valorização das representações sociais como categoria analítica, apontado que significa efetuar um corte epistemológico que contribui para o enriquecimento e aprofundamento dos velhos e já desgastados paradigmas das ciências psicossociais. Sendo assim, “não apenas para a educação, mas, de uma maneira mais ampla, para a sociedade do conhecimento”, a abordagem e a realização de pesquisas sobre representações sociais podem ser consideradas ingredientes indispensáveis para a melhor compreensão dessa sociedade (FRANCO, 2004; P.1). 408 As representações Sociais para as Ciências Sociais “apresentam-se como categorias de pensamento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questinando-a” (MINAYO, 1994; P.89). Com isso elas são elaborações mentais construídas sócio e historicamente, que expressam uma prática social e histórica da humanidade, numa relação dinâmica, complexa e explicativa, que dê conta de compreendendo a dinâmica das relações sociais na sua provisoriedade e em sua configuração histórica. O caminho teórico-metodológico para apreensão do real Esta pesquisa cientifica é de natureza qualitativa, portanto segue um modelo classificado como teórico-empírico, que de acordo Trivinos (1987), os instrumentos de investigação na pesquisa científica representam a “teoria em ação”, é a partir do método e de sua apropriação do objeto de estudo que o pesquisador terá seus passos apoiados. Esta pesquisa decorre de um estudo de caso que consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante outros delineamentos já considerados (GIL, 2002). Para tanto, utilizamos como referência para a delimitação teórica do tema, a produção do conhecimento vinculados em periódicos, livros textos, artigos, dissertações e teses acumuladas na área. Paralelo ao delineamento da produção do conhecimento teórico foi feito um estudo de campo. Para o estudo de campo seguimos o referencial de Minayo (1999), que busca garantir a honestidade do pesquisador com o campo empírico, como também com a comunidade científica. Como instrumentos de investigação, estamos fazendo uso de duas estratégias para a abordagem ao campo empírico: a entrevista e a observação participante (TRIVINOS, 1987). A população do presente estudo foi composta por 04 professores de nível um (magistérios) que trabalha com a educação infantil, utilizando aulas de Educação Física e empregando os jogos e brincadeiras durante suas práticas. Esses professores não apresentam formação acadêmica. A pesquisa foi feita em uma instituição municipal do estado da BA. A estrutura da referida escola é a maior do município. É importante ressaltar que duas delas estão cursando a faculdade de pedagogia e estão no quinto semestre. Na interpretação dos dados, utilizamos o método de análise do discurso, cuja a proposta tem como foco o discurso e o texto proveniente do grupo estudado, compreendendo as condições de produção e as significações a eles atribuídas, pois as representações expressas 409 pelos professores através de afirmações, opiniões, atitudes, gestos e crenças estão inseridas num contexto de produção falante, ouvinte, história de vida, condições materiais, contexto histórico-social e balizadas pelos mecanismos ideológicos que os sustentam. De acordo com alguns autores as representações sociais são elaborações mentais construídas sócios e historicamente, que expressam uma prática social e histórica da humanidade, numa relação entre seres humanos, dinâmica, complexa e explicativa. Percebemos que nos discursos a um interesse em buscar os conhecimentos sobre os conteúdos dos jogos e brincadeiras, seja ele através de uma troca com outras pessoas, ou em fontes que permitam o acesso a essas atividades. Perguntamos se todas as professoras utilizam os jogos e brincadeiras nas suas aulas? A primeira professora responde: Sempre que posso utilizo, porque assim, enquanto professora da educação infantil, quanto mais você leva o lúdico para a sala de aula, eles se desenvolvem de uma forma mais espontania (depoimento). Já a segunda professora: Durante o período das aulas, Todos os dias, porque desenvolve bastante, assim esse clima de brincadeira, aprender brincando, não só na educação infantil, mas também no ensino fundamental, vendo que eles não tiveram essa experiência quando menores, e vejo muita coisa como integração amizade, é o jogo e a brincadeira auxilia muito isso para nos (depoimento). Quanto à fala da terceira professora: Sim, uma vez por semana, nas sextas feiras, geralmente, a gente faz rodas, brincadeiras de amarelinha, pega-pega, vivo ou morto, estátua, brincadeira de anel, de fita, roda mesmo, brincadeiras antigas, do nosso tempo... (depoimento). A quarta responde: Uso, quase todos os dia, os jogos, brincadeiras, que servi também pra interação deles, pra também ajudar na nota. “para Vygostky, o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual a criança penetra na vida intelectual daqueles que as cercam” (1984, p. 99), Ao questionarmos sobre a elaboração dos jogos e brincadeiras, essas atividades são entendidas como recreação ou como aula de Educação física? A primeira responde: Como recreação, até porque, não temos espaço adequado para as aulas de Educação Física (depoimento). A segunda argumenta: eu vejo como uma atividade didática, recreativa, também, geralmente eu uso a brincadeira para alcançar objetivos, seja em todas eu uso a brincadeira em todas as áreas já a terceira: É como recreação. A quarta ressalva: surgem momentos que aparece como recreação, outros não (depoimento). Segundo Kishimoto (2001), os jogos e brincadeiras quando utilizados intencionalmente deixam de ter sua característica básica, 410 passando a desenvolver aspectos educativos quando utilizados pela escola. Nesse sentido, os professores, devem procurar incorporar estudos e pesquisas sobre a contribuição educativa do jogo e da brincadeira com rigor, para poder estabelecer um valor pedagógico durante sua prática. Em se tratando da possibilidade que os jogos e brincadeiras têm para o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, a primeira professora responde? Com certeza, desenvolve o desenvolvimento sócio-motor principalmente crianças que estão nessa faixa de 0 a 6 anos, elas aprendem com mais facilidade brincando (depoimento). A segunda aborda que: com certeza eu vejo isso claramente aqui no meio criança tímida, depois das brincadeiras se torna outra criança, principalmente quando chegam muito tímida não falam bem, e ai com as brincadeiras a emoção deles se transformam (depoimento). Já a terceira diz: Com certeza, desenvolve, não só o desenvolvimento psicológico como o motor, organização e o convívio social (depoimento). Há quarta aborda durante a sua fala: Sim, possibilita o desenvolvimento a mental. Segundo Kishimoto (2001), Utilizar o jogo na educação infantil significa conduzir a criança para o campo do ensino-aprendizagem, proporcionando, condições para maximizar a construção do conhecimento, introduzindo as propriedades, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora. No que concerne ao papel de desenvolver o aspecto motor do aluno, torna-se evidente a presença da noção de psicomotricidade no olhar dos docentes estudados, principalmente relacionado ao trabalho realizado nos primeiros anos da vida escolar. Fato que não foi confirmado com a análise dos dados coletados junto às professoras da Educação Infantil. Com referências aos elementos da coordenação motora, desenvolvimento motor, coordenação grossa, equilíbrio e lateralidade, foram detectados nas falas de nossos depoentes e fizeram-nos acreditar que parte da representação desses docentes é permeada tanto pela concepção psicomotora de forma frágil. Para Minayo (1994), as Representações Sociais se manifestam em palavras, sentimentos e condutas e se institucionalizam, portanto, podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais evidenciado na realidade. Quando perguntamos qual a representação social e a concepção sobre o conteúdo e o conhecimento dos jogos e brincadeiras? Olhe, como eu estou em processo de conclusão do curso de pedagogia, eu tive uma disciplina que foi metodologia dos jogos e brincadeiras que me ajudou bastante, eu tinha apenas, só a prática, e hoje eu tenho embasamento na teoria 411 que a questão de a gente estar sempre trazendo o lúdico (depoimento). Já a segunda diz: Olha eu leio muitas revistas como revista nova escola, aquela revista também, Projetos para Educação Infantil, da revista On-Line, eu leio bastante aqueles projetos, eu vejo assim, é, tem coisas que não dá pra adaptar aqui porque não tem material, aí eu pego uma idéia ou outra, e me ajuda assim, a fortalecer que é por aí o caminho. Hoje eu vejo assim, eu uso muito do construtivismo (depoimento). Quando perguntamos a terceira: Eu utilizo jogos da nossa época antiga e também, tinha um professo (depoimento). Já a quarta: quando eu trocava idéias com as colegas, com pessoas de fora, que tinha esse tipo de conhecimento. Eu aproveito também as idéias dos alunos. (depoimento). De acordo com alguns autores a representação social são elaborações mentais construídas sócios e historicamente, que expressam uma prática social e histórica da humanidade, numa relação entre seres humanos dinâmica, complexa e explicativa. Percebemos que nos discursos a um interesse em buscar esses conhecimentos seja ele através de uma troca com outras pessoas, ou em fontes que permitam o acesso a esses conteúdos. Em alguns momentos durante a ação pedagógica vimos fragilidades com relação a sua ação durante o gerenciamento de suas aulas, além de mostrar aqueles inerentes às aulas de Educação Física, que dizem respeito as suas particularidades, tais como, espaço-tempo da aula, material didático, conteúdo específico de ensino e tipo de atividade, uma vez que, a utilização dos jogos e brincadeiras são conteúdos elaborados nas aulas de Educação Física. Ressalvamos, nesse ponto, o reconhecimento da possibilidade de tensões cotidianas, particularmente, vividas em cada um do espaço escolar pesquisado. Com relação ao jogo e a brincadeira, parece que tal atribuição não consegue ultrapassar as condições unicamente recreacionista, o que leva a não se diferenciar do momento do recreio, pois este papel é pautado no brincar, considerando a brincadeira com um fim apenas em si mesmo. Segundo Kishimoto (2001), os jogos e brincadeiras quando utilizados intencionalmente deixam de ter sua característica básica, passando a desenvolver aspectos educativos quando utilizados pela escola. Nesse sentido, os professores, devem procurar incorporar estudos e pesquisas sobre a questão do jogo e da brincadeira com rigor, para poder estabelecer um valor pedagógico durante sua prática. Durante a observação verificamos que as crianças brincavam por si, em momento algum existiu a ação dos professores durante as aulas. Isso reforça a concepção recreativa que cada professore tem sobre os jogos e brincadeiras. Entretanto percebemos que visão sobre os jogos e brincadeiras dentro de uma perspectiva recreativa, acaba contribuindo para desqualificação a Educação Física enquanto disciplina obrigatória do currículo da educação básica, ainda mais quando é direcionada por professore sem formação. Supomos que uma parcela dos profissionais da escola ainda não percebeu a importância do jogo e da brincadeira para o desenvolvimento da criança, embora estas atividades estejam presentes em seu cotidiano. 412 413 ix Considerações finais Portanto, não apenas para a educação, mas, sobre tudo de uma maneira mais ampla, para a sociedade, a abordagem e a realização de pesquisas sobre Representações Sociais podem ser consideradas ingredientes indispensáveis para uma melhor compreensão da sociedade (FRANCO, 2004). Os resultados encontrados indicam que a produção da representação ocorre por influência de fatores advindos do cotidiano escolar e da própria experiência histórica e cultural. Os resultados apontam, também, fatores característicos do ambiente escolar, tais como, o jeito escolar de ensinar e os embates entre os saberes e os atores cotidianos. As informações coletadas revelam categorias de conteúdos compondo a Representação Social do professor sobre os jogos e brincadeiras vivenciados em aulas de Educação Física na Educação Infantil. Ao olhar dos integrantes do grupo pesquisado, os sentidos dados às atribuições que perfazem o papel dos jogos e brincadeiras, sugerem, então, uma legitimidade delicada. Tal condição deixa dúvidas quanto ao reconhecimento de sua especificidade e de seu potencial pedagógico como atividade escolar. Realidade que pode ser transformada a partir de nova relação entre “representação – prática”, processo que deve ser engendrado no cotidiano escolar. Apesar de não ser um processo simples, tal possibilidade encontra nas ações coletivas empreendidas no interior da escola, permeadas pela tensão cotidiana, um caminho bastante significativo. Entendemos essas ações coletivas como tempos-espaços peculiares do ambiente escolar que devem ser ocupados, também, pelos professores de Educação Física. A Educação Física, enquanto disciplina do currículo obrigatório da educação básica, deve ter presença garantida em diversos espaços em que seu campo permite e em especial no contexto da educação infantil. Referências BRASIL. Lein. 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. República federativa do Brasil. Disponível em: <http:www.mec.gov.br/legis/pdf/ldb.pdf>. acesso em 1º de novembro de 2004. BRASIL. Constituição Federal, 1988. 414 FRANCO, Maria Laura Puglisi Barbosa. Representações sociais, ideologia e desenvolvimento da consciência. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1994. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogos infantis: o jogo,a criança e a educação. 2001. Petrópolis, RJ, KUHLMANN, M Jr. Instituições pré-escolares assistencialistas no Brasil (1899-1922). Cad Pesq 1991; 78:17-26. KRAMER,Sonia A política do pré-escola no Brasil: a arte do disfarce /Sonia Kramer.- 7 ed.- São ,Paulo:Cortez. 2003. biblioteca da educação- Série 1- escola; v.3) MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis,– RJ: Ed. Vozes, 1994. ________. M.C.S., 1999. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde, São Paulo: Ed. Hucitec; Rio de Janeiro: Ed. Abrasco. ______. O conceito de Representações Sociais dentro da Sociologia Clássica. In Textos em Representações Sociais. JOVCHELOVITCH, Sandra & GUARESCHI, Pedrinho (Orgs.)Petropólis, RJ: Vozes, 1994. ______ (org.). Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6ªed. São Paulo, SP: Hucutec, 1996. MOSCOVICI, Serge. Das representações coletivas as representações sociais: elementos para uma história. In: JODELET, Denise. As Representações Sociais. Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ, 2001. 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São Paulo: Atlas, 1987. 415 416 CORPO ESPORTE E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: UM OLHAR FENOMENOLÓGICO SOBRE A REALIDADE E POSSIBILIDADE DE UMA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA Ivo Nascimento Neto (UNIRB) [email protected] _________________________________________________________________________ Resumo O presente texto busca uma concepção fundamentada na relevância e na contribuição que a filosofia fenomenológica pode trazer para descrever o fenômeno investigado. Com tudo objetivamos refletir sobre a educação, Educação Física, corpo e esporte escolar, referenciando as contribuições que poderá trazer ao compreendermos uma educação transformadora, tendo como intenção o paradigma da reflexão fenomenológica, valorizando a experiência vivida e o mundo da vida. Para isso, inicialmente faremos uma breve explanação sobre a corrente fenomenológica, educação, corpo, Educação Física e esporte questões como fundamentos e discussões para nossas reflexões. Palavras-chava: Corpo, educação transformadora, fenomenologia e Educação Física esporte. _________________________________________________________________________ Introdução Para pensar sobre a fenomenologia é importante contextualizá-la de maneira inevitável enquanto corrente filosófica, abordando, alguns pensamentos e pressupostos que ao longo do processo se destacou enquanto enfoque e influencia filosófica contemporânea. Não podemos deixar de sinalizar algumas correntes filosóficas que de certa forma contribuíram para a evolução da sociedade. Dentre elas destacamos o positivismo, o neo-positivismo, entre outras. Embora percebamos que estás ciências, de certa forma serviram ao modelo de sociedade vigente, levando os sujeitos a sua própria alienação, não sendo capaz de responder sobre o sentido, as vivências e a consciência humana. Partindo destes problemas Edmund Husserl anuncia a filosofia fenomenológica enquanto uma ciência rigorosa (TRIVIÑOS, 1987). Assim, por meio da fenomenologia, ciência que procura descrever e não explicar nem analisar, coloca-se em questionamento para se voltar ao mundo vivido. 417 Para filosofia fenomenológica todo universo é construído sobre o mundo vivido, onde recoloca o sujeito no seu lugar e não permite que ele se torne objetivado como referencia a ciência positivista Triviños (1987), não permite que o sujeito seja reduzido explicativamente de uma forma racionalizante. É importante consideramos que esse pensamento surge num momento de ruptura. Salienta-se que a fenomenologia está aberta ao questionamento a perceber suas possibilidades enquanto método cientifico. Partindo dessas considerações, objetivamos refletir sobre a educação, Educação Física, corpo e esporte escolar, referenciando as contribuições que poderá trazer ao compreendermos uma educação transformadora, tendo como intenção o paradigma da reflexão fenomenológica. Embora seja importante responder algumas perguntas: como o corpo é visto na educação, no esporte e na Educação Física escola? Como a ação educativa deve estar presente na escola? Para isso, inicialmente faremos uma breve explanação sobre a corrente fenomenológica, educação, corpo, Educação Física e esporte questões como fundamentos e discussões para nossas reflexões. Fenomenologia: da essência a sua existência Acredita-se que o termo fenomenologia, foi inicialmente utilizado pelo filósofo e matemático nascido na Alemanha por volta do século XVIII, Johann Lambert, para assinalar a ciência das aparências. De acordo com Bicudo (2006 p. 16) “a fenomenologia trabalha com uma visão de conhecimento e de realidade especificas e próprias”. Mas, foi com Hegel que o termo entrou definitivamente na tradição filosófica, empregado em sua ciência da experiência da consciência, a qual serve de inspiração para Husserl. Sendo uma das correntes filosóficas da Educação, a fenomenologia tem como pressuposto o fenômeno, ou seja, como os fatos, as coisas, as imagens, os atos, as relações e os pensamentos ocorrem ao redor do indivíduo e são percebidos em sua essência, levando em consideração a realidade interior/exterior do ser humano, as suas experiências, suas expectativas, proporcionando comparações e determinando o conceito que o indivíduo tem sobre o mundo vivido. A fenomenologia é o estudo das essências, segundo ela, todas as questões retornam a definir as essências, “a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo,” (TRIVINÕS, 1987 p.43). Entretanto a fenomenologia é também uma filosofia que recoloca a 418 essência na existência. Consiste em uma filosofia transcendental, que põe em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da atitude natural (TRIVIÑOS, 1987). Ao investigar o fenômeno, ou seja, o que se manifesta, a “fenomenologia procura ir ás próprias coisas” (BICUDO, 2006 p. 18). Ela procura enfocar o fenômeno da maneira como ele se manifesta em seus modos de aparecer, indo às próprias coisas sem a intervenção de conceitos prévios. De acordo com Triviños, (1987, p. 42): “Para alcançar este objetivo Husserl falou da ‘redução fenomenológica’. Através desta, na qual o fenômeno se apresenta puro, livre dos elementos pessoais e culturais, chega-se a um nível dos fenômenos que se denomina das essências. Desta maneira, a fenomenologia apresenta-se como um ‘método’ e como um ‘modo de ver’ o dado.” De acordo com a fenomenologia de Husserl dois passos são importantes para se descrever o método. O primeiro passo para é questionar todo conhecimento, o que significa colocar em suspensão, ou seja, colocar entre parênteses as crenças e proposições sobre o mundo natural. Para a filosofia fenomenológica isso significa redução eidética, ou seja, a ausência de pressupostos das investigações iniciais, mediante a qual a existência individual do objeto estudado é colocado entre parêntesis, pois para a Fenomenologia não interessa senão a essência. Sobre essa redução fenomenológica Martins explica que: “Isso não significa que se dava abandonar tudo o que se sabe sobre a região de inquérito para poder-se fazer fenomenologia. Mas significa que se deve ficar em estado de alerta e procurar ver o fenômeno focado em suas manifestações e não a partir dos conceitos, das crenças e dos predicados que definem o objeto” (2006; p. 23). O segundo passo dará início à interrogação fenomenológica, com um olhar dirigido para a coisa-mesma que aí está ao mundo para ser experienciada, constituindo-se a epoché fenomenológica, que é colocar em suspensão qualquer julgamento. É dar um passo atrás, colocando em suspensão às formas familiares e comuns de olhar as coisas. Sobre isso afirma Martins: “Proceder a epoché, ou seja, fazer a redução ou colocar em evidência a região a ser investigada, é o primeiro movimento do processo de investigação. É o movimento da constituição do tema a ser pesquisado. Os movimentos de redução vão ocorrendo ao longo da investigação. Dão-se reduções sucessivas, à medida que se vai do ôntico ao ontológico, ou seja, da explicação do modo como o ente está no mundo, em sua positividade, para a explicitação da compreensão/interpretação do ser.” (2006, p. 22). Ainda sobre a epoché fenomenológica salienta Triviños (1987; p. 44): 419 “A epoché permite ao fenomenólogo uma descrição do dado em toda sua pureza. O dado não é o empírico e tampouco um material que se organiza através de categorias estabelecidas em forma apriorística e intuitivamente. Para Husserl não existem conteúdos da consciência, mas exclusivamente fenômenos. O dado é a consciência intencional perante o objeto.” Husserl diz que a redução eidética se obtém de um esforço de pensamento que se exerce sobre o fenômeno cujo sentido se busca. Considerando-se que a análise mental que conduz a intuição da essência não se exerça de qualquer maneira, Husserl concebe uma técnica que dá ao pensamento a certeza de reter só o essencial do fenômeno em questão. Sendo assim, não se pode separar através do pensamento as partes de um todo, nem combiná-las pela imaginação em totalidades novas e imprevistas, apenas quando essas partes são separáveis na realidade. Foi aí que Husserl encontrou o princípio que permite perceber aquilo que é próprio a essência do fenômeno. Sendo a essência definida como aquilo que é impossível à consciência pensar de outro modo, para chegar a essa consciência do objeto, deve-se imaginar todas as variações que ele é susceptível de sofrer. O invariante identificado através das diferenças define a essência dos objetos que é a variação eidética (DARTINGUES, 1992). Sobre isso afirma Triviños: “Mas estas essências não constituem uma espécie de mundo das idéias platônicas nem são conceitos lógicos. Elas são as que se apresentam à intuição quando existe realização dos significados da consciência. A redução fenomenológica, além desta redução eidética que conclui com as essências, apresenta a redução transcendental. Através dela se questiona a existência mesma da consciência que elimina o que a ela é dado e se dirige a sustentar sua pureza intencional. E assim, segundo Husserl, surge a consciência pura. “ (1987; p. 44). Entretanto, podemos observar que a Fenomenologia, deve-se estudar o fenômeno que se mostra e não aquele que queremos mostrar, permitindo assim a compreensão mais fiel e possível das características ou aspectos estruturais da realidade interrogada. Faremos agora algumas considerações sobre educação fenomenológica e corporeidade. Educação fenomenológica e corporeidade O fenômeno da educação esta presente em todas as sociedades humanas, portanto a educação faz parte do mundo vivido do ser humano. A educação permite que o ser humano 420 “aprenda a perceber seus desejos, metas, valores e sua característica. É importante que aprenda a ser autentico para consigo mesmo” (MARTINS, 2006 p. 86). A própria educação deve ser pensada na existência concreta do ser humano. Procuraremos direcionar a educação na época atual. Essas reflexões tem como pressuposto nossas experiências, nossas práticas como serno-mundo e sobre tudo como educadores, uma prática que exige uma produção do conhecimento, embora “só é real e verdadeira quando for um conhecimento adquirido pelo próprio sujeito, mesmo quando resulte de um dialogo” (MARTINS, 2006 p. 41). Nosso corpo como corpo próprio e vivido possui uma intencionalidade envolve todos os sentidos na unidade da existência “como um organismo que se abre no mundo que ele coexiste” (GONÇALVES, 1994 P. 66). A corporeidade humana em suas relações “espaciais e temporais é compreendida por Merleau-Ponty também na perspectiva do ser no mundo” (GONÇALVES, 1994 p. 67). Adquirimos uma habilidade motora, quando o corpo se envolve ao seu mundo e efetua um movimento corporal intencional. A unidade do ser corpóreo é idéia fundamental de MerleauPonty, a relação da experiência do corpo consigo mesmo é essencial na ação diante do mundo. O pensamento de Merleau-Ponty “é um pensamento da ambigüidade do ser humano como intencionalidade, como consciência e corpo, desvelando sua unidade a partir da raiz sensível corpórea e da experiência original do ser no mundo” (GONÇALVES, 1994 p.71). O individuo é um ser-no-mundo e conseqüentemente não podemos pensar-lo fora de sua relação com o mundo. De mesmo modo a educação não pode dissociar o individuo da sociedade. O corpo “transforma-se no decorre de nossa vida, por meio de nossas experiências” (GONÇALVES, 1994 P. 151). Aqui sinalizamos uma extraordinária reflexão para os professores de Educação Física. Seria a de que é importante que o aluno constitua os seus próprios significados de corpo por meio de suas experiências em que possa vivenciar diretamente o sentido de uma determinada ação educativa durante a experiência vivida da prática esportiva. 421 Os valores da educação em geral e seus objetivos circulam em sua totalidade a Educação Física que como ação educativa está voltada a formação do ser “tanto em sua dimensão pessoal como social” (GONÇALVES, 1994 p.117). Nossa intenção é abordar a Educação Física em radicalidade, nas formas de ser e conduzir as pratica educativa. Não pretendemos aqui discutir a legitimidade da Educação Física tendo em vista que daria margem a diferentes argumentos. Referimo-nos a Educação Física como uma prática sistemática no âmbito da educação, prática que se encontra em relação dialética com outras ciências como (biologia, sociologia, antropologia entre outras). Pela nova lei de diretrizes e bases da educação nacional lei 93.94/96 a obrigatoriedade do ensino da Educação Física “refere-se à educação básica sendo facultativo no ensino noturno” (BRACHT, 2007.p.59). Entretanto nesse primeiro ano de lei a Educação Física teve dificuldade de manter-se na grade curricular da escola, acreditamos que existe uma ausência de interpretação e orientação normativa da inserção da Educação Física na rede de ensino fundamental e médio. Problema de interpretação legislativa tem dado margem na legitimidade da Educação Física. Embora a legislação Brasileira obrigue a presença da Educação Física na escola, ainda existe uma redução em da sua permanência no currículo da escola, principalmente no ensino fundamental (BRACHT, 2007). Iremos considerar aqui a existência do esporte que durante a sua trajetória serviu de suporte para justificar a Educação Física no currículo escolar. Hegemonicamente compreendido, o esporte se vincula hoje no imaginário da Educação Física de uma forma reduzida, limitada ao rendimento, ou seja, o esporte se refere apenas como conteúdo competitivo, atlético e de alto rendimento. Historicamente cristalizou-se uma representação (imaginário) que a Educação Física era basicamente vinculada ao fenômeno esportivo. O esporte configura-se como conteúdo curricular na disciplina de Educação Física. Apesar da ocupação em evidência, dentro da Educação Física escolar, o mesmo, têm-se reduzido, sua gama de conhecimento nas últimas décadas, podendo isto ser facilmente observado através dos currículos apresentados pela maioria das escolas brasileira, as quais, por um longo período vêm desenvolvendo programas esportivos (jogos estudantes), baseados em modelos centrados nas habilidades técnicas e táticas, puramente conteúdista (BRACHT, 2007). 422 O esporte é um dos elementos da cultura mais importantes da Educação Física escolar, em presença, temos que reconhecer que o esporte é atualmente, um conteúdo protagonista do contexto escolar, o qual tornou-se um elemento contestável do ponto de vista educativo, haja visto que o esporte é a manifestação mais sinalizada e valorizada pelos alunos, coordenadores e diretores de escolas. Por um lado o ensino do esporte na escola tem reduzido seu conhecimento, dando prioridade ao desenvolvimento técnico - cientifico e tático, deixando de explorar outros e novos conhecimentos no contexto da educação do aluno. De acordo com Bicudo, (2006 p. 93) “a educação centrada no aluno enfoca o ato de conhecer e de criar, que estão presentes a todas as realizações humanas”. Entretanto ultrapassa o que é denominado conhecimento cientifico. Ter ciências sobre o esporte não significa mais apenas executá-los cientificamente, mas saber suas regras, sua história e sobre tudo sua inserção político-social. É visto que o esporte está inserido em quase todos os espaços escolares, presente no Brasil e em todo mundo de uma forma espetacular. Sabendo disso algumas preocupações e indagações são levantadas: qual o papel do esporte nas aulas de Educação Física escolar? A construção do ponto de vista real de outro esporte escolar é possível? No entanto, percebe-se uma tentativa pertinente de discutir questões referentes, ao esporte nas aulas de Educação Física, aspecto positivo e negativo do esporte, ressaltando as polêmicas que são impostas e transmitidas pela mídia, possante veicula de informação colocando sempre o esporte enquanto espetáculo, acelerando seu processo de transformação mercadológica. Esporte e Educação Física escolar O esporte moderno refere-se a uma atividade corporal de movimento com caráter competitivo surgida no âmbito da cultura européia por volta do século XVIII, e que, expandiuse para o resto do mundo (BRACHT, 1997). O esporte moderno, oriundo de uma perspectiva competitiva, ao longo do tempo, foi criando características próprias onde a especialização, a seleção e a busca de rendimento, dentre outros aspectos, aparecem como indicadores efetivos do processo oriunda do esporte. O esporte de rendimento promove a imposição das regras, normas, da competitividade, da disciplina e da hierarquia biológica. O esporte enquanto performance, proporciona condições de uma sociedade hierárquica e de estrutura disciplinadora e autoritária. “O ensino do esporte na escola, destaca o respeito incondicional e instintivo às regras, e dá a estas um caráter estático e inquestionável, o que não leva à reflexão e ao questionamento, mas sim ao acomodamento” (BRACHT, 1992, P. 59). É importante ressaltar que muitos dos elementos característicos de uma sociedade contemporânea, vão ser incorporados e/ou estão presentes no esporte: “orientação para o 423 rendimento e a competição, a cientifização do treinamento, a organização burocrática, a especialização de papeis, a seleção e a desigualdade”. (BRACHT 1997 p. 97). Por sua vez, Kunz apud Sávio (2001 p, 18) descreve os seguintes princípios e tendências que tem determinado as praticas esportiva: “Principio da sobrepujança: idéia de que qualquer um, qualquer equipe, tem possibilidade de vencer em confronto esportivo. Busca-se a vitória – o sobrepujar o adversário. Principio das comparações objetivas: chances iguais para todos nas disputas esportivas. Padronização dos espaços, dos locais de disputa e o desenvolvimento de normas e regras universais para os esportes, etc. condicionar-se a prática esportiva nesses locais, condicionando-se também as atividades do movimento, a um automatismo a repetições mecânicas. Tendência do selecionamento: selecionam-se os alunos pelas suas habilidades / inabilidades esportivas, utilizando-se também critérios de idades, sexo e biótipo físico.Tendência da especialização: para se obter uma boa técnica esportiva e um alto grau de rendimento, reduz-se ao máximo o repertorio de ofertas em relação as modalidades esportivas.Tendência da instrumentalização: diz respeito aos acréscimos da performance, as regras e aos métodos que levam ao sucesso esportivo, ou melhor rendimento”. Percebemos que durante muito tempo o esporte e a Educação Física se entrelaçaram ao longo da história, entretanto é relevante salientar que para a Educação Física a utilização do esporte sem uma intencionalidade educativa, sua prática se torna reprodutivista e restrita. “Procurar criar oportunidade para que o estudante cresça realisticamente e perceba a direção para a qual esse seu crescimento aponta, de maneira que vá se comprometendo com a construção de sua identidade, bem como, para que ele se enfrente em situações conflitante” (BICUDO, 2006 p. 94). Uma aula de Educação Física conservadora tradicional, contrapõem uma educação humanizante, uma educação tradicional pressupõem uma educação ant-democrática, antdialógica e domesticadora. Bicudo, (2006 p. 100) reforça em suas palavras que uma “educação humanizante procura enfocar o ato de conhecer e o de criar, que estão presentes a todas as realizações humanas, não se preocupando em apenas com o produto acabado de tais atos”. A 424 tematização do esporte nas aulas de Educação Física, deve proporcionar ao aluno uma compreensão pré-reflexiva da realidade social. Para o autor: “O aluno enquanto sujeito do processo de ensino deve ser capacitado para sua vida social, cultural e esportiva, o que significa não somente a aquisição de uma capacidade de ação funcional, mas a capacidade de conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e significados nesta vida através da reflexão crítica”. (KUNZ,1994, p.31). Para esclarecer essas questões que foram sinalizadas anteriormente, do ponto de vista educativo, iremos tomar como referência uma perspectiva transformadora. O esporte utilizado enquanto conteúdo nas aulas de Educação Física, analisando sob a perspectiva, questionador e transformador, como pretendemos apontar, deve fornecer uma compreensão enquanto fenômeno vivido e experimentado pelo mundo da vida. Entendemos que a Educação Física é uma prática corpórea que deve proporcionar uma intencionalidade educativa. A luz do olhar Fenomenológico refletindo sobre a corporeidade no processo educativo. Permite-nos pensar sobre os valores e os fins de uma educação transformadora que consideramos fundamental para dar um norte à prática educativa e servir de base para possibilitar a sistematização de objetivos educacionais. A Educação Física é sobre tudo educação, envolve o ser humano “como uma unidade em relação dialética com a realidade” (GONÇALVES, 1994 p.117). Sugerimos uma proposta transformadora para a ação corporal e educativo da Educação Física e do esporte, como: evidenciar e esclarecer o problema sóciopolítico do esporte, destacar a sua importância, seu significado e aceitar diferentes situações corporais que estão no entorno desta manifestação cultural. O ensino do esporte deve ultrapassar o saber-fazer, deve saber pensar e saber sentir para fazer (KUNZ. 2003). Considerações Finais O esporte é um conteúdo corporal e um elemento educativo deslumbrante, não devemos reforçar valores como: conformismo, respeito incondicional a regra, atitudes e normas. O esporte educa mais contribui para o individuo internalizar valores e normas de comportamento, que possibilitará adaptação a sociedade vigente. Devemos, repensar nossas praticas educativas. Nessa condição, a corporeidade humano é visto de forma relacional, constituindo-se nas relações entre o corpo - mundo, onde fatores 425 internos/externos interagem determinando as realidades e possibilidades da ação do sujeito, constituindo uma totalidade que só pode resultar deste processo dialógico estabelecido. Assim, o corpo adquire uma forma de compreensão do mundo pela ação educativa, intencional e transformadora, devendo ser visto como um diálogo entre ser humano e o mundo vivido. Referências Bibliográficas ASSIS DE OLIVERA. Sávio A reinvenção do esporte: possibilidade da pratica pedagógica/ Sávio Assis de Oliveira – Campinas. São Paulo: Autores Associados, chanceler editora CBCE, (2001). – (Coleção educação física e esporte). BRACHT, Valter, (1997) Sociologia crítica do esporte: uma introdução – Vitória: UFES, Centro de Educação Física e desporto, (1997). _____________: Educação Física e aprendizagem social/ Valter Bracht. Porto Alegre: Magister, 1992/ 122,p. _____________Pesquisa em ação: educação física na escola Valter Bracht...[ et al] -3. Ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007.- 144p. (coleção educação física). DARTINGUES, André. O que é a fenomenologia?. Trad: Maria José J. G. de Almeida: São Paulo. Ed. Moraes, 1992. GONÇALVES, Maria Augusta Salim. Sentir, Pensar e Agir – corporeidade e educação. Maria Augusta Salim Gonçalves Campinas/SP: Papirus, 1994- (Coleção Corpo e Motricidade). KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do Esporte. Ijuí: Unijuí, (1994). ____________. (1989) O esporte enquanto fator determinante da educação física. Revista Contexto & Educação, Ijui, ano IV n. 15, pp. 63-73, jul./ set. ___________. Educação Física: ensino & mudança /2.ed. Ijui: Unijui Ed, 2001---208 p.— (coleção educação física). 426 _____________Transformação didático- pedagógico do esporte Elenor Kunz. 5. Ed.Ijui: Ed. Unijui ,2003—(coleção educação física). MARTINS, Joel. Estudos sobre Existencialismo, Fenomenologia e Educação/ Joel Martins, Maria Aparecida Viggiani Bicudo – 2. Ed. – São Paulo: Centauro,2006. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. i O livro-texto utilizado foi o LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber. Porto Alegre: Artmed – UFMG, 1999. ii Foi muito interessante perceber que o aluno de Pedagogia da FACED/UFBA, mesmo em um contexto de avaliação com critérios negociados e pré-definidos, recusou-se, de uma maneira geral, a avaliar os trabalhos de seus colegas, para “evitar problemas depois”, dentre outras razões. O feedback da turma do semestre 2006-I foi bastante firme quanto a isso e, para o semestre II, a proposta feita foi de “contribuição para o trabalho do colega” que, ainda assim, não ocorreu. A dificuldade em avaliar o seu par no processo de formação em Pedagogia, na FACED/UFBA, precisa ser melhor compreendida. Sugere-se que um estudo mais aprofundado sobre as crenças desse coletivo seja conduzido. iii Essa posição foi posta pelos alunos em suas respostas ao Questionário de Expectativas, aplicado no início dos semestres 2006-I e 2006-II. iv Os alunos de 2006-I permitiram que trechos de seus projetos fossem usados para compor esses exercícios de 2006-II. Em nenhum dos projetos utilizados nos exercícios foi identificado o autor do texto. v Essa construção surgiu e foi originalmente discutida entre os alunos da atividade Projeto de Tese I, oferecida aos alunos de doutorado em Educação na FACED/UFBA em 2005 e conduzida pelo Prof. Dr. Robert E. Verhine. Dos alunos ausentes no encontro no qual foi aplicado o questionário, apenas 01 o fez depois. Os demais optaram por não encaminhar suas respostas posteriormente. vi vii Ao final dos semestres 2006-I e 2006-II, as turmas contavam com 37 e 21 alunos freqüentando regularmente. 427 Professor de Educação Física, sendo na oportunidade Monitor da disciplina Prática de Ensino III, aluno da disciplina Educação e Fenomenologia do Programa de PósGraduação Stricto sensu em Educação e Contemporaneidade, Especialista em Metodologia da Educação Física e Esporte pela Universidade do Estado da Bahia.Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Cultura Corporal tópico específico da Educação, área de ensino da Educação Física. Foi Professor do Colegiado do Curso de Educação Física da Faculdade de Educação AGES, atualmente é professor da Faculdade Regional UNIRB. É Professor da Rede Estadual Colégio Estadual João Benevides Nogueira e da Rede Municipal Escola Municipal de Antas, onde ingressou mediante Concurso Público. ix Professor de Educação Física, sendo na oportunidade Monitor da disciplina Prática de Ensino III, aluno da disciplina Educação e Fenomenologia do Programa de PósGraduação Stricto sensu em Educação e Contemporaneidade, Especialista em Metodologia da Educação Física e Esporte pela Universidade do Estado da Bahia.Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Cultura Corporal tópico específico da Educação, área de ensino da Educação Física. Foi Professor do Colegiado do Curso de Educação Física da Faculdade de Educação AGES, atualmente é professor da Faculdade Regional UNIRB. É Professor da Rede Estadual Colégio Estadual João Benevides Nogueira e da Rede Municipal Escola Municipal de Antas, onde ingressou mediante Concurso Público. viii