DO EMPRÉSTIMO PEDIDO À SOCIEDADE DAS NAÇÕES
É conhecida a história do pedido de empréstimo de 12 milhões de libras feito pelo
Governo da ditadura militar à Sociedade das Nações no final de 1927, e destinado ao
saneamento da moeda e das finanças públicas e ao desenvolvimento económico do país.
Os chefes políticos da I República, juntos no exílio, fizeram o possível ante aquele
organismo internacional para impedir a realização do empréstimo. Mas o estudo deste
foi autorizado depois de terem vindo a Portugal peritos, funcionários da Secção
Económica e Financeira da S. D. N., que se informaram exaustivamente da situação
económico-financeira do país. As condições postas à sua realização eram as habituais:
presença de um agente de ligação junto do Governo português com funções de controle
e faculdade de o Comité Financeiro enviar a Portugal, no caso de o Governo deixar de
cumprir o protocolo, uma comissão financeira de três membros encarregada de
administrar as receitas consignadas ao empréstimo. Tinha sido assim com os
empréstimos concedidos à Áustria, à Grécia, à Bulgária.
Mas o facto de os exilados terem procurado interferir nas decisões da S.D.N. acirrou o
brio patriótico dos portugueses e o general Ivens Ferraz recusou o empréstimo em tais
circunstâncias.
Publicou então o diário «Novidades» de Lisboa, alguns artigos do professor de
Coimbra, a analisar a situação económico-financeira portuguesa e a apontar os remédios
necessários. Não era o autor contrário ao empréstimo, cujas condições reconhecia serem
as normais em casos semelhantes; apenas lhe parecia que, antes do empréstimo, devia
proceder-se seriamente, dolorosamente, ao equilíbrio orçamental e ao saneamento da
moeda.
Salazar, como dissemos, já então estivera em Lisboa, a convite do ministro das
Finanças, Sinel de Cordes, com quem trabalhara durante um mês, deixando-lhe um
estudo completo para poder reforçar o Tesouro e equilibrar o Orçamento, trabalho pelo
qual nem sequer um cartão de agradecimento recebera. Estava no conhecimento
completo do assunto. Mais tarde, já íamos no sétimo Orçamento equilibrado, Afonso
Costa afirmou a um jornalista brasileiro, entre outras coisas, que Salazar se opusera ao
empréstimo, inexactidão, que o já então ministro das Finanças esclareceu em nota
oficiosa de 16-7-1934 que, por sinal, não veio a ser depois recolhida entre os volumes
dos seus escritos, ou porque se tratava de uma peça de polémica (ao que era avesso o
feitio de Salazar), ou porque era em grande parte feita de transcrições.
A reforma financeira fez-se sem o empréstimo. Mas um dia, trabalhava Salazar na
preparação do seu segundo orçamento, o Ministério dos Negócios Estrangeiros recebeu
do Embaixador de Inglaterra um documento secreto: a cópia de uma «nota enviada pela
S.D.N. ao Governo de Sua Magestade Britânica, em que se dizia profundamente
impressionada pela forma como o Ministro das Finanças de Portugal estava a resolver o
problema da administração daquele país e se recusava a renovar o pedido de
empréstimo de 12 milhões de libras que vinha sendo solicitado pelos Governos
anteriores. Que esta recusa colocava aquele Organismo Internacional em posição de
desprestígio e desprimor, porque oferecera a Portugal novas e mais fáceis garantias.
Nestas condições, rogava ao Governo de Sua Magestade Britânica se dignasse
promover, junto daquele Governo, a renovação do pedido de empréstimo, oferecendo o
seu valimento na S. D. N.».
Um dos peritos enviados a Lisboa pela Sociedade das Nações em princípios de 1928 era
o sr. Jacques Rueff. Tivemos ocasião de conhecê-lo vinte e cinco anos depois, já
presidente da Sociedade Política de Paris, presidente do Instituto Internacional de
Estatística, presidente do Tribunal da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço,
membro do Instituto de França... Falámos sobre o tal pedido de empréstimo. Jacques
Rueff era de opinião de que tínhamos feito muito bem em recusá-lo. E explicava:
- O remédio devia o país procurá-lo dentro de si, em vez de tentar trazê-lo de fora. Era
preciso que alguém dentro do país resolvesse o problema financeiro, criando através
dessa resolução as possibilidades de fazer o resto. Além do que foi uma lição para
outros países: mostrou que era tecnicamente possível resolver a crise com os recursos
próprios e que é essencial fazer uma boa administração.
Observamos-lhe que havia entre nós quem discordasse da técnica do professor Salazar.
Antes do equilíbrio do Orçamento e da reconstituição da moeda, não deveria cuidar-se
da organização e do fomento económicos, donde resultaria a possibilidade de
saneamento financeiro com menor soma de sacrifícios?...
- É uma ilusão - respondeu-nos. Não se constrói uma economia senão numa base
financeira séria. O caminho da realização desta principiará nas fontes da vida financeira,
para actuar depois sucessivamente em relação à poupança e em relação à moeda.
Pretender principiar pela economia é não conseguir nada: nem economia, nem finanças
...
*
Augusto de Castro, que girava pelo estrangeiro nas andanças da sua vida de diplomata,
veio uma vez a Lisboa, já Salazar era Presidente do Conselho. Encontrou casualmente
Ramada Curto no Chiado, falaram de várias coisas e, a alturas tantas, iam principiando a
subir a Rua da Misericórdia, já à porta da casa de Ramada, o diplomata desfechou-Ihe
esta pergunta:
- Quando é que vocês mandam embora este seminarista?
Anos passados, o mesmo Augusto de Castro nos dizia:
- Este homem, não há dúvida, descobriu o regime adequado ao governo dos
portugueses. Autoridade sem violência, equilíbrio, prosperidade crescente...
*
Quando surgiu em 1932 o movimento nacional-sindicalista, que aliás havia exaltado
Salazar, este olhou-o desconfiado. Não lhe agradavam diversões nas forças de apoio ao
regime, para mais agravadas com manifestações ruidosas e ofensivas às pessoas de
outros apoiantes, de sectores diferentes.
Contudo, algumas pessoas mais ligadas ao movimento N. S. - Aguedo de Oliveira,
Afonso Lucas, Alberto de Monsaraz - convenceram Salazar a receber e a ouvir Rolão
Preto. Acedeu. Marcou-se dia e hora para estar no gabinete, mas Rolão faltou.
Salazar comentou apenas:
- Talvez o rapaz não tivesse tempo para estudar a lição.
E nunca mais o recebeu.
Sucedera apenas que, ao comunicarem a Rolão para estar no dia tal, às tantas, no
gabinete tal, ele entendera que era no gabinete do ministro do Interior e foi para ali,
enquanto Salazar lhe marcava a falta...
No fundo, Salazar deve ter ficado satisfeito na sua timidez em não receber aquele
agitador incómodo. Mas talvez a Nação tenha perdido com esse desencontro.
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