Negociações das Nações Unidas sobre Financiamento para o Desenvolvimento: Que resultados deverão ser alcançados em Adis Abeba, em 2015? Este documento é uma iniciativa do African Forum and Network on Debt and Development (AFRODAD) www.afrodad.org European Network on Debt and Development (EURODAD) www.eurodad.org Jubilee South - Asia Pacific Movement on Debt and Development1 (JSAPMDD) www.apmdd.org Latin American Network on Debt, Development and Rights (LATINDADD) www.latindadd.org Third World Network (TWN) www.twn.my Este documento foi escrito pelas redes da sociedade civil listadas acima, com a colaboração e comentários de muitas outras organizações da sociedade civil. Foi endossado por 142 organizações da sociedade civil (lista no final do documento). Endossos posteriores poderão ser enviados para Hernán Cortés ([email protected]). A tradução para português é da responsabilidade da Plataforma Portuguesa das ONGD. 1 A JSAPMDD endossou a maior parte das recomendações deste relatório. 1 CONTEÚDOS Acrónimos ………………………………………………………………………………………………………….………………….. 3 Sumário Executivo …………………………………………………………………………………………………..……..………. 4 Introdução ………………………………………………………………………………………………………………..……………. 9 1. Mobilização de recursos financeiros internos …………………………………………………….….…….…… 10 2. Investimento directo estrangeiro e outros fluxos privados internacionais …………………...…… 14 3. Comércio Internacional …………………………………………………………………………..….…………….…….… 19 4. Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e outros apoios públicos internacionais ao desenvolvimento …………………………………………………………………………………..………………….……….…. 23 5. Dívida externa ……………………………………………………………………………………………….…………………. 27 6. Questões sistémicas: governação global eficaz e inclusiva e reforma do sistema monetário.30 7. Outros assuntos importantes ……………………………………………………………………………………………. 34 Organizações subscritoras ……………………………………………………………………………………………………. 37 2 ACRÓNIMOS ADPIRC – Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas ALC - Acordos de Livre Comércio APD – Ajuda Pública ao Desenvolvimento CAD – Comité de Apoio ao Desenvolvimento COP – Conferência das Partes COP UNFCCC – Conference of the Parties (COP) on United Nations Framework Convention on Climate Change [Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas] DSE – Direitos de Saque Especiais ECOSOC – Conselho Económico e Social das Nações Unidas FCD – Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento FfD – Financing for Development [Financiamento para o Desenvolvimento] FMI – Fundo Monetário Internacional FSB – Financial Stability Board GAI – Grupo de Avaliação Independente do Banco Mundial IDE – Investimento Directo Estrangeiro IFD – Instituições Financeiras de Desenvolvimento IFI – Instituições Financeiras Internacionais ISDS – Investor-State Dispute Settlement [Resolução de Conflitos entre Investidor e Estado] MPME – Micro, Pequenas e Médias Empresas OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ODS - Objectivos de Desenvolvimento Sustentável OSC – Organizações da Sociedade Civil PNUA – Programa das Nações Unidas para o Ambiente PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPP – Parcerias Público-Privadas RNB – Rendimento Nacional Bruto UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development [Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento] UNDESA – United Nations Department of Economic and Social Affairs [Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas] 3 SUMÁRIO EXECUTIVO O ano de 2015 será marcante para a luta global contra a pobreza e para um desenvolvimento mais equitativo e sustentável, com três cimeiras cruciais a acontecer num período de apenas 6 meses. Uma questão transversal a estas três cimeiras tem a ver com propostas concretas para a reforma dos sistemas financeiro e comercial internacionais de modo a que estes contribuam para os objectivos globais de desenvolvimento sustentável. Estas reformas devem basear-se no direito ao desenvolvimento para todos os países, assegurando os direitos económicos e sociais a todas as pessoas. Há fundos disponíveis que são suficientes para alcançar os direitos humanos para todos, eliminar a pobreza e alcançar os objectivos globais de desenvolvimento sustentável, mas para que isto seja possível é necessário tomar decisões políticas que alterem estruturas e sistemas. A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD, na sigla em inglês), que irá ter lugar em Adis Abeba em Julho de 2015, terá um papel crucial no que diz respeito a estas questões. Este documento sintetiza a nossas recomendações para que ocorram mudanças concretas na Cimeira de Adis Abeba, ao abrigo das seis rubricas do Consenso de Monterrey, com um sétimo capítulo sobre outras questões importantes: 1. Mobilização de recursos financeiros internos Uma cooperação verdadeiramente global é fundamental para resolver o problema dos fluxos financeiros ilícitos e para combater eficazmente a evasão e a fraude fiscais. A inexistência de uma agenda comum para a cooperação internacional em matéria fiscal está a custar aos governos grandes quantidades de recursos, que poderiam ser alocados ao desenvolvimento sustentável. As normas fiscais actuais a nível global estão a ser discutidas à porta fechada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), impedindo que 80% dos países tenham acesso aos processos de tomada de decisão a este respeito. As nossas recomendações-chave são: Estabelecer um novo órgão intergovernamental sobre a cooperação internacional em matéria fiscal e fornecer os recursos necessários que permitam que este órgão opere eficazmente; Assegurar um mandato abrangente para o novo órgão fiscal intergovernamental, incluindo a erosão de base tributável e transferência de resultados, tratados fiscais e de investimento, incentivos fiscais, tributação das indústrias extractivas, transparência quanto aos beneficiários efectivos, sistemas de informação país por país e partilha automática de informações para fins fiscais. 2. Investimento directo estrangeiro e outros fluxos privados internacionais É necessária uma abordagem muito mais equilibrada do financiamento privado internacional, reconhecendo os riscos e a necessidade de os países em desenvolvimento gerirem os fluxos cuidadosamente. Há dois níveis de preocupação diferentes. Por um lado, existem riscos macroeconómicos associados a estes fluxos, tais como a volatilidade dos fluxos financeiros de curto-prazo. Por outro, há preocupações a respeito do conteúdo e dos termos do investimento a longo-prazo, particularmente o Investimento Directo Estrangeiro (IDE). As nossas recomendações são as seguintes: 4 Reconhecer a regulamentação da conta de capitais como ferramenta política fundamental para todos os países e remover quaisquer obstáculos a estas políticas importantes de todos os acordos de comércio e investimento; Apontar claramente quais são os problemas mais significativos relacionados com o uso das instituições públicas e dos recursos na alavancagem do financiamento privado internacional. 3. Comércio Internacional A política comercial deve permitir que os países em desenvolvimento tenham espaço político, incluindo a capacidade de centrarem a sua atenção nos impactos do desemprego, nas pessoas mais vulneráveis, na igualdade de género e no desenvolvimento sustentável. Não deve promover a liberalização como um fim em si mesmo. O comércio internacional desempenha um papel de relevo no desenvolvimento e as políticas comerciais são uma ferramenta importante que os países em desenvolvimento podem utilizar no apoio ao crescimento de indústrias nacionais com um maior valor acrescentado e não apenas como produtores de produtos de base. Contudo, o regime de comércio actual tem levado os países em desenvolvimento a abrirem os seus mercados, não só através da Organização Mundial de Comércio (OMC) como de tratados comerciais e de investimento regionais e bilaterais, reduzindo assim o espaço político que têm para dar resposta às suas necessidades de desenvolvimento e contribuindo pouco para inverter as políticas de distorção comercial levadas a cabo pelos países ricos. Recomendamos: Uma revisão abrangente de todos os acordos comerciais e dos tratados de investimento, de modo a identificar todas as áreas que possam limitar a capacidade de os países em desenvolvimento prevenirem e gerirem crises, regular os fluxos de capitais, proteger o direito ao sustento e a um emprego decente, reforçar a tributação justa, prestar serviços públicos essenciais e assegurar o desenvolvimento sustentável; Uma revisão de todos os regimes de direitos de propriedade intelectual que foram introduzidos nos países em desenvolvimento através dos Acordos de Livre Comércio (ALC), identificando os impactos adversos na saúde pública, no ambiente e no desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas. 4. Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e outros apoios públicos internacionais ao desenvolvimento São necessários compromissos reforçados para melhorar a qualidade e a quantidade da APD, com mecanismos de acompanhamento mais firmes, e também novas e adicionais fontes de financiamento público. A APD continua a ser um recurso fundamental, nomeadamente para os países mais pobres, mas o seu valor tem vindo a ser severamente prejudicado pelo incumprimento, por parte dos países ricos, da meta das Nações Unidas que previa que 0.7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) destes países fosse direccionado para a APD e pela falta de progresso ao nível dos compromissos assumidos em Paris/Acra/Busan sobre a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, no sentido de pôr fim às más práticas que prejudicam gravemente a qualidade da APD. Meios de financiamento público inovadores podem vir a fornecer recursos adicionais muito necessários. As nossas recomendações-chave são: 5 Estabelecer calendários vinculativos para alcançar o compromisso dos 0.7% do RNB enquanto APD; Assegurar que a APD representa uma transferência genuína de ajuda ao desenvolvimento, pondo fim à ajuda ligada, removendo os custos reportados nos países financiadores e associados ao alívio da dívida, proporcionando a maioria na forma de subsídios e reformando os empréstimos concessionais ao reflectir os custos reais dos empréstimos aos países parceiros; Implementar uma taxa sobre as transacções financeiras efectuadas por empresas financeiras e utilizar as receitas daí derivadas para financiar o desenvolvimento sustentável. 5. Dívida externa A recente Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU)2 que mandata o “estabelecimento de um enquadramento legal multilateral para a reestruturação dos processos de dívida soberana” é uma oportunidade de extrema importância – e que não deve ser desperdiçada – para pôr em prática mecanismos internacionais eficazes de modo a prevenir e a resolver crises futuras. As crises da dívida ameaçam anular os progressos globais que foram alcançados a nível do desenvolvimento ao longo de décadas. Mesmo em países que não sofreram nenhuma crise da dívida grave, o serviço da dívida compete com os gastos em desenvolvimento por recursos públicos limitados. Apesar das promessas feitas em Monterrey, em 2002, a arquitectura da prevenção e gestão das crises da dívida não foi desenvolvida. A resposta às crises da dívida continua a ser feita tardiamente e de forma muito lenta. As nossas recomendações-chave são: Reafirmar o compromisso de se chegar a um acordo quanto a um enquadramento legal multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana num fórum neutro e assegurar que este é abrangente e baseado numa abordagem das necessidades humanas, fazendo com que credores e devedores prestem contas em caso de comportamentos irresponsáveis e oferecendo a todas as partes interessadas o direito a serem ouvidas; De modo a escrutinar a existência de dívida de acordo com padrões de financiamento responsáveis, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, devem ser realizadas auditorias da dívida, com compromissos de cancelamento da dívida no caso de esta ser considera ilegítima. 6. Questões sistémicas: governação global eficaz e inclusiva e reforma do sistema monetário O sistema de governação global da economia precisa urgentemente de uma revisão que permita facultar aos países em desenvolvimento um lugar justo e equitativo na mesa da tomada de decisões em todas as organizações internacionais e instituições financeiras, reforçar a transparência e a prestação de contas e dar resposta a problemas-chave internacionais, respeitando simultaneamente o espaço político dos países em desenvolvimento. Se a mudança do G8 para o G20, enquanto cerne das discussões económicas globais, representou uma alteração na dinâmica do poder, o G20 está a demonstrar-se desadequado e ineficaz ao nível da coordenação global, ao passo que os órgãos legítimos das 2 Resolução da AGNU A/RES/68/304 (2014). 6 Nações Unidas não estão mandatados nem têm recursos para assumir uma coordenação eficaz nesta área. O sistema monetário internacional está construído com base num papel insustentável do dólar americano, que precisa de ser gradualmente substituído enquanto moeda de reserva mundial mas que, simultaneamente, confere estabilidade adicional ao sistema ao aumentar os activos de reserva disponíveis para os países em desenvolvimento. Recomendamos: A preparação de um processo que estabeleça um Conselho de Coordenação Económica Global ao nível das Nações Unidas (Global Economic Coordination Council), que deverá assumir a liderança no que respeita às questões económicas; A emissão anual de 250 mil milhões de dólares em novos Direitos de Saque Especiais (DSE), a maioria deles direccionados para os países em desenvolvimento. 7. Outros assuntos importantes Destacamos quatro questões que nos parecem merecer particular atenção: As Nações Unidas devem considerar seriamente a necessidade de abordagens mais adequadas para medir os progressos que vão para além dos indicadores económicos de curto-prazo, tais como o Rendimento Nacional Bruto (RNB), incluindo medidas de bem-estar social e ambiental e enfatizando quão significantes as desigualdades, nomeadamente as de género, podem ser; Ao desenvolverem uma iniciativa sobre padrões de financiamento responsáveis, as Nações Unidas podem reunir e reforçar as várias iniciativas e propostas já existentes e ajudar a assegurar que os padrões são devidamente implementados; Dado o crescente reconhecimento de que todas as formas de financiamento para o desenvolvimento apresentam ameaças e oportunidades específicas para os direitos das mulheres, esta agenda vital deve ser integrada no FfD; As Nações Unidas devem avançar com a agenda para a reforma da regulamentação financeira e do sector financeiro, iniciada na conferência da AGNU de 2009. O texto acima é um resumo das principais recomendações que são elencadas em detalhe de seguida, com dados que demonstram por que razão estas e outras questões devem estar no centro da conferência sobre FfD que decorrerá em Adis Abeba, em Julho de 2015. 7 INTRODUÇÃO O ano de 2015 será marcante na luta global contra a pobreza e para o desenvolvimento equitativo e sustentável, com três cimeiras cruciais a decorrer no espaço de apenas seis meses. A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre FfD, que decorrerá em Adis Abeba, em Julho, será seguida pela Cimeira das Nações Unidas para a adopção da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 em Nova Iorque, em Setembro, e pela Conferência das Partes (COP) da ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, em Dezembro, em Paris. Uma questão transversal a estas três cimeiras é a apresentação de propostas concretas para a reforma dos sistemas internacionais de comércio e financeiro de modo a que contribuam para alcançar os objectivos globais de desenvolvimento sustentável. Estas reformas devem basearse no direito ao desenvolvimento para todos os países e assegurar os direitos económicos e sociais para todos. A Conferência sobre FfD em Adis Abeba vai ter um papel fundamental no que diz respeito a estas questões. A Conferência de Julho de 2015 é o seguimento da primeira Conferência sobre FfD3 que teve lugar em Monterrey, no México, em 2002. O resultado – o Consenso de Monterrey – introduziu seis capítulos ou “acções destinadas” ao FfD que estiveram no centro da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável e que formam a estrutura deste documento. A Segunda Conferência sobre FfD teve lugar em Doha4, em 2008, e acrescentou um capítulo sobre novos desafios e questões emergentes, abordando os impactos da crise financeira e das alterações climáticas, entre outros. Em 2009, a AGNU realizou, em Nova Iorque, uma Conferência sobre a Crise Económica e Financeira Mundial e os seus Impactos no Desenvolvimento, tendo sido a única conferência global a dar resposta aos impactos da crise financeira global nos países em desenvolvimento, estabelecendo um importante plano para combater as falhas sistémicas que fizeram vergar o sistema financeiro global. O processo rumo à terceira Conferência sobre FfD foi precedido por relatórios do Grupo de Trabalho Aberto sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (Open Working Group on Sustainable Development Goals)5, do Comité Intergovernamental de Especialistas em Desenvolvimento Financeiro Sustentável (Intergovernmental Committee of Experts on Sustainable Development Finance – ICESDF)6, e o Relatório Síntese do Secretário Geral das Nações Unidas, os quais forneceram informações relevantes de base e sobre o contexto. As questões abordadas em Monterrey, Doha e Nova Iorque continuam a revestir-se de uma enorme importância e o desafio para Adis Abeba é definir um plano de acção concreto que dê resposta a questões sistémicas e estruturais e que assegure a disponibilidade de recursos para financiar o desenvolvimento sustentável. Este documento apresenta as nossas propostas para compromissos concretos que consideramos que os governos devem assumir em Adis Abeba. O documento contém recomendações e questões fundamentais, incluindo os compromissos consagrados nos seis “capítulos de Monterrey” e um capítulo sete final sobre novos assuntos: 1. Mobilização de recursos financeiros internos; 2. Investimento directo estrangeiro e outros fluxos privados internacionais; 3 ONU. (2003). Consenso de Monterrey sobre Financiamento para o Desenvolvimento. ONU. (2009). Declaração de Doha sobre Financiamento para o Desenvolvimento 5 ONU. (2014). Relatório do Grupo de Trabalho Aberto sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável instituído em conformidade e com a Resolução da Assembleia Geral 66/288. 6 ONU. (2014). Relatório do Comité Intergovernamental de Especialistas em Desenvolvimento Financeiro Sustentável. 4 8 3. Comércio Internacional; 4. Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e outros apoios públicos internacionais ao desenvolvimento; 5. Dívida externa; 6. Questões sistémicas: governação global eficaz e inclusiva e reforma do sistema monetário; 7. Outros assuntos importantes: questões que devem ser introduzidas e os processos de acompanhamento que devem ser acordados, incluindo a medição do desenvolvimento sustentável para além do RNB; padrões de financiamento responsável, reforma do sector financeiro e integração dos direitos das mulheres. 9 1. MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS INTERNOS Recomendações Uma cooperação verdadeiramente global é fundamental para resolver o problema dos fluxos financeiros ilícitos e para combater eficazmente a evasão e a fraude fiscais. As nossas recomendações-chave são: Estabelecer um novo órgão intergovernamental no seio das Nações Unidas sobre a cooperação internacional em matéria fiscal e fornecer os recursos necessários que permitam que este órgão opere eficazmente. Uma tarefa central deste órgão será desenvolver um novo instrumento multilateral que reforce a cooperação internacional em matéria fiscal. O comité de peritos que actualmente existe pode ser mantido enquanto órgão subsidiário que fornece assessoria técnica às negociações intergovernamentais; O mandato para o novo órgão fiscal intergovernamental deve incluir trabalho sobre a erosão de base tributável e a transferência de resultados, tratados fiscais e de investimento, incentivos fiscais, tributação das indústrias extractivas, transparência quanto aos beneficiários, sistemas de informação país por país, partilha automática de informações para fins fiscais, alternativas à abordagem da “independência das sociedades” e minimização dos efeitos de contaminação das políticas fiscais. Questões fundamentais Um dos principais obstáculos à mobilização de recursos internos nos países em desenvolvimento corresponde à quantidade de financiamentos que saem desses países sem serem taxados, não contribuindo, dessa forma, para os orçamentos dos governos direccionados ao financiamento de serviços públicos essenciais, tais como cuidados de saúde ou educação. A globalização e as regras fiscais globais desactualizadas tornaram possível que as empresas transnacionais evitassem e fugissem à tributação fiscal em grande escala. Os dados demonstram que os países em desenvolvimento estão a perder mais recursos devido à fraude fiscal das empresas do que aqueles que recebem por via da Ajuda Pública ao Desenvolvimento7. A falta de uma agenda comum para a cooperação internacional em matéria fiscal está a custar, a todos os governos, avultados recursos que poderiam ter sido alocados ao desenvolvimento sustentável. No entanto, num estudo recente 8 sobre as repercussões na tributação do rendimento das empresas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) sublinhou que: “O efeito de contaminação de base (spillover base effect) é maior nos países em desenvolvimento. Comparados com os países da OCDE, o efeito de contaminação de base de outras taxas de juro é duas a três vezes maior e estatisticamente mais significativo. A aparente perda de receitas decorrente do efeito de contaminação, relativa a uma referência semelhante à tributação na fonte, é também maior para os países em desenvolvimento”. Uma parte substancial do trabalho internacional sobre questões tributárias está actualmente a decorrer no âmbito do G20 e da OCDE. Isto inclui o processo sobre troca automática de 7 8 Christian Aid. (2008). Death and taxes. FMI. (2014). Spillovers in International Corporate Taxation. 10 informação tributária, que ambiciona assegurar a cooperação das autoridades tributárias no sentido de evitar a evasão fiscal, e o processo sobre a erosão de base tributável e a transferência de resultados, que se prevê combater a fraude e a evasão fiscais por parte de empresas transnacionais. Ambos os processos incluíram “consultas” aos países em desenvolvimento que não fazem parte do G20, mas as actuais negociações intergovernamentais e a tomada de decisão estão a decorrer à porta fechada e sem a realização de um processo de consulta aos países em desenvolvimento. Por isso, e uma vez mais, 80% dos países do mundo não estão a ser incluídos nos processos de tomada de decisão. A própria OCDE já admitiu que o seu trabalho relativamente à questão da erosão de base tributável e à transferência de resultados não dá resposta a algumas das maiores preocupações dos países em desenvolvimento9. A promessa feita em Monterrey de “reforçar a cooperação fiscal internacional… dando particular atenção às necessidades dos países em desenvolvimento e dos países com economias em transacção” não tem sido cumprida. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, na sigla em inglês) também referiu que: “uma vez que estas iniciativas são maioritariamente lideradas pelas economias desenvolvidas – algumas das quais com jurisdições opacas e empresas transnacionais poderosas – corre-se o risco de o debate não tomar em consideração todas as necessidades e os pontos de vista da maioria das economias em desenvolvimento e em transição. Será importante, por isso, atribuir um papel mais importante a instituições como o Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal e considerar a adopção de uma convenção internacional contra a evasão e a fraude fiscais. É essencial adoptar-se uma abordagem multilateral porque, caso apenas algumas jurisdições aceitem prevenir fluxos ilícitos de capitais e perdas fiscais, estas práticas vão simplesmente transferir-se para outros locais não-cooperativos”10. O trabalho das Nações Unidas sobre questões relacionadas com impostos tem sido sobretudo realizado ao nível do Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal. Não obstante o Comité fornecer aconselhamento e recomendações de valor, ele é, por natureza, um comité de peritos – e não um comité intergovernamental – pelo que não tem capacidade para liderar negociações intergovernamentais. O acordo de Doha sobre o FfD solicitou ao Conselho Económico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) que “examinasse o reforço dos acordos institucionais, incluindo o Comité de Peritos das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal”. Contudo, o trabalho do Comité continua a sofrer constrangimentos severos devido à falta de recursos. No seu relatório de 201411, a Relatora Especial das Nações Unidas para a Pobreza Extrema e os Direitos Humanos recomendou que os Estados façam uma actualização do Comité para um “estatuto intergovernamental”. O reconhecimento da necessidade de envolver os países em desenvolvimento na criação de normas fiscais globais remonta há já bastante tempo. Por exemplo, o “Painel Zedillo”12 recomendou, em 2001, que fosse estabelecida uma “Organização Internacional de Impostos”. O G77 também tem vindo a propor repetidamente 13 que o Comité de Peritos das Nações Unidas se transforme num órgão internacional, mais recentemente no 9 OCDE. (2014). Parte 1 do Report to G20 Development Working Group on the Impact of BEPS in low income. Julho de 2014. 10 UNCTAD. (2014). UNCTAD Trade and Development Report 2014. 11 http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/HRC/RegularSessions/Session26/Documents/A_HRC_26_28_ENG.doc 12 http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/55/1000 13 http://www.un.org/esa/ffd/tax/2014ITCM/StatementG77China.pdf 11 evento especial do ECOSOC14 sobre questões fiscais, em Junho de 2014. Num comunicado de imprensa de Outubro de 2014, os ministros das finanças da República Democrática (RD) do Congo e dos Camarões afirmaram que “as consultas por parte do FMI e da OCDE podem não ser suficientes: [os países de baixo rendimento] precisam de ter assento igual na mesa das negociações, o qual seria disponibilizado de uma melhor forma através de uma reunião de alto nível sob os auspícios das Nações Unidas, como parte da conferência sobre FfD, em Julho de 2015”. Para além de assegurar que os interesses dos países em desenvolvimento estão incluídos no desenvolvimento das novas normas fiscais globais, é também necessário um órgão intergovernamental das Nações Unidas que trate das questões tributárias, coordenando a revisão das normas já existentes a nível global e nacional. Como os ministros das finanças da RD Congo e dos Camarões referiram: O sistema tributário global tem favorecido o pagamento de impostos nos países que acolhem as sedes das grandes empresas transnacionais, mais do que nos países onde as matérias-primas são produzidas. Os tratados fiscais e de investimento internacionais têm de ser revistos de modo a dar preferência ao pagamento dos impostos nos “países-fonte”. [Os países de baixo rendimento] precisam de ajuda para rever os seus códigos fiscais de modo a eliminarem isenções, renegociarem acordos bilaterais a nível fiscal e de investimento, resistirem à “’corrida para o fundo’ (race to the bottom) através de uma concorrência nefasta para reduzir impostos directos. Por isso, e com mais de uma década de atraso, é tempo de os governos estabelecerem um órgão para uma verdadeira cooperação em matéria fiscal, sob os auspícios das Nações Unidas. A comunidade internacional deve também reconhecer que, a nível nacional, os sistemas fiscais equitativos e progressivos são fundamentais para alcançar recursos internos adequados a financiar a prestação de serviços públicos. Apesar de haver cada vez mais dados que comprovam que políticas fiscais justas são um factor-chave no combate à pobreza e às desigualdades15, agências internacionais como o FMI e o Banco Mundial só agora começaram a reconhecer que políticas fiscais justas e equitativas se revestem de uma importância crítica no combate à pobreza16, tendo sido criticadas por não actuar devidamente em termos de um aconselhamento concreto na formulação das políticas17. Será importante que o FMI e o Banco Mundial levem a cabo uma avaliação independente do aconselhamento político que prestam, especialmente à luz do relatório recentemente publicado por uma equipa do FMI sobre os efeitos de contaminação da tributação das empresas internacionais18. Como parte do esforço internacional de combate à evasão e à fraude fiscais, os governos devem também aumentar a transparência empresarial. Isto deve incluir a implementação efectiva de um sistema de informação país por país obrigando as empresas multinacionais a revelarem publicamente, e como parte dos seus relatórios anuais para cada país em que operam, dados-chave sobre os lucros obtidos, os impostos pagos, os subsídios recebidos, o volume de negócios e o número de empregados. Apenas através da disponibilização pública 14 http://www.un.org/esa/ffd/tax/2014ITCM/index.htm CESR; Christian Aid. (2014). A Post-2015 Fiscal Revolution. 16 http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2014/POL031314A.htm 17 ActionAid; Eurodad. (2011). Approaches and Impacts. IFI Tax policy in developing countries. 18 FMI. (2014). Spillovers in International Corporate Taxation. 15 12 desta informação será possível avaliar se as empresas transnacionais estão efectivamente a pagar a sua justa parte dos impostos e se esses estão a ser pagos nos países onde as actividades económicas têm lugar e onde é criado valor acrescentado. Por fim, os governos devem estabelecer um verdadeiro sistema global para uma troca automática de informação sobre questões fiscais. Um sistema deste género deve ser elaborado de forma a permitir uma participação significativa dos países em desenvolvimento, aos quais deveria ser permitido o acesso automático a informação mesmo que não tenham ainda a capacidade de enviar o mesmo tipo de informação de volta. 13 2. INVESTIMENTO DIRECTO ESTRANGEIRO E OUTROS FLUXOS PRIVADOS INTERNACIONAIS Recomendações A Conferência em Adis Abeba pode apoiar a adopção de uma abordagem equilibrada para o financiamento privado internacional, reconhecendo a necessidade que os países em desenvolvimento têm de gerir cuidadosamente os fluxos. As nossas recomendações-chave são: Reconhecer a regulamentação da conta de capital como uma ferramenta política fundamental para todos os países, em particular para os países em desenvolvimento, que são os que mais sofrem com os efeitos de contaminação globais, incluindo fluxos de capital de curto-prazo voláteis, com o compromisso de remover de todos os acordos de comércio e investimento, incluindo na OMC, quaisquer constrangimentos a estas importantes políticas; Apontar claramente quais são os problemas mais significativos associados ao uso das instituições e dos recursos públicos na alavancagem do financiamento privado internacional, incluindo a falta de clareza sobre a complementaridade, a finalidade e o impacto no desenvolvimento, a influência limitada das partes interessadas dos países em desenvolvimento e as diminuídas transparência e prestação de contas. Questões fundamentais Os fluxos de capitais privados internacionais, nomeadamente o Investimento Directo Estrangeiro (IDE), podem ajudar a fomentar o crescimento económico sustentável, mas podem também trazer vários riscos associados que têm de ser geridos cuidadosamente. Estes fluxos têm o potencial de criar empregos decentes, facilitar a transferência de tecnologia e gerar recursos internos através do pagamento da justa parte dos impostos por parte de empresas e indivíduos. No entanto, uma má gestão destes fluxos privados pode propiciar um aumento das desigualdades e ter um impacto adverso na vida das pessoas mais pobres e vulneráveis e no meio ambiente, podendo aumentar os riscos para os países em desenvolvimento. Há duas categorias diferentes de preocupações: por um lado, existem riscos macroeconómicos associados a estes fluxos, tais como a volatilidade dos fluxos financeiros de curto-prazo; por outro, há preocupações quanto ao conteúdo e aos termos do investimento de longo-prazo, especialmente do IDE. Monterrey sublinhou as necessidades de as empresas “tomarem em consideração não apenas as implicações económicas e financeiras das suas actividades, como também aquelas ao nível do desenvolvimento, do género e do ambiente”. Os fluxos financeiros transfronteiriços privados de curto-prazo, nomeadamente a carteira de investimentos, podem ser extremamente voláteis com oscilações abruptas ao nível do investimento e às saídas massivas de capital que ocorrem durante as crises. Estas são também conhecidas como saídas de “dinheiro quente” (hot money outflows), podendo despoletar crises severas nos mercados cambiais e no sector financeiro e vir a ter impactos prejudiciais e geralmente de longo-prazo na economia real. Este tipo de saída de emergência (panic exit) de capitais desencadeou a crise financeira asiática de 1997-1998, dando início a uma repentina desvalorização da moeda que desestabilizou economias nacionais por completo, tendo sido um importante mecanismo para a transmissão para os países em desenvolvimento da crise financeira global. Sem uma regulamentação financeira mais forte por parte dos governos, é provável que fluxos financeiros privados, voláteis e de curto-prazo, “voltem” a provocar uma 14 próxima crise. Monterrey ressalvou o seguinte: “Medidas que mitiguem o impacto de uma volatilidade excessiva dos fluxos de capital de curto-prazo são importantes e devem ser consideradas”. Os recentes sinais de que o FMI19 está limitadamente disponível para diminuir a sua oposição à regulamentação de contas de capital são bem-vindos e o acompanhamento da posição firme adoptada em Doha quanto ao facto de “não ser negado aos países em desenvolvimento o direito a (…) impor restrições de capital temporárias e procurar negociar acordos sobre congelamentos temporários da dívida entre credores e devedores”. Contudo, dada a escala dos riscos, é necessário adoptar urgentemente uma agenda mais pró-activa. Vai ser determinante reconhecer que a regulamentação de contas de capital é uma ferramenta política fundamental que deve fazer parte do conjunto de ferramentas para todos os países que procuram prevenir crises causadas pelas entradas e saídas de “dinheiro quente”, nomeadamente para os países em desenvolvimento mais afectados. Relativamente ao IDE e a outros financiamentos de longo-prazo, um recente estudo do Parlamento Europeu20 identificou as seguintes limitações: O IDE dificilmente chega a países de baixo rendimento, com excepção dos maiores exportadores de recursos naturais. Isto pode ser altamente problemático, visto que o sector extractivo de recursos tem um potencial reduzido de criação de empregos decentes, pode ter grandes impactos sociais, ambientais e ao nível dos direitos humanos e pode aumentar os problemas de gestão macroeconómicos; Tem vindo a ser difícil direccionar o IDE para micro, pequenas e médias empresas (MPME), as quais são responsáveis pela criação do maior número de postos de trabalho e do RNB nos países em desenvolvimento; A propensão natural para a obtenção de lucros que caracteriza o IDE significa que ele não pode dar resposta a várias questões-chave, incluindo uma maior provisão de serviços públicos, vital para o crescimento do sector privado; O IDE é frequentemente associado a significativas saídas de recursos, através do repatriamento dos lucros, estimado em 90% do valor das entradas de IDE em 201121. Além disso, tal como vimos no Capítulo 1, os fluxos financeiros ilícitos associados a uma avaliação incorrecta das operações comerciais (trade mispricing) e a outros tipos de tácticas de evasão fiscal contribuem para um esgotamento massivo dos recursos internos nos países em desenvolvimento. Ademais, os investidores externos colocam frequentemente pressão sobre os governos nacionais para introduzirem condições favoráveis, tais como isenções fiscais ou uma regulamentação laboral, social e ambiental menos restritiva, que podem ter impactos negativos tanto directamente como através da criação de um campo de acção injusto face ao sector privado nacional. Por fim, os números sobreavaliam claramente a quantidade líquida dos fluxos financeiros privados que entram nos países em desenvolvimento. Por exemplo, de 19 http://www.imf.org/external/pp/longres.aspx?id=4720 Griffiths, J., Martin, M., Pereira, J., Strawson, T. (2014). Financing for Development Post-2015: improving the contribution of private finance. União Europeia. 21 Development Initiatives. (2013). Investments to end poverty. 20 15 acordo com a UNCTAD22, as transacções ou posições que envolvem as Entidades com um Fim Específico (Special Purpose Entities) são consideráveis, embora não representem normalmente fluxos de investimento genuínos, podendo conduzir a uma interpretação incorrecta dos dados relativos ao IDE. Por isso, a questão fundamental tem a ver com a qualidade e a contribuição para o desenvolvimento dos fluxos privados, as quais acabam por ser mais valorizadas do que a sua quantidade. Doha referiu que “o impacto do investimento directo estrangeiro no desenvolvimento deve ser maximizado” e sublinhou a necessidade de estabelecer a ligação entre IDE e melhorias concretas nas economias nacionais, nomeadamente “através da promoção da transferência de tecnologia e da criação de oportunidades de formação para a força de trabalho local, incluindo mulheres e jovens”. Uma abordagem importante terá a ver com o desenvolvimento de um conjunto de princípios para o investimento responsável em prol do desenvolvimento sustentável, tal como enunciado no Capítulo 7. Infelizmente, em vez de se centrar na forma de gestão dos custos e dos benefícios associados ao investimento directo estrangeiro e a outros fluxos financeiros privados a nível nacional23, a maioria dos debates desde Doha tem-se focado na questão de como usar os financiamentos e as garantias públicas no processo de alavancagem do financiamento privado. Isto inclui uma mistura com a APD, tal como discutido no Capítulo 4. Ao fazerem isso, os bancos de desenvolvimento multilaterais e as instituições financeiras de desenvolvimento (IFD) tornaram-se alguns dos principais actores no panorama actual do desenvolvimento. Relatórios recentes24 sublinharam os problemas sérios associados a esta agenda comandada pelas IFD: Problemas em produzir resultados mensuráveis a nível do desenvolvimento, com dificuldades em delinear programas que funcionem com MPME em países de rendimento baixo; Êxito limitado na geração de investimento “adicional”, com avaliações externas a demonstrarem que muitos dos investimentos que beneficiam de apoio dos Estados substituem ou suplantam verdadeiros investimentos do sector privado; A maioria das IFD recorre a centros financeiros offshore para canalizar os seus fundos, o que dá luz verde para a sua utilização, ajudando assim a legitimar o uso potencialmente nefasto de jurisdições deste tipo25; Fraca apropriação por parte dos países em desenvolvimento – governos, parlamentos e partes interessadas locais – no que concerne às instituições e aos programas das 22 UNCTAD World Investment Report 2014, que sublinha a dificuldade no acesso a dados para avaliar o IDE por via das entidades com um fim específico. O relatório salienta que é necessária uma maior recolha de dados. Disponível em http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2014_en.pdf. 23 Veja-se, por exemplo, o “conjunto de princípios comuns para investir em entidades com um fim específico” da UNCTAD, presente no seu mais recente World Investment Report. Disponível em http://unctad.org/en/pages/PublicationWebflyer.aspx?publicationid=937. 24 Ver Griffiths, J., Martin, M., Pereira, J., Strawson, T. (2014). Financing for Development Post-2015: improving the contribution of private finance. União Europeia | Romero, M.J., Van de Poel, J. (2014). Private finance for development unravelled. Assessing how Development Finance Institutions work. Eurodad. Bruxelas | Kwakkenbos, J. (2012). Private profit for public good? Eurodad. Bruxelas. 25 Vervynkt, M. (2014). Going Offshore. How development finance institutions support companies using the world’s most secretive financial centres. Eurodad. Bruxelas. 16 IFD. Isto é evidente quando analisamos a estrutura de governação das IFD existentes26 ou os mecanismos de blending da UE27; Problemas significativos ao nível da transparência e da prestação de contas, especialmente quando se canaliza dinheiro através de intermediários financeiros, tais como bancos e fundos privados de investimento; As normas e salvaguardas existentes são insuficientes para proteger os grupos mais vulneráveis e o ambiente, e a implementação das normas actuais tem sido irregular. As parcerias público-privadas (PPP) são, em muitos casos, os mecanismos seleccionados para implementar projectos de infraestruturas, mas existem graves problemas associados a esta abordagem. O enfoque crescente nas enormes necessidades dos países em desenvolvimento no que diz respeito a infraestruturas, actualmente estimado em um bilião (one trillion) de dólares americanos por ano de financiamento adicional, levou a que os doadores multilaterais e bilaterais e os fóruns discutissem propostas para aproveitar o financiamento privado para perfazer o défice estimado, incluindo através da Global Insfrastructure Initiative do G20, da Global Infrastructure Facility (GIF) do Banco Mundial e o Programme for Infrastructure Development in Africa (PIDA). Contudo, há indícios crescentes, incluindo de um relatório recente do Grupo de Avaliação Independente do Banco Mundial (GAI/BM)28, que demonstram que as PPP têm grandes problemas: São um método de financiamento muito caro e têm vindo a aumentar significativamente os custos para o erário público. Isto deve-se, em parte, ao facto de financiadores de capital e outros credores exigirem ter entre 20 e 25% de lucros anuais, mesmo nos projectos mais susceptíveis de obterem financiamentos bancários, e aos custos até um máximo de 10% para obtenção do financiamento29; Com frequência, estes custos não são transparentes nem passíveis de prestação de contas perante auditores, parlamentares ou grupos da sociedade civil. De acordo com o relatório do GAI/BM, as dívidas escondidas por parte de PPP “raramente são quantificáveis na sua totalidade” a nível do projecto e “raramente é dado um aconselhamento sobre como gerir as implicações fiscais das PPP”. As avaliações da sustentabilidade das dívidas não costumam ter em consideração este custo na medida em que são tratadas como transacções extra-orçamentais, encorajando assim de forma perversa os países a recorrerem a PPP de modo a contornarem os limites de dívida acordados; Tendem também a assumir a forma de financiamentos de alto risco. As evidências dos países em desenvolvimento demonstram que entre 25% e 35% dos projectos deste género falham em executar os projectos tal como planeado, devido a derrapagens nos custos, atrasos na implementação ou especificações de trabalho limitadas e à bancarrota ou falhas no reembolso dos financiamentos30. Nos países em 26 Romero, M.J., Van de Poel, J. (2014). Private finance for development unravelled. Assessing how Development Finance Institutions work. Eurodad. Bruxelas. 27 http://www.eurodad.org/Entries/view/1546054/2013/11/07/A-dangerous-blend-The-EU-s-agenda-toblendpublic-development-finance-with-private-finance 28 http://ieg.worldbankgroup.org/evaluations/world-bank-group-support-ppp 29 Ver nota de rodapé 20. 30 Ver nota de rodapé 20. 17 desenvolvimento com uma fraca capacidade de negociação/gestão, as taxas de incumprimento têm sido ainda maiores; Se falharem, as PPP podem acabar por “privatizar os benefícios e, simultaneamente, socializar as perdas” nos casos em que o sector público acaba por ter de socorrer ou salvar o projecto. As PPP devem, por isso, ser abordadas com cuidado e devem apenas ser consideradas se outras opções de financiamento, menos arriscadas e caras, não estiverem disponíveis. Na altura em que se elaboram os projectos, as necessidades de desenvolvimento devem ser explicitamente avaliadas e as preocupações ao nível da equidade devem ser tidas em consideração em termos de acesso equitativo e fácil a serviços e infraestruturas. Aquando da implementação dos projectos em PPP, devem ser incluídos os seguintes elementos-chave: análise exaustiva do custo-benefício; transparência total ao longo de todo o processo; elaboração e implementação cuidadosas; envolvimento das partes interessadas locais; supervisão e regulamentação reforçadas, incluindo a prestação de contas transparente; e fortes mecanismos de monitorização e avaliação. Tendo em conta que os acordos de comércio e investimento podem comprometer a capacidade dos governos de aplicar as regulamentações, é importante assegurar que existem políticas eficazes de regulamentação e salvaguarda para as PPP, garantindo o respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres, e também a protecção e a sustentabilidade ambientais. Por fim, os sistemas de governação e de prestação de contas das parcerias multi-stakeholder nas Nações Unidas devem ser estabelecidos antes de qualquer parceria ser sancionada ou levada a cabo. É necessário haver critérios claros, aplicados ex ante, para determinar se um actor privado está capacitado para uma parceria que vá ao encontro dos objectivos pós-2015. Os Estados-membros das Nações Unidas devem estar, por isso, na vanguarda da formulação de um enquadramento de prestação de contas e de governação baseado em critérios que incluam parcerias de supervisão, regulamentação, avaliação independente por terceiros e monitorização e relato com o sector privado. 18 3. COMÉRCIO INTERNACIONAL Recomendações A política comercial deve permitir que os países em desenvolvimento tenham espaço político – incluindo a capacidade para se concentrarem nos impactos do desemprego, nas pessoas mais vulneráveis, na igualdade de género e no desenvolvimento sustentável – em vez de promover a liberalização como um fim em si mesmo. Recomendamos: Uma revisão abrangente de todos os acordos comerciais e dos tratados de investimento, de modo a identificar as áreas que possam limitar a capacidade de os países em desenvolvimento prevenirem e gerirem crises, regularem os fluxos de capitais, protegerem o direito ao sustento e a um emprego decente, reforçarem a tributação justa, prestarem serviços públicos essenciais e assegurarem o desenvolvimento sustentável; Uma revisão de todos os regimes de direitos de propriedade intelectual que foram introduzidos nos países em desenvolvimento através dos Acordos de Livre Comércio (ALC), identificando os impactos adversos na saúde pública, no ambiente e no desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas. Questões fundamentais O comércio internacional desempenha um papel importante no desenvolvimento e as políticas comerciais são uma ferramenta importante que pode ser utilizada pelos países em desenvolvimento para apoiarem o crescimento das indústrias nacionais com maior valor acrescentado e não apenas enquanto produtores de base. Contudo, o actual regime comercial levou os países em desenvolvimento a abrirem os seus mercados, tanto através da Organização Mundial do Comércio como por via de tratados de comércio e de investimento bilaterais e regionais, reduzindo o seu espaço político para dar resposta às suas necessidades de desenvolvimento, ao mesmo tempo que pouco ou nada faz para corrigir as políticas praticadas pelos países ricos e que têm distorcido o comércio. O ponto fundamental para todos quantos se preocupam com o desenvolvimento sustentável prende-se com o facto de ter de se dar espaço político suficiente aos países em desenvolvimento para que estes determinem se, como e quando querem liberalizar sectores e mercados. A liberalização do comércio não deve agravar o desemprego, prejudicar as pessoas mais vulneráveis, pôr em causa a igualdade de género ou ameaçar o desenvolvimento sustentável ou o ambiente. Apesar de nos centrarmos no investimento enquanto questão fundamental para o FfD, há muitas outras importantes questões relacionadas com as políticas comerciais que não devem ser esquecidas. Monterrey identificou as questões de desenvolvimento que os países em desenvolvimento queriam ver respondidas e elencou algumas: (…) barreiras comerciais, subsídios e outras políticas que distorcem o comércio, nomeadamente nos sectores de particular interesse para as exportações dos países em desenvolvimento, incluindo a agricultura; o abuso de medidas antidumping; barreiras técnicas e medidas sanitárias e fitossanitárias; liberalização do 19 comércio em mão de obra intensiva; comércio de serviços; picos tarifários, tarifas elevadas e escaladas dos direitos aduaneiros, bem como barreiras não pautais; o movimento de pessoas singulares; a falta de reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual para a protecção do conhecimento tradicional e da cultura popular; a transferência de conhecimento e de tecnologia; a implementação e interpretação do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio de uma maneira que apoie a saúde pública; a necessidade de disposições especiais e um tratamento diferenciado para os países em desenvolvimento nos acordos comerciais, para que estes sejam mais precisos, eficazes e operacionais. Contudo, muitas destas questões têm sido marginalizadas, facto que explica por que as negociações da “Ronda de Desenvolvimento” de Doha ainda não estão finalizadas e muitas questões-chave ainda continuam pendentes. Por exemplo, como os Chefes de Estado referiram em Doha, os países desenvolvidos devem ambicionar “o objectivo de conferir um pleno acesso aos mercados, isento do pagamento de direitos, a todos os países em desenvolvimento”. No entanto, isto ainda não é uma realidade. Flexibilizações políticas para proteger a agricultura nos países em desenvolvimento devem ser proporcionais às flexibilizações actuais já disponíveis para os países desenvolvidos. Em particular, os países em desenvolvimento devem poder proteger a sua agricultura utilizando, flexível e eficazmente, o Mecanismo de Salvaguarda Especial. Os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIRC), acrescidos de disposições, como a exclusividade dos dados e a prorrogação do período da patente, têm vindo a empurrar os produtores mais pequenos, a maioria localizada nos países em desenvolvimento, para fora da produção, conduzindo a um aumento dos custos de medicamentos essenciais e cuidados de saúde, agroquímicos (e, consequentemente, dos alimentos), o que prejudica o desenvolvimento e causa danos às pessoas pobres. Mesmo o uso das flexibilidades ADPIRC permitidas pela OMC, no sentido de proteger a saúde pública ou o ambiente, está a ser desafiado e o acesso a tecnologia claramente dificultado pelos direitos de propriedade intelectual exigidos pelo Acordo sobre os ADPIRC. É tempo de se proceder a uma revisão urgente de todos os regimes de propriedade intelectual que foram introduzidos nos países em desenvolvimento através dos Acordos de Livre Comércio, de modo a identificar quaisquer impactos adversos na saúde pública, no ambiente e no desenvolvimento de tecnologia, entre outras áreas. No que concerne às políticas de investimento, o FfD tem conseguido dar passos significativos. Em 2012, existiam a nível global 3.196 tratados de investimento31, muitos deles prejudiciais aos países em desenvolvimento. Há também importantes capítulos consagrados ao investimento a nível dos acordos de livre comércio. Apesar de ser suposto estes tratados e acordos protegerem os investidores estrangeiros e beneficiarem os países receptores, o Banco Mundial e outras [instituições] concluíram que existe uma pequena correlação entre ter um tratado de investimento e um aumento no investimento32. Existe também um número crescente de diferendos relativos a investimentos e “preocupações persistentes a respeito das deficiências sistémicas do regime [de arbitragens de investimento]”33. Em 2012, registou-se o 31 UNCTAD. (2013). World Investment Report 2013: Global Value Chains: Investment and Trade for Development. UNCTAD. Genebra. 32 Ver Banco Mundial. (2003). Do Bilateral Investment Treaties Attract FDI? e Savant and Sachs. (2009). The Effect of Treaties on Foreign Direct Investment. 33 Ibid. 20 número mais elevado de reclamações internacionais apresentadas contra Estados por parte de empresas estrangeiras, 66% das quais contra países em desenvolvimento34. Frequentemente, os tratados padecem de vários problemas que tornam praticamente impossível para os governos dos países em desenvolvimento prever os impactos das negociações, incluindo definições vagas de termos-chave como “investimento” e “tratamento justo e equitativo”35. Na prática, estes tratados e acordos podem dificultar a maximização dos benefícios do IDE por parte dos países em desenvolvimento, ao restringirem, por exemplo, a sua habilidade para requerer uma transferência de tecnologia ou a empregabilidade de mãode-obra local. Podem ainda limitar a capacidade que os governos têm para evitar que o fluxo de “dinheiro quente” venha a desestabilizar as suas economias. É necessário proceder-se a uma revisão abrangente dos tratados existentes de modo a identificar todos os elementos que restrinjam o espaço político de grande valor para os países em desenvolvimento ou que possam ter resultados negativos ao nível do desenvolvimento. Essa revisão deve prever a participação de todas as partes interessadas relevantes, incluindo grupos da sociedade civil. Deve incluir o exame das cláusulas de resolução de conflitos entre Investidor e Estado (ISDS na sigla em inglês) e também a definição de investimento. A cláusula sobre o mecanismo de ISDS nos tratados internacionais de investimento e nos ALC permite às empresas transnacionais processarem os governos em tribunais arbitrais internacionais à porta fechada, reclamando indemnizações exorbitantes. Esta tendência está a paralisar a regulamentação das políticas que apoiem o interesse público a nível mundial. A maioria dos governos dos países em desenvolvimento perde estes casos devido à inexistência de recursos financeiros adequados para defenderem os seus interesses. Mais de metade destes casos está relacionada com recursos naturais36, ameaçando o acesso à terra, a água potável e a ar limpo e impedindo a sustentabilidade e a conservação ambientais. Também acabam por punir desproporcionalmente as mulheres e as crianças, os povos indígenas e as comunidades locais, bem como os mais idosos e os portadores de deficiências. Além disso, os governos deveriam realizar obrigatoriamente avaliações de impacto humano dos acordos de investimento e dos tratados de comércio multilaterais, plurilaterais e bilaterais, especialmente dos acordos entre países no norte global e no sul global, centrando-se particularmente nos direitos ao desenvolvimento e nos direitos específicos à alimentação, à saúde e a um sustento, tomando em consideração o impacto sobre os grupos marginalizados. A OMC (bem como os acordos de comércio bilaterais e plurilaterais e os acordos de investimento) está a afectar negativamente os direitos das pessoas, incluindo o direito destas ao desenvolvimento, ao forçar cortes pautais em sectores-chave como a agricultura, as indústrias nascentes e serviços essenciais; ao permitir regimes injustos de ajuda à agricultura; ao forçar o investimento em recursos naturais e em bens e serviços delicados. Muitos destes acordos também previnem a adição de valor acrescentado aos produtos locais ao banir os encargos à exportação (através dos ALC). Por exemplo, a recusa em conceder um tratamento especial e diferenciado aos países em desenvolvimento e aos países menos desenvolvidos está a ameaçar o seu direito ao desenvolvimento. Neste momento, por exemplo, o facto de a OMC não permitir a concessão de subsídios a pequenos produtores, essenciais ao apoio do 34 Ibid, p. 110. Khor, M. (2013). The emerging crisis of investment treaties. South Centre. Genebra. 36 http://www.thirdworldnetwork.net/finance/articlef.php?ac=st&aid=25 35 21 programa público de distribuição alimentar, está a pôr em causa o direito à alimentação das pessoas na Índia. Como sublinha o South Centre e outros, o resultado da Conferência Ministerial da OMC, que decorreu em Dezembro de 2013, em Bali, foi desequilibrado, com os países desenvolvidos a conseguirem garantir um acordo vinculativo e executório sobre facilitação comercial – a chamada “questão de Singapura” – e os países menos desenvolvidos a alcançarem apenas resultados não-vinculativos. Desde então, os países desenvolvidos têm continuado a pressionar para a inclusão de outras questões de Singapura, nomeadamente a liberalização do investimento, apesar da oposição dos países em desenvolvimento, que continuam a apelar para que a ronda de Doha seja genuinamente centrada no desenvolvimento. Finalmente, a ajuda ao comércio não deveria ser concebida como substituta de um sistema comercial reformado que recentre os seus objectivos no alcance do pleno emprego e do desenvolvimento sustentável. A ajuda ao comércio pode apenas vir a ter sucesso se for incondicional, não geradora de dívida, adicional aos compromissos já existentes e orientada para a construção de capacidades produtivas nos países receptores, em vez de corresponder meramente à implementação de regras de comércio. 22 4. AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO (APD) E OUTROS APOIOS PÚBLICOS INTERNACIONAIS AO DESENVOLVIMENTO Recomendações A Conferência de Adis Abeba sobre FfD apresenta-se como uma oportunidade para reforçar os compromissos em matéria de quantidade e qualidade da APD, para pôr em prática mecanismos de acompanhamento mais firmes e específicos e para impulsionar fontes de financiamento público novas e adicionais. As nossas recomendações são: Os países desenvolvidos devem estabelecer calendários vinculativos através de legislação nacional que lhes permitam alcançar o compromisso por eles assumido de canalizar 0.7% do RNB para a APD, bem como os compromissos para com os países menos avançados, e dentro de cinco anos garantir que estes fluxos confluem para a apropriação democrática, a transparência, a prestação de contas e a inclusão e maximização dos impactos da erradicação da pobreza. O Fundo de Cooperação para o Desenvolvimento (FCD) das Nações Unidas deve ser incumbido das tarefas de revisão, monitorização e reporte destes impactos; Todos os doadores devem assegurar que a APD representa uma transferência genuína de ajuda ao desenvolvimento para os países em desenvolvimento, pondo fim à ajuda ligada, tanto formal como informal, assegurando a complementaridade, removendo da contabilização da APD os custos com estudantes, refugiados e com o alívio da dívida reportados nos países financiadores, garantindo que a maioria da sua ajuda pública ao desenvolvimento assume a forma de subsídios, e reformando os empréstimos concessionais de modo a reflectirem os custos reais dos empréstimos aos países parceiros, incluindo através da dedução dos pagamentos dos juros; A cobrança de uma taxa sobre as transacções financeiras efectuadas por empresas financeiras, mais do que por indivíduos, deve ser implementada sobre activos como acções, obrigações, divisas e seus derivados, e as suas receitas devem ser utilizadas para financiar o desenvolvimento sustentável. Questões fundamentais A APD continua a ser um recurso fundamental, particularmente para os países mais pobres do mundo. Contudo, o seu valor tem vindo a ser severamente enfraquecido devido ao fracasso dos países ricos em cumprirem a meta das Nações Unidas que previa que 0.7% do seu RNB fosse alocado à APD e à ausência de progressos no que concerne aos compromissos assumidos em Paris/Acra/Busan37 sobre a qualidade da ajuda ao desenvolvimento, no sentido de pôr fim a práticas nefastas que abalam significativamente a ajuda pública ao desenvolvimento. Apesar de a APD ter registado um aumento em 2013, após dois anos de declínio, permanece nos 0.3% do RNB dos países-membros do Comité de Apoio ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE38. Este valor é menos de metade da meta dos 0.7% que a maioria dos doadores se comprometeu a alcançar inicialmente até 1985 e novamente até 2015. Enquanto alguns doadores continuam a levar muito a sério esta meta, com 5 países a terem já alcançado os 0.7%, é pouco provável que os doadores aumentem os seus compromissos antes do fim da 37 38 O acordo internacional mais recente é: OCDE. (2011). Busan Partnership for Effective Development Cooperation. Consulte a lista dos membros aqui: http://www.oecd.org/dac/dacmembers.htm 23 meta temporal de 2015. Os países doadores que se comprometeram mas ainda não alcançaram a meta dos 0.7% devem implementar um calendário claro e exequível, caso contrário arriscam-se a pôr em causa a sua credibilidade enquanto prestadores de ajuda ao desenvolvimento. Isto é necessário para recuperar o fracasso em dar seguimento à proposta da conferência de Doha sobre o FfD de “trabalhar em calendários nacionais, até ao final de 2010, para aumentar os níveis da ajuda ao desenvolvimento (…) para que as metas da APD estabelecidas possam ser alcançadas” e para “estabelecer, logo que possível, calendários indicativos provisórios que demonstrem como é que pretendem alcançar os seus objectivos”. O FCD pode desempenhar um papel fundamental se for mandatado para reportar, de forma abrangente e numa base anual, as tendências da APD, inclusivamente as transferências líquidas dos doadores face às metas acordadas. Iremos examinar com maior detalhe o financiamento da luta contra as alterações climáticas no capítulo 7, mas é extremamente importante que outras transferências prometidas para os países em desenvolvimento, tais como esta referente ao financiamento da luta contra as alterações climáticas, sejam adicionais aos compromissos dos 0.7%. A qualidade da APD é igualmente importante mas é prejudicada de forma consistente pelo não cumprimento, por parte da comunidade doadora, dos compromissos em matéria de eficácia da ajuda ao desenvolvimento assumidos numa série de acordos que começaram em Roma, em 2003, e reafirmados em Busan, em 2011. A própria Declaração de Monterrey apela aos doadores para que “tornem a APD mais eficaz” e a conferência de Doha sobre FfD encorajou “todos os doadores a melhorarem a qualidade da ajuda, a incrementarem as abordagens baseadas em programas, a fazerem uso dos sistemas nacionais dos países parceiros para actividades geridas pelo sector público, a reduzirem os custos de transacção e a melhorarem a prestação de contas mútua e a transparência e (…) a desligarem ao máximo a ajuda ao desenvolvimento”. Infelizmente, as promessas de tornar a ajuda ao desenvolvimento mais eficaz, através de um aumento da apropriação pelos países em desenvolvimento, contrastam de forma gritante com a realidade: a APD continua a ser controlada pelos doadores, os quais conservam o poder de tomada de decisão quanto à alocação [da ajuda ao desenvolvimento] por país e frequentemente da alocação sectorial e por projecto. Consequentemente, a apropriação democrática é fraca, o alinhamento com os planos de desenvolvimento nacionais é posto em causa e a previsibilidade permanece reduzida uma vez que os doadores podem sempre alterar as suas prioridades. A alocação por país é distorcida pelas prioridades geoestratégicas, pelos interesses económicos, pelos laços pós-coloniais e por outras prioridades de política externa dos financiadores. Frequentemente, a ajuda ao desenvolvimento não é baseada em regras, direitos ou necessidades. Apenas parte da APD acaba por ser direccionada para ou permanecer nos países em desenvolvimento, como mencionamos abaixo, e os sistemas nacionais não estão a ser amplamente usados: o relatório do Global Partnership Meeting, que decorreu no México em2014, demonstrou que apenas metade da ajuda ao desenvolvimento analisada (aid surveyed) utilizou os sistemas nacionais dos países parceiros39. Os financiadores continuam a estabelecer burocracias paralelas para administrar a APD, facto que pode prejudicar as instituições dos receptores. É necessário pôr em prática sistemas muito melhores para quantificar e monitorizar a ajuda ao desenvolvimento que está a ser efectivamente 39 http://www.eurodad.org/Entries/view/1546202/2014/05/08/The-Global-Partnership-for-EffectiveDevelopmentCooperation-struggles-to-find-relevance 24 colocada ao dispor dos países em desenvolvimento, de modo a permitir-lhes programar de acordo com as suas prioridades, baseadas em medidas desenvolvidas pelos países parceiros. Cada vez mais, os financiadores têm também vindo a distribuir a APD sob a forma de empréstimos40, apesar das normas obsoletas que permitem que empréstimos geradores de lucros sejam contabilizados como APD. Não obstante o aumento dos valores da ajuda ao desenvolvimento em 2013, a maior subida (33%) correspondeu ao uso de instrumentos distintos de subvenções, tais como os empréstimos. Esta tendência está a ocorrer à custa dos países mais pobres, na medida em que os empréstimos são sobretudo dirigidos aos países de rendimento médio, sendo testemunhada por um declínio de 4% na APD destinada aos países da África subsaariana em 2013. O recurso a empréstimos em vez de subvenções irá conduzir a reembolsos no futuro, aumentando o fardo da dívida dos países parceiros. Como demonstra o Capítulo 5, há um consenso crescente quanto à probabilidade de vir a ocorrer uma nova crise da dívida no futuro próximo, associada a um aumento dos níveis da dívida combinado com um crescimento lento. Os doadores devem disponibilizar a sua ajuda financeira primeiramente como subvenções de modo a garantir que não estão a aumentar o fardo da dívida e as vulnerabilidades da dívida dos países em desenvolvimento. Há outras lacunas nas regras de classificação da APD que permitem que os financiadores contabilizem custos realizados em território nacional com estudantes e com refugiados como APD – inflacionando a APD em cerca de 2.7 mil milhões de euros só na UE, em 201241. Muitos doadores continuam a ligar a sua APD à aquisição de bens e serviços de empresas dos países doadores – em vez de os adquirem a empresas locais – aumentando significativamente os custos e excluindo o “dividendo duplo” (efeito duplamente benéfico) da estimulação da economia dos países parceiros, através da compra local. Um estudo do Eurodad42 mostra que a maioria da APD é gasta por via de contratos públicos, comprando bens e serviços a empresas, e que grande parte destes contratos estão informalmente ligados e são ganhos por empresas dos países doadores. Devem ser aumentados os esforços no sentido de travar as práticas da APD informalmente ligadas que de facto excluem os empresários nos países parceiros de ganharem contratos financiados pela APD. A reforma da ligação entre a APD e os contratos públicos, incluindo através do encorajamento proactivo das empresas locais para participarem nos concursos, do estabelecimento de metas sociais e ambientais e de preferências nacionais, deve fazer parte de um compromisso mais abrangente para integrar contratos públicos sustentáveis. Monterrey também sublinhou a necessidade de “os países doadores tomarem medidas para assegurar que os recursos disponibilizados para o alívio da dívida não diminuem os recursos em matéria de APD à disposição dos países em desenvolvimento”: uma promessa que ainda não foi cumprida. Finalmente, há uma tendência crescente para “combinar” a APD com fontes privadas de financiamento, o que suscita preocupações significativas que nunca foram devidamente reconhecidas nem tidas em consideração pelas agências doadoras que estão a conduzir esta 40 Colin, S. (2014). A matter of high interest. Assessing how loans are reported as development aid. Eurodad. Bruxelas. 41 CONCORD. (2013). Aidwatch Report 2013. http://www.concordeurope.org/publications/item/275-2013aidwatch-report 42 Ellmers, B. (2011). How to spend it. Smart procurement for more effective aid. Eurodad. Bruxelas. 25 agenda, incluindo a Comissão Europeia. O relatório do Secretário-Geral da ONU ao FCD43 resumiu bem esta questão: (…) falta de clareza na complementaridade e no propósito; influência limitada dos doadores e receptores no design e implementação do investimento; transparência e prestação de contas diminuídas; risco de desalinhamento do sector privado com as prioridades sectoriais; perigo de um aumento do fardo da dívida; falta de atenção às pequenas e médias empresas; os custos de oportunidade decorrentes do uso de dinheiro público na mobilização de recursos privados, custos esses que não têm o mesmo (ou maior) impacto sobre o desenvolvimento que teriam se tivessem sido directamente dedicados a um propósito de desenvolvimento; e os riscos de apropriação indevida. Tendo em conta estes problemas sérios, e a ausência grave de uma apropriação, por parte do país em desenvolvimento, dos mecanismos de combinação, acreditamos que não se deve prosseguir com esta agenda até que esteja em curso uma revisão liderada por um país em desenvolvimento, que inclua um exame sobre a possibilidade de outras modalidades da APD, tais como apoio ao investimento público em saúde ou educação e infraestruturas, poderem vir a revelar-se maneiras mais eficazes de apoiar o sector privado nos países em desenvolvimento. A Declaração de Doha encorajou “(…) o reforço e a implementação, quando apropriado, de fontes inovadoras de financiamento” e referiu que “estes fundos devem constituir um suplemento e não um substituto das fontes tradicionais de financiamento”. Contudo, tendo em consideração que o termo “inovadoras” tem sido utilizado num leque variado de mecanismos, e não apenas nos referentes às fontes públicas tal como inicialmente previsto, centramo-nos no seu significado original, tal como utilizado em Doha: a necessidade de novas e adicionais fontes públicas de financiamento do desenvolvimento. Tais fontes geraram em excesso sete mil milhões de dólares americanos desde 2006, através de medidas como taxas sobre bilhetes de avião. Estas novas fontes de financiamento público podem fornecer os muito necessários recursos adicionais para o desenvolvimento, que devem ser superiores e ultrapassar o compromisso dos 0.7% do RNB alocados à APD. Em particular, recomendamos que se faça uso dos lucros decorrentes da implementação de um imposto sobre as transacções levadas a cabo por empresas financeiras, mais do que indivíduos, sobre activos como acções, obrigações, divisas e seus derivados. A adopção de uma medida deste género irá contribuir para reforçar a estabilidade do sistema financeiro mundial e, ao incentivar o investimento a longo-prazo em detrimento do comércio a curto-prazo, beneficiará tanto os países desenvolvidos com aqueles em desenvolvimento. 43 Relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas. (2014). Trends and Progress in International Development Cooperation. ONU. 26 5. DÍVIDA EXTERNA Recomendações A recente Resolução da AGNU44 que mandata o “estabelecimento de um enquadramento legal multilateral para a reestruturação dos processos de dívida soberana” é uma oportunidade extremamente importante para pôr em prática mecanismos internacionais eficazes de prevenção e resolução de crises futuras: não deve ser desperdiçada. Adis Abeba pode apoiar este processo. Fazemos as seguintes recomendações: Reafirmar o compromisso de se chegar a um acordo quanto a um enquadramento legal multilateral para os processos de reestruturação da dívida soberana durante a 69.ª Sessão da AGNU, com uma proposta concreta apresentada antes de Julho. Este enquadramento deve integrar-se num fórum neutro, independente de devedores e credores, incluindo de grandes credores como o FMI; abranger todos os credores, nomeadamente o sector privado, instituições multilaterais e governos; proporcionar uma abordagem baseada nos Direitos Humanos para a sustentabilidade da dívida, responsabilizando financiadores e devedores pelos seus comportamentos irresponsáveis; dar a todas as partes interessadas, nomeadamente a sociedade civil, o direito a serem ouvidas e a apresentarem evidências; De modo a escrutinar a existência de dívida de acordo com padrões de financiamento responsável, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, devem ser realizadas auditorias independentes da dívida, com compromissos de cancelamento da dívida no caso de esta ser considerada ilegítima. Questões fundamentais As vulnerabilidades da dívida estão a aumentar: Os países menos desenvolvidos assumem perfis de dívida mais arriscados à medida que aumentam os empréstimos e começam a adicionar os financiamentos privados gerados nos mercados financeiros aos empréstimos concessionais que receberam dos credores bilaterais e multilaterais. Apenas no grupo dos países de baixo rendimento, 16 deles encontram-se em situação ou em risco elevado de sobre-endividamento; Muitos mercados emergentes sofrem da volatilidade e dos riscos da crise, causados pelas inversões nos fluxos de capitais internacionais ou pelo rebentamento da bolha especulativa; Mesmo nos países desenvolvidos, incluindo na maioria da Europa, as dívidas soberanas alcançaram os maiores níveis de sempre em período de paz. As crises da dívida podem destruir os progressos feitos ao nível do desenvolvimento global alcançados nas últimas décadas. Em países onde uma grande fatia da população vive próximo ou abaixo da linha de pobreza, a desarticulação económica causada pelas crises da dívida arrebatará vidas humanas. Enquanto os países de médio e alto rendimento são normalmente mais resilientes, uma nova crise da dívida em uma das maiores economias emergentes, ou numa economia avançada, teria repercussões globais devido à elevada interconectividade dos mercados financeiros. 44 Ver nota de rodapé 2. 27 Mesmo em países que não sofrem de nenhuma crise da dívida severa, o serviço da dívida compete com as despesas consagradas ao desenvolvimento por recursos públicos limitados. Em Doha, voltou a reforçar-se a necessidade de “reconhecer que a promoção do desenvolvimento e a restauração da sustentabilidade da dívida são os principais objectivos da resolução da dívida”. É necessário reconsiderar a maneira como a comunidade internacional pretende vir a financiar o desenvolvimento de forma sustentável, nomeadamente através do desenvolvimento de um enquadramento para a sustentabilidade da dívida que tenha em consideração as necessidades de financiamento dos objectivos de desenvolvimento sustentável e que assuma padrões responsáveis de financiamento, enquadramento esse que poderá orientar os processos de alívio e reestruturação da dívida. Isto será essencial se se pretende alcançar os objectivos de desenvolvimento sustentável (ODS) em todos os países. Este novo enquadramento deverá incluir os riscos comportados pelos níveis de financiamento privado que estão a surgir e por novos instrumentos como as parcerias público-privadas. A fim de escrutinar o legado da dívida existente ao longo de padrões de financiamento responsável, incluindo a avaliação da legitimidade da dívida, os credores e os devedores deverão encomendar auditorias independentes da dívida e comprometer-se com a anulação da dívida considerada ilegítima. Sublinhamos a necessidade de haver uma liderança da ONU no que concerne a padrões de financiamento responsável no Capítulo 7. Ao passo que o quadro da dívida evoluiu, o mesmo não aconteceu com a arquitectura para a prevenção e gestão de crises. A resposta às crises da dívida continua a ser demasiado tardia e lenta. As instituições que conduzem as reestruturações da dívida – os credores ocidentais do Clube de Paris e o FMI – são dominadas pelos credores e, por isso, incapazes de fazerem julgamentos e avaliações independentes. Além disso, também não conseguem lidar de forma abrangente com as crises da dívida, visto que apenas estão encarregues de certas categorias da dívida. A participação dos credores privados nas reestruturações da dívida não é juridicamente vinculativa e nem executória, facto que explica por que de os “fundos oportunistas” (vulture funds) têm o direito de processar juridicamente os países com crise da dívida para pagamento integral. Por fim, as necessidades de desenvolvimento e os direitos humanos não estão a ser tidos em consideração pelas instituições existentes, pelo que os danos que as crises infligem nas economias e nas populações dos países afectados não estão a ser suficientemente mitigados. Para dar resposta a estas questões, a comunidade internacional tem já muito trabalho conceptual feito desde Monterrey sobre prevenção e gestão de crises da dívida, mas são necessários instrumentos juridicamente vinculativos. A UNCTAD desenvolveu os Princípios para a Promoção da Soberania de Financiamento e de Emissões45. Em Adis Abeba, os governos deverão afirmar o seu compromisso para a implementação integral destes Princípios da UNCTAD e deverão reportar periodicamente os progressos alcançados. Deverão também reafirmar que os devedores e credores devem partilhar a responsabilidade pela prevenção de resolução de situações insustentáveis de dívida. Estão a ser desenvolvidos, ao nível da UNCTAD46 e do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais da ONU (UNDESA)47 e também por iniciativas da academia48, conceitos para um novo 45 http://www.unctad.info/en/Debt-Portal/Project-Promoting-Responsible-Sovereign-LendingandBorrowing/About-the-Project/Principles-on-Responsible-Sovereign-Lending-and-Borrowing/ 46 http://www.unctad.info/en/Debt-Portal/Project-Promoting-Responsible-Sovereign-LendingandBorrowing/About-the-Project/Debt-Workout-Mechanism/ 47 http://www.un.org/esa/ffd/msc/2012EgmSdr2/index.htm 28 mecanismo de resolução da dívida. O FMI49 propôs cláusulas mais fortes para a acção colectiva em alternativa a um verdadeiro regime estatutário de reestruturação da dívida. Eventos recentes, em particular o resgate massivo dos credores privados na Grécia e a acção judicial dos últimos credores (“fundos oportunistas”) contra a Argentina, em Nova Iorque, demonstram claramente que a actual desadequação do regime necessita urgentemente de reforma. Em Setembro de 2014, a AGNU aprovou uma resolução que ambiciona a criação de um enquadramento legal multilateral para as reestruturações das dívidas soberanas. Este é um dos elementos mais importantes para um sistema financeiro internacional estável e orientado para o desenvolvimento que há muito está em falta. Esta resolução histórica foi seguida de uma segunda Resolução pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que colocou firmemente as reestruturações da dívida como fundamentais para a realização dos direitos humanos. Em Monterrey, os governos afirmaram que “seria bem-vindo que todas as partes interessadas relevantes tivessem em consideração um mecanismo internacional de resolução da dívida, nos fóruns apropriados, que envolvesse doadores e credores na reestruturação de dívidas insustentáveis de maneira atempada e eficaz”. É tempo de cumprir esta promessa de Monterrey e estabelecer um mecanismo de resolução da dívida que promova uma partilha justa do fardo da dívida entre devedores e credores e que minimize os riscos morais. Catorze anos mais tarde, a Conferência sobre o FfD de Adis Abeba é uma oportunidade-chave e já muito protelada para promover e trabalhar rumo à implementação desta reforma vital. Para ser eficaz, é importante que o enquadramento satisfaça os seguintes requisitos mínimos. Primeiro, para garantir a credibilidade e a imparcialidade, deverá ser integrado num fórum neutro e independente de credores e devedores, incluindo de grandes credores como o FMI. Segundo, não irá funcionar a não ser que abranja todos os credores, incluindo o sector privado, as instituições multilaterais e os governos. Terceiro, a única maneira de assegurar que este enquadramento possa evitar os elevados custos humanos associados às crises da dívida e de ser consistente com os padrões internacionalmente acordados é proporcionar à sustentabilidade da dívida uma abordagem baseada nos direitos humanos. Quarto, será necessário garantir que os credores e devedores são responsabilizados em caso de comportamento irresponsável. Finalmente, para melhorar a eficácia e reforçar a legitimidade e o apoio público, deverá conferir a todas as partes interessadas, incluindo à sociedade civil, o direito de serem ouvidas e apresentarem evidências. Por último, importa referir que os credores oficiais, particularmente o FMI e o Banco Mundial, aplicam frequentemente condições de política económica aos seus empréstimos. Isto acaba por prejudicar a democracia ao fazer com que os governos tenham de responder a instituições financeiras internacionais mais do que às suas próprias populações, e também implica com frequência alterações políticas controversas, com impactos negativos significativos ao nível da pobreza e dos direitos humanos. Pesquisas recentes demonstram que o FMI tem, de facto, aumentado o seu uso de condicionalidade da política económica nos últimos anos 50. É tempo de pôr fim à ligação entre a imposição de condições de política económica e a concessão de empréstimos. 48 http://www.brookings.edu/research/reports/2013/10/sovereign-debt http://www.imf.org/external/np/sec/pr/2014/pr14294.htm 50 Griffiths, J., Konstantinos, T. (2014). Conditionally Yours. Eurodad. Bruxelas. 49 29 6. QUESTÕES SISTÉMICAS: GOVERNAÇÃO GLOBAL EFICAZ E INCLUSIVA E REFORMA DO SISTEMA MONETÁRIO Recomendações O sistema de governação global da economia está a precisar urgentemente de uma revisão que permita dar aos países em desenvolvimento um lugar justo e equitativo na mesa da tomada de decisões em todas as organizações internacionais e instituições financeiras, reforçar a transparência e a prestação de contas e dar resposta a problemas-chave internacionais, respeitando simultaneamente o espaço político dos países em desenvolvimento. Recomendamos: A preparação de um processo que estabeleça um Conselho de Coordenação Económica Global nas Nações Unidas para avaliar os desenvolvimentos e assumir a liderança nas questões económicas, tendo simultaneamente em consideração factores sociais, de direitos humanos e ecológicos; A emissão anual de 250 mil milhões de dólares americanos em novos Direitos de Saque Especiais (DSE), cuja alocação deverá basear-se na necessidade económica e cuja maioria deverá ser direccionada para os países em desenvolvimento, e a rectificação dos Artigos do Acordo do FMI para que permitam isto. Questões fundamentais A maioria dos países em desenvolvimento está excluída da tomada de decisão em muitas instituições financeiras internacionais (IFI) com poder, tais como o Financial Stability Board (FSB), e a reforma nas instituições de Bretton Woods faz-se a um ritmo tão lento e insignificante que continuam a fugir das realidades económicas globais e dos padrões democráticos básicos. No despertar da crise económica, foi atribuído ao FSB um papel determinante na definição de novos padrões e no acordo quanto a novas propostas regulatórias para o sector financeiro. Contudo, o seu quadro de membros é extremamente problemático. Embora inclua os Estadosmembros do G20, muitos dos quais são grandes mercados emergentes, exclui a vasta maioria dos Estados-membros da ONU e inclui várias jurisdições mais pequenas que estão no cerne dos problemas relacionados com a opacidade financeira e a evasão fiscal, incluindo a Suíça, a Holanda e Singapura51. Este é apenas um exemplo: vários órgãos globalmente importantes de estabelecimento de padrões financeiros internacionais excluem a maioria ou mesmo todos os países em desenvolvimento, incluindo o Basel Committee on Banking Supervision e o Bank for International Settlements. Os restantes são entidades privadas, como o International Accounting Standards Board, sem qualquer participação ou supervisão pública eficaz. Os países em desenvolvimento não estão apenas a ser excluídos da elaboração de leis e da definição de padrões que irão afectá-los, e, tal como vimos no caso da política fiscal e da OCDE, os acordos celebrados não irão beneficiar de um maior escrutínio e do apoio que a verdadeira participação confere. Em Doha, os Chefes de Estado acordaram que “a reforma da arquitectura financeira internacional deveria centrar-se na promoção de uma maior transparência e no reforço da voz 51 http://www.financialstabilityboard.org/members/links.htm 30 e da participação dos países em desenvolvimento e dos países com economias em transição na tomada de decisão e no estabelecimento de normas internacionais”. Contudo, os actuais esforços reformistas têm sido fracos. Por exemplo, o FSB está actualmente a rever a estrutura da sua representação, mas não há detalhes públicos disponíveis sobre como é que os grupos da sociedade civil e outras partes interessadas, incluindo os países que não estão representados no FSB, podem ser integrados. O FSB, os Basel Committees e outros órgãos que definem as “regras do jogo” do sector financeiro devem dar passos imediatamente no sentido de abrir a possibilidade de novas adesões, e de alcançar uma participação equilibrada, institucionalizada e plena por parte dos países em desenvolvimento. Os Chefes de Estado acordaram, em Doha, em 2008, que “as instituições de Bretton Woods têm de sofrer uma reforma abrangente”52, não obstante ser ao nível das instituições de Bretton Woods que é mais problemático o défice de governação, visto que estas continuam a deter um poder e uma influência consideráveis nos países em desenvolvimento, particularmente em tempos de crise. Em 2010, o FMI concordou com pequenas reformas na sua estrutura de votação que, de acordo com análises independentes, teriam reduzido o direito de voto das “economias avançadas” em menos de 3%, para 55% do total53. Mesmo esta pequena mudança – que continua a deixar que sejam os mais ricos a controlar a instituição – ainda não foi ratificada pelos EUA, que têm direito a votos suficientes para vetar alterações deste género, facto que tem impedido esta proposta de 2010 de ser implementada. A extensão do uso da votação por dupla maioria no FMI – passando a exigir maiorias relevantes de votos e países para todas as decisões – poderia ser uma maneira simples mas eficaz de dar aos países em desenvolvimento uma voz justa. O Banco Mundial anuncia frequentemente que os países em desenvolvimento têm metade dos votos e dos assentos no conselho, mas isto não é simplesmente verdade: esta afirmação baseia-se na contabilização de 16 países ricos, entre os quais a Arábia Saudita, como “países em desenvolvimento”. De facto, análises independentes demonstram que os países de rendimento alto detêm mais de 60% dos votos no Banco54. O Banco Mundial deveria implementar a igualdade no direito de voto entre países mutuários e não-mutuários como primeiro passo para uma reforma mais significativa. Além disso, os padrões de transparência e de prestação de contas estão terrivelmente desadequados na maior parte das instituições internacionais que lidam com questões económicas e financeiras, o que significa que as vozes e as preocupações das populações são frequentemente relegadas para segundo plano pelos interesses corporativos das poderosas multinacionais. Após décadas de campanhas organizadas por grupos da sociedade civil, em 2010, o braço do Banco Mundial para o sector público acordou em proceder à actualização das suas políticas de transparência seguindo o princípio que prevê a publicação de todos os documentos, com um número limitado de excepções. Contudo, mesmo este princípio básico não é aplicado por outras instituições financeiras internacionais nem pelo braço do Banco Mundial para o sector privado. O direito ao acesso à informação proveniente de órgãos públicos é um direito humano fundamental, consagrado no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas – um direito que é consistentemente negado por órgãos globais poderosos que definem as regras financeiras. Todas as instituições financeiras internacionais deveriam 52 Ver nota de rodapé 4. http://www.brettonwoodsproject.org/2010/11/art-567219/ 54 http://www.brettonwoodsproject.org/wp-content/uploads/2014/04/WBgovreforms2010.pdf 53 31 obedecer a padrões de transparência básicos, tal como definido na Transparency Charter for International Finance Institutions55. Em linha com Monterrey e com as numerosas discussões e resoluções das Nações Unidas dos últimos anos, a ONU tem um papel fundamental na promoção da cooperação internacional para o desenvolvimento e para um sistema económico global que funcione para todos. A AGNU e o ECOSOC desempenham ambos um papel pivô ao nível da representação e da demonstração de resultados substantivos produzidos pelo sistema da ONU. Contudo, estes órgãos importantes não foram suficientemente mandatados nem têm acesso a fundos, registando-se um enorme vácuo no centro da tomada de decisão ao nível da economia global, não havendo meios eficazes de coordenação ou de consulta que incluam todos os países. Enquanto a mudança do G8 para o G20, no que respeita ao foco da discussão sobre a economia global, representou uma transformação nas dinâmicas do poder, o G20 está a revelar-se desadequado e ineficaz ao nível da coordenação global. Parte do problema decorre da maneira como foi concebido: é um órgão ad hoc, o que significa que a implementação é feita através de outras instituições, nomeadamente as IFI, a OCDE e o FSB. A outra grande questão prende-se com o facto de o G20 excluir a maioria dos Estados-membros das Nações Unidas. Uma abordagem muito melhor, lançada pela Comissão de Peritos das Nações Unidas para a Reforma dos Sistemas Monetário e Financeiro Internacionais (UN Commission of Experts on Reforms of the International Monetary and Financial System), seria estabelecer um Conselho de Coordenação Económica Global ao nível das Nações Unidas, com mandato para “avaliar os desenvolvimentos e assumir liderança nas questões económicas, tendo em consideração factores sociais e ambientais”56. Claro que as soluções não se encontram apenas a nível global: as alternativas regionais, tais como as unidades monetárias regionais e os fundos de reserva, são uma abordagem mais sensível, particularmente na ausência de alternativas globais eficazes ou inclusivas. Finalmente, as tentativas para uma melhor regulação e coordenação a nível regional e global não devem ser feitas à custa do espaço político dos países em desenvolvimento para trilharem o seu próprio caminho para o desenvolvimento. Estas lacunas de governação são particularmente preocupantes tendo em conta a necessidade de fazer face a questões fundamentais, como a substituição gradual do dólar enquanto divisa de reserva internacional. O papel do dólar confere aos EUA não apenas o “privilégio exorbitante” de poder emitir a moeda de reserva mundial, como também foi um grande factor por detrás da crise financeira global. Permitiu que se desenvolvessem grandes desequilíbrios globais, em que os EUA puderam financiar défices ao contraírem empréstimos baratos do resto do mundo, em particular de mercados emergentes. Todos os analistas concordam que, mais cedo ou mais tarde, o dólar irá perder esta posição, à medida que a quota de produção económica dos EUA for continuando a decrescer, mas, caso a transição para uma alternativa seja feita de forma repentina, pode gerar-se uma crise ainda maior. A principal alternativa é expandir gradualmente o uso de DSE através de alocações regulares adicionais de DSE – ou seja, da criação de novos activos de reserva. Em 2009, um acordo do G20 levou à emissão de 250 mil milhões de dólares americanos em DSE adicionais, revelando que isto é possível. Se esses activos fossem direccionados para os países em desenvolvimento, o que exigiria uma alteração nos Artigos do Acordo do FMI, poderiam também dar um impulso significativo às 55 http://www.ifitransparency.org/doc/charter_en.pdf ONU. (2009). Relatório da Comissão de Peritos do Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre Reformas do Sistema Monetário e Financeiro Internacional. ONU. Nova Iorque. 56 32 suas reservas, reduzindo a necessidade de deter largas quantias de reservas de divisas fortes, as quais requerem recursos que poderiam ser mais bem aplicados em investimento produtivo. Com base na média histórica dos spreads entre a taxa de empréstimo e a de retorno obtido através das reservas, os custos anuais de carregamento das reservas para os países em desenvolvimento pode ser estimado em 130 mil milhões de dólares americanos57. Isto constitui uma transferência líquida de recursos para países emissores de reserva, nomeadamente os EUA. Este valor pode ainda ser mais elevado se os custos de utilização nacionais referentes ao passado forem contabilizados. A UNDESA propôs que se aloquem anualmente 250 mil milhões de dólares americanos em novos DSE, assegurando que entre 100 e 167 mil milhões de dólares americanos vão para os países em desenvolvimento. 57 http://www.twnside.org.sg/title2/resurgence/2010/234/cover04.htm 33 7. OUTRAS QUESTÕES IMPORTANTES Apesar de nas anteriores conferências sobre FfD se ter debatido um vasto leque de questões importantes, gostaríamos de sublinhar cinco que consideramos requerer uma maior atenção. 1. As Nações Unidas têm de encarar seriamente a necessidade de adoptar abordagens à avaliação dos progressos que vão para além dos indicadores económicos de curto-prazo tais como o RNB, passando a incluir uma avaliação do bem-estar em termos sociais e ambientais e enfatizando o quão significantes podem ser as desigualdades, incluindo as de género. Esta questão já foi levantada por inúmeras instituições internacionais e líderes de opinião, incluindo o PNUD, a Comissão Europeia, a Better Life Initiative da OCDE, o Painel de Alto Nível sobre Sustentabilidade Global do Secretário-Geral das Nações Unidas e a Comissão Stiglitz-SenFitoussi de 2009, que concluíram que, a par do RNB, deveria ser utilizado um leque mais abrangente de indicadores de bem-estar. Está também a crescer o número de iniciativas nacionais que visam ir “para além do RNB”, incluindo no Butão e no Reino Unido. Iniciativas como o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas constituem um útil ponto de partida. A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável que decorreu no Rio de Janeiro em 2012 apelou “a que Comissão Estatística das Nações Unidas, consultando as entidades relevantes do sistema da ONU ou outras organizações relevantes, lançasse um programa de trabalho nesta área, com base nas iniciativas existentes”. Em Adis Abeba, os governos podem também dar um novo ímpeto a este importante trabalho, ao comprometerem-se a basear as futuras avaliações das Nações Unidas nesta avaliação de progresso mais abrangente. 2. Ao desenvolverem uma iniciativa sobre padrões responsáveis de financiamento, as Nações Unidas podem reunir e reforçar as várias iniciativas e propostas já existentes e ajudar a assegurar que os padrões são devidamente implementados. As principais iniciativas e enquadramentos propostos incluem os Princípios para o Investimento Responsável do PNUA (Programa das Nações Unidas para o Ambiente), os Princípios para a Promoção da Soberania de Financiamento e de Emissões da UNCTAD, o Guia para as Empresas Multinacionais da OCDE e os Princípios do Equador para o Financiamento Empresarial Internacional dirigido aos bancos. Em comum têm o facto de serem de adesão voluntária, centrados numa abordagem de “não prejudicar” (do no harm), de terem ferramentas deficientes para controlo do seu cumprimento e de existirem largas franjas financeiras que não são afectadas por eles. As organizações da sociedade civil (OSC) propuseram alternativas concretas, tais como a Carta para o Financiamento Responsável (Responsible Finance Charter) do Eurodad58, procurando assegurar que as finanças internacionais têm um impacto positivo no desenvolvimento sustentável. A Conferência sobre FfD dá às Nações Unidas a oportunidade de exercer uma liderança global, ao desenvolverem e adoptarem um enquadramento que reúne os padrões existentes, identifica e preenche as lacunas, reforça os mecanismos e incentiva ao cumprimento. Isto incluiria a implementação da resolução aprovada no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, em Julho de 2014, que visa estabelecer um grupo de trabalho para preparar um instrumento que imponha às empresas transnacionais obrigações legais em matéria de direitos humanos59, pelo que os Estados-membros das Nações Unidas devem 58 59 Molina, Nuria. (2011). Responsible Finance Charter. Eurodad. Bruxelas. http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=A/HRC/26/L.22/Rev.1 34 terminar o estabelecimento e a implementação eficaz de um código de conduta multilateral e legalmente vinculativo para as empresas transnacionais, de modo a que assegurem a responsabilidade social e a prestação de contas, prevenindo práticas empresariais restritivas. 3. Tendo em conta o reconhecimento de que todas as formas de financiamento do desenvolvimento incluem ameaças e oportunidades específicas para os direitos das mulheres, esta agenda vital deve ser integrada por completo nas negociações e resultados do FfD. Monterrey sublinhou “que é essencial que o desenvolvimento seja centrado nas pessoas e sensível ao género, em todas as partes do globo” e emitiu um apelo para que “se integre a perspectiva de género nas políticas de desenvolvimento a todos os níveis e em todos os sectores”. Não temos espaço suficiente para abordar esta questão a fundo aqui, mas damos dois exemplos de como isto é muito importante. Os recursos que se perdem por via da evasão fiscal põem em causa a capacidade dos governos de financiarem objectivos políticos de compensação de discriminação de longa data, forçando-os a adoptar outras medidas fiscais tais como o aumento dos impostos indirectos, os quais têm frequentemente impactos negativos sérios sobre a capacidade de as mulheres acederem a bens e serviços essenciais. Tal como consta do relatório elaborado por perito independente das Nações Unidas60, devido aos papéis socialmente atribuídos às mulheres, com base no género, estas são afectadas de forma desproporcional pelas crises da dívida e pelas reformas económicas subsequentes, tendo quase sempre como resultado o empobrecimento e a marginalização das mulheres, tornando os serviços sociais básicos ainda mais inacessíveis para elas, agravando assim as desigualdades de género e contribuindo para a feminização da pobreza. 4. A Conferência da AGNU de 2009 colocou acertadamente a reforma da regulamentação financeira e do sector financeiro na agenda e o relatório dos peritos que a alimentou forneceu detalhes úteis sobre a miríade de problemas que contribuíram para o maior colapso financeiro de há muitas décadas. A Conferência sobre FfD deveria levar avante esta agenda e apoiar o desenvolvimento de propostas específicas em áreas-chave que irão fazer parte da agenda de um Conselho de Coordenação Económica das Nações Unidas (ver Capítulo 6). Estas incluiriam a prevenção do problema de haver bancos “grandes demais para ruir”, o realinhamento das regulamentações bancárias para promover o investimento a longo-prazo e práticas contracíclicas, a remoção de todos os produtos que possam ser perigosos ou desestabilizadores, e a regulamentação dos mercados de produtos de base, para evitar actividades excessivamente voláteis e especulativas, entre outras medidas. Em vez disso, um sistema financeiro diversificado deveria servir as necessidades das populações e o desenvolvimento sustentável e não ser propenso a crises financeiras nocivas. Estas políticas seriam um complemento necessário para as medidas que lidam com os fluxos financeiros ilícitos e a evasão fiscal enunciados no Capítulo 1 e para as medidas de controlo dos fluxos de capital e de melhoramento do investimento internacional elencadas no Capítulo 2. Por último, é evidente que o financiamento, para fazer frente às questões globais ambientais, tem que aumentar drasticamente. Deve ser um financiamento inovador e complementar aos compromissos em matéria de APD já existentes e deve ser desembolsado de acordo com os planos conduzidos pelos países em desenvolvimento. O Painel de Alto Nível das Nações Unidas encarregue de avaliar as necessidades financeiras estimou que, até 2020, estas rondarão as várias centenas de milhares de milhões de dólares americanos61. De acordo com as estimativas mais baixas, supõe-se que as necessidades de financiamento para luta contra as alterações 60 61 Ver nota de rodapé 12. http://www.cbd.int/doc/meetings/fin/hlpgar-sp-01/official/hlpgar-sp-01-01-report-en.pdf 35 climáticas dos países em desenvolvimento estejam entre os 27 e os 66 mil milhões de dólares americanos por ano até 2030 para as questões de adaptação e nos 177 mil milhões de dólares americanos por ano para as de mitigação62. É necessário que o financiamento público da biodiversidade assegure que as intervenções pouco atractivas para o sector privado, nomeadamente em países de rendimento baixo e em comunidades marginalizadas, recebem o apoio necessário. O financiamento público e a regulamentação apropriada podem também ajudar a garantir que os investimentos de financiamento privado não são prejudiciais mas antes que beneficiam os mais pobres e vulneráveis. É fundamental reconhecer que as avaliações mais abrangentes coincidem ao dizer que os custos da inacção são muitas vezes superiores a estes valores. Os governos devem responder a este desafio na próxima COP UNFCCC, que decorrerá em Paris, onde os compromissos em matéria de financiamento climático devem ser incluídos como “Intended Nationally Determined Contributions”, na sequência de um novo acordo legalmente vinculativo. Será importante assegurar que estes compromissos financeiros de Paris, na luta contra as alterações climáticas, não vão ser duplamente contabilizados como APD, devendo ser, em vez disso, adequados, inovadores e complementares. Ademais, o financiamento da luta contra as alterações climáticas não deve constituir-se na forma de mecanismos geradores de dívida ou instrumentos especulativos. Deve basear-se nas lições retiradas dos esforços feitos para melhorar a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, o que inclui a priorização da apropriação pelos países em desenvolvimento, o rastreamento das verdadeiras transferências de recursos, evitando práticas pouco clarividentes dos financiadores que tentem fazer uma ligação entre as transferências e interesses mesquinhos das suas empresas. 62 UNTT Working Group on Sustainable Development Financing. (2013). Financing for sustainable development: review of global investment requirement estimates. 36 ORGANIZAÇÕES SUBSCRITORAS Organizações/redes globais e regionais: ActionAid International Action for Global Health ADIN - Africa Development Interchange Network IDDC - International Disability and Development Consortium SID - Society for International Development International Disability Alliance Social Watch IPPF - International Planned Parenthood Federation AFRODAD - African Forum and Network on Debt and Development ITUC - International Trade Union Confederation ANND - Arab NGO Network for Development JSAPMDD - Jubilee South Asia Pacific Movement for Debt and Development AWEPON - Africa Women Economic Policy Network Kairos Europe AWID - Association for Women’s Right in Development CAN - Climate Action Network Europe Christian Aid DAWN - Development Alternatives with Women for a New Era EURODAD - European Network on Debt and Development GATJ - Global Alliance for Tax Justice GCAP LAC - Global de Acción ante la Pobreza, Latinoamérica y el Caribe Global Policy Forum Health Poverty Action IBON International KULU - Women and Development LATINDADD - Red Latinoamericana sobre Deuda, Desarrollo y Derechos NGO Committee on FFD Oxfam REPEM LAC - Red de Educación Popular entre Mujeres América Latina RESURJ - Realizing Sexual and Reproductive Justice RIPESS - Intercontinental Network for the Promotion of Social Solidarity Economy Tax Justice Network Tax Justice Network Africa Third World Network World Future Council Organizações nacionais: 11.11.11 – Koepel van de Vlaamse Noord Zuid beweging Aksi! For Gender, Social and Ecological Justice Alianza Por el Buen Vivir, la Paz y la Sustentabilidad All Nepal Peasants Federation All Nepal Women Association Alliance Sud - Swiss Alliance of Development Organizations ANEEJ - Africa Network for Environment and Economic Justice Asociación Ambiente y Sociedad SAWW - South Asia Women’s Watch Asociación Nueva Vida Pro-Niñez y Juventud SEATINI - Sothern and Eastern African Trade, Information and Negotiations Institute Bangladesh Krishok Federation Berne Declaration 37 Beyond Beijing Committee Beyond Copenhagen Collective Both Ends Brot für die Welt CAFOD CCFD - Terre Solidaire CCN - Civic Concern Nepal CDES - Centro de Derechos Económicos y Sociales CECOEDECON - Centre for Community Economics and Development Consultants Society CEDECAM - Centro de Derechos del Campesino Centre National de Coopération au Développement -11.11.11 CEPO - Community Empowerment for Progress Organization CERDN - Center for SocioEconomic Research and Development Nepal CESR - Center for Economic and Social Rights Church of Sweden CIPA - Centro de Iniciativas en Políticas Ambientales CNE - Comisión Nacional de Enlace Congregation of Our Lady of Charity of the Good Shepherd CREAS - Centro regional ecuménico de Asesoría y Servicio IBIS IGC - Institute for Global Communications DDCI - Debt and Development Coalition Ireland IGO - Institute of Global Responsibility DebtWATCH Indonesia Indian Social Action Forum Decidamos, Campaña por la expresión ciudadana Inspiraction DemNet Hungary Foundation for Development of Democratic Rights Development Research Center Diakonia Diverse Voices and Action for Equality Fiji Dominican Leadership Conference Earth in brackets Ekvilib Institute Erlassjahr Forum Syd Free Trade Union Development Center Freedom from Debt Coalition Philippines Fundación Jubileo Bolivia Fundación Red Nicaraguense de Comercio Comunitario Fundación SES Gestos Glopolis Institute of Law and Economics International Presentation Association of the Sisters of the Presentation of the Blessed Virgin Mary IPS - Institute for Policy Studies, Global Economic Project Jagaran Nepal Jubilee Debt Campaign UK Jubilee Scotland Jubilee USA Network KAU - Koalisi Anti Utang KEPA KFUK - KFUM Global KRUHA Indonesia Labour, Health and Human Rights Development Centre Lacaso Methodist Tax Justice Network Mines Minerals and Peoples India National Youth NGO Forum Nepal GOYULBI NGO 38 New Rules for Global Finance Observatorio Economico Latinoamericano - UNAM RMALC - Red Mexicana de Acción frente al Libre Comercio Sanlakas Philippines SUPRO Bangladesh Tax Justice Netherlands Tax Reconciliations Temple for Understanding OMI - Missionary Oblates of Mary Immaculate Secours Catholique Caritas France OWS Special Projects Affinity Group SERR - Servicios Ecuménicos para Reconciliación y Reconstrucción VOICE Banglades Siglo XXIII WEED - World Economy, Ecology & Development Sisters of Notre Dame de Namur Womenhealth Philippines Slovak NGDO Platform Women’s Resource and Advocacy Centre Pakistan Fisherfolk Forum Pakistan Kissan Rabita Committee PLARSUR - Plataforma de organizaciones sociales de Argentina para la integración regional y la incidencia en el G20 Plataforma Portuguesa das ONGD Red de Organizaciones de la Sociedad Civil de Managua Red Encuentro de Organizaciones Sociales de Argentina SLUG - Debt Justice Network Norway Social Justice in Global Development Trocaire Water, Sanitation and Hygiene Network WWS - Women Welfare Society Youth Partnership for Peace and Development Solidaritas Perempuan Indonesia SOMO - Centre for research on multinational corporations 39