UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO DE PESSOAL / SRH CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO UNIVERSITÁRIA HAMILTON RODRIGUES TABOSA ATIVIDADES INCLUSIVAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ: ESTUDO DA TRAJETÓRIA DA INSERÇÃO SOCIAL DE SURDOS FORTALEZA 2006 HAMILTON RODRIGUES TABOSA ATIVIDADES INCLUSIVAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ: ESTUDO DA TRAJETÓRIA DA INSERÇÃO SOCIAL DE SURDOS Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Especialização em Gestão Universitária da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Gestão Universitária. Orientadora: Dra. Alícia Ferreira Gonçalves FORTALEZA 2006 HAMILTON RODRIGUES TABOSA ATIVIDADES INCLUSIVAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ: ESTUDO DA TRAJETÓRIA DA INSERÇÃO SOCIAL DE SURDOS Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Especialização em Gestão Universitária da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista em Gestão Universitária. Data da aprovação: _____ / _____ / _____. __________________________________________ Profa. Dra. Alícia Ferreira Gonçalves - UFC Orientadora ___________________________________________ Profa. Dra. Fátima de Sousa Freire - UFC Coordenadora Ficha catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Hamilton Rodrigues Tabosa CRB-3/888 T118a Tabosa, Hamilton Rodrigues Atividades inclusivas na Universidade Federal do Ceará: estudo da trajetória da inserção social de surdos / Hamilton Rodrigues Tabosa 46 f. il., color. enc. Monografia (Especialização) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006. Orientadora: Dra. Alícia Ferreira Gonçalves 1. Inclusão social 2. Surdez – Educação – Brasil 3. Educação especial I. Gonçalves, Alícia Ferreira II. Universidade Federal do Ceará – Curso de Especialização em Gestão Universitária III. Título CDD 371.90460981 Aos dois anjos que até hoje em tudo me apóiam com paciência e compreensão incondicionais: Papai e Mamãe. Agradeço de maneira muito especial à professora Alícia, que nos momentos mais difíceis foi além de orientadora, amiga e cúmplice. Agradeço imensamente a ajuda prestada pela professora Valéria do CAS e pela amiga Ana Zenilce. RESUMO Este estudo tem como objetivo analisar as atividades inclusivas desenvolvidas pela Universidade Federal do Ceará isoladamente ou em parceria. Mostra o histórico, os objetivos e o alcance social dessas atividades, bem como retrata o perfil das pessoas atendidas. Aborda de maneira mais específica o Cursinho Pré-Vestibular Ludwig van Beethoven, voltado para pessoas surdas. Faz um histórico da educação dos surdos no Brasil e de suas conquistas no que diz respeito à Educação e ao Emprego. Através de entrevistas, visitas, observações “in loco” das atividades desenvolvidas e questionários, realizei um levantamento das expectativas dos alunos quanto ao Cursinho e apresentei e descrevi a visão dos professores quanto à importância do Curso para os alunos. Palavras-chave: Inclusão Social. Surdez – Educação – Brasil. Educação especial. ABSTRACT It separately deals with the inclusive activities developed by the Federal University of Ceará or in partnership. It shows the description, the objectives and the social reach of these activities, as well as portraies the profile of the taken care of people. It approaches in more specific way the Cursinho Pré-Vestibular Ludwig van Beethoven, directed toward deaf people. It makes a description of the education of the deaf people in Brazil and its conquests in that it is related to respect to the Education and the Job. Through interviews, visits and questionnaires, we made a survey of expectations of the pupils how much to the Cursinho and determine the vision of the professors how much to the importance of the Course for the pupils. Word-key: Social inclusion. Deafness - Education - Brazil. Special education. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 1 – Satisfação dos alunos quanto aos professores ...................................................... 38 Gráfico 2 – Satisfação quanto à comunicação em sala de aula ............................................... 39 Gráfico 3 – Tiraram proveito do Cursinho para outros aspectos da vida ................................ 40 LISTA DE SIGLAS APAS - Federação Nacional da Associação de Pais e Amigos dos Surdos CAS - Centro de Capacitação de Profissionais de Educação a Atendimento às Pessoas com Surdez CCV – Coordenadoria de Concursos e Vestibulares da UFC DERDIC - Instituto Educacional de São Paulo ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente FENEIS - Federação Nacional de Integração e Educação de Surdos FENEIDA - Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos INES - Instituto Nacional de Educação do Surdo LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais MEC - Ministério da Educação PPDs - Pessoas portadoras de deficiência PREX/UFC - Pró-Reitoria de Extensão da UFC UFC - Universidade Federal do Ceará SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE SIGLAS 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 11 2 ENTENDENDO A EDUCAÇÃO DO SURDO ........................................................... 14 2.1 Histórico da educação dos surdos ............................................................................. 15 2.1.2 Educação de surdos no Brasil ................................................................................... 20 2.2 A legislação brasileira atual e o trabalho do portador de deficiência ................... 25 3 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA ..................................................................................30 3.1 Extensão na UFC ........................................................................................................ 31 4 DOIS PROJETOS VOLTADOS PARA A INCLUSÃO: UFC Inclui e Curso preparatório para o Vestibular Ludwig van Beethoven .............................................. 33 5 ANÁLISE DO CAS ....................................................................................................... 35 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 42 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 43 APÊNDICE A – Modelo de questionário para os alunos do Cursinho ....................... 44 APÊNDICE B – Modelo de questionário para os professores do Cursinho ............... 46 APÊNDICE C – Pessoas entrevistadas ........................................................................... 47 1 INTRODUÇÃO Atualmente, vivemos um amplo contexto de mudanças, transformações sociais e mesmo estruturais em nossa sociedade. Harvey (1992) analisa essas transformações. Ele diz que vem ocorrendo uma mudança abissal nas práticas culturais desde mais ou menos 1972, devido a novas maneiras de dominância e também devido a nossa própria maneira de compreender tudo o que nos cerca. Seria o que ele chama de passagem da modernidade à pósmodernidade na cultura contemporânea. Em meio a essas transformações sociais, o espaço para deficientes sejam eles físicos, visuais, auditivos, etc., tem se ampliado bastante. Foi uma verdadeira conquista para esses cidadãos. Hoje eles têm vagas garantidas nas empresas, embora somente certa porcentagem exigida em lei, mas já podem mostrar seu potencial e serem inseridos na população economicamente ativa da sociedade. Com isso ganharam não somente cidadania e dignidade, mas também perspectivas de crescimento pessoal e profissional. Percebendo essa nova realidade, a UFC - Universidade Federal do Ceará contribui, através de ações inclusivas desenvolvidas em diversos setores da Universidade, para a criação de meios pelos quais os deficientes podem ter a oportunidade de exercer sua cidadania. Destacam-se especificamente os deficientes auditivos que hoje contam com o curso de capacitação para o Vestibular Ludwig van Beethoven e com as ações do Projeto UFC inclui. O objetivo desta monografia é mostrar um panorama geral da trajetória da educação dos surdos no Brasil, as ações inclusivas desenvolvidas pela UFC e a as possibilidades atuais dos surdos quanto ao seu ingresso na Universidade pública. Trabalharei, na monografia, focando as ações que visam beneficiar pessoas com necessidades educativas especiais, especialmente os surdos, e as ações que proporcionam e promovem cidadania a essas pessoas1. Para isso, destacarei esses dois projetos dos quais a UFC faz parte e que são voltados para essa temática de inclusão social de surdos: o Curso Pré-Vestibular Ludwig van Beethoven para pessoas com surdez (promovido pela Pró-Reitoria de Extensão em parceria com o CAS - Centro de Capacitação de Profissionais de Educação a Atendimento às Pessoas com Surdez - e o Projeto UFC inclui - inclusão de pessoas com deficiência na Universidade. 1 Surdo é o termo utilizado pelas próprias pessoas com surdez e, assim sendo, ao longo da monografia vou utilizar esse termo como uma categoria êmica, isto é, um termo que faz sentido dentro do universo simbólico dos meus entrevistados. Neste sentido, eles preferem utilizar o termo surdo ao invés de deficiente auditivo porque acreditam que este último os indignifica. 12 O projeto UFC inclui visa promover a inclusão e permanência de alunos com deficiências na UFC e preparar alunos de diversos cursos para um mercado de trabalho que envolve pessoas com deficiência. Também tem como finalidade a inclusão de diversos grupos, tais como deficientes físicos, negros, cegos, etc., mas nos deteremos somente no que diz respeito aos surdos. Estudarei o funcionamento desses projetos, seus objetivos pretendidos e alcançados. Traçarei o perfil dos alunos do cursinho pré-vestibular e estudarei como (e se) ele contribuiu para a inserção social dessas pessoas e suas expectativas. Mostrarei a trajetória da inserção social dos surdos no Brasil ao longo dos anos e como isso tem transformado a vida desses cidadãos, assim considerados porque apesar de sua condição de surdez, têm participação política na sociedade, têm potencial força de trabalho e pagam impostos como os demais cidadãos ouvintes. Para a elaboração desta pesquisa, optei, como referencial teórico, pela vertente sócio-histórica, na qual busquei contextualizar teoricamente a temática deste estudo, baseando-o em Bakhtin, Vygotsky, Denise Teresinha da Rosa Quintão e Maria do Socorro Correia Lima. Metodologicamente decidi trabalhar com a abordagem etnográfica, na forma de pesquisa descritiva, observação participante e exploratória. O estudo exploratório dá condições de o pesquisador apreender mais conhecimentos e ampliar sua experiência em torno de um dado problema. Já no estudo descritivo, o ponto forte está no desejo de conhecer, não somente o local destinado à realização da investigação, mas também suas características principais, seus problemas e seus desdobramentos. Descrevem-se, portanto, a partir da observação in loco participante os fenômenos e as relações sociais em um dado contexto sócio, histórico e cultural. (GEERTZ, 1978). A indagação central (problemática) que norteia esta monografia é: estaria a Universidade Federal do Ceará contribuindo realmente para a inclusão social das pessoas portadoras de necessidades educativas especiais, viabilizando seu ingresso e facilitando sua permanência? Até que ponto as ações inclusivas desenvolvidas pela UFC impactam positivamente na vida dessas pessoas? Acredito que a opção por explorar, descrever e analisar os argumentos teóricos da área da surdez propicia a análise, a problematização e a caracterização da situação-problema proposta para a pesquisa. Os dados desta pesquisa foram coletados de três formas diferentes: entrevistas informais com as coordenadoras do Projeto UFC Inclui, com a professora Valéria Maria Portela Fernandes do CAS e com o Diretor da CCV – Coordenadoria de Concursos e 13 Vestibulares da UFC; observações feitas em visitas ao CAS, nas reuniões e palestras promovidas pelo UFC Inclui e através da aplicação de questionários com os professores e alunos do Cursinho, onde 25% dos alunos e 25% dos professores responderam ao questionário. As observações foram feitas durante visitas ao CAS, sempre no turno da noite (horário de funcionamento do Cursinho), onde pude ver como os professores se comunicam com os alunos e a atuação do intérprete. Também pude participar da aplicação dos questionários junto com a professora Valéria, que me acompanhou (na verdade, eu é que a acompanhei) e intermediou a conversação, pois tivemos de explicar aos surdos do que se tratava aquilo e para quê iria servir. O Cursinho já existe há 02 anos e funciona com cerca de 20 professores e atende a 40 alunos. No capítulo 2 e suas subdivisões, com base nos pensamentos de Vygotsky e Bakhtin, abordo a questão da educação do surdo através dos tempos, seus avanços e retrocessos, traço um histórico da educação dos surdos no Brasil e no mundo e discorro sobre a legislação brasileira atual e o trabalho dos deficientes. No terceiro capítulo estudo o papel acadêmico e social das funções da Universidade bem como de sua atividade de Extensão. Falo sobre o que é Extensão Universitária e seus objetivos e faço uma breve explanação sobre a Extensão na UFC, uma vez que um dos projetos inclusivistas aqui analisados funciona em parceria com a PróReitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará. No quarto capítulo descrevo os projetos propriamente ditos: O UFC Inclui e o Cursinho Pré-Vestibular Ludwuig van Beethoven, explicando o que são e como funcionam. No capítulo cinco apresento as análises e as interpretações dos dados empíricos: as informações, as entrevistas, observações e questionários e nas considerações finais realizo algumas observações sobre a temática pesquisada. 14 2 ENTENDENDO A EDUCAÇÃO DO SURDO Segundo a abordagem sócio-histórica do desenvolvimento humano, é a relação com o outro, na e pela linguagem, que configura a característica intrinsecamente humana. De acordo com essa corrente de pensamento, o homem somente se constitui como sujeito dentro do âmbito das interações. De acordo com Vygotsky (1987 apud LIMA, 2004) não há uma linha de desenvolvimento cognitivo, mas caminhos que dependem de contextos culturais; os sujeitos que adquirem seus conhecimentos interagem entre si; o desenvolvimento se dá pela apreensão das ferramentas culturais, o desenvolvimento das pessoas é antecedido pelos processos de ensino aprendizagem. Portanto, o sujeito chega em todos os casos a desenvolver seus conhecimentos a partir de suas interações com o meio e com as outras pessoas. Bakhtin (1992) argumenta que "a palavra é fenômeno ideológico por excelência" e que "toda palavra é absorvida por sua função de signo". Diz ainda que um signo pode distorcer uma realidade ou ser fiel a ela, sempre sujeito a critérios ideológicos de avaliação. A palavra, pois, está repleta de conteúdo ideológico que vai constituindo as relações entre os sujeitos, é ela que vai estabelecer valores, determinar comportamentos, demarcar as leis, as instituições, os discursos, as verdades, as mentiras, o conceito de certo e errado, do que é dizível e como pode ser dito, dependendo do lugar social ocupado pela pessoa que fala. Podemos afirmar que tanto Vygotsky como Bakhtin argumentam que todos os homens participam de uma realidade social, e é somente por meio da interação entre sujeitos, mediada pelos signos, que se passa a ser homem. Os dois autores demonstram a relevância da interação social para o desenvolvimento da linguagem, a importância da palavra para a constituição do pensamento, e o fato de que a aquisição da linguagem constrói-se "de fora para dentro" (do social para o individual) através de um processo de aprendizagem. De acordo com as idéias de Vygotsky e Bakhtin, o surdo, como qualquer outro indivíduo, necessita de exposição a uma língua que possa ser assimilada, aprendida ou mesmo construída por meio da interação social. Conforme aponta Bakhtin (1992): O que significa que o processo pelo qual a criança, ouvinte ou surda, adquire sua língua materna é um processo ‘de integração progressiva da criança na comunicação verbal’. À medida que essa integração se realiza, sua consciência é formada e adquire seu conteúdo. Ou seja, a aquisição de uma língua quer oral, quer gestual, não se dá através de “geração espontânea”. 15 A psicóloga Denise Teresinha da Rosa Quintão, em seu artigo publicado na revista Psicologia & Sociedade em 2005, faz importantes colocações acerca da inclusão social de portadores de deficiência e as dificuldades enfrentadas por eles nesse processo. Ela fala que na tentativa de incluir portadores de deficiência, a sociedade pode incorrer em erros e acabar não atingindo com êxito seus objetivos, excluindo-os ainda mais, mesmo sem tomar consciência disso. Para ela, não basta “estar dentro” – da escola, das instituições, da empresa, dos espaços públicos e privados – para haver inclusão. Os princípios de exclusão encontram-se imbuídos nas relações. Por outro lado, importantes avanços têm sido alcançados ao longo das últimas décadas: a Lei de Diretrizes a Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394 de 20 de dezembro de 1996) prevê a garantia de vaga na escola regular para educandos portadores de necessidades especiais desde a educação infantil, assim como contempla a compra de vagas pelos governos em escolas especiais, instituições privadas sem fins lucrativos, para os casos que necessitam de uma condição de ensino especializado. No campo do trabalho, já existem também dispositivos legais que visam garantir ao portador de deficiência um espaço no mercado de trabalho pela via da empregabilidade (Lei no 8.213 de 24 de julho de 1991), reservando um percentual de cotas proporcionalmente ao número de funcionários de uma empresa, como veremos mais tarde. 2.1 Histórico da educação dos surdos Para fazermos algumas colocações sobre o surdo e a surdez é necessário verificar como o surdo era tratado e educado ao longo da história. Não tenho a intenção de, neste trabalho, fazer uma explanação detalhada a respeito da história do surdo, das nuanças de sua educação e de todos os aspectos que determinaram sua condição até os dias de hoje. Somente a idéia de mostrar, aqui, a trajetória educacional do surdo em todos os seus aspectos, já daria, sem sombra de dúvida, um grande tratado. Meu propósito é fornecer uma visão geral desta trajetória histórica e tentar entendê-la em seus aspectos mais relevantes. As informações referentes à história da educação de surdos, a seguir, foram baseadas em um apanhado histórico da educação de surdos feito por Maria do Socorro Correia Lima, em sua tese de doutorado “Surdez, bilingüismo e inclusão: entre o dito, o pretendido e o feito” de 2004. Maria do Socorro por sua vez, baseou-se nos seguintes autores: Carlos Sánchez (1990), Carlos Skliar (1997) e Maria Cecília Moura (1996). Observe-se que a história da educação de surdos, em diferentes épocas, não é 16 contada por seus principais protagonistas: os surdos. Temos, na maioria das vezes, as representações e impressões dos ouvintes que ora trabalharam com esses alunos ora se interessaram por essa educação em particular. Há cerca de 4000 anos, os povos antigos como os egípcios, os romanos e os gregos acreditavam que os surdos eram incapazes de aprender. O sujeito surdo não era considerado humano, haja vista que ele não usava a fala e, conseqüentemente, não conseguia se exprimir através da língua oral. De 2000 a 1500 a.C., o surdo tinha direito apenas à vida e não à educação. Esses povos acreditavam que os surdos eram privados de toda e qualquer possibilidade de desenvolvimento intelectual e moral. Segundo o código Justiniano2, em Roma, no ano de 483 a.C., o surdo de nascimento também não podia ser educado. Foi nesta época que se estabeleceram as primeiras diferenciações dos tipos de surdez: a surdez congênita e a surdez adquirida3. Fonseca (2000) nos ensina que os hebreus viam, na deficiência física ou sensorial, uma espécie de punição de Deus, e impediam qualquer portador de deficiência de ter acesso à direção dos serviços religiosos. A Lei das XII Tábuas, na Roma antiga, autorizava os patriarcas a matar seus filhos defeituosos, o mesmo ocorrendo em Esparta, onde os recémnascidos, frágeis ou deficientes, eram lançados do alto do Taigeto (abismo de mais de 2.400 metros de altitude, próximo de Esparta). Na Grécia, mais precisamente, no ano de 384 a.C., os surdos eram percebidos como seres insensíveis e não dotados de raciocínio. Essa crença ancorava-se no fato de que o surdo, por não se comunicar por meio da língua oral, não podia ser visto como humano. Para Aristóteles, o surdo era um sujeito não capacitado para a fala, e sendo esta uma condição imprescindível para os processos cognitivos, era inadmissível para o surdo a possibilidade de construção do pensamento. Essa impossibilidade de pensar, porque não falava, tornava o surdo um sujeito incapaz de ser educado, pois ele não conseguia se expressar oralmente ou, até mesmo, demonstrar aquilo que sentia. Em uma palavra, um “não-humano”. Essa concepção de o surdo como um “não-humano” persistiu por mais de dois mil anos. 2 Pouco depois de assumir o poder, Justiniano percebeu a importância de salvaguardar a herança representada pelo direito romano e, em 528, nomeou comissão de dez membros (entre os quais Triboniano, ministro do imperador e jurisconsulto de grande mérito) para compilar as constituições imperiais (leis emanadas dos imperadores) vigentes (constituições editadas desde o governo do imperador Adriano). Em 529, estava a compilação pronta, e foi intitulada Nouus Iustinianus Codex (Código de Justiniano). 3 Diz-se surdez congênita quando uma criança nasce surda. A causa pode ser hereditária (genética) ou embrionária (intrauterina). Entre as causas intrauterinas mais freqüentes estão a rubéola, sífilis, toxoplasmose, herpes, alguns tipos de vírus e certos medicamentos usados na gestante. 17 Vivendo épocas de sofrimento, de privação e de pobreza extrema, o surdo não encontrava meio de desenvolver nenhuma atividade que lhe permitisse a sobrevivência, pois como não tinha acesso à educação, o trabalho lhe era vetado. Como visto, na Antigüidade, os surdos eram percebidos de diversas formas: como pessoas punidas, “marcadas” e fadadas aos sentimentos de pena e de compaixão. A crença de que a pessoa surda era primitiva e não-educável persistiu até o século XV. É somente a partir do século XVI que se encontram os primeiros registros de tentativas de como educar o surdo. Começam a surgir casos de preceptores que tentavam ensinar o surdo a falar, ler e escrever. Durante a Idade Média, já sob a influência do Cristianismo, os senhores feudais amparavam os deficientes e os doentes, em casas de assistência por eles mantidas. Progressivamente, no entanto, com a perda de influência do feudalismo, veio à tona a idéia de que os portadores de deficiência deveriam ser engajados no sistema de produção, ou assistidos pela sociedade, que contribuía compulsoriamente para tanto. Girolamo Cardano (1579) foi o primeiro a declarar que o surdo era, sim, capaz de pensar, compreender, estabelecer relações entre as coisas e fazer representações de objetos. Suas declarações eram ancoradas num método de aprendizagem, o qual consistia na associação de figuras desenhadas para representar a realidade, constituindo, assim, um sistema lógico que viabilizava construções coerentes e denotava a existência de uma mente racional capaz de analisar idéias e elaborar conceitos a partir delas. Cardano revogou o conceito de que o surdo não pode ser ensinado. Estes foram os primeiros passos dados em direção à implantação da educação para surdos. Pedro Ponce de Leon (1520 - 1584), monge beneditino (Espanha), foi o primeiro professor de surdos na história. Seu trabalho serviu como ponto de referência para outros educadores de surdos. Dedicou a maior parte de sua vida a educar os surdos que eram filhos de nobres. Ele os ensinou a falar, ler, escrever, a rezar e conhecer as doutrinas do Cristianismo. Desenvolveu uma metodologia de educação de surdos que incluía datilologia, escrita e oralização, e também fundou uma escola de professores surdos. O espanhol Juan Pablo Bonet, em 1620, publicou, na Espanha, o primeiro manual de educação de surdos, intitulado “Redução das letras e a arte de ensinar a falar os mudos”, que trata da invenção do alfabeto manual de Ponce de Leon. Já em 1644, foi publicado o primeiro livro em inglês sobre a língua de sinais Chirologia, de J. Bulwer, o qual acreditava ser a língua de sinais universal e seus elementos constitutivos, icônicos. Também publicou em 1648, o livro Philocorpus, em que afirmava ser a língua de sinais capaz de expressar os mesmos conceitos que a língua oral. 18 No século XVIII (1750), o abade francês Charles Michel de L’Epée inicia a instrução formal de duas crianças surdas, obtendo, com esta instrução, um grande sucesso. Seu trabalho baseava-se na utilização de sinais, em um sistema que incorporava a língua falada, gerando os “Sinais Metódicos”. O principal objetivo desse método era aproximar o surdo da língua francesa. Devido ao êxito obtido com o uso do sistema desenvolvido, L’Epée transforma sua residência na primeira escola pública para surdos, o “Instituto de Surdos e Mudos de Paris”, utilizando, no trabalho pedagógico, uma abordagem gestualista. A utilização dos sinais ainda continuava sendo aceita na educação de surdos, bem como a participação de professores surdos, porém o oralismo foi ganhando força e veio a modificar esse cenário. Por outro lado, as realizações do VII Congresso da Sociedade Pedagógica Italiana e do I Congresso de Professores Italianos de Surdos influenciaram, sem dúvida, a adoção do oralismo na educação de surdos. O VII Congresso Pedagógico Italiano foi realizado em Veneza (1872). Em sua quarta seção, dedicada especialmente aos surdos e cegos, a intervenção de Tarra se constituiu praticamente no texto final das propostas.O texto do VII Congresso foi aprovado e, neste sentido, constituiu-se na primeira decisão oficial que determinou quais deveriam ser os métodos mais adequados para a educação do surdo. Este Congresso é tido como o antecessor histórico e ideológico do I Congresso de Professores Italianos de Surdos, o qual foi realizado em Siena, em setembro de 1873. Embora outras questões tenham sido discutidas nesse I Congresso Internacional (o risco do casamento entre consangüíneos, criação de uma anamnese para ser aplicada em todos os países, o direito de o surdo ter as mesmas oportunidades educacionais que os ouvintes), o eixo central do debate foi certamente, a escolha do melhor método para educar o surdo. Neste sentido, os primeiros passos em direção ao Congresso de Milão já estavam sendo dados. O oralismo, então, estava a caminho. Na Itália (Milão), em 1880, aconteceu o segundo Congresso Mundial sobre a educação de surdos, no qual a utilização simultânea da fala e dos sinais é considerada como uma desvantagem que impedia o desenvolvimento da fala, da leitura labial e da precisão das idéias. Neste congresso, é declarado que o método oral puro deve ser adotado de forma oficial e definitiva. Nesse sentido, o Congresso de Milão é considerado um marco na história da política institucional de erradicação da língua de sinais, e também da exclusão radical dos profissionais surdos do ambiente educacional. Esse Congresso internacional reuniu profissionais ligados à educação de surdos, sendo que dois terços dos 174 congressistas eram italianos. Os demais eram franceses, suecos, ingleses, alemães, suíços e americanos. Cabe 19 aqui evocar que, dentre todos os congressistas, apenas um era surdo! O Congresso festeja, então, a vitória do oralismo sobre a inferioridade da língua gestual. Reportando ao Congresso de Milão, Sacks (1989 apud LIMA, 2004) ressalta que: Os professores surdos foram excluídos da votação, o oralismo saiu vencedor e o uso da língua de sinais foi “oficialmente” abolido. Os alunos surdos foram proibidos de usar sua própria língua “natural” e, dali por diante, forçados a aprender, o melhor que pudessem, a (para eles) “artificial” língua falada. E talvez isso seja condizente com o espírito da época, seu arrogante senso da ciência como poder, de comandar a natureza e nunca se dobrar a ela. Por fim, as atas finais do Congresso, documentos que traçavam as novas propostas educacionais no final do século XIX e, ulteriormente, as políticas públicas até aproximadamente 1970, indicavam que considerando a incontestável superioridade da palavra sobre os signos para devolver o surdo à sociedade e para dar-lhe um melhor conhecimento da língua, o método oral deve ser preferido ao da mímica para a educação e instrução dos surdosmudos. O Congresso, considerando que os usos simultâneos da palavra e dos signos mímicos têm a desvantagem de inibir a leitura labial e a precisão das idéias, declara que o método oral puro deve ser preferido. No trabalho escolar, a primeira medida educacional para proibir o uso da língua de sinais foi obrigar os alunos surdos a sentarem sobre suas mãos. Posteriormente, retiraram-se as pequenas janelas de vidro das portas das salas de aula para coibir a comunicação sinalizada entre os alunos. Os professores surdos e seus auxiliares foram dispensados de todas as escolas e dos institutos. Fazendo uma espécie de digressão no que respeita à educação de surdos, apresentam-se duas fases que podem ser claramente delineadas: na primeira fase (Antiguidade), o surdo é visto como não-humano e, portanto, não-educável; já na segunda fase (a partir do século XVI), o surdo é concebido como educável, porque humano. Revendo, então, os traços históricos que tecem a “trama” da educação para os surdos, observa-se que há diferentes propostas ou tentativas de sistematizar as práticas pedagógicas desses alunos. A partir do século XVIII foram criados espaços educativos com a finalidade de educar crianças surdas. Essas escolas eram divididas em dois grandes grupos: aquelas que defendiam a tese de que a educação do surdo devia ser orientada a partir de sua oralização - abordagem oralista; e aquelas que relevavam a linguagem de sinais utilizada pelos surdos e concebiam que essa mesma linguagem devia ser reconhecida e usada no âmbito escolar - abordagem gestualista. Cabe ainda esclarecer que, independentemente de os surdos serem vistos como humanos ou não, o como educá-los passa, então, a ser o problema da educação destas pessoas, 20 o que, nos dias de hoje ainda se verifica. Destacados alguns desses mentores e os principais fatos que contribuíram para o início da educação de surdos, ao longo dos últimos quatro séculos, passemos a focalizar os acontecimentos mais importantes, que contribuíram para o início do trabalho educacional com o surdo, no Brasil. 2.1.2 Educação de surdos no Brasil Para mostrar não só os fatos que concorreram para a instauração da educação dessas pessoas, mas também os preceptores que a conduziram, prossigo tomando por base o estudo histórico feito por Lima (2004) em sua tese de doutorado, onde ela lança mão do Relatório Anual de 1993 da Federação Nacional de Integração e Educação de Surdos (FENEIS). Em 1855 chegou ao Brasil o francês Ernest1 Huet, portador de surdez congênita. O ex-diretor do Instituto de Surdos de Paris trouxe sua experiência de mestrados e cursos, a fim de comprovar a capacidade do surdo na área da Educação. Seus trabalhos contaram com o apoio de D. Pedro II, que ajudou a colocar em funcionamento o Instituto de Surdos-Mudos, a princípio instalado no Centro do Rio. Mas o francês só alcançou seu objetivo em 26 de setembro de 1857, com a fundação do Instituto Nacional de Educação do Surdo (INES), atualmente em Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Durante anos o INES foi a única escola especial para surdos. Tanto assim que até hoje é considerado como uma importante referência educacional. Mesmo com todos esses avanços, em 1880, após o Congresso Mundial de Surdos, na Itália, os surdos do mundo inteiro enfrentavam grandes problemas com a imposição do oralismo. De 1923 a 1929, surgiu a Associação Brasileira de Surdos e houve grande mobilização pelo direito de um ensino em Língua de Sinais. Mesmo no INES durante muito tempo a metodologia oralista predominou e desencadeou uma série de divergências entre surdos e profissionais. Com o tempo o movimento em defesa do surdo ganhou força, e mesmo durante o período de ditadura militar os surdos lutaram por maiores condições e qualidade de vida. Em 1971, foi fundada a Federação Brasileira de Surdos, presidida pelo Padre Vicente P. Burnier. Só em 1977 foi criada a FENEIDA, Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos, composta apenas por ouvintes envolvidos com a problemática da surdez. Em 1983, a comunidade surda criou uma Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos, uma entidade não legalizada, com trabalho significativo, porque buscava os direitos dos surdos como cidadãos. 21 Nessa época esta Comissão reivindicou a participação efetiva das pessoas surdas como membro da Diretoria da FENEIDA, o que foi negado por não acreditarem na capacidade do surdo dirigir uma entidade. No entanto a Comissão formou chapa e conquistou em Assembléia Geral a presidência por um ano. Foi reestruturado o Estatuto e a Entidade ganhou a denominação de FENEIS em nova Assembléia Geral em 16 de maio de 1987. Após a eleição, Ana Regina e Souza Campello, Coordenadora da Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos, assumiu a presidência da FENEIS juntamente com outros membros da Comissão, como o Sr. Fernando de Miranda Valverde e o atual Presidente, Sr. Antonio Campos de Abreu. Em 1990, no entanto, foi fundada a Federação Nacional da Associação de Pais e Amigos dos Surdos (APAS), representada por pais de surdos. Essa iniciativa dividiu um pouco o grupo de trabalho, mas a FENEIS respeitou a decisão, acreditando no trabalho em conjunto, com a integração de todos: surdos, ouvintes, pais e profissionais. A FENEIS conquistou também sua sede própria em 8 de janeiro de 1993, com seus próprios recursos, sem apoio governamental. São dois andares para prestar diversos tipos de atendimento. A diretoria atua como representante do surdo voluntariamente, com o compromisso de fazer o melhor pelo seu desenvolvimento social, profissional, educacional e cultural, não tendo nenhum tipo de remuneração. A FENEIS foi crescendo e expandindo seu trabalho em todo o território nacional. Cabe assinalar que em meados do século XIX, no Brasil, não existia ainda uma idéia pública no que respeita à educação de surdos e, também, as famílias ofereciam resistência em educá-los, dificultando a educação do surdo. A história aponta para a emergência de movimentos reivindicatórios patrocinados por surdos brasileiros em prol do “direito de um ensino em Língua de Sinais”, o que inaugurava um capítulo importante nas relações políticas entre surdos e ouvintes. Ao lutarem pelos sinais, os surdos, organizados, se diferenciam, pela linguagem que defendem, do grupo majoritário usuário de uma outra linguagem: a oral. A partir dessa tomada de consciência, as divergências com profissionais ouvintes foram postas às claras e acabou por levar à posse, pelos surdos, da presidência da FENEIDA, uma Federação composta por profissionais ouvintes e cuja principal meta era propor rumos para a educação das pessoas “deficientes auditivas”. Cabe esclarecer que a retomada da Federação pelos surdos é permeada de significados. Como mostra Souza (1998 apud LIMA, 2004): Simboliza uma vitória contra os ouvintes que consideravam a eles, surdos, incapazes de opinar e decidir sobre seus próprios assuntos e, entre eles, sublinha o papel da linguagem na educação regular. Desnuda, ainda, uma mudança de perspectiva, ou de representação discursiva, a respeito de si próprios: ao alterarem a denominação “deficiente auditivo”, impressa na sigla FENEIDA, para “Surdos”, em 22 FENEIS, deixam claro que recusavam o atributo estereotipado que normalmente os ouvintes ainda lhes conferem, isto é, o de serem “deficientes”. Feitas essas considerações acerca da língua de sinais, retomemos um outro ponto que marcou (ainda marca) a trajetória educacional do surdo no Brasil. De fato, não se pode omitir o fato de que o INES, seguindo a tendência mundial, em 1911, adota o método oral em todos os conteúdos focalizados do currículo. Ainda assim, a língua de sinais foi aceita em sala de aula até 1957, quando a diretora Ana Rímola de Faria Doria, assessorada pela professora Alpia Couto, proibiu oficialmente o uso de sinais em classe. Apesar de proibida (a língua de sinais), por meio de atitudes repressoras adotadas pelos profissionais responsáveis pela educação do surdo, o método de L’Epée continuou no Brasil até 1901. Nos anos seguintes, o Instituto caminhou para a concepção oralista na educação de surdos e, em 1930, instaurou-se definitivamente a visão clínica, quando o Instituto passou a fazer parte do Ministério da Educação e Saúde. Se, por um lado, há uma ação coercitiva para vigiar e punir o surdo que se utilizasse da língua de sinais, por outro, há uma reação dos próprios surdos que continuam a “falar” através dos sinais, não, nas salas de aula do Instituto, mas fora delas e principalmente nas “comunidades” que começam a tomar forma nos principais centros urbanos do país. No entanto, a história da educação de surdos no Brasil não se restringe apenas à fundação de uma escola residencial, no Rio de Janeiro, por Huet. Outras iniciativas foram surgindo em outros centros do país. Na cidade de São Paulo, foi a iniciativa particular e religiosa que marcou o início do atendimento educacional do surdo, tornando-se opção única por quase duas décadas. Somente em 1950 surgiram as primeiras iniciativas da rede municipal de ensino e de pais de surdos, as quais originaram, respectivamente, o Instituto Hellen Keller e o Instituto Educacional de São Paulo (hoje DERDIC, ligado a PUCSP). Já a rede estadual de ensino manifestou-se a partir de 1957, com a criação de cinco classes especiais para atender o aluno surdo, dentro de escolas regulares. Tanto o Instituto Hellen Keller quanto o Instituto Educacional de São Paulo (DERDIC) utilizavam-se do método oral, através de intenso “treinamento de fala, de comunicação oral e linguagem”. A meta principal de todas estas escolas especiais era desenvolver um trabalho, mais precisamente, na primeira fase do ensino fundamental e, ulteriormente, encaminhar os alunos surdos às escolares regulares para que fossem “integrados” juntos aos ouvintes. O elemento chave desta “integração” era, sem sombra de dúvidas, a oralização destes alunos adquirida via “treino de fala”. 23 Tradicionalmente, em termos de Brasil, a educação de alunos surdos ocorreu em ambientes especiais, separados de crianças ouvintes, pelo menos para o ensino básico. Apenas eram encaminhadas para a escola comum aquelas crianças que se mostrassem aptas a acompanhar a rede regular de ensino, isto é, que tivessem adquirido uma fala boa e inteligível e tivessem também uma boa leitura labial, além de já estarem alfabetizadas. A esses surdos não era permitido usar qualquer gesto além dos naturais, com a justificativa de que esses acabavam por inibir a iniciativa, ou o desejo, da criança pela fala. Do final do século XIX até o final da década de 60 do século XX, o método oral se manteve dominante na educação do surdo. Neste período a língua de sinais foi poucas vezes usada na escola, pois os professores acreditavam que os surdos deveriam, em primeiro lugar, aprender a “falar”. Como exposto antes, havia a crença de que a fala era a chave não só para o surdo ser alfabetizado, mas também para ser integrado junto aos ouvintes. No auge do oralismo, o uso da língua de sinais foi banido e proibido nos recintos tanto das instituições educativas ou da família como nas organizações de surdos. Os surdos eram submetidos, às vezes, a castigos pesados caso utilizassem a língua de sinais. Houve histórias de impedimento de contato pessoal entre surdos, repressões e outros. Até os dias de hoje, esses surdos continuam com estranhos receios. Também existem casos de surdos que se voltaram contra a própria língua de sinais considerando-a como não-motivadora da convivência social, além de outros estereótipos contra a sua própria língua. Tendo em vista o descontentamento ancorado nos resultados pouco expressivos obtidos com a instauração do método oral na educação de crianças surdas nos espaços escolares, é introduzida, no Brasil, no final da década de 70, a Comunicação Total, após a visita de Ivete Vasconcelos, professora de surdos na Universidade Gallaudet. A Comunicação Total é, como defendida por seus proponentes brasileiros, uma filosofia que, no trabalho escolar, traduz-se por uma “completa liberdade... de quaisquer estratégias, que permitem o resgate de comunicações, total ou parcialmente bloqueadas”. (CICCONE, 1996 apud LIMA, 2004). Não apenas a LIBRAS, mas também o português acabava tendo o mesmo estatuto comunicacional da “linguagem” artística (teatro, desenho, expressão corporal, etc.). O termo linguagem foi supervalorizado para dar conta de todos os recursos comunicacionais possíveis, aqueles já existentes e/ou que eram criados pela inventiva particular do professor. Assim, é permitida ao aluno surdo a utilização de todos os recursos possíveis e imagináveis, tais como: mímica, gestos, língua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita. Caberá à criança surda “escolher” os recursos comunicativos apropriados a uma dada 24 situação. Chamamos a atenção para uma questão: como poderá a criança surda que chega à escola desprovida do conhecimento de língua de sinais, fala, leitura labial e leitura-escrita “eleger” um destes recursos comunicativos para interagir com alguém? Ainda que ela saiba alguns gestos, muitas vezes criados, na interação da mãe com a criança surda, uma linguagem, por assim dizer, “umbilical”, eles são compartilhados apenas naquele contexto. Esses gestos, por não serem entendidos por uma outra pessoa, causam estranhamento. Quem se posicionava contrário à Comunicação Total, argumentava que não é importante somente apresentar ao aluno surdo diferentes formas de se comunicar (diferentes códigos) para que este faça a sua escolha. É necessário, além disso, saber se o conhecimento e a incorporação de tais códigos, por parte do aluno, estão se dando de modo eficiente. Face às críticas feitas à adoção da Comunicação Total na educação de surdos, são iniciadas no Brasil, as primeiras discussões sobre a implantação do bilingüismo enquanto proposta educacional a ser utilizada nas escolas brasileiras. O bilingüismo é uma proposta de ensino que tem sido utilizada por escolas que se propõem tornar acessível ao surdo duas línguas: a língua de sinais e a língua portuguesa, em sua modalidade oral e/ou escrita. Neste sentido, o espaço escolar acaba se transformando em um grande laboratório no qual são utilizadas técnicas de terapia de fala para que o aluno supere seu déficit (surdez) e, assim, assemelhe-se a um membro da comunidade ouvinte. Em uma palavra, a meta principal do oralismo é tornar o surdo um "falante" proficiente da língua oral, ou seja, eliminar a diferença que separa ouvintes de não-ouvintes. A segunda fase introduz a idéia da comunicação total. Esta é uma abordagem educacional que admite o uso de sinais com a finalidade de propiciar o desenvolvimento da linguagem da criança surda. No entanto, esses sinais são utilizados como uma "ponte" para a aquisição da língua oral. Os sinais são utilizados pelos profissionais que atuam com surdos, na escola, dentro da estrutura do português. A educação oralista e a comunicação total constituem, sem dúvida, grande parte da trajetória histórica da educação de surdos em todo o mundo. Embora seja argumentado que essas abordagens educacionais estejam extintas nos recintos escolares, ainda hoje essas abordagens continuam sendo postas em prática, no contexto escolar. A terceira fase, em construção, é constituída pela educação bilíngüe. 25 2.2 A legislação brasileira atual e o trabalho do portador de deficiência Para compreender melhor as questões que envolvem o trabalho do portador de deficiência, bem como a legislação que o rege, analisemos o artigo publicado por Fonseca em 2000 e do qual busquei destacar os pontos mais importantes a meu ver, para a elaboração desta nossa pesquisa. No Brasil o Decreto Legislativo nº 51, de 28 de agosto de 1989 conceitua o portador de deficiência no art. 11, da seguinte forma: "Para efeitos da presente Convenção, entende-se por 'pessoa deficiente' todo indivíduo cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente reconhecida”. O recente Decreto 3.298 conceitua os portadores de deficiência em seu artigo 3º como "toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano". A Constituição de 1988 é a primeira Carta Constitucional que enfatiza a tutela da pessoa portadora de deficiência no trabalho. O art. 7º, inciso XXXI, preceitua: "proibição de qualquer discriminação no tocante a salário ou critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência". Este dispositivo é muito importante, pois a nação brasileira assume o compromisso de admitir o portador de deficiência como trabalhador, desde que sua limitação física não seja incompatível com as atividades profissionais disponíveis. O art. 37, inciso VIII, também da Constituição Federal, determina que "A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão". Na esfera privada, também se institui a obrigatoriedade de reserva de postos a portadores de deficiência. A Lei nº 8.213/91 fixa os seguintes percentuais: "A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: -até 200 empregados .............2% -de 201 a 500 empregados ....3% -de 501 a 1.000......................4% -de 1001 em diante ...............5% 26 A Lei nº 8.112 impõe que a União reserve, em seus concursos, até 20% das vagas a portadores de deficiências, havendo iniciativas semelhantes nos Estatutos Estaduais e Municipais, para o regime dos servidores públicos. O art. 203, inciso IV, da Constituição, inclui entre os deveres da assistência social "a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária". O inciso V, do mesmo artigo, dispõe que os deficientes e idosos incapazes de se manter, pelo próprio trabalho ou por auxílio da família, terão direito a uma renda mensal vitalícia equivalente a um salário-mínimo, mediante regulamentação de norma específica, que veio pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (art. 20). O art. 208, inciso III, da Constituição, arrola entre os deveres do Estado, na órbita da atividade educacional, a oferta de escolas especializadas para portadores de deficiência. O art. 227, também da Constituição, grande monumento da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, no inciso II, fala na "Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos". Regulamentando o dispositivo acima, a Lei nº 7.853, de outubro de 1989, cria a CORDE (Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), estabelece mecanismo de tutela dos interesses difusos das pessoas deficientes, pelo Ministério Público, impõe a priorização das medidas de integração dos deficientes no trabalho e na sociedade, institui as Oficinas Protegidas de Trabalho e define como criminosa a conduta injustamente discriminatória de deficientes no trabalho. Dispõe, ainda, em seu artigo 2º, inciso III, letra "d", que cabe ao Poder Público e a seus órgãos assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho, devendo ser dispensado tratamento adequado tendente a viabilizar a adoção de legislação específica, disciplinando a reserva de mercado de trabalho em favor dessas pessoas, nas entidades da Administração Pública e do setor privado, e regulamentando a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das PPDs (Pessoas portadoras de deficiência). Tanto a Constituição quanto a lei ordinária traçam enunciados, princípios, cuja aplicação vinha se fazendo de forma casuística, nos vários níveis da Federação. Proliferaram leis municipais, estaduais ou mesmo editais, adotando critérios 27 profundamente díspares, os quais suscitaram dúvidas de aplicação, ou mesmo inviabilizaram o Direito contemplado nos instrumentos normativos acima mencionados. O Decreto 3.298 regulamenta a Lei 7.853, implementando mecanismos para a concretização da reserva de vagas nos concursos públicos. Dedica à matéria os artigos 37 a 44, traçando, a partir da experiência acumulada, novas diretrizes visando a superação de problemas enfrentados pelos portadores de deficiência, que se confrontavam com regras que, visando regulamentar a reserva de vagas, findavam por inviabilizar a aprovação daqueles candidatos. Garante-se a igualdade de condições das PPDs aos demais candidatos quanto à inscrição, observando-se, outrossim, o percentual mínimo de 5% de vagas reservadas. Excetuam-se desta regra os cargos em comissão ou função de confiança, ou aqueles cujo exercício demande aptidão plena. Grande avanço se obteve, ao se fixar o percentual mínimo de 5%. A maioria das leis estaduais e municipais falavam em até 5%, o que possibilitava a fixação de percentuais irrisórios. Disciplinam-se, ademais, as regras que deverão constar dos editais, fazendo-as observar os critérios concernentes à cidadania do candidato portador de deficiência. Com o intuito de fixar condições de igualdade, o decreto determina que a autoridade competente não pode obstar a inscrição do deficiente, que, por sua vez, deve declarar e comprovar sua condição, indicando os instrumentos de adaptação que poderá necessitar durante a realização do concurso e do estágio probatório. Devem estar previstos, também, o número de vagas existentes e o total correspondente à reserva destinada às PPDs, bem como as atribuições e tarefas essenciais dos cargos a serem ocupados. A pessoa portadora de deficiência participará do concurso em igualdades de condições com os demais candidatos, no que se refere ao conteúdo e avaliação das provas, aos critérios de aprovação, ao horário e ao local de aplicação dos exames, a nota mínima exigida para todos os demais candidatos e a publicação dos resultados finais. Assinale-se que o critério de avaliação deverá ser o mesmo utilizado para todos os candidatos, portadores ou não de deficiências. As regras anteriores ao decreto normalmente atribuíam a uma comissão médica o dever de aferir, após a aprovação no concurso e antes do estágio probatório, se a deficiência apresentada pelo candidato seria compatível com a função a ser exercida, o que impunha duplo ônus às PPDs. Deviam ser aprovadas no concurso e pela comissão médica e ter o aval dessa comissão para se submeterem ao estágio probatório. Buscou-se afastar essa injustiça inserindo-se, na Comissão, membros da carreira a ser abraçada pelo candidato. Conferiu-se àquela comissão, ademais, o dever de avaliar os 28 instrumentos que o candidato necessitará durante o concurso, bem como, em caso de aprovação, o dever de acompanhá-lo durante o estágio probatório, assegurando-lhe os instrumentos e meios de apoio necessários para a sua integração. Na esfera privada, o decreto delineia a inserção competitiva, a inserção seletiva, as oficinas protegidas e o trabalho independente, autônomo. Aponta a inserção competitiva como sendo aquela em que a PPD ingressa no mercado de trabalho em condições de quase absoluta igualdade com qualquer outro trabalhador, no que concerne à execução do seu trabalho, necessitando, tão somente, de apoios instrumentais que supram suas restrições físicas ou sensoriais. A inserção seletiva dar-se-á quando forem necessários, além dos instrumentos de apoio, procedimentos especiais, como horário diferenciado, adaptação do meio ambiente, atuação de orientadores ou acompanhantes, etc. Nos dois casos, na inserção competitiva ou na inserção seletiva, serão garantidos todos os direitos trabalhistas e previdenciários. O decreto incentiva, outrossim, o trabalho independente, por meio das chamadas cooperativas sociais, reguladas pela Lei 9.867/99. Há que se atentar, porém, para as possíveis fraudes, tão usualmente encontradas entre as cooperativas de trabalho. As oficinas protegidas são aquelas que se encontram no interior de entidades que desenvolvem trabalhos terapêuticos, visando a preparação do portador de deficiência para um futuro processo seletivo ou competitivo de trabalho. Tal procedimento é indispensável com relação a algumas deficiências mentais ou físicas, cujo grau de comprometimento afete os processos de sociabilização das PPDs. Tanto nas primeiras como nas segundas não haverá vínculo de emprego. Finalmente, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em seu art. 66, também obriga a que a sociedade brasileira atente para a proteção do trabalho do adolescente deficiente, o que faz com acerto, posto que duplas são as peculiaridades do adolescente portador de deficiência, as quais suscitam necessidade mais intensa de proteção, para que se lhe possibilite a integração adequada na sociedade, afastando-o da política de caridade meramente assistencial, que o impelirá inexoravelmente à marginalidade. É com esta intenção que a Lei do Estágio amplia o estágio profissionalizante às escolas especiais de qualquer grau. O direito à profissionalização assume, aqui, papel imprescindível de socialização do portador de deficiência, eis que suas limitações para o trabalho se constituem em barreiras 29 tão somente instrumentais, mesmo que seja ele portador de deficiência física, mental, ou sensorial. Todas elas são superáveis, desde que se rompam os preconceitos atávicos, herdados, talvez, das concepções antigas dos povos primitivos, de que o portador de deficiência é um "pecador punido por Deus" que deve ser segregado. Cabe ao Direito do Trabalho despir-se destes preconceitos e buscar, cientificamente, a compreensão dos reais limites dos deficientes para, cumprindo seu papel histórico, garantir-lhes condições de igualdade plena aos demais trabalhadores. 30 3 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Para melhor entender a amplitude da contribuição da Universidade Federal do Ceará para a inclusão social de surdos, é necessário compreender, em primeiro lugar, qual o papel da Universidade na sociedade e o que é a extensão universitária nesse contexto. A Universidade é um lugar de investigação, onde se pensa cientificamente. Ela é uma instituição especial dentro da sociedade, principalmente as universidades públicas, pois são financiadas com o dinheiro público. As universidades são consideradas especiais porque sempre, até hoje, são de difícil acesso a todos os membros das sociedades nas quais se inserem, embora seja através delas que as universidades consigam se manter. A grande procura por vagas nas universidades corrobora essa importância dada a ela. É nas universidades públicas que a maioria das pessoas busca educação superior, seja pela gratuidade do ensino, seja pela superioridade da qualidade desse ensino, em alguns casos. As universidades se caracterizam pelo desenvolvimento de três atividades: o ensino, a pesquisa e a extensão. Santos (1994, p. 164) diz que os três principais fins da universidade são a investigação, o ensino e a prestação de serviços. O ensino é a prática de sala de aula, onde o conhecimento existente é repassado pelo professor aos alunos, através de várias metodologias. A pesquisa é o que mais destaca uma universidade de outra. É representada pela produção científica realizada por uma universidade. E por último, mas não menos importante, temos a extensão. É uma atividade de comunicação com a sociedade, de assistência, de troca de experiências e de prestação de serviços, como concorda Wanderley (1991, p. 45), “A Universidade deve prestar serviços à comunidade”. Porém esse conceito não é unânime e causou várias discussões ao longo da trajetória da Universidade no Brasil. No Brasil, os objetivos da extensão têm mudado muito desde seu surgimento nas universidades. Podemos destacar dois momentos na história da extensão, de acordo com os momentos políticos que ela vivenciou: antes e pós 1964. Antes de 1964 a extensão acompanhava fielmente os passos elitistas da universidade, que servia claramente às camadas mais favorecidas e que detinham o poder. Assim a universidade contribuía para a manutenção da ordem vigente, sendo uma propagadora de um sistema pouco ou quase nada democrático, opressor e elitista, onde os mais pobres não recebiam benefícios por parte da universidade, nem poderiam alimentar esperanças de nela ingressar, por sua própria condição de excluídos. Com o passar do tempo, as universidades foram se sensibilizando para com essa questão do atendimento unilateral para com a sociedade, pois serviam somente aos abastados. 31 Começaram, então, a se preocupar com a extensão, mas nesse momento, a extensão não era vista como canal de comunicação com a sociedade nem de troca de experiências. “No início, as atividades de extensão não tinham como objetivo atender às necessidades da população, mas sim de justificar sua existência na sociedade". (UNIVERSIDADE METODISTA..., 2002, p. 16). Até 1930 essas atividades eram voltadas somente para a elite. “A extensão universitária surgiu da análise das funções da universidade, contra seu elitismo crescente e da constatação de que ela pode e deve cumprir tarefas sociais relevantes”. (WANDERLEY, 1991, p. 49). Nesse período a extensão ainda não se comunicava com a sociedade no sentido de tirar dela elementos e experiências para o aprimoramento do aprendizado. A extensão era exercida por meio de cursos, seminários e prestação de serviços, com caráter assistencialista. Era como se a sociedade não pudesse resolver seus problemas e a universidade tivesse a resposta para todos eles. Isso durou até por volta de 1980. (UNIVERSIDADE METODISTA..., 2002, p. 18). Somente em 1988 e pela primeira vez na história da Universidade, a extensão é tratada como dimensão acadêmica sem diferenciá-la do ensino e da pesquisa. Agora a extensão faz parte da construção do conhecimento, através das trocas de experiências com a sociedade, onde a universidade aplica o conhecimento que possui e leva vivências para as salas de aula e ainda retroalimenta pesquisas. Segundo a Universidade Metodista de Piracicaba, são objetivos da extensão: a) formação para o exercício da profissão; b) Avanço das áreas do conhecimento; c) estabelecer parcerias com segmentos da sociedade que se preocupem em promover a cultura. 3.1 Extensão na UFC A Pró-Reitoria de Extensão da UFC (PREX/UFC) desenvolve ações junto às comunidades urbana e rural sob a forma de programas, projetos, cursos, eventos e prestação de serviços, a partir de propostas apresentadas por docentes ou técnico-administrativos lotados nas diversas unidades acadêmicas. As ações de extensão na UFC são desenvolvidas nas seguintes áreas temáticas: Comunicação, Cultura, Educação, Direitos Humanos, Meio Ambiente, Saúde, Tecnologia e Trabalho. A PREX está composta pelas seguintes Coordenadorias: Ação Social e Comunitária, Desenvolvimento Regional, Integração Universidade - Setor Produtivo e Integração Universidade - Movimentos Sociais. 32 A Coordenadoria de Ação Social e Comunitária coordena, apóia, supervisiona e acompanha as ações de extensão referentes à temática saúde nas comunidades urbanas e rurais do estado do Ceará. A Coordenadoria de Desenvolvimento Regional acompanha as ações de extensão nas áreas temáticas referentes ao meio ambiente e trabalho. A Coordenadoria de Integração Universidade - Setor Produtivo trata de promover a integração da Universidade com o setor produtivo e governamental difundindo conhecimentos científicos e tecnológicos gerados no âmbito da Universidade, bem como promover e difundir a cultura empreendedora. A Coordenadoria de Integração Universidade - Movimentos Sociais articula, coordena, supervisiona, apóia e acompanha ações de extensão das unidades acadêmicas da UFC junto aos movimentos sociais organizados. Estrutura Organizacional da UFC Reitoria Pró-Reitoria de Pró-Reitoria de Pró-Reitoria de Pró-Reitoria de Administração Assuntos Extensão Graduação Estudantis Pró-Reitoria de Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós- Planejamento graduação Departamento de Coordenadoria do Coordenadoria Coordenadoria de Coordenadoria de Coordenadoria de Administração Restaurante de Ação Social e Pesquisa, Ensino de PósPlanejamento Universitário Comunitária Informação e Graduação Operativo Comunicação de Dados Departamento de Coordenadoria de Coordenadoria Coordenadoria de Coordenadoria de Coordenadoria de Contabilidade e Assistência de Pesquisa e Pesquisa Modernização Finanças Comunitária Desenvolvimento Acompanhamento Administrativa Regional Docente Coordenadoria de Educação Física Coordenadoria Coordenadoria de Coordenadoria de Coordenadoria de de Integração Acompanhamento Capacitação de Análise Universidade Discente Recursos Institucional e Movimentos Humanos Avaliação Sociais Coordenadoria de Integração Universidade Setor Produtivo 33 4 DOIS PROJETOS VOLTADOS PARA A INCLUSÃO: UFC Inclui e Curso preparatório para o Vestibular Ludwig van Beethoven O Ministério da Educação – MEC - financia 13 projetos em todo o País voltados para ações inclusivas nas universidades brasileiras. Trata-se do Programa Incluir, que visa à permanência de alunos com limitações visuais, auditivas, motoras e outras. O UFC Inclui é um desses projetos. Seu objetivo é diminuir as barreiras de ordem estrutural ou física, pedagógicas e ideológicas em relação às pessoas que têm necessidades educativas especiais. O UFC Inclui também se preocupa em preparar os alunos de diversos cursos para atuar num mercado de trabalho onde existem pessoas com deficiência e sensibilizar toda a comunidade universitária para essas questões. O MEC destinou R$ 77 mil ao UFC Inclui na fase de lançamento. Segundo Dias et al. (2006), “O Projeto tem três eixos de atuação: pedagógico, arquitetônico e político-ideológico-cultural”. O eixo pedagógico tratará das teorias, métodos e técnicas de educação especial que favoreçam a inclusão de alunos especiais. O eixo arquitetônico pretende adaptar a estrutura física para facilitar o acesso de pessoas com necessidades especiais a diversas dependências da instituição. O terceiro eixo pretende instigar a comunidade acadêmica a refletir sobre a educação e profissionalização de alunos com deficiência, viabilizando dessa forma o início da criação de uma cultura inclusiva na UFC. O Projeto tem, já desde o seu nascimento, objetivos bem traçados a curto e médio prazo, pois como afirma a Coordenação do UFC Inclui, pretende-se ainda em 2006, a criação do Núcleo de Educação Inclusiva (NEI), do Laboratório de Informática Educativa (LIE) para alunos com deficiência, a Licenciatura em Libras, além de reformas e construções na estrutura física da universidade e implementação de uma programação bem diversificada, com ciclos de palestras, oficinas, shows e filmes. O primeiro ciclo de palestras está datado para os meses de abril a dezembro de 2006, nos três Campi. Ele tem o objetivo de informar e discutir temáticas sobre a inclusão de alunos (as) com deficiência na UFC, além de divulgar as experiências inclusivas que vem sendo desenvolvidas nessa Universidade. O ciclo é direcionado para a comunidade acadêmica e a sociedade em geral, e focaliza temas que envolvem as deficiências visual, auditiva, motora e mental. O Projeto UFC Inclui tem também o objetivo de reunir, para troca de experiências e visando um trabalho em conjunto, organizadores e coordenadores de outros projetos de cunho inclusivo que atuam isoladamente na UFC, pois apesar de o Projeto UFC Inclui ser pioneiro, outras ações inclusivas já haviam sido postas em prática na Universidade, como por 34 exemplo: o Projeto Saúde Ocular (Curso de Enfermagem); o Projeto Acessibilidade e Inclusão (Faculdade de Educação); o Programa Todos os Sentidos – Rádio Universitária (Departamento de Línguas Estrangeiras); o Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce – NUTEP (Departamento de Medicina); o Projeto Acessibilidade nas Escolas Públicas (Dep. De Arquitetura e Urbanismo); o Programa de Educação Permanente e Capacitação Profissional de CirurgiõesDentistas – (Dep. Odontologia); o Projeto de apoio à inclusão escolar de crianças com necessidades especiais – NUTEP – (Dep. Medicina); o Curso de Especialização Lato Sensu sobre Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental e Pesquisa Gestão da Aprendizagem na Diversidade – (Faculdade de Educação). O Curso Pré-Vestibular Ludwig van Beethoven existe há dois anos e resulta de uma parceria entre o CAS e a UFC, como já havia sido dito anteriormente. O Curso é anual e funciona de segunda à sexta, das 18:30h às 21:45h, na Av. Rui Barbosa, 1970-A, no bairro Aldeota. É gratuito e destinado às pessoas com deficiência auditiva (a grande maioria dos alunos do curso é formada por pessoas de baixa renda). Os professores do Curso são alunos da UFC especialmente treinados que ministram as aulas com ajuda de um intérprete de Libras. Eles também podem optar por receberem treinamento especial para eles próprios ministrarem as aulas sem a ajuda do intérprete. 35 5 ANÁLISE DO CAS Entrei em contato com o tema em questão, quando me interessei em analisar a capacitação dos servidores técnico-administrativos e profissionais terceirizados que trabalham na BCT – Biblioteca de Ciências e Tecnologia da UFC, onde atuo como bibliotecário, para o atendimento a pessoas com surdez. Nessa perspectiva, descobri que a necessidade dessa capacitação não se justifica porque não há demanda. Em outras palavras, não há surdos freqüentando a Biblioteca Universitária da UFC. Essa descoberta me deixou curioso por descobrir o porquê da ausência de surdos na Universidade, num momento em ela tanto fala e participa de atividades inclusivas. Decidi, então, realizar esta pesquisa acerca das ações de cunho inclusivo desenvolvidas pela UFC, para entender até que ponto essas ações são válidas para os objetivos a que se propõem. Procurei primeiramente me inteirar sobre o Projeto UFC Inclui, suas perspectivas de ações e seus objetivos. Entrei em contato, pessoalmente, com as coordenadoras do projeto, que me responderam prontamente em conversas informais durante as palestras promovidas pelo UFC Inclui. Fiquei sempre sendo informado das palestras e outros eventos promovidos pelo Projeto através de e-mail. Posteriormente, passei a fazer visitas ao CAS, uma vez que o meu principal ponto de interesse era para com os surdos, e a ter diálogos bastante esclarecedores com a professora Valéria. Nesses momentos eu fazia observações e sempre que me surgia uma dúvida ou curiosidade, recorria à professora Valéria, que me atendia com muita atenção e interesse. Numa dessas visitas fizemos a aplicação dos questionários, que foram muito bem aceitos tantos pelos alunos quanto pelos professores. Para melhor compreender essa temática da surdez e entender como ela é percebida e tratada pelas diversas pessoas envolvidas, sejam professores da Universidade, professores do Cursinho ou mesmo os próprios alunos, coletei informações em diversos momentos da pesquisa com todos esses personagens através de entrevistas informais, aplicação de questionários e observações in loco no Cursinho pré-vestibular. Participei de algumas das reuniões e palestras promovidas pelo Projeto UFC Inclui e lá tive contato tanto com as coordenadoras do Projeto quanto com as pessoas que são o público-alvo dessas ações inclusivas, cegos, surdos, deficientes físicos, etc. Destaco que o que me deixou mais impressionado e curioso pelo assunto foram os depoimentos dos professores do Cursinho. Como a maioria dos leigos nesse tema, eu acreditava que os surdos eram capazes de se comunicar sem problemas através da escrita, o que nem sempre é verdade. A forma de eles escreverem é bastante limitada, pois em sua 36 redação não há preposições, artigos, conjunções e os verbos são escritos quase sempre no infinitivo. Como na sua linguagem natural - a de sinais - eles se comunicam por meio de “expressões” e é dessa forma que escrevem. Para melhor compreender isso que estou dizendo, vamos imaginar a seguinte situação: se um ouvinte olha para o seu relógio, vê que é meio-dia e está com fome, ele provavelmente dirá: “Está tarde. Vou para casa almoçar”. Um surdo diria a mesma coisa com somente dois gestos, um para a palavra “casa” e outro para o verbo “comer”. Percebi essa dificuldade dos surdos para com a língua Portuguesa ainda mais de perto quando da aplicação dos questionários. Já havia sido alertado quanto a esse fato por uma das professoras do Cursinho (professora Valéria), que me falou que eu deveria fazer perguntas simples e diretas, sem que houvesse nenhum aspecto ou sentido abstrato, com palavras de fácil compreensão, como se estivesse escrevendo para crianças da faixa etária dos 10 anos, pois a dificuldade dos surdos também passa pela leitura. Eles não compreendem tudo o que lêem em português. Elaborei, então, o questionário abaixo, com cinco perguntas, para aplicar a 10 alunos do total de 40 que fazem o Cursinho. Essa amostra de 25% da população estudada facilitará a interpretação das respostas, pois não é tarefa fácil compreender o que eles escreveram nos questionários, mediante as dificuldades em língua portuguesa que mencionei anteriormente: 1 - Você acha que o Curso Preparatório para o Vestibular Ludwig Van Beethoven o ajudará a passar no Vestibular? 2 - Acha que os professores são bons? Eles sabem trabalhar com surdos? 3 - A comunicação é boa? Você consegue aprender tudo? 4 - O curso o ajudou em outras áreas e aspectos de sua vida? Quais? 5 - Recomendaria este curso a seus parentes e amigos? Considerem que para responder a essas cinco questões, muitos surdos pediram para levar os questionários para casa e devolvê-los mais tarde, depois de “traduzirem” as perguntas, compreenderem o que elas pedem como resposta e depois “traduzirem” de novo as respostas para as redigir nos questionários. É um processo difícil para eles responder a questões subjetivas. Vejamos, por exemplo, uma das respostas que obtive para a questão 1 do questionário: “Eu quero cursinho pré-universitário de aula do respeito de importante. Melhor!!! UFC na prova dificilmente, interprete explicar as palavras entendeu”. Vejamos outro exemplo. Desta vez uma resposta dada para a segunda questão: “Eu sou surda tem trabalhar o que é Fabrícia Fortaleza faz que é na função de 37 auxiliar serviços gerais na dentro cozinheira”. Os questionários me mostraram que 90% dos alunos do Cursinho acreditam que podem passar no Vestibular. Supus, realmente, que uma grande maioria dos alunos do Cursinho acreditassem poder passar no Vestibular, auxiliados pelas aulas que lá recebem, caso contrário não estariam lá. Essa pergunta vem levantar uma questão até então não considerada ou mesmo lembrada pelos diretores das atividades inclusivas na Universidade: um surdo não é capaz de fazer uma prova de Redação, pelas razões já expostas acima, e concorrer em pé de igualdade com um ouvinte. Isso os deixa em posição de desvantagem no momento da correção das provas, já que não há distinção de critérios para os surdos. Acima vimos somente exemplos de textos redigidos por surdos alunos do Cursinho Pré-vestibular. Isso me faz pensar na dificuldade ainda maior que representa o Vestibular ao ingresso de pessoas surdas na Universidade. No momento da prova, eles têm direito a um intérprete que os auxilia na compreensão das questões e uma hora a mais para responder as provas. Porém, não há uma correção diferenciada das provas dos surdos em relação aos demais candidatos. Na primeira fase do Vestibular somos levados a acreditar que não se verifica tanto esse entrave, pois a prova objetiva pode até camuflar a dificuldade que os surdos têm para com a compreensão das questões, uma vez que eles têm somente que marcar a alternativa que consideram correta. Mas como considerar uma alternativa como correta se ele talvez nem tenham compreendido a pergunta? Na segunda fase do processo seletivo para ingresso na Universidade o problema é ainda maior, pois a prova é discursiva. E ainda temos a prova de redação, terror de muitos candidatos, mesmo entre os ouvintes, pelo seu grau de dificuldade e criteriosa correção por uma banca de três professores. A prova de redação é a ruína de muitos candidatos. Para os surdos, já não é necessário salientar que as dificuldades são ainda maiores, quase intransponíveis, se não forem levadas em conta as suas limitações ortográficas. Como pode um surdo concorrer de igual para igual com um ouvinte quando o critério de seleção é uma prova discursiva e outra de redação? Segundo depoimento da Professora Valéria, não há no Ceará sequer um aluno surdo em Universidades públicas. Por essa razão coloquei essa pergunta como sendo a primeira do questionário, para perceber como os surdos vêem as suas próprias possibilidades de ingresso na Universidade, pois eles conhecem não somente suas limitações, como sabem que os critérios de correção das provas serão os mesmos para todos os candidatos. Embora sabendo que não receberá tratamento diferenciado, observamos que quase a totalidade da amostra estudada respondeu 38 que acredita que o Cursinho o ajudará a passar no Vestibular. Vejo aqui alguns fatores que podem ter alguma influência nessa forma de pensar dos surdos. Segundo a própria professora Valéria, é na sala do Cursinho que muitos deles têm contato com certos conteúdos que nunca foram antes estudados. Lá eles encontram uma atmosfera completamente propícia para seus questionamentos, para esclarecer dúvidas, etc., o que tem facilitado a assimilação de novos conhecimentos por parte deles, embora isso ocorra de forma mais lenta, até devido à própria necessidade da figura do intérprete. Outro aspecto que pode levar os surdos a crerem piamente em seu ingresso na Universidade é o fato de serem alunos de estudantes da UFC. Isso talvez os faça pensar que estão aprendendo exatamente o que será cobrado nas provas, pois estão aprendendo com universitários que obtiveram êxito nessas provas recentemente. Isso se observa nas respostas à segunda pergunta do questionário, onde eles (80%) revelam que põem total confiança nos professores assessorados pelos intérpretes. Na verdade, o que queríamos saber com relação aos professores, na percepção dos surdos, era se embora nem todos os professores tendo sido capacitados em Libras, se suas aulas eram satisfatórias, se o intérprete conseguia repassar a eles tudo o que estava sendo dito, se o professor sabia lidar com essas diferenças e necessidades especiais que eles têm. Alguns poucos alunos apontaram eventuais casos em que um ou outro professor agiu com falta de paciência, ou que foram repreendidos quando faziam uma pergunta a um colega, pois o professor teria pensado que o aluno estava conversando durante a aula. 10% da amostra respondeu que os professores não sabem lidar com os surdos e suas necessidades especiais. Vejamos o gráfico que se segue: Gráfico 1 Satisfação dos alunos quanto aos professores Bons Ruins Não soube responder 39 10% da amostra não souberam responder a esta questão, provavelmente por não ter entendido a pergunta. Claro está que um número tão baixo de insatisfação não chega a comprometer a comunicação e o aprendizado, conforme vi nas respostas da terceira pergunta. Diz 80% dos respondentes que consideram boa a comunicação em sala de aula e conseguem assimilar bem os conteúdos. Mas aí vem uma dúvida sobre que conteúdos eles dizem estar assimilando: os que o professor repassa, ou os que o intérprete consegue transmitir, considerando que há uma distância entre eles. Observemos o gráfico: Gráfico 2 Satisfação quanto à comunicação em sala de aula Boa Ruim Outros Esse meu questionamento baseia-se na resposta de 10% da amostragem, que dizem que os professores são muito rápidos, dificultando o trabalho do intérprete. Outros 10%, representados no gráfico pela cor amarela, dizem que a comunicação é boa, mas não conseguem tirar tanto proveito pelo fato de “os surdos demorarem a aprender”. É importante frisar que mediante o que pude observar nas respostas à quarta questão, somente 40% dos surdos acreditam que podem tirar proveito dessas aulas no Cursinho Ludwig van Beethoven também para outras áreas e aspectos de suas vidas, como o profissional e mesmo o pessoal. O perfil dos alunos do Cursinho é: grande maioria de jovens de baixa renda entrando na idade adulta e, por conseqüência, estão começando a pensar em arranjar um trabalho. Não querem se dar por vencidos ou serem considerados incapazes. O Cursinho pode lhes abrir caminhos uma vez que funciona como fonte de esclarecimentos e instrução. É o momento em que eles têm a possibilidade de aprender coisas novas num ambiente que favorece a interação com os outros membros e o próprio aprendizado, pois ali eles se sentem à vontade, pois o espaço e tudo o que lá há foi concebido pensando neles. 40 Gráfico 3 Tiraram proveito do Cursinho para outros aspectos da vida Sim Não Não soube responder Dos que responderam sim à quarta pergunta, os principais motivos destacados foram o maior conhecimento da língua portuguesa, o aprimoramento da comunicação e a aumento da participação na vida em sociedade. Neste ponto foi onde percebi, pela primeira vez e de maneira mais acentuada, como o Cursinho pode contribuir para a inclusão social dessas pessoas: ensinando-lhes a língua portuguesa, a se comunicar através dela e incentivando uma maior interatividade e participação no cotidiano da comunidade onde essas pessoas vivem. Mediante tudo isso, não resta dúvida quanto à quinta e última questão. Todos disseram que se necessário fosse, trariam parentes e amigos para fazer o Cursinho junto com eles. Algo que pode vir a confirmar o exposto no parágrafo anterior é que a maioria dos alunos desse segundo ano de funcionamento do Cursinho é formada por surdos que assistiram aulas no ano passado, e embora não tendo logrado êxito no Vestibular, retornaram ao Cursinho este ano. O questionário aplicado a 25% dos professores do Cursinho constou de 6 perguntas: 1- Você acredita que o Curso Preparatório para o Vestibular Ludwig Van Beethoven prepara de forma satisfatória os alunos para o ingresso na UFC? Por quê? 2- Os professores se relacionam bem com a turma? Acha que eles foram bem preparados para lidar com as necessidades especiais dos alunos do cursinho? 3- A comunicação com os alunos em sala de aula se dá de forma satisfatória? Acredita que eles assimilam bem os conteúdos das aulas? 4- Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos professores do Cursinho? 5- Na percepção do professor, quais seriam as dificuldades encontradas pelos alunos no processo de aprendizagem do conteúdo lecionado? 6- Acredita que o Cursinho promove realmente a Inclusão Social dos surdos? Por quê? 41 Analisando as respostas obtidas, vemos que 20% apenas dos professores não acreditam que o cursinho facilite o ingresso de surdos na Universidade. Todo o restante afirma crer que o Cursinho pode auxiliar os surdos na prova do Vestibular, talvez por desconhecer a política de correção das provas quanto aos candidatos surdos, talvez por vislumbrar a possibilidade de uma remuneração futura para o trabalho do professor, pois são todos alunos voluntários da UFC. Na questão 2 obtive a totalidade das respostas positivas, mas com ressalvas. Apontaram a necessidade de se aprimorarem em LIBRAS para estarem melhor preparados para se comunicarem, eles próprios (sem intérprete), com os surdos. 40% dos professores disseram que a comunicação não é boa, mesmo com o auxílio do intérprete, e que os alunos não assimilam bem o conteúdo das aulas. Isso se dá por diversas razões, dentre as quais as mais citadas foram (em resposta à quinta questão): a) há palavras e/ou expressões que não têm correspondente em LIBRAS; b) dificuldade do intérprete em acompanhar a velocidade do raciocínio do professor ao transmitir informações; c) os alunos trazem pouquíssimo arcabouço teórico de seu Ensino Fundamental; d) dificuldade dos surdos para com a leitura e interpretação de textos; e) desmotivação por parte dos alunos. As dificuldades enfrentadas pelos professores são: a) pouco ou nenhum conhecimento em LIBRAS; b) falta de incentivo financeiro; c) infraestrutura deficiente e carência de equipamentos; d) dificuldade em repassar todo o conteúdo. Curioso é o fato de que apesar de existirem todas essas barreiras e entraves, 80% responderam que o Cursinho proporciona sim inclusão social a essas pessoas surdas, por “darlhes a esperança de ingressar na Universidade”. Somente 20% responderam, a meu ver, de forma mais sensata, dizendo que só haverá inclusão social se essas pessoas realmente chegarem a passar no Vestibular. 42 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS É louvável que a Universidade Federal do Ceará venha se preocupando com a questão da inclusão social de pessoas com necessidades especiais. Interessante salientar que a UFC concorreu com outras Instituições Federais de Ensino Superior para integrar o grupo das treze universidades participantes do Projeto Incluir do MEC, de onde surgiu o UFC Inclui. Indagada por mim sobre quais razões a UFC teria para querer participar desse grupo, a coordenação do UFC Inclui me respondeu que embora os deficientes na UFC sejam um número irrisório diante dos milhares de alunos que a ela estão vinculados, essa não é uma questão para ser tratada numericamente e sim uma questão de cidadania, ou melhor, de promover a cidadania. Assim sendo, não importa se for somente um ou mil estudantes, lutaremos para garantir que seus direitos sejam respeitados. Percebemos, ao longo deste trabalho, que há ainda um entrave quanto ao ingresso de pessoas surdas na Universidade. O fato de os surdos terem somente uma hora a mais para fazerem as provas e o de não terem suas dificuldades consideradas no momento da correção, torna esse sonho quase impossível. Todas essas questões me fazem refletir sobre a necessidade urgente de se repensar esse processo que impõe tantos obstáculos ao ingresso da pessoa surda na UFC. Quem sabe aproveitando esse momento em que a Universidade está tão voltada para essas atividades inclusivas e que esse é um tema que está na “moda” atualmente, não fosse a hora de o Projeto UFC Inclui propor que esses processos e procedimentos fossem revistos, levantando essa questão para debates e análise das autoridades administrativas na UFC, dos intelectuais e de toda a comunidade interessada? O Projeto UFC Inclui tem procurado sensibilizar a comunidade acadêmica para a questão de que existem pessoas com necessidades educativas especiais, que essas pessoas estão perto de nós e que temos que compreender suas limitações e respeitá-las, mas não tem atentado para o fato de que os surdos que almejam ingressar na Universidade estão em desvantagem no processo de seleção. O que sabemos é que toda e qualquer ação inclusiva será inútil se as desigualdades, as necessidades especiais que alguns têm, por exemplo, não forem consideradas e se não passarmos a tratar os diferentes como diferentes, o que não envolve estabelecer nenhuma relação de assimetria entre as pessoas, a despeito das diferenças existentes entre as mesmas. 43 REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Salete Fábio. Reflexão sobre valores que permeiam o Decreto 3.298/99. Disponível em: <http://www.mpt.gov.br/publicacoes/pub04.html>. Acesso em 22 mar. 2006. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro: 2002. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: Informação e documentação: citações em documentos: apresentação. Rio de Janeiro: 2002. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724: Informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro: 2005. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6028: Informação e documentação: resumos: elaboração. Rio de Janeiro: 2002. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6027: Informação e documentação: sumário: apresentação. Rio de Janeiro: 2002. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992. BUENO, José Geraldo Silveira. Surdez, linguagem e cultura. Cadernos CEDES, v. 19, n. 46. set. 1998. DEFICIÊNCIA auditiva. Disponível em: <http://www.entreamigos.com.br/textos/defaud/surdez.html>. Acesso em: 11 out. 2005. DIAS, Carmina et al. UFC lança projeto de inclusão de pessoas com necessidades especiais. Jornal da UFC, Fortaleza, p. 4. ano 3, n. 7. fev. 2006. EDUCAÇÃO especial. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ees_l.php?t=01>. Acesso em: 11 out. 2005. EXTENSÃO universitária. Um canal em dupla mão. Fortaleza: EUFC, 1986. 101 p. (Coleção Documentos Universitários, 21). GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 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Eles sabem trabalhar com surdos? ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ 3- A comunicação é boa? Você consegue aprender tudo? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4- O curso o ajudou em outras áreas e aspectos de sua vida? Quais? _________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ 5- Recomendaria este curso a seus parentes e amigos? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 46 APÊNDICE B – Modelo de questionário para os professores do Cursinho Tendo em vista a realização de uma pesquisa para a elaboração de uma Monografia de Especialização em Gestão Universitária na UFC, cujo tema é a inclusão social, peço sua colaboração para preencher com atenção ao questionário abaixo: 1- Você acredita que o Curso Preparatório para o Vestibular Ludwig Van Beethoven prepara de forma satisfatória os alunos para o ingresso na UFC? Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2- Os professores se relacionam bem com a turma? Acha que eles foram bem preparados para lidar com as necessidades especiais dos alunos do cursinho? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3- A comunicação com os alunos em sala de aula se dá de forma satisfatória? Acredita que eles assimilam bem os conteúdos das aulas? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4- Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos professores do Cursinho? _________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________ 5- Na percepção do professor, quais seriam as dificuldades encontradas pelos alunos no processo de aprendizagem do conteúdo lecionado? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6- Acredita que o Cursinho promove realmente a Inclusão Social dos surdos? Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 47 APÊNDICE C – Pessoas entrevistadas Frederico de Andrade Pontes – Diretor da CCV/UFC Professora Valéria Maria Portela Fernandes – CAS Professora Vanda Magalhães Leitão – Coordenadora do UFC Inclui Professora Ana Karina Morais de Lira - Coordenadora do UFC Inclui