Apesar dos inúmeros estudos que visam otimizar a sedoanalgesia dos doentes internados em unidade de terapia intensiva (UTI) ainda não existe uma droga ideal para esse fim1-7. Os α2-agonistas tem um futuro promissor no que concerne a promoção do conforto dos pacientes críticos. Os efeitos hipnótico e antinoceptivo desses fármacos são conhecidos desde a década de 70. Quanto ao mecanismo de ação, são agentes que ativam os receptores α2-adrenérgicos, que pertencem à família das proteínas G. O “locus coeruleus” (LC), onde está localizada a maioria dos receptores, é a principal região do sistema nervoso central envolvida no seu efeito sedativo. Observa-se que os α2 agonistas continuam a promover analgesia e hipnose mesmo com depleção dos neurotransmissores noradrenérgicos. Isto se explica porque estes fármacos também possuem ação positiva em receptores gabaérgicos no LC. Esses receptores possuem atividade noradrenérgica, o que sugere uma íntima relação entre estes dois mecanismos. A analgesia promovida pelos agonistas α2 deve-se à ação dessas drogas ao nível da medula espinhal. Estudos recentes, descritos no decorrer dessa revisão, avaliaram os efeitos sedoanalgésicos e a interferência dos α2-agonistas na resposta imumológica ao trauma. A clonidina e a dexmedetomidina são os α2-agonistas disponíveis na prática clínica 8-12 A clonidina, uma droga utilizada a longa data para o controle da hipertensão arterial, tem sido indicada para o controle de quadros de abstinência e para a otimização do controle da dor e da ansiedade durante atos anestésicos13-21. Dahmani S22, em uma metanálise, avalariaram os estudos que comparava midazolam com clonidina para a pré-medicaçao anestésica em pediatria. Constataram que a clonidina mostrou-se superior no que concerne a indução da sedação, a diminuição da agitação e a melhor analgesia pósoperatória assim como proporcionou menor incidência de náuseas e vômitos. Os efeitos colaterais mais freqüentemente relatados na literatura em relação à administração da clonidina são a hipotensão e a bradicardia Apesar de estes eventos serem geralmente brandos e previsíveis, são responsáveis pela resistência de grande parte dos médicos intensivistas quanto à utilização dos α2 agonistas. Após a administração sistêmica ou raquídea da clonidina, a ocorrência de hipotensão é maior nos pacientes com doença hipertensiva arterial do que nos que apresentam pressão arterial em níveis normais. Um estudo recente mostrou uma queda da presssão arterial sistólica (PAS) em 25% dos pacientes que foram medicados com clonidina peridural, 2 no entanto não houve variações da freqüência cardíaca (FC) desses pacientes. As alterações da FC após a administração dos α2 agonistas, relatadas na literatura, são variáveis. Geralmente a FC é reduzida em diferentes graus após a administração desses fármacos. No entanto, bradiarritimias intensas e persistentes não são freqüentes, mesmo com uso crônico da clonidina23-26. Nos últimos anos tem havido estudos sobre a administração prolongada da dexmedetomidina para a sedoanalgesia de pacientes críticos. A segurança e eficácia desse fármaco foi avaliada em um estudo randomizado27 com 375 pacientes submetidos a ventilação mecânica. Os resultados apontados foram de que a sedoanalgesia com a dexmedetomidina, em comparação com o midazolam, proporcionou menos delirium, menos infecção, e menor incidência de taquicardia e hipertensão. Outro estudo28 comparou o custo do tratamento da dexmedetomidina com o midazolam. Foi um trabalho multicêntrico e dulo cego que avaliou 366 pacientes entubados que necessitavam de ventilação mecânica por um período maior que 24 horas. Foram identificados os custos do tempo de ventilação mecânica, do tempo de internação na UTI, da aquisição das drogas e do tratamento de possíveis complicações. Os autores concluíram que a sedação contínua com a dexmedetomidina resultou, de forma significante, em menor custo financeiro do tratamento. Dorman et al29, ao estudarem os efeitos da clonidina sobre a resposta simpática avaliaram 40 pacientes submetidos a cirurgia abdominal de grande porte. Os autores mediram a FC, a PAS e dosaram as catecolaminas plasmáticas, interleucina 6 (IL-6) e o cortisol dos doentes. Concluíram que a clonidina produz efeitos simpatolíticos, diminuindo a concentração de epinefrina e de norepineffrina em 65%, sem causar alterações nas dosagens de IL6 e de cortisol. Wallace et al30 estudaram 190 pacientes submetidos a cirurgia com risco de desenvolverem isquemia miocárdica no pós operatório. Mostraram que a clonidina diminuiu a incidência da mortalidade desses pacientes. Schneemich et al31 apontaram que a clonidina suprime a resposta hiperadrenérgica em pacientes submetidos a endarterectomia de carótica. Von Dossow et al32, por considerarem que os linfócitos T desenvolvem um papel central na resposta imunológica ao trauma, avaliaram 40 pacientes submetidos a cirurgia cardíaca. Mostraram que a clonidina alterou a taxa de subpopulações de linfócitos T no sangue periférico a favor da resposta pró-inflamatória, o que é responsável pela manutenção do balanço imunológico após o ato cirúrgico. Bonhomme et al33 avaliaram, em voluntários saudáveis, o efeito da clonidina na distribuição regional do fluxo cerebral. Os autores concluíram que sedação 3 induzida por esse fármaco promove sono não REM e que as regiões cerebrais desativadas são comparáveis com aquelas observadas durante anesthesia geral ou estado vegetativo. Rubino et al34, realizaram um estudo randomizado, em 30 pacientes submetidos a cirurgia. Os doentes receberam clonidina (1-2 microg/kg/h) ou placebo (NaCl 0.9%). Aqueles medicados com clonidina apresentaram menos delirium e permanecerem menos tempo sob ventilação mecânica ou internados na UTI. Hofer et al35, em um estudo experimental, avaliaram 2 grupos. No primeiro os autores administraram clonidina (5 microg/kg) ou dexmedetomidina (40 microg/kg) 12 e 1 hora antes e 1, 6 e 12 horas após o ato cirúrgico. No segundo grupo a administração da clonidida foi somente após a cirurgia. Os resultados desse trabalho demonstraram que a administração pré-operatória dos α2agonistas diminuiu significativamente a mortalidade. A clonidina atenuou de forma significante a resposta inflamatória a sepse. Riker et al36 realizaram um estudo prospectivo, duplo cego e randomizado onde foram avaliados 375 pacientes dos quais 244 receberam dexmedetomidina (0.2-1.4 µg/kg/h) e 122 midazolam (0.02-0.1 mg/kg/h). Os pacientes sedoanalgesiados com dexmedetomidina permaneceram menos tempo sob ventilação mecânica, apresentaram menos delirium e desenvolveram menos taquicardia e hipertensão. Uma preocupação dos médicos intensivistas é a de que a administração prolongada dos fármacos sedoanalgésicos possa causar tolerância e provocar mais efeitos colaterais nos pacientes gravemente enfermos. Esse fato também pode influir na morbimortalidade desses doentes e pode aumentar o tempo de internação da UTI ou no hospital. Diversas modalidades terapêuticas, tem sido propostas para que sejam evitados esses efeitos. Dentre elas destaca-se a individualização da sedoanalgesia, a monitoração da mesma e a interrupção diária dos fármacos sedoanalgésicos. Na tentativa de que seja evitada a sedoanalgesia excessiva, tem sido amplamente defendida a suspensão diária dos fármacos, a monitoração da sedoanalgesia e, mais recentemente a não administração contínua dos fármacos sedoanalgésicos37-39. Obviamente, as indicações terapêuticas são modificáveis em decorrência de novas descobertas científicas. Deve-se levar em consideração a importância de que o médico, ao prescrever as medicações para seu paciente deva associar seu conhecimento científico com o bom senso e com os princípios fundamentais da bioética da não maleficiência e da beneficiência. Jamais poderemos esquecer do estresse multifatorial que sofre o paciente submetido ao tratamento intensivo. 4 Portanto, a sedoanalgesia deve ser priorizada, sempre de forma individualizada, para que atenda as necessidades do indivíduo gravemente enfermo. BIBLIOGRAFIA 1. Hall JB, Schweickert S, Kress JP. Role of analgesics, sedatives, neuromuscular blockers,and delirium Crit Care Med 2009 Vol. 37, No. 10 (Suppl.) S416-421 2. Moritz RD. Sedação e analgesia em UTI: velhos fármacos, novas tendências. Rev Bras Ter Intens. 2005;17:53-55. 3. Celis-Rodrigues E; Besso J; Nirchenall C; de la Cal MA, Carrillo r, et al. 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