CONHECENDO MELHOR O SEU CÉREBRO
Será que chegaremos ao ponto de dizer que
todo mundo é portador de pelo menos uma
doença?
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POR DR. RICARDO A. TEIXEIRA
O
termo medicalização define o fenômeno
em que um comportamento ou uma
condição física ou mental passa a ser tratado
como se fosse um problema médico, recebendo
um rótulo de doença e opções de tratamento.
Na última semana, o assunto ganhou as páginas
do periódico British Medical Journal com um
elegante artigo do jornalista australiano Ray
Moynihan e ainda rendeu o editorial da editora
Fiona Godlee.
O centro da discussão quando se fala em
medicalização é a força da indústria farmacêutica
nesse processo que impulsiona a sociedade civil,
profissionais de saúde, órgãos do governo e a
mídia a retroalimentarem a cultura de que todo
organismo vivo da espécie sapiens, a princípio,
No Brasil, a ANVISA não permite essa abordagem
deve ter alguma doença ou precisa de algum
direta, e por isso, o trabalho das indústrias
remédio. Todos esses atores têm seu papel na
farmacêuticas junto aos médicos deve ser ainda
medicalização.
mais intenso para alcançar as metas de vendas,
pois são eles que estão na linha de frente do
Nos EUA, a publicidade de medicações acontece
processo de medicalização, cara a cara com os
de forma direta com os consumidores com
pacientes. A publicidade dirigida aos médicos
inserções do tipo “Se você está se sentindo
inclui as visitas de representantes para oferecer
desanimado, pode ser que o Depre-pill seja
amostras grátis dos últimos lançamentos,
indicado no seu caso. Converse com seu médico
propaganda de seus produtos em periódicos
sobre isso”. Calcula-se que cada dólar gasto em
destinados à classe médica e patrocínio de
publicidade direta ao consumidor dê um retorno
eventos científicos.
mais de quatro dólares em vendas.
CONHECENDO MELHOR O SEU CÉREBRO
A medicalização não para de crescer.
ser incluído ainda, mas numa próxima edição
Percebemos limites da normalidade de
poderá estar.
marcadores biológicos cada vez mais estreitos
além de um crescente número de novas
Os médicos devem estar conscientes do debate
doenças. O que não era diabetes agora se
que envolva um diagnóstico polêmico e podem
chama pré-diabetes. O que não era pressão
e devem deixar os pacientes conscientes
alta, agora é pré-hipertensão. Transtorno
também. Um dos últimos casos polêmicos foi
de déficit de atenção que tinha que começar
o do diabetes gestacional, que pelos novos
na infância, agora já se discute que pode ter
critérios diagnósticos de 2010, cerca de 20% das
seu início na vida adulta. Quase não existe
gestantes passam a receber esse diagnóstico.
mais tristeza. Qualquer sentimento parecido
Além disso, o médico deve declarar quando há
é encarado como depressão.
conflito de interesse quando prescreve uma
medicação. Por que não?
Grande parte dos médicos especialistas
que fazem parte dos painéis que definem os
É importante também levar em consideração
critérios diagnósticos das doenças tem conflitos
que o processo de decisão daquilo que é doença
de interesse. Na definição do último Manual de
e que não é doença pode ser muito mais rico
Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM IV),
quando a discussão não fica limitada apenas
56% dos membros dos painéis eram ligados à
a médicos e cientistas. A sociedade civil e
indústria farmacêutica, e em alguns painéis,
representantes de tantas outras áreas do
como a depressão, essa cifra chegava a quase
conhecimento, como por exemplo, as ciências
100%. E os conflitos de interesse não são só
sociais, são muito bem-vindos nesse debate.
financeiros, mas também intelectuais, pois o
médico pesquisador tem a tendência de querer
proteger seus “filhotes científicos”. Uma política
Mai 2011
exemplar tem o Instituto Nacional de Saúde
nos EUA, que não permite que nenhum médico
que tenha conflitos de interesse com a indústria
farmacêutica participe dos painéis decisórios,
até mesmo aqueles que simplesmente já
tenham declarado um posicionamento
intelectual sobre a questão em consideração.
O novo Manual de Diagnóstico de Transtornos
Mentais DSM V está vindo por aí com novas
doenças mentais. Vício na internet não deve
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