1. Gostaria, em primeiro lugar, de dizer que é com enorme satisfação que aqui me encontro e por duas razões. Em primeiro lugar, porque tenho já uma velha ligação a esta Escola. Tive oportunidade, no passado, na qualidade de professor da Faculdade de Economia do Porto, de colaborar em várias iniciativas promovidas nesta Universidade e, em particular, na Escola de Economia e Gestão e, por isso mesmo, é-me sempre agradável regressar aqui e continuar essa colaboração muito embora, agora, em funções diferentes daquelas que tinha no passado. É igualmente agradável, ao fim de um ano e meio de governação, voltar a ter à minha frente uma audiência juvenil à qual estava muito habituado no passado. De facto, no exercício destas funções, não é todos os dias que encontramos uma audiência jovem e interessada nestas questões. A segunda razão que me leva a estar satisfeito por aqui estar prende-se com a importância do tema que aqui nos reúne. De facto, discutir a moeda única e, em particular, discutir as consequências dessa moeda única bem como os desafios que ela nos coloca, é cada vez mais importante à medida que nos aproximamos de datas decisivas, de momentos importantes neste processo de criação da União Económica e Monetária. E, porque debates desta natureza têm todo o interesse, obviamente que a minha presença aqui é, não só uma presença a título pessoal pelas razões que indiquei, mas, também, em termos institucionais, pretendendo representar o apoio e o interesse que o Governo e em particular o Ministério das Finanças têm em iniciativas desta natureza, as quais são, repito, fundamentais neste processo e nesta caminhada para a nossa preparação para a moeda única. Talvez inspirado pela presença do Senhor Arcebispo Primaz de Braga, começaria por recordar uma afirmação do Senhor Primeiro-Ministro quando da Cimeira Europeia de Madrid: “Euro, tu és euro, e sobre este euro construiremos a União Europeia”. Passo a heresia, porventura, mas creio que esta afirmação do nosso Primeiro-Ministro destaca a importância do projecto de construção da União Económica e Monetária como algo de profundamente estruturante de uma nova Europa e do relacionamento dos vários países da União Europeia nessa mesma Europa e com o Mundo. Ela apresenta um desafio, porventura dos maiores desafios deste século com que a Europa se está a confrontar: a criação da União Económica e Monetária e a instituição do euro, como moeda única, sem dúvida poderá acelerar o processo de criação do Mercado Único e vai aprofundar esse mesmo Mercado Único. Por outro lado, irá acelerar todo um conjunto de reformas estruturais que são indispensáveis à Europa para que esta possa surgir no Mundo de uma forma mais dinâmica e mais competitiva, confrontando-se também com dois pólos de poder que são, como sabem, por um lado, os Estados Unidos e, por outro lado, o Japão. Ora, sem responder, de forma eficaz, a estes desafios, sem levar a cabo essas reformas estruturais indispensáveis, a Europa dificilmente conseguirá sair de uma certa letargia que tem caracterizado a situação económica patente nos elevados níveis de desemprego. E, acredito sinceramente, o euro será o tal elemento reestruturante dessa Europa, de uma nova economia, de uma nova sociedade, de novos figurinos políticos, que irão ser fonte de dinamização e de crescimento e desenvolvimento e, espero, de criação de emprego. A introdução do euro implica importantes mudanças — e implica mudanças desde já — como implicará mudanças a partir do momento em que for instituído. Eu gostaria, nesta breve alocução de encerramento deste Colóquio, de focar alguns dos desafios, algumas das mudanças, alguns dos problemas que vamos ter de defrontar, em três áreas fundamentais: em primeiro lugar, no domínio da gestão das políticas económicas; em segundo lugar, no domínio da Administração Pública, que é, no fundo, um dos aspectos centrais deste Colóquio; e, finalmente, no domínio do sistema financeiro. 2. No que se refere à gestão das políticas económicas, gostaria de mencionar, por um lado, a política monetária e cambial e, por outro, a política orçamental. Quanto à política monetária e cambial, essas mudanças são já patentes. Recordo que, nesta caminhada para a União Económica e Monetária, os países seriamente empenhados em constituir o núcleo inicial de países que arrancarão com a moeda única, com o euro, têm já de conduzir — como sabem — políticas de grande rigor, quer no domínio monetário, quer no domínio orçamental. Assim, no domínio monetário e cambial refiro: políticas conduzidas tendo em vista a estabilidade de preços — é esse o objectivo central da nossa política monetária; políticas conduzidas para a desinflação e políticas que garantam a estabilidade cambial e, por outro lado ainda, um esforço de coordenação das políticas monetárias e cambiais entre os vários países da União Europeia, designadamente no âmbito do Instituto Monetário Europeu — embrião do futuro Banco Central Europeu e que tem desempenhado um papel importantíssimo na coordenação de tais políticas. Este esforço de estabilidade, sem dúvida que terá implicações importantes a nível macroeconómico, criando um clima favorável ao desenvolvimento da chamada economia real e, portanto, à criação de riqueza e à criação de emprego. Este é o esforço e, no fundo, a atitude — é a gestão da política monetária e cambial que tem de ser agora conduzida. Mas, no futuro, com a criação do euro, e estando Portugal — como espero — no núcleo dos países fundadores do euro, esta política não mais será conduzida pelo Banco Central — no nosso caso, o Banco de Portugal — mas, passará a ser conduzida pelo Sistema Europeu de Bancos Centrais que será núcleo condutor dessa política que agregará o chamado Banco Central Europeu e os diferentes bancos centrais dos países da União Europeia. A partir de 1 de Janeiro de 1999, será este Sistema Europeu de Bancos Centrais que definirá e conduzirá a política monetária e cambial da União Europeia. Essa política irá continuar a ser — tal como o é já — uma política que vai visar a estabilidade dos preços. É uma política que vai ter de assentar no princípio de uma economia de mercado, de uma economia aberta e de uma economia concorrencial, ou seja, são políticas que terão de assentar em formas indirectas de intervenção e não em formas directas como conhecemos no passado — no nosso País, por exemplo, através de limitações de crédito, administração de taxas de juro, etc. Será uma política conduzida por uma entidade que deve gozar de grande independência e autonomia. O Banco Central Europeu, tal como os bancos nacionais, deverão, de facto, usufruir de um elevado grau de autonomia e independência, o que não quer dizer que não tenham de prestar contas, obviamente, da política que vão conduzir. E, nesse sentido, posso referir, está a ser feito um esforço jurídico no nosso País no sentido de alterar a Lei Orgânica do nosso Banco no sentido de o Banco de Portugal ter um estatuto de autonomia e independência face ao poder político (o Governo aprovou ontem um ante-projecto de Lei Orgânica do Banco de Portugal, tendo já em vista o cenário de adesão de Portugal à moeda única, a partir de 1 de Janeiro de 1999). A política monetária terá ainda de ser conduzida — tal como o é também agora — com base no princípio de não-financiamento do sector público, ou seja, os bancos centrais e o Banco Central Europeu não poderão financiar de forma alguma os entes públicos. É uma política que terá ainda de ser conduzida com base no princípio da subsidariedade, ou seja, muito embora seja o Banco Central Europeu e os bancos nacionais — nesse fórum que é o Sistema Europeu de Bancos Centrais — que terão de definir e conduzir a política monetária, a implementação dessa política será conduzida de uma forma descentralizada, o que quer dizer que os vários bancos nacionais continuarão a ter um papel relevante na implementação da política definida ao nível central. Será criado um grande mercado interbancário, ou seja, tendo nós uma política monetária ao nível europeu, iremos ter também um mercado interbancário a nível europeu assente num complexo e sofisticado sistema de pagamentos interbancários que dá pelo nome de TARGET (suporte tecnológico de comunicações e circulação, obviamente, de informação que irá apoiar o conjunto de operações monetárias a realizar nesse espaço alargado). A política monetária e cambial será, a partir de 1 de Janeiro de 1999, conduzida em termos de euros — o euro será a moeda de referência nessa condução da política. Os instrumentos que irão ser utilizados na condução dessa política serão, possivelmente, a manutenção da obrigatoriedade de os bancos manterem reservas obrigatórias, assentará na criação de duas facilidades de intervenção do Banco Central Europeu no mercado interbancário — uma facilidade de injecção e uma facilidade de absorção de liquidez e, obviamente também, com o recurso às operações de open market. Será que a transferência da definição e condução da política monetária para esse Sistema Europeu de Bancos Centrais não constitui uma perda de independência do País? Essa é uma questão que, frequentemente, é levantada. Eu creio que, de facto, essa independência é uma independência mais formal que real. Numa economia aberta como a portuguesa, com liberdade de movimentos de capitais, o Banco de Portugal, em boa verdade, não pode conduzir a política monetária que quer; não há independência de facto de um Banco Central em conduzir a sua política monetária numa economia aberta como a portuguesa. De facto, não haverá uma perda de independência porque ela de facto não existe. Direi que, pelo contrário, será reforçada a participação de Portugal na definição e condução de uma política monetária que será europeia mas na qual teremos uma participação activa e não teremos, como pequena economia aberta, de respeitar e servir de uma forma passiva. O Governador do Banco de Portugal terá assento no Sistema Europeu de Bancos Centrais, terá direito a um voto como terá o representante alemão, francês, espanhol, holandês ou outro qualquer… E será num espírito de cooperação, colaboração e de coordenação que a política monetária passará a ser conduzida: antes dentro e colaborar, do que fora e, passivamente, ter de acomodar uma política que não é a nossa. 3. No domínio da política orçamental, também a criação do euro tem importantes consequências. A caminhada para o euro está a exigir um enorme esforço de consolidação orçamental traduzido numa progressiva redução do défice público, por um lado, e, por outro lado, numa redução do peso da dívida pública na nossa economia. Gostaria de mencionar que, neste domínio, tem-se conseguido progressos consideráveis que nos têm permitido granjear o aplauso e o reconhecimento internacional nesse esforço de convergência, não só a nível orçamental, mas também nos outros níveis que referi da descida da inflação e da descida das taxas de juro. Este Governo tem procurado prosseguir esse esforço de consolidação orçamental, de redução do défice, sem aumento dos impostos. Procuramos manter a carga fiscal inalterada, se possível, inclusive — e isso está previsto no nosso Programa de Convergência, Estabilidade e Crescimento —, uma ligeira descida da carga fiscal a partir de 1999. Procuraremos reduzir o défice, reduzindo, por uma lado, a chamada despesa primária e, por outro lado, a despesa com os encargos da dívida, a qual resultará da redução das taxas de juro que, no fundo, é uma consequência de todo este esforço de convergência. Mas este esforço não fica por aqui, ou seja, não pensemos que feito esse esforço para chegarmos à altura da decisão de quem entra e de quem não entra no euro, podermos respirar fundo e dizer acabou… Agora não temos de continuar com esta disciplina orçamental. Não pensemos isso de forma alguma. O rigor orçamental vai ter de prosseguir. Nesse sentido, como é do conhecimento público, na Cimeira de Dublin, no final do ano passado, foi aprovado o chamado pacto de estabilidade e crescimento que, no fundo, traduz um compromisso dos vários países que integrarão o euro em manter a disciplina orçamental no futuro. Como os défices orçamentais tendem a evoluir com a conjuntura, ou seja, em períodos de recessão o défice tende a aumentar, em períodos de expansão o défice tende a diminuir — fundamentalmente porque em períodos de recessão os impostos cobrados tendem a diminuir porque há menos rendimento e, em períodos de expansão, os impostos cobrados tendem a aumentar porque há mais rendimento — é necessário que os países não tomem o valor de três por cento do défice como um ponto fixo. Se nos fixarmos num défice de três por cento e se acontecer uma recessão mais grave, obviamente que o défice tenderá a aumentar devido aos chamados estabilizadores automáticos. Portanto, é preciso evitar que o défice ultrapasse os três por cento nas condições mais desfavoráveis para a política orçamental, isto é, é preciso evitar ultrapassar esse limiar (três por cento) em caso de ocorrência de profundas recessões, o que quer dizer que, em velocidade de cruzeiro, o défice terá que estar abaixo dos três por cento de forma a podermos acomodar a deterioração orçamental que uma eventual recessão implica. E, nesse sentido, o Programa de Convergência, Estabilidade e Crescimento que o Governo português apresentou à Comissão Europeia para 1998-2000 é um programa que aponta para um défice de 1,5 por cento do PIB no ano 2000. Assim, vamos continuar a assistir a uma progressiva redução do défice público. A área monetária é uma área em que, de facto, não haverá autonomia — os países não poderão tomar medidas monetárias e cambiais a seu belprazer —, não haverá qualquer poder discricionário nesse domínio em consequência de esta função ser cometida, como referi, ao Sistema Europeu de Bancos Centrais. Contudo, na área orçamental poder-se-á pensar que haverá alguma margem de manobra na condução da política económica do País. Mas, mesmo aqui, devo dizer-vos, que não creio que haja grande margem de manobra. E não haverá essa margem de manobra porque o rigor e a disciplina orçamental que vai ter de ser prosseguida vai permanecer e os governos não vão poder facilmente conduzir políticas orçamentais discricionárias após a criação do euro. Em segundo lugar, não haverá grande margem de manobra no domínio tributário. Existem grandes diferenças nos regimes tributários no seio da Europa mas a tendência será para uma progressiva harmonização fiscal dentro da União Europeia. O aprofundamento do Mercado único assim o vai exigir. A própria criação do Mercado Único ao nível bancário e financeiro vai obrigar a que distorções de natureza fiscal tenham que ser eliminadas. Não será de imediato mas, após a criação do euro, iremos sem dúvida assistir a um progressivo esforço e aprofundamento no processo de harmonização fiscal para que os países não ganhem factores de competitividade artificiais através dos seus regimes fiscais. 4. No domínio da Administração Pública o euro irá também ter enormes repercussões e essa é, sem dúvida, uma das áreas onde os desafios mais complexos se vão colocar. A Administração Pública é, sem dúvida, a maior e a mais complexa organização do país. O seu peso económico e financeiro será crucial para o sucesso da introdução do euro, porque vai ser através da introdução do euro no seio da Administração Pública que se irá gerar aquilo a que poderemos chamar uma massa crítica de transacções em euro que serão capazes de arrastar todo o resto da economia na implementação do euro como moeda. Também no relacionamento que haverá entre a Administração Pública e os cidadãos, a Administração Pública vai ter de exercer um importante papel pedagógico na introdução do euro: na informação e na habituação dos cidadãos com esta nova unidade monetária. A Administração Pública vai pois ter de introduzir importantes medidas. E não estou aqui a falar em medidas relativas a reformas administrativas, não é nesse domínio, essa é uma outra matéria, um outro tipo de questões. Estou a referir-me, por exemplo, à necessidade de proceder a mudanças legislativas. Há toda uma série de diplomas, de regulamentos, de leis, que apontam o escudo como a moeda de referência, que definem taxas, multas, emolumentos, etc…, e tudo isto vai ter de ser mudado. O escudo vai deixar de ser a moeda de referência, porque tudo terá que ser expresso em euros: impressos, formulários, etc… Portanto, esta Administração Pública vai ter de mudar — chamemo-lhe este interface de relacionamento com o público — através de papéis, regulamentos, etc. Por outro lado ainda, vai ter de ser mudado o suporte informático existente às operações da Administração Pública. E esse é um esforço grande e considerável, sem dúvida. Vai também ter de ser feito um enorme esforço no domínio da formação pessoal para o habituar a gerir, a relacionar-se com os utentes, tendo por base o euro. Ainda no domínio da Administração Pública, uma área que vai exercer um papel fundamental, será a área fiscal. Neste domínio, sem dúvida que as mudanças mais profundas tenderão a ocorrer quando as moedas euro forem, de facto, introduzidas. E, conforme se prevê, a partir de 1 de Janeiro do ano 2002. Mas, daqui até lá — muito embora o euro não exista fisicamente, não existem moedas em euro — o euro existirá já como moeda e, portanto, iremos ter transacções que, entre 1 de Janeiro de 1999 e 31 de Dezembro de 2001 serão já em euros. Iremos ter um período de coexistência da moeda nacional e do euro através de uma relação fixa que vai ser entretanto estabelecida. É a regra que foi definida na Cimeira de Madrid em finais de 1995, ou seja, não é obrigatório usar o euro, mas também não é proibido usar o euro. Não existe nem obrigação, nem proibição. Deste modo, a Administração Tributária poderá ter de se confrontar — e, certamente, o terá — com contribuintes que desejam regularizar as suas obrigações fiscais já em euros, designadamente, as grandes empresas e as grandes organizações. A Administração fiscal vai, pois, ter de estar preparada para, por um lado, operar em escudos — e, provavelmente, cada um de nós continuará a usar o escudo como referência no seu relacionamento com a Administração fiscal —, mas, ao mesmo tempo, operar com euros. Tudo isto envolve, obviamente, problemas delicados de organização, de informação, no seio da Administração Fiscal. Há quem fale nas vantagens de ser instituído um sistema de contabilidade duplo, ou seja, a existência de uma contabilidade em euros e uma contabilidade em escudos. Embora isso não seja estritamente necessário — até porque envolverá custos elevados e dificuldades técnicas bastante grandes — não é imperioso que exista um sistema de dupla contabilidade, mas, de qualquer modo, a nossa Administração terá de se habituar a ser bimonetária, isto é, terá de se habituar a lidar, simultaneamente, com escudos e com euros, tal como nós, cidadãos, teremos também que, nesse período transitório, habituarmo-nos a essa dupla referência. Uma outra área em que o euro terá um papel importante, no domínio da Administração, vai ser na área do Tesouro, designadamente no domínio da Gestão da Dívida Pública pois, a partir de 1 de Janeiro de 1999, toda a dívida pública que venha a ser emitida, sê-lo-á já em euros. A dívida pública não será já emitida em escudos, ou em moeda estrangeira, como o marco, o franco, como algumas vezes o fazemos, mas passará a sê-lo em euros. E, neste domínio da Gestão Dívida Pública vamos passar a ter já transacções em euros. O Tesouro vai ter de emitir em euros, haverá subscrições em euros, vamos ter de amortizar a dívida em euros e vamos ter de pagar os juros da dívida também em euros. E, a partir dessa altura, vamos ter já um número considerável de transacções designado em euros. Por esse facto, falei atrás da importância da Administração Pública como um factor que vai criar uma massa crítica de transacções pois, quer no domínio da fiscalidade, quer no domínio da emissão da dívida pública, como, porventura, em outros domínios, iremos ter já um número considerável de transacções em euros. Essa massa crítica é importante porque ela poderá exercer um efeito de arrastamento significativo sobre os outros agentes económicos, porque nenhum de nós tenderá a utilizar euros se não houver outros que os utilizem. Deste modo, pode gerar-se aqui aquilo a que chamamos na teoria económica o dilema do prisioneiro: cada um de nós espera que seja o outro a usar o euro e ninguém usa. Daí que a Administração Pública, ao introduzir o euro, ao conduzir essas transacções em euro, possa, de facto, desencadear uma adesão significativa dos cidadãos pois será tão mais barato transaccionar em euros, quanto mais pessoas transaccionem em euros. E, daí, a importância dessa massa crítica de transacções e do papel da Administração Pública nesse domínio. Ainda uma outra área em que a Administração Pública pode exercer um papel pedagógico importante é no relacionamento com os utentes dos Serviços. Será importante que, muito embora, porventura, se não esteja a transaccionar em euros, haja um sistema de indicação dupla de valores. Por exemplo, quando um cidadão recebe a notificação do fisco para pagamento dos seus impostos, indicando o montante a pagar em escudos, poderá vir também indicado o equivalente em euros. Quando recebemos a factura do telefone em escudos, poderá vir indicado o seu contra-valor em euros. E o mesmo para a factura da água, electricidade, etc. Portanto, existe toda uma série de serviços públicos que podem desde logo, no relacionamento que têm com os clientes, introduzir esta habituação à designação das grandezas em euros, a tornar a conversão de escudos para euros quase como que intuitiva e mecânica. Esse será também, repito, um papel pedagógico fundamental que a Administração Pública e outros serviços públicos, não estritamente da Administração mas até do próprio sector empresarial ou até do sector privado. Estou a pensar no caso da Banca, por exemplo, quando envia os extractos das contas aos seus clientes, que poderá porventura, se assim o entender, exercer aqui um efeito pedagógico fundamental. Fundamental é ainda que, no domínio da Administração Pública, seja promovido um plano de divulgação, de informação e de comunicação com os cidadãos acerca da introdução do euro. O Ministério das Finanças criou há alguns meses aquilo que é conhecido por Comissão Euro. Trata-se de uma Comissão presidida pelo Senhor Ministro das Finanças, com uma Direcção Executiva a cargo de um Director-Geral do Ministério, englobando várias dezenas de pessoas representativas do sector financeiro, bancário, segurador, dos fundos de pensões, fundos de investimento, da Contabilidade Pública, da Administração Tributária, etc. Trata-se de uma Comissão que tem vindo a focar a sua atenção em quatro áreas fundamentais: as implicações do euro no domínio financeiro, as implicações do euro no domínio da Administração Pública, as implicações do euro ao nível de um aspecto que é fundamental que é o nível da informática — pois grande parte das modificações trazidas pela introdução do euro prendem-se com a alteração dos sistemas informáticos que suportam as várias organizações — e, finalmente, uma área de comunicação, sendo que é nessa área de comunicação que está a ser preparada uma grande campanha de divulgação e de informação ao público sobre o euro e suas implicações. É importante informar, é importante divulgar, e esse esforço vai ter de ser feito. Este é um processo, se me permitem a imagem, semelhante à história da sopa de pedra, ou seja, a pouco e pouco vai-se acrescentando um ingrediente adicional… De facto, este processo de construção do euro tem vindo a ser um processo gradual em que todos os dias se dá um pequeno passo. Existem questões que tiveram que ser resolvidas: o estatuto legal do euro, a configuração das notas — resolvido há poucos meses —, as moedas — ainda não totalmente resolvido; porventura sê-lo-á em Junho na Cimeira de Amesterdão. Assim, há toda uma série de pormenores técnicos que têm que ser resolvidos e que são relevantes em termos de opinião pública. No fundo, o que as pessoas querem saber é qual o aspecto das notas, que moedas vamos ter, qual o seu aspecto… Mas, apenas se poderão dar respostas, quando as tivermos. Temos que estar preparados para dar essas respostas logo que as tenhamos. E é nesse sentido que estamos a trabalhar. 5. Finalmente, gostaria de referir as implicações da introdução do euro nos mercados financeiros. Esta será, sem dúvida, uma das áreas onde a introdução do euro terá as mais vastas repercussões. Se a Administração Pública é uma das áreas onde o contacto com os cidadãos é mais frequente, sem dúvida que o sistema bancário e financeiro é, por excelência, o coração de todo o sistema monetário e do sistema de pagamentos em que nos inserimos e com o qual todos temos de nos relacionar. Daí que a Banca tenha aqui também um papel fundamental a desempenhar neste esforço de informação e de divulgação do euro. Mas a Banca vai ter de se confrontar com novos desafios, com novos problemas, digamos. A introdução do euro vai, porventura, traduzir-se numa segmentação do sistema bancário a nível europeu: por um lado, bancos, chamemo-lhes europeus, com vocação europeia, portanto, transnacionais e, por outro lado, bancos regionais, bancos que, no fundo, lidarão em nichos de mercado, muitas vezes confinados a certas regiões ou a certos países. A par dos bancos que conhecemos — como sejam os que actuam em Portugal —, porventura teremos, cada vez mais, bancos que têm o seu espaço de actuação que não o País, ou um conjunto limitado de países, mas sim o espaço europeu no seu todo. Oxalá — e esperemos que sim — haja vitalidade para que algum(s) banco(s) português(es) possa(m) dar esse salto... Mas, sem dúvida, o nosso sistema bancário vai sofrer uma forte concorrência de outros bancos europeus, pelo que teremos um sistema bancário muito mais competitivo. Os bancos portugueses terão que enfrentar uma concorrência acrescida e terão pois que preparar-se para essa concorrência. Os bancos portugueses reforçaram a sua competitividade em virtude, por um lado, do processo e privatização da actividade bancária, e, por outro lado, em virtude do processo de liberalização da actividade bancária e financeira, da abertura do nosso País aos movimentos de capitais, etc. A nossa banca teve que se adaptar a estes novos condicionalismos. Foi um grande desafio ao qual respondeu de forma muito positiva nos últimos anos e vai ter agora que responder a um novo desafio que será o da introdução do euro que irá traduzir-se em redução de margens, em redução de lucros da própria actividade bancária. Estou contudo ciente que — pelo menos, pelos pergaminhos que a nossa Banca já tem — ela será capaz de enfrentar também este desafio. No domínio financeiro, teremos também um mercado de capitais mais alargado. A dívida pública será, não uma emissão nacional, mas uma emissão em euros, como referi. As emissões não serão emissões no nosso mercado doméstico, serão, cada vez mais, emissões num mercado alargado, europeu. Ainda neste domínio, teremos uma forte concorrência entre as principais praças financeiras: Londres, Frankfurt, Paris, irão concorrer entre si. Cada uma delas vai querer ter a hegemonia desse grande mercado de capitais, desse grande mercado financeiro, que será o mercado europeu. Vão ter de concorrer, obviamente, com Wall Street que ainda detém mais de 40 por cento da capitalização bolsista a nível mundial. De facto, o mercado americano detém ainda uma enorme fatia das transacções do mercado de capitais a nível mundial. O mercado financeiro europeu pode vir a ser um sério competidor da Wall Street e esta concorrência vai ser não só uma concorrência interna entre as praças europeias mas, também, com as praças internacionais, designadamente, Nova Iorque. Vamos, pois, ter um mercado mais amplo, mais líquido, com maior volume de transacções; teremos, com certeza, um grande esforço de standarização de produtos financeiros e de procedimentos; teremos, sem dúvida, maior inovação financeira no mercado alargado. Creio que, de facto, estas serão as principais consequências no mercado financeiro. E perguntar-se-á: que acontecerá à Bolsa de Lisboa? Que poderá acontecer à Bolsa de Derivados do Porto? Penso que, também aqui, haverá lugar para nichos regionais onde os nossos mercados de capitais continuarão a ter um papel importante a desempenhar. Sem dúvida que, num contexto mais competitivo, com novos desafios, mas, estou convencido, que pelo dinamismo que, quer a Bolsa de Valores de Lisboa, quer a Bolsa de Derivados do Porto, têm demonstrado, estou confiante que serão capazes de encontrar as suas vantagens competitivas e de poder continuar a afirmarem-se como mercados regionais neste contexto de mercados europeus mais competitivos. Em consequência desta introdução do euro, deste alargamento e desta maior concorrência dos mercados financeiros, será de esperar que os custos de transacção, os custos de cobertura de riscos, tenderão a ser eliminados ou substancialmente reduzidos. E tudo isto traduzir-se-á numa redução do custo de capital o que é um factor benéfico para o crescimento e desenvolvimento das economias. Será mais barato investir e, sendo mais barato investir, espero que tenhamos mais investimento, mais crescimento, mais desenvolvimento e mais emprego. Há umas semanas atrás um jornalista perguntou-me se eu achava que se Portugal entrasse no euro no núcleo fundador de países, se isso era uma vitória deste Governo... O que respondi foi que tal evento é, fundamentalmente, uma vitória de todos os portugueses. Sem dúvida que os Governos tenderão a granjear os dividendos políticos de um feito como este mas, com certeza, isto é algo que diz respeito a todos nós e só será possível termos o euro com sucesso, se todos nós nos empenharmos neste esforço que não é apenas um esforço do Governo, tem que ser um esforço nacional. Sem dúvida que, numa fase inicial, a liderança política, a vontade dos governos, desempenharam um papel fundamental na criação e implementação deste projecto: a criação da União Económica e Monetária e a introdução do euro começou, não haja dúvida, por ser um projecto fundamentalmente político. A liderança dos líderes políticos europeus, a sua vontade, muitas vezes férrea — há que reconhecê-lo —, foi fundamental no percurso até agora conduzido. Mas, queremos mais que um projecto, queremos uma realidade. Há que implementar o euro, há que concretizar o euro, introduzi-lo nas nossas economias e, para tal, não basta apenas a vontade dos governos, é necessário que haja a mobilização, a adesão e o empenhamento de todos os cidadãos. É este o apelo que aqui vos deixo.§