Oftalmologia - Vol. 35: pp.311-318 Artigo Original Glaucoma em Doentes Portugueses com Polineuropatia Amiloidótica Familiar Isabel Sampaio, João Queirós, Pedro Borges, Pedro Reimão, Melo Beirão, Maria João Menéres, Carlos Aguiar Serviço de Oftalmologia, Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto Resumo Objectivo: Avaliar a evolução do glaucoma em doentes portugueses com polineuropatia amiloidótica familiar (PAF) (ATTR V30M) e o eventual impacto de outras cirurgias oculares (nomeadamente vitrectomia) na evolução do glaucoma nestes doentes. Métodos: Estudo retrospectivo incluindo 98 olhos de 52 doentes com PAF ATTR V30M, todos submetidos a transplante hepático, com manifestações oculares da doença. As variáveis analisadas incluem: o tempo de duração da doença, tempo decorrido após o transplante hepático, manifestações oculares presentes (alterações da superfície ocular externa, anomalias da íris e outras estruturas da câmara anterior, hipertensão ocular, opacidades vítreas), tempo de duração da doença aquando do diagnóstico de glaucoma, número de fármacos antiglaucomatosos em uso e cirurgias oculares realizadas (vitrectomia por opacidades vítreas e/ou cirurgia de glaucoma por hipertensão ocular não controlada). Resultados: O tempo mínimo de follow-up foi de 6 meses. As manifestações oculares mais frequentes foram o olho seco severo (87,8%) e as alterações da pupila (78,6%) (irregularidade do contorno e /ou depósito de amilóide no bordo pupilar), seguidas das opacidades vítreas (57,1%) e do glaucoma (44,9%). O glaucoma foi mais frequente em doentes com mais tempo de evolução de PAF (em média 8,9 anos), nos olhos com anomalias da íris e nos olhos submetidos a cirurgia vitreorretiniana. A maioria dos olhos com glaucoma (70,5%) foi submetida a cirurgia filtrante; 38,6% necessitaram de mais do que uma cirurgia para controlar a pressão intraocular. 45,5% dos olhos com glaucoma foram submetidos a cirurgia filtrante após realização de cirurgia vitreorretiniana. Discussão e Conclusões: O transplante hepático não previne as manifestações oculares de PAF. O glaucoma foi uma complicação frequente e de difícil tratamento. Os resultados da cirurgia filtrante foram piores do que os observados na população geral, tendo sido frequente a necessidade de mais do que uma cirurgia filtrante. A má evolução observada nos doentes com PAF ATTR V30M esteve provavelmente relacionada com alterações da rede trabecular e/ou da conjuntiva e com a produção contínua de TTR mutante pelo olho. Os autores encontraram também um agravamento da hipertensão ocular após vitrectomia por opacidades vítreas. Abstract Purpose: To evaluate the natural course of glaucoma among Portuguese familial amyloidotic polyneuropathy (FAP) (ATTR V30M) patients. Methods: Retrospective analysis of a group of 98 eyes of 52 FAP ATTR V30M patients, liver transplanted, with ocular manifestations of the disease. Analyzed data included: time of FAP Vol. 35 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2011 | 311 Isabel Sampaio, João Queirós, Pedro Borges, Pedro Reimão, Melo Beirão, Maria João Menéres, Carlos Aguiar disease and time of liver transplantation, ocular manifestations such as ocular surface disorders, iris and other anterior chamber structures anomalies, ocular hypertension, vitreous opacities and history of ocular surgery (vitrectomy for vitreous opacities and / or glaucoma surgery for uncontrolled ocular hypertension). Results: Minimum follow-up time was 6 months. The ocular manifestations most frequently found were severe dry eye (87,8%), pupil abnormalities (78,6%), vitreous opacities (57,1%) and glaucoma (44,9%). Ocular hypertension was more frequent in patients with longer course of the disease (mean 8,9 years), in eyes with iris abnormalities and submitted to vitreoretinal surgery for vitreous opacities. Most of the eyes with glaucoma (70,5%) needed glaucoma surgery; 38,6% needed more than one surgery to control the intraocular pressure. 45,5% of the eyes with glaucoma were submitted to glaucoma surgery after vitrectomy. Discussion and Conclusions: Liver transplantation does not prevent the ocular manifestations of familial amyloidotic polyneuropathy. Glaucoma was a common complication and of difficult control. Glaucoma surgery outcomes were worse in this population than the reported in general. The poor evolution observed in ATTR V30M patients is probably related to changes in trabecular meshwork and conjunctiva and with the continuous mutant TTR production by the eye. The authors found also a worsening of ocular hypertension after vitrectomy for vitreous opacities. Introdução Amiloidose é um termo que engloba um grupo de patologias caracterizadas pela deposição extracelular de uma substância denominada amilóide em vários tecidos, composta por delicadas fibrilas de diferentes origens nas várias formas de amiloidose. A origem destas fibrilas constitui a base da variabilidade nos tecidos afectados e nas manifestações clínicas.1 A nomenclatura e classificação actuais da amiloidose baseiam-se no tipo de proteína que constitui os depósitos de amilóide. Os três principais tipos de amiloidose descritos são: as amiloidoses primárias (AL), as amiloidoses secundárias (AA) e as amiloidoses heredofamiliares.1 A primeira referência mundial à Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) veio de Portugal, quando Corino de Andrade descreveu uma neuropatia periférica peculiar, que se caracterizava por um envolvimento sensorial e motor das extremidades inferiores mais severo do que das superiores e por uma disfunção grave do sistema nervoso autónomo, dados que veio a publicar em 1951.2,3 Os depósitos de amilóide nas amiloidoses heredofamiliares são compostos por formas mutantes da proteína plasmática transtiretina (TTR), cuja função é o transporte da hormona tiroideia e da vitamina A através da formação de um complexo com a proteína de ligação ao retinol. São hoje conhecidas cerca de 100 variantes diferentes da transtiretina.4 312 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia A amiloidose relacionada com mutações da TTR é o único tipo de amiloidose associado a opacidades vítreas, podendo estas ocorrer antes de qualquer outra manifestação sistémica da doença.4 A ATTR V30M, na qual a metionina é um substituto da valina na posição 30 (gene mutante no cromossoma 18), foi a primeira mutação a ser descrita e é também a mais frequente1 Está na origem da Polineuropatia Amiloidótica Familiar Tipo 1 que, embora se possam encontrar casos descritos em praticamente todo o mundo, tem os seus principais clusters em Portugal, Suécia e Japão.4 A associação da ATTR V30M com o tipo Português de PAF foi estabelecida em 1983.5 Nos doentes portugueses, a PAF é geralmente de inicio precoce e é particularmente severa quando comparada com os doentes Suecos nos quais o inicio é geralmente tardio (média 53 anos) e de manifestações sistémicas menos severas.1 A penetrância do gene mutado é muito variável dependendo da localização geográfica. Em Portugal, mais de 80% dos doentes com ATTR V30M vêm a desenvolver PAF enquanto que na Suécia apenas 2% desenvolvem a doença.6 A literatura é escassa no que respeita à história natural das manifestações oculares nos doentes com PAF. Em 1953, Kantarian e DeJong, descreveram pela primeira vez o envolvimento do vítreo em duas irmãs com PAF.7 Estão descritos casos entre os doentes Suecos e Japoneses Glaucoma em Doentes Portugueses com Polineuropatia Amiloidótica Familiar nos quais as opacidades vítreas foram o primeiro ou mesmo o único sintoma da doença, confirmada como sistémica após realização de biopsia tecidual.1,8,9 Em 1980, foi publicado um estudo português, incluindo 483 doentes com PAF, no qual se diagnosticou glaucoma a 6,6% de um total de 32 doentes referenciados a observação oftalmológica.10 Em 1991, Monteiro et al verificaram a ocorrência de glaucoma de difícil tratamento em doentes submetidos a vitrectomia por opacidades vítreas.11 Em 1995, Ola Sandgren publicou um artigo de revisão onde referiu a eventual relação entre a remoção do vítreo e o desenvolvimento de glaucoma nos doentes com PAF.1 Verificou também que o glaucoma nestes doentes ocorria em relação com a amiloidose vítrea e com a existência de depósito de amilóide no bordo pupilar.1 Entre as manifestações oculares descritas da PAF tipo 1 encontram-se: disfunção lacrimal, alterações da superfície ocular (nomeadamente úlceras e neovascularização corneanas), alterações morfofuncionais da pupila, opacidades vítreas, alterações vasculares da retina e da coroide e glaucoma.1,12 (Figuras 1,2,3,4,5,6 e 7) Neste estudo, os autores avaliaram as manifestações oculares presentes numa população de doentes com PAF referenciados à consulta de oftalmologia por queixas oculares. Avaliaram em particular a evolução do glaucoma nestes doentes e a sua eventual relação com a cirurgia vitreorretiniana. Fig. 3 | Depósito de amilóide no bordo pupilar em doente com PAF. Fig. 1 | Úlcera de córnea em doente com PAF e olho seco severo. Fig. 2 | Alterações do contorno pupilar em doente com PAF. Fig. 4 | Opacidades vítreas em doente com PAF. Vol. 35 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2011 | 313 Isabel Sampaio, João Queirós, Pedro Borges, Pedro Reimão, Melo Beirão, Maria João Menéres, Carlos Aguiar Fig. 7 | Retinografia de doente com PAF e opacidades vítreas. Fig. 5 | Opacidades vítreas em doente com PAF. da doença aquando do diagnóstico de glaucoma, número de fármacos antiglaucomatosos em uso e cirurgias oculares realizadas (em particular, vitrectomia por opacidades vítreas e/ou cirurgia de glaucoma por hipertensão ocular não controlada). Resultados Dos 52 doentes incluídos neste estudo, 48% (n=25) eram do sexo masculino. A média de idades foi de 50 anos (37-69). A média de idades à data do diagnóstico de PAF foi de 36,5 anos (27-56). (tabela 1) Tabela 1 | Dados Demográficos Sexo Fig. 6 | Retinografia de doente com PAF e opacidades vítreas. Métodos Foi efectuado um estudo retrospectivo, descritivo, incluindo 98 olhos, de 52 doentes com PAF ATTR V30M, referenciados à consulta de oftalmologia por apresentarem queixas oftalmológicas. Todos os doentes foram submetidos a transplante hepático. As variáveis analisadas incluem: o tempo de duração da doença, tempo decorrido após o transplante hepático, manifestações oculares presentes (nomeadamente, alterações da superfície ocular externa, anomalias da íris e outras estruturas da câmara anterior, hipertensão ocular, opacidades vítreas e alterações da retina e/ou coroide), tempo de duração 314 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia Masculino 48% (n=25) Feminino 52% (n=27) Média de idades 50 anos (37-69) n=número de doentes Em 8 doentes (15,4%) a PAF foi de início tardio e foi de início precoce em 44 doentes (84,6%). O tempo médio de duração da doença (tempo médio decorrido após o diagnóstico) foi de 12,7 anos (3-19). O tempo médio decorrido após a realização do transplante hepático foi de 8,33 anos (1-16). (tabela 2) A manifestação ocular mais frequente foi a queratoconjuntivite sicca em 87,8% (n=87) dos olhos. Alterações da pupila foram a segunda manifestação ocular mais frequente, Glaucoma em Doentes Portugueses com Polineuropatia Amiloidótica Familiar Tabela 2 | Caracterização da PAF fotocoagulação laser das áreas retinianas isquémicas. (Figuras 8 e 9) PAF Início precoce 84,6% (n=44) Início tardio 15,4% (n=8) Média de idades ao diagnóstico de PAF 36,5 anos (27-56) Tempo decorrido após o diagnóstico (média) 12,7 anos (3-19) Tempo decorrido após o TH (média) 8,33 anos (1-16) n=número de doentes; TH = Transplante Hepático encontrando-se irregularidade do contorno pupilar em 78,6% (n=77) e depósito de amilóide no bordo pupilar em 51,0% (n=50) dos olhos. As principais causas de diminuição significativa da acuidade visual foram as opacidades vítreas, presentes em 57,1% (n=56) dos olhos, e o glaucoma, presente em 44,9% (n=44) dos olhos observados. (tabela 3) Gráf. 1 | dos 44 doentes com glaucoma, 13 encontravam-se controlados com terapêutica médica e 31 foram submetidos a cirurgia filtrante. Tabela 3 | Manifestações Oculares Queratoconjuntivite sicca 87,8% (n=87) Alterações da pupila Alterações do contorno pupilar 78,6% (n=77) Depósito de amilóide no bordo pupilar 51,0% (n=50) Opacidades vítreas 57,1% (n=56) Glaucoma 44,9% (n=44) n=número de olhos Foi realizada vitrectomia por opacidades vítreas com impacto significativo na acuidade visual em 52,0% dos olhos (n=51). O tempo de evolução da PAF à data do diagnóstico do glaucoma foi, em média, de 8,9 anos. Foi diagnosticado glaucoma em 44,9% (n=44) dos olhos. Destes, 29,5% (n=13) encontravam-se controlados com terapêutica médica, sendo que 69,2% (n=9) necessitaram de terapêutica médica máxima. Do total de olhos com glaucoma, foram submetidos a cirurgia filtrante 70,5% (n=31) (gráfico 1). Foi realizada uma cirurgia em 31,8% (n=14) dos casos, duas cirurgias em 25,0% (n=11) e mais do que duas cirurgias em 13,6% (n=6) (gráfico 2). Constatou-se também que 45,5% (n=20) dos doentes com glaucoma foram submetidos a cirurgia filtrante após a realização de vitrectomia por opacidades vítreas. (tabela 4) Dois olhos (4,5%) apresentaram glaucoma neovascular por isquemia retiniana periférica, tendo sido submetidos a Gráf. 2 | dos 31 doentes com glaucoma submetidos a cirurgia filtrante, 14 foram submetidos a uma cirurgia, 11 foram submetidos a 2 cirurgias e 6 necessitaram de mais do que duas cirurgias. Tabela 4 | Cirurgias Oculares Realizadas Vitrectomia por opacidades vítreas 52,0% (n=51) Doentes com glaucoma 44,9% (n=44) Submetidos a cirurgia filtrante 70,5% (n=31) Submetidos a 1 cirurgia 31,8% (n=14) Submetidos a 2 cirurgias 25,0% (n=11) Submetidos a mais do que 2 cirurgias 13,6% (n=6) Controlados com terapêutica médica 29,5% (n=13) Submetidos a cirurgia filtrante após realização de vitrectomia 45,5% (n=20) n=número de olhos Vol. 35 - Nº 4 - Outubro-Dezembro 2011 | 315 Isabel Sampaio, João Queirós, Pedro Borges, Pedro Reimão, Melo Beirão, Maria João Menéres, Carlos Aguiar Fig. 8 | Angiografia fluoresceínica de doente com PAF e glaucoma neovascular demonstrando áreas de isquemia retiniana. Fig. 9 | Angiografia verde de indocianina de doente com PAF e glaucoma neovascular. Do total de olhos diagnosticados com glaucoma (n=44), 97,7% (n=43) apresentavam alterações pupilares (irregularidade do bordo e/ou depósito de amilóide) e 79,5% (n=35) foram previamente submetidos a vitrectomia por opacidades vítreas. Discussão A Polineuropatia Amiloidótica familiar é uma doença hereditária heterogénea caracterizada pelo depósito de variantes da TTR em numerosos tecidos, incluindo o olho. Estão descritas numerosas manifestações oculares da doença entre as quais, alterações dos vasos conjuntivais13, alterações da pupila14,15, queratoconjuntivite sicca14,15, glaucoma16,17 e opacidades vítreas18,19. 316 | Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia A informação relativa à prevalência destas manifestações é muito limitada, particularmente na população portuguesa. Sabe-se no entanto que o olho seco severo, as alterações pupilares e as opacidades vítreas são as manifestações oculares mais frequentes e que a sua prevalência aumenta com o tempo de duração da doença12. Escasseiam ainda estudos no que respeita à prevalência do glaucoma nestes doentes e aos resultados a longo prazo da cirurgia filtrante (e às diferentes técnicas cirúrgicas entre si). Este estudo englobou apenas doentes com PAF referenciados e seguidos na consulta de oftalmologia por apresentarem queixas oculares. São necessários estudos englobando uma amostra aleatória de doentes com PAF para que se possa aferir a real prevalência das várias manifestações oculares nesta população. Na nossa série, as manifestações oculares mais frequentes foram a queratoconjuntivite sicca e as alterações da pupila. As principais causas de diminuição da acuidade visual foram as opacidades vítreas e o glaucoma. A prevalência de glaucoma foi significativamente superior nos olhos submetidos a vitrectomia por opacidades vítreas e quase sempre associado a alterações da pupila (alterações do contorno e/ou depósito de amilóide). A TTR é principalmente produzida pelo fígado (90%), mas também pelo plexo coroideu cerebral e pelo epitélio pigmentado da retina20. O transplante hepático não elimina na totalidade a produção de TTR mutante, que continua a produzir-se no olho, e, portanto, não previne o desenvolvimento das manifestações oculares21,22,23. Foi já demonstrada a presença de TTR mutante no humor aquoso de um doente com PAF após realização do transplante hepático24. É muito provável que nos olhos com amiloidose vítrea, a produção intraocular de uma grande quantidade de fibrilas Glaucoma em Doentes Portugueses com Polineuropatia Amiloidótica Familiar de amilóide possa não só causar as opacidades vítreas mas também o depósito de amilóide no bordo pupilar e na rede trabecular25. Num estudo do trabéculo de um doente com PAF e glaucoma por microscopia electrónica, Silva-Araújo et al demonstraram a existência de alterações anatómicas marcadas da rede trabecular e do tecido justacanalicular26. Foi também já demonstrada a existência de depósito de fibrilas de amilóide em biopsias de conjuntiva de doentes com PAF27. O depósito de amilóide na rede trabecular, causando uma obstrução ao fluxo do humor aquoso, juntamente com as alterações da conjuntiva e dos vasos episclerais (com o consequente aumento da pressão venosa episcleral) poderão ser os principais mecanismos envolvidos na génese do glaucoma nestes doentes. Dois dos olhos incluídos neste estudo apresentaram glaucoma neovascular, tendo-se verificado a existência de áreas retinianas isquémicas após realização de angiografia fluoresceínica e a regressão dos neovasos da íris e do ângulo após fotocoagulação laser das áreas isquémicas. As alterações microvasculares envolvendo os vasos retinianos parecem ser, embora raramente, um dos mecanismos possíveis para o desenvolvimento de glaucoma em doentes com PAF. Verificou-se também que a maioria dos doentes com glaucoma necessitou de cirurgia filtrante e, destes, uma percentagem muito significativa necessitou de mais do que uma cirurgia para alcançar o controlo da pressão intraocular. Estes dados sugerem-nos que o glaucoma nestes doentes é de difícil controlo, o que poderá estar em relação com a produção contínua de TTR mutante pelo olho, e com as alterações da conjuntiva e da rede trabecular já mencionadas. Os resultados da cirurgia filtrante foram inferiores aos descritos para a população em geral; 38,6% dos olhos com glaucoma necessitaram de mais do que uma cirurgia. Isto poderá estar relacionado com as alterações na conjuntiva decorrentes quer do depósito de amilóide quer da manipulação da conjuntiva aquando da vitrectomia. Verificou-se também, na nossa série, que 45,5% dos olhos com glaucoma foram submetidos a cirurgia filtrante após a realização de vitrectomia. A remoção do vítreo como substrato para o depósito de amilóide, que, pelo menos teoricamente, levará a um aumento na quantidade de amilóide presente nas estruturas do segmento anterior do olho, poderá ser um dos mecanismos responsáveis pelo agravamento do glaucoma nos doentes vitrectomizados. Encontram-se a decorrer outros estudos que corroborem estas hipóteses. Conclusões O transplante hepático não previne as manifestações oculares de PAF. As manifestações oculares mais frequentes da PAF tipo 1 são o olho seco severo, as alterações da pupila, as opacidades vítreas e o glaucoma. O glaucoma é uma complicação séria e frequente sendo a principal causa de diminuição irreversível da acuidade visual nestes doentes. A hipertensão ocular é de difícil controlo e poderá surgir ou agravar-se após realização de cirurgia vitreorretiniana. Uma ou mais cirurgias filtrantes são frequentemente necessárias para controlo da pressão intraocular. Referências Bibliográficas 1. 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