HISTÓRIA DA QUÍMICA Paulo Alves Porto A 30 Augusto dos Anjos, ciência no final do século XIX, interdisciplinaridade interdisciplinaridade no ensino tem sido recomendada nas mais recentes reformas educacionais - e parece ser um dos ideais mais difíceis de serem colocados em prática. Este artigo pretende ser uma pequena contribuição para a integração entre diferentes disciplinas. O ponto de partida é a obra de um importante poeta brasileiro - Augusto dos Anjos. Um soneto desse autor, aliás, já serviu como pretexto para uma questão de química em recente exame vestibular (Unicamp 1997, 1ª fase, questão 3) embora a questão envolvesse apenas o significado atual dos termos técnicos citados por Augusto dos Anjos, e não o contexto que levou o autor a utilizálos. Vida e morte na ciência do final do século 19 Antoine Laurent Lavoisier (17431794), considerado um dos fundadores da química moderna - por seus trabalhos com grande rigor quantitativo, Psicologia de um Vencido Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênese da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme - este operário das ruínas Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884-1914) Paraíba, 1909 Esta seção contempla a história da química como parte da história da ciência, buscando ressaltar como o conhecimento científico é construído. Neste número a seção apresenta dois artigos. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Augusto dos Anjos: ciência e poesia ▼ ▼ No presente artigo pretende-se mostrar como o conhecimento de ciências em geral (química e biologia em particular), e de sua história, pode contribuir para a fruição estética de um poema. pela proposição de uma nova nomenclatura química, por ter-se utilizado de uma definição operacional para “elemento químico” - fez também importantes contribuições para a chamada “química orgânica” (então considerada a “química dos seres vivos”). Sistematizando e organizando fatos conhecidos havia muito tempo, Lavoisier observou que as substâncias provenientes dos reinos animal e vegetal sempre continham os elementos carbono e hidrogênio, e freqüentemente também oxigênio, nitrogênio e fósforo. Lavoisier considerava a química orgânica como parte integrante da química; por exemplo, classificava juntos todos os ácidos, fossem eles de origem mineral, vegetal ou animal. Outros químicos seus contemporâneos, porém, preferiam tratar separadamente os compostos inorgânicos e orgânicos. Acreditavam que estes últimos teriam alguma peculiaridade que faria com que somente organismos vivos pudessem sintetizá-los. Esta crença se prolongou através do século 19, sendo desposada por importantes químicos do período. Jöns Jacob Berzelius (1779-1848), por exemplo, chegou a crer que os compostos orgânicos, ao contrário dos inorgânicos, não obedeceriam à lei das proporções definidas (estabelecida por Joseph Louis Proust (1754-1826) no começo do século). Leopold Gmelin (1788-1853) afirmava que os compostos orgânicos requereriam um animal ou planta para sintetiN° 11, MAIO 2000 vida, a partir das quais organismos suséculo passado. Acreditava Spencer zá-los a partir da matéria bruta, encessivamente mais complexos teriam que a filosofia deveria combinar, sob quanto os compostos inorgânicos poum ponto de vista comum, os resulevoluído. Haeckel aderiu ao darwinisderiam ser sintetizados pelo homem tados obtidos por todas as ciências: diretamente a partir dos elementos que mo, embora o tenha interpretado de física, química, biologia, e também psios constituem. Essas visões resumem maneira particular, misturando-o com cologia e sociologia. A evolução seria a crença vitalista permeando a química radicalismo político (crença cega no o ponto de contato entre todas as ciêndas primeiras décaprogresso, anticlericaHerbert Spencer, um dos cias. Spencer desenvolve um conceito das do século 19. lismo) e com a filosofia mais importantes de evolução que abrange todas as Por outro lado, natural romântica de representantes do formas de existência, não apenas os apesar das dificulGoethe. Em sua obra pensamento evolucionista organismos biológicos: dades em torno da Generelle Morphologie, do final do século passado, síntese de composde 1866, Haeckel busEvolução é uma integração de acreditava que a filosofia ca explicações causais tos orgânicos, sua matéria e concomitante dissipadeveria combinar, sob um mecânicas para as foranálise foi uma das ção de movimento, durante a ponto de vista comum, os mas e os fenômenos áreas que experiqual a matéria passa de uma horesultados obtidos por da vida. Segundo ele, mentou maior desenmogeneidade indefinida e incotodas as ciências: física, isto possibilitaria uma volvimento ao longo erente para uma heterogeneiquímica, biologia, e explicação “monista” do século 19. O codade definida e coerente; e também psicologia e da Natureza sobre banhecimento dos quídurante a qual o movimento resociologia ses filosóficas. Assim, micos acerca dos tido sofre uma transformação ele afirma que não haprodutos da decomparalela3. posição dos tecidos vivos, em meados veria qualquer diferença essencial enSpencer partiu de teorias de biólodo século 19, pode ser resumido pelas tre o que é animado e o que é inanimagos acerca da evolução, como a “teodo. Após comparar detalhadamente os palavras de Friedrich Wöhler (1800ria da epigênese” de Caspar Frederick cristais e as células vivas, Haeckel con1882) a outro químico, Justus von Wolff (1733-1794), por exemplo. Wolff, clui que ambos são semelhantes em Liebig (1803-1873), em carta de 1843: estudando células ao microscópio, todos os aspectos relativos à compoImagine-se no ano de 1900, observou a formação progressiva e a sição química, crescimento e individuaquando nós dois estaremos disdiferenciação de diferentes órgãos a lidade. Em Welträtsel, de 1899, Haeckel solvidos em ácido carbônico1, partir do que ele chamava de “gérdefende que a única causa do moviágua e amônia, e nossas cinzas men”, aparentemente homogêneo. A mento vital são as propriedades quími- talvez - serão parte dos ossos hipótese alternativa seria a “teoria de cas do carbono. As formas mais de algum cão que terá espoliapré-formação”, segundo a qual todos simples do protoplasma vivo teriam surdo nossos túmulos2. os organismos já estariam pré-formagido de compostos nitrogenados de dos no ovo, e a partir de então apenas Esta continuidade - ou antes, unicicarbono, não vivos, por um processo cresceriam. Esta última teoria é claradade - da química dos “mundos” orgâde geração espontânea. A própria ativimente incompatível com a doutrina da nico e inorgânico, aliada à crença na dade psíquica não seria mais do que evolução. Spencer, possibilidade da geração espontânea, um conjunto de fenôA característica mais todavia, não concee aliada ainda a teorias emergentes no menos dependentes notável das poesias de beu a evolução como século 19 - relativas à evolução das esde mudanças mateAugusto dos Anjos é seu restrita apenas à biopécies e seleção natural - permitiram riais no protoplasma. conteúdo científico e logia: procurou geneo surgimento de doutrinas monistas Surpreendentemente, filosófico. Isto não significa ralizá-la para todos materialistas relacionadas à ciência. porém, ainda em Geque Augusto dos Anjos os fenômenos. EnxerUm exemplo de cientista que desennerelle Morphologie, estivesse preocupado em gou evolução nos volveu esta postura filosófica foi Ernst Haeckel tende para um fazer, investigar ou mesmo corpos celestes; na H. Haeckel (1834-1919). monismo panteísta, ao divulgar ciência e filosofia Haeckel estudou diversos tipos de formação geológica afirmar que “matéria organismos. A forma de vida que mais da Terra (de uma bola nenhuma pode ser lhe despertou interesse foram os orgaincandescente e homogênea até o asconcebida sem espírito, e nenhum esnismos unicelulares que não possuem pecto atual); na formação de espécies pírito sem matéria”, e ao decretar a núcleo - classificados na ordem moanimais cada vez mais complexas a unidade entre Deus e a Natureza. nera. O núcleo celular é uma organela partir de formas primitivas; nas próprias O darwinismo então em voga teve essencial às células de quaisquer estruturas sociais. muitos outros ferrenhos defensores; outros seres vivos, pois sem ele as céentre eles, Herbert Spencer (1820Psicologia de um Vencido: cruzamento lulas ficam incapazes de se reproduzir. 1903). Embora não fosse um especiados planos científico e poético Devido às características da estrutura lista em biologia, Spencer foi um dos das moneras, Haeckel defendia que mais importantes representantes do A característica mais notável das elas seriam as mais simples formas de pensamento evolucionista do final do poesias de Augusto dos Anjos é seu QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Augusto dos Anjos: ciência e poesia N° 11, MAIO 2000 31 32 conteúdo científico e filosófico. Isto não após a decomposição de sua carne significa que Augusto dos Anjos estisão apenas cabelos na terra fria. Apevesse preocupado em fazer, investigar sar de estarem de acordo quanto a esou mesmo divulgar ciência e filosofia. se ponto, os enfoques de um e de Sua peculiar visão de mundo, sua busoutro poeta são bem diferentes. Lucréca interior, é que foram encontrar no cio expõe sua visão da morte para materialismo, no monismo, no evolumostrar que não devemos temê-la, que cionismo, os conceitos e o vocabulário não há motivo para o homem sofrer adequados para se expressar. Obsercom a incerteza acerca do futuro de va-se em sua poesia a incorporação seu espírito. Diz ele: “...o espírito nasce das idéias, principaljuntamente com o cormente, de dois dos po e cresce com ele e O que Augusto dos Anjos principais divulgaenvelhece ao mesmo faz não é uma ‘tradução’ dores do evolucionistempo” 5 . O espírito das idéias de Haeckel e mo no final do século não poderá lamentar a Spencer para a forma de 19: Haeckel e Spenausência de situações versos. O poeta buscava cer (que chegam a ser felizes passadas, ou a expressar sua angústia citados nominalmente ausência de pessoas diante da vida em alguns poemas4). queridas, ou a não Recuando no tempo, fruição plena da vida essa característica de cantar em versos simplesmente porque o espírito se uma filosofia materialista nos permite extingue junto com o corpo, e nada estabelecer, sob alguns aspectos, um resta que possa sofrer ou lamentar-se. Augusto de Carvalho Rodrigues paralelo entre Lucrécio e Augusto dos O que transparece no poema de dos Anjos (1884-1914) Anjos. Augusto dos Anjos, entretanto, é uma Tito Lucrécio Caro (96-55 a.C.), em postura muito mais pessimista e angens grotescas, horríveis, repugnantes seu De rerum natura, cantou em forma gustiada. O poeta paraibano destaca - que chocam o leitor. Na filosofia evode poesia alguns aspectos da filosofia o sofrimento do homem ainda em vida, lucionista Augusto dos Anjos enconde Epicuro (341-270 a.C.). Não se trata como agrupamento de matéria à trou uma visão de mundo que entrou mercê de forças sobre as quais ele não de uma exposição rigorosa do sistema em ressonância com seu próprio pestem controle. A morte, sendo o fim de epicurista, visto que sequer atinge seu simismo: uma doutrina que concebia tudo, desfaz qualquer esperança de âmago, que é a teoria do prazer. a vida como originária de uma comconsolação e alívio em outro plano de Lucrécio busca enaltecer a figura de binação de moléculas por geração esexistência. Lucrécio convida a desfrutar Epicuro, e destaca algumas de suas pontânea; que via o homem como um da vida, sem preocupação com a idéias. Aqui, interessa-nos observar estágio na evolução da vida, a partir imortalidade que não existe; para que, buscando respostas sobre a natude microrganismos simples e pasAugusto dos Anjos só há desgosto em reza da alma e da morte, Lucrécio sando por plantas e animais sucessivida, que se há de encerrar em também descreve uma “cosmologia” vamente mais complexos. Assim, a filopodridão. materialista em que a morte é o fim de sofia e a ciência evolucionista deram tudo. Conforme dissemos, o que Augusa forma intelectual e os signos lingüísPara Lucrécio, como para Epicuro, to dos Anjos faz não é uma ‘tradução’ ticos que Augusto dos Anjos precisava a criação do universo não teria sido das idéias de Haeckel e Spencer para para expressar seus obra dos deuses. Tudo o que existe a forma de versos. O Os poemas de Augusto dos sentimentos. O poeta fosse o céu, a Terra, as plantas, os anipoeta buscava exAnjos são recheados de acumulou conhecimais, o homem - teria origem no movipressar sua angústia palavras incompreensíveis mentos num nível cogmento de átomos que não teriam início diante da vida. Seu para a maioria dos leitores, nitivo consciente - o da nem fim. Seria esse mesmo movimento tema não era o amor: e assim adquirem uma aura ciência - e foi capaz de de partículas minúsculas que produem seu livro Eu, amor de mistério, de transmutá-los para um ziria todos os fenômenos da Natureza, e erotismo são temas musicalidade quase pura plano diferente, o da psicológicos e sociais. Segue-se - despraticamente ausenexpressão lírica, do se absoluto materialismo que rejeita a tes; ou então apareefeito estético, da emoção. existência de qualquer poder sobrecem para serem repelidos pelo poeta. Assim, o uso que Augusto dos Annatural a influir sobre a vida humana Tampouco era a busca de Augusto dos jos faz de termos técnicos familiares que a morte significaria apenas a disAnjos pela divindade, ou pela transcenao cientista, mas estranhos a outros persão dos átomos constituintes de um dência da alma. Os sentimentos que poetas - ou mesmo ao leitor comum -, ser. Essa visão da morte encontra eco ele expressa são o pessimismo, uma pode ser enfocado sob várias facetas. séculos depois em Psicologia de um visão materialista e perplexa da vida. Um aspecto que chama a atenção é a Vencido, onde o que resta do homem Seus poemas são construídos de imaQUÍMICA NOVA NA ESCOLA Augusto dos Anjos: ciência e poesia N° 11, MAIO 2000 nitrogênio - constituinte essencial das também por ser um dos gases que sonoridade destas palavras. Elas conproteínas e dos ácidos nucléicos. Na emanam dos corpos em putrefação. ferem aos poemas musicalidade e década de 1920, o cientista russo A.I. E, no entanto, em seus átomos reside ritmo inusitados, por sua própria fonéparte do segredo da vida. Oparin viria a propor que o amoníaco tica e estranheza. Estas características O soneto principia descrevendo as e outros gases (metano, vapor de são realçadas quando participam da origens da vida - filho do carbono e do água, hidrogênio), expostos à energia rima; em Psicologia de um Vencido, amoníaco - e termina descrevendo de relâmpagos ou de raios ultravioletas Augusto dos Anjos produz surpreenqual a destinação final do ser humano provenientes do sol, teriam reagido na dente rima com as palavras amoníaco - restos lançados na frialdade inorgâprimitiva atmosfera terrestre para / zodíaco / hipocondríaco / cardíaco nica da terra. O poema se estrutura, formar aminoácidos e outros composAlém disso, empresta da ciência as pois, numa forma cíclitos precursores da palavras carbono, epigênese e inorgâPsicologia de um Vencido ca: o homem provém matéria viva. Quiminica. Há críticos que apontam o vocaé um excelente exemplo do mundo inorgânico e camente falando, bulário ‘difícil’ de Augusto dos Anjos da rara habilidade com a ele retorna. É o próportanto, era justo como um dos motivos para sua popuque Augusto dos Anjos foi prio ciclo da vida e da atribuir ao carbono e laridade. São poemas recheados de capaz de transmutar morte retratado no soao amoníaco a “papalavras incompreensíveis para a ciência em expressão neto. O que acontece ternidade”, não só maioria dos leitores, e assim adquirem poética de permeio? Dor, sofrido homem, mas de uma aura de mistério, de musicalidade mento, e a presença todos os seres vivos. quase pura (porque destituídas de constante e ameaçadora da morte Dos quatro elementos mais abundansignificado) e - por conseqüência - de inevitável. Augusto dos Anjos se clastes na matéria viva, Augusto dos Anjos encantamento. sifica como um ‘monstro’ no segundo só não faz referência, neste poema, ao Podemos, então, imaginar diferenverso; mas um monstro de escuridão oxigênio - mas o que se espera aqui tes níveis de leituras para os poemas e rutilância. Neste paradoxo de claronão é, evidentemente, o rigor de um de Augusto dos Anjos, e para a Psicoescuro caracteriza-se o ser humano, bioquímico. O que se deve ressaltar é logia de um Vencido em particular. Um que guarda dentro de si o bem e o mal, o extraordinário talento do poeta em leitor pouco versado em ciências poo anjo e o demônio simultaneamente. resumir a origem química da vida em derá não entender muito bem porque Essa bipolaridade que atormentava apenas um verso. o poeta se declara filho do carbono e Augusto dos Anjos foi manifestada Além disso, o verso retrata a origem do amoníaco; nem por isso deixará de também em outros poemas, como em da vida em seu absoluto materialismo. se impressionar com a sonoridade da Vítima do Dualismo: Augusto dos Anjos poderia falar do hopalavra amoníaco, e com suas rimas mem como amontoado de carne, osPsique biforme, o Céu e o Inferno com zodíaco, etc. Este leitor também sos, sangue entidades que por si sós absorvo .... não deverá ter dificuldade em apreennão são vivas. Mas esses conceitos Criação a um tempo escura e corder o tom pessimista do soneto, e a são ainda portadores de uma carga de-rosa. visão materialista em que a morte se vital muito forte, e talvez ainda lhes posEm outro soneto, Contrastes, o resume a ter o corpo roído pelos versamos atribuir algum valor espiritual ou mesmo tema: mes - conforme os dois tercetos deianímico. Poderia falar de proteínas ou O Amor e a Paz, o Ódio e a xam bastante claro. Por outro lado, um carboidratos, mas ainda assim esses leitor que conheça um pouco de quíCarnificina, termos estariam muito associados a mica e de biologia fará ainda outras O que o homem ama e o que o um organismo vivo “em funcionamenleituras. Este leitor verá resumido já no homem abomina, to”. Ao falar, entretanto, em carbono e primeiro verso, de maneira magistral, Tudo convém para o homem ser amoníaco, Augusto dos Anjos desce o materialismo de Augusto dos Anjos. completo6. ao limite inferior da mateO carbono é, efetiEsse homem dividido é um prisiorialidade biológica. Pen‘Eu, filho do carbono vamente, o princineiro das contingências do mundo; nos sando em termos dos e do amoníaco’ pal elemento consversos seguintes, Augusto dos Anjos átomos (carbono) e motituinte das moléCom apenas uma frase o descreve seu implacável destino. A léculas (amoníaco) que culas dos organistalentoso poeta pôde menção à influência má dos signos do são estudados pela químos vivos. Graças resumir a origem química zodíaco poderia ser interpretada como mica, estaremos numa à capacidade dos da vida... alusão supersticiosa do poeta, que dimensão onde não exisátomos de carboestaria manifestando sua crença num te qualquer resquício de no formarem capoder sobrenatural das estrelas. Acrealma ou de espírito. Não há nada que deias é que são possíveis as grandes ditamos, porém, que o poeta está metalembre um espírito num monte de carmoléculas de carboidratos, proteínas, forizando seu determinismo. Ou seja, vão ou grafita (formas mais comuns de lipídios, ácidos nucléicos,... que consdesde sua formação, o homem teria já carbono elementar). Como enxergar tituem as células. O amoníaco é um seu destino implacavelmente traçado, vida no malcheiroso e sufocante gás composto dos elementos hidrogênio como se isso estivesse escrito nas companheiro fiel do carbono na estruamoníaco? Antes o associaríamos ao tura de qualquer cadeia carbônica - e fim de toda vida, por ser tóxico - e estrelas. A terrível sina do poeta é desQUÍMICA NOVA NA ESCOLA Augusto dos Anjos: ciência e poesia N° 11, MAIO 2000 33 crita como sofrimento físico, um malestar semelhante ao de um doente; mas trata-se de uma repugnância ao próprio mundo, decorrente da consciência acerca da miserável condição humana. Os vermes representam a iminência e a onipresença da morte. A eles cabe fechar o ciclo da Natureza, fazendo com que a matéria humana retorne às formas mais simples da matéria inorgânica. Em De rerum natura, Lucrécio afirmou que a alma residente no corpo do homem, após a morte, não sobrevive: subdivide-se em outras pequenas almas que animarão os vermes. Se a alma abandona o corpo no momento da morte, indaga Lucrécio, “...donde vem que uma tão grande abundância de animais sem ossos e sem sangue se agite por entre os membros tumefactos?”7 Augusto dos Anjos reinterpreta o tema, colocando o verme como operário das ruínas, à espera do momento em que intervirá no ciclo natural dos átomos. O último terceto retrata a inexorabilidade da morte: o verme há de deixar-me apenas os cabelos / Na frialdade inorgânica da terra! Não se fala em alma ou espírito imortal, não há transcendência. Nada resta após a morte senão cabelos, alimento de vermes - átomos, enfim. Psicologia de um Vencido é um Notas e referências bibliográficas 1. Isto é, o dióxido de carbono - CO2 dos químicos de hoje. 2. Apud IHDE, A. J. The Development of modern chemistry. Nova Iorque: Dover, 1984. p. 181. 3. Apud MAYR, E. The growth of biological thought, p. 386. 4. Vide os poemas “Agonia de um filósofo”, “Mater originalis” e “Os doentes I”, in: Eu e outras poesias, 40ª ed. p. 81, 101, 106. 5. LUCRÉCIO CARO, T. Da natureza, livro III, versos 445 - 446. 6. ANJOS, A. dos, op. cit. (nota iv), p. excelente exemplo da rara habilidade com que Augusto dos Anjos foi capaz de transmutar ciência em expressão poética. Paulo Alves Porto ([email protected]), bacharel e licenciado em química pela USP, mestre e doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP na área de história da ciência, é docente do Instituto de Química de São Carlos da USP. 190 e 126. 7. LUCRÉCIO CARO, op. cit. (nota v), livro III, versos 720-724. Para saber mais ANJOS, A. dos. Eu e outras poesias, 40ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. BROCK, W.H. The Norton history of chemistry. Nova Iorque: Norton, 1993. LUCRÉCIO CARO, T. Da natureza. Trad. de A. da Silva. In: Os pensadores. São Paulo: Editora Abril, 1973. v. 5. MAYR, E. The growth of biological thought. Cambridge: The Belknap Press, 1982. 34 Resenha (Re)visitando a escola e seu ensino de ciências É muito grato para Química Nova na Escola convidar para uma visitação à escola e ao seu ensino de ciências conduzidos por um texto denso mas entusiástico. Nosso condutor nesta visita é Renato José de Oliveira, já conhecido das leitoras e dos leitores desta revista, professor do Departamento de Fundamentos da Educação da Faculdade de Educação da UFRJ. Quem o vê escrevendo, lecionando, pesquisando e envolvido com temas como Ética e humanização do homem não imagina que este filósofo seja licenciado em química e teve uma profícua trajetória como professor de química no ensino médio. Aventuro-me em afirmar que em A escola e o ensino de ciências Renato volta a ser um professor de ciências, pois sem deixar de irrigar o texto com aquilo que é próprio do filosofar - a permanente crítica -, temos um texto enriquecido com a experiência do fazer. Aflora ainda no livro uma continuada preocupação de mostrar quanto a hisQUÍMICA NOVA NA ESCOLA tória da ciência é produtora de alfabetização científica. Os três grandes capítulos do livro são independentes nas suas propostas e nas possibilidades de leitura. Mas são muito interconectados, especialmente no quanto os dois primeiros preparam o terceiro, que aflora quase como um gran finale - até não tão feliz - para olhar a Escola no mundo de hoje. Augusto dos Anjos: ciência e poesia No primeiro capítulo, cinco ícones da filosofia moderna (Descartes, Bacon, Hume, Kant e Comte) se fazem presentes em uma muito bem apanhada análise-síntese. No segundo capítulo, aflora a sólida afiliação do Renato a Bachelard, onde há quase um aplainamento dos obstáculos bachelardeanos. No capítulo 3, chegamos à Escola conduzidos pelas análises críticas de Renato, quer o tenhamos como o filósofo professor ou o professor filósofo. Mesmo sem se pretender um historiador da educação, o autor olha a educação que se fazia 22 séculos antes do presente para chegar àquilo que é o ensino de ciências hoje no Brasil. Acreditamos que A escola e o ensino de ciências contribua para mais fecundas transformações na vida das mulheres e dos homens agora e nos tempos que se anunciam com tantas modificações para a Escola. (Attico Chassot - UNISINOS) A escola e o ensino de ciências. Renato José de Oliveira. São Leopoldo: Editora da UNISINOS, 2000. 139 p. ISBN 85-7431-041-7. N° 11, MAIO 2000