HISTÓRIA
DA
QUÍMICA
Paulo Alves Porto
A
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Augusto dos Anjos, ciência no final do século XIX, interdisciplinaridade
interdisciplinaridade no ensino
tem sido recomendada nas
mais recentes reformas educacionais - e parece ser um dos ideais
mais difíceis de serem colocados em
prática. Este artigo pretende ser uma
pequena contribuição para a integração entre diferentes disciplinas. O ponto de partida é a obra de um importante
poeta brasileiro - Augusto dos Anjos.
Um soneto desse autor, aliás, já serviu
como pretexto para uma questão de
química em recente exame vestibular
(Unicamp 1997, 1ª fase, questão 3) embora a questão envolvesse apenas
o significado atual dos termos técnicos
citados por Augusto dos Anjos, e não
o contexto que levou o autor a utilizálos.
Vida e morte na ciência do final do
século 19
Antoine Laurent Lavoisier (17431794), considerado um dos fundadores da química moderna - por seus trabalhos com grande rigor quantitativo,
Psicologia de um Vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884-1914)
Paraíba, 1909
Esta seção contempla a história da química como parte da história da ciência, buscando ressaltar como o conhecimento
científico é construído. Neste número a seção apresenta dois artigos.
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA
Augusto dos Anjos: ciência e poesia
▼
▼
No presente artigo pretende-se mostrar como o conhecimento de ciências em geral (química e biologia em
particular), e de sua história, pode contribuir para a fruição estética de um poema.
pela proposição de uma nova nomenclatura química, por ter-se utilizado de
uma definição operacional para “elemento químico” - fez também importantes contribuições para a chamada
“química orgânica” (então considerada
a “química dos seres vivos”). Sistematizando e organizando fatos conhecidos havia muito tempo, Lavoisier
observou que as substâncias provenientes dos reinos animal e vegetal sempre continham os elementos carbono
e hidrogênio, e freqüentemente também oxigênio, nitrogênio e fósforo.
Lavoisier considerava a química orgânica como parte integrante da química;
por exemplo, classificava juntos todos
os ácidos, fossem eles de origem mineral, vegetal ou animal. Outros químicos seus contemporâneos, porém,
preferiam tratar separadamente os
compostos inorgânicos e orgânicos.
Acreditavam que estes últimos teriam
alguma peculiaridade que faria com
que somente organismos vivos pudessem sintetizá-los. Esta crença se prolongou através do século 19, sendo
desposada por importantes químicos
do período. Jöns Jacob Berzelius
(1779-1848), por exemplo, chegou a
crer que os compostos orgânicos, ao
contrário dos inorgânicos, não obedeceriam à lei das proporções definidas
(estabelecida por Joseph Louis Proust
(1754-1826) no começo do século).
Leopold Gmelin (1788-1853) afirmava
que os compostos orgânicos requereriam um animal ou planta para sintetiN° 11, MAIO 2000
vida, a partir das quais organismos suséculo passado. Acreditava Spencer
zá-los a partir da matéria bruta, encessivamente mais complexos teriam
que a filosofia deveria combinar, sob
quanto os compostos inorgânicos poum ponto de vista comum, os resulevoluído. Haeckel aderiu ao darwinisderiam ser sintetizados pelo homem
tados obtidos por todas as ciências:
diretamente a partir dos elementos que
mo, embora o tenha interpretado de
física, química, biologia, e também psios constituem. Essas visões resumem
maneira particular, misturando-o com
cologia e sociologia. A evolução seria
a crença vitalista permeando a química
radicalismo político (crença cega no
o ponto de contato entre todas as ciêndas primeiras décaprogresso, anticlericaHerbert Spencer, um dos
cias. Spencer desenvolve um conceito
das do século 19.
lismo) e com a filosofia
mais importantes
de evolução que abrange todas as
Por outro lado,
natural romântica de
representantes do
formas de existência, não apenas os
apesar das dificulGoethe. Em sua obra
pensamento evolucionista
organismos biológicos:
dades em torno da
Generelle Morphologie,
do final do século passado,
síntese de composde 1866, Haeckel busEvolução é uma integração de
acreditava que a filosofia
ca explicações causais
tos orgânicos, sua
matéria
e concomitante dissipadeveria combinar, sob um
mecânicas para as foranálise foi uma das
ção
de
movimento, durante a
ponto de vista comum, os
mas e os fenômenos
áreas que experiqual
a
matéria
passa de uma horesultados obtidos por
da vida. Segundo ele,
mentou maior desenmogeneidade
indefinida e incotodas as ciências: física,
isto possibilitaria uma
volvimento ao longo
erente
para
uma
heterogeneiquímica, biologia, e
explicação “monista”
do século 19. O codade
definida
e
coerente; e
também psicologia e
da Natureza sobre banhecimento dos quídurante
a
qual
o
movimento
resociologia
ses filosóficas. Assim,
micos acerca dos
tido sofre uma transformação
ele afirma que não haprodutos da decomparalela3.
posição dos tecidos vivos, em meados
veria qualquer diferença essencial enSpencer partiu de teorias de biólodo século 19, pode ser resumido pelas
tre o que é animado e o que é inanimagos acerca da evolução, como a “teodo. Após comparar detalhadamente os
palavras de Friedrich Wöhler (1800ria da epigênese” de Caspar Frederick
cristais e as células vivas, Haeckel con1882) a outro químico, Justus von
Wolff (1733-1794), por exemplo. Wolff,
clui que ambos são semelhantes em
Liebig (1803-1873), em carta de 1843:
estudando células ao microscópio,
todos os aspectos relativos à compoImagine-se no ano de 1900,
observou a formação progressiva e a
sição química, crescimento e individuaquando nós dois estaremos disdiferenciação de diferentes órgãos a
lidade.
Em
Welträtsel,
de
1899,
Haeckel
solvidos em ácido carbônico1,
partir do que ele chamava de “gérdefende que a única causa do moviágua e amônia, e nossas cinzas
men”, aparentemente homogêneo. A
mento vital são as propriedades quími- talvez - serão parte dos ossos
hipótese alternativa seria a “teoria de
cas do carbono. As formas mais
de algum cão que terá espoliapré-formação”, segundo a qual todos
simples
do
protoplasma
vivo
teriam
surdo nossos túmulos2.
os organismos já estariam pré-formagido de compostos nitrogenados de
dos no ovo, e a partir de então apenas
Esta continuidade - ou antes, unicicarbono, não vivos, por um processo
cresceriam. Esta última teoria é claradade - da química dos “mundos” orgâde geração espontânea. A própria ativimente incompatível com a doutrina da
nico e inorgânico, aliada à crença na
dade psíquica não seria mais do que
evolução. Spencer,
possibilidade da geração espontânea,
um conjunto de fenôA característica mais
todavia, não concee aliada ainda a teorias emergentes no
menos dependentes
notável das poesias de
beu a evolução como
século 19 - relativas à evolução das esde mudanças mateAugusto dos Anjos é seu
restrita apenas à biopécies e seleção natural - permitiram
riais no protoplasma.
conteúdo científico e
logia: procurou geneo surgimento de doutrinas monistas
Surpreendentemente,
filosófico. Isto não significa
ralizá-la para todos
materialistas relacionadas à ciência.
porém, ainda em Geque Augusto dos Anjos
os fenômenos. EnxerUm exemplo de cientista que desennerelle Morphologie,
estivesse preocupado em
gou evolução nos
volveu esta postura filosófica foi Ernst
Haeckel tende para um
fazer, investigar ou mesmo
corpos celestes; na
H. Haeckel (1834-1919).
monismo panteísta, ao
divulgar ciência e filosofia
Haeckel estudou diversos tipos de
formação geológica
afirmar que “matéria
organismos. A forma de vida que mais
da Terra (de uma bola
nenhuma pode ser
lhe despertou interesse foram os orgaincandescente e homogênea até o asconcebida sem espírito, e nenhum esnismos unicelulares que não possuem
pecto atual); na formação de espécies
pírito sem matéria”, e ao decretar a
núcleo - classificados na ordem moanimais cada vez mais complexas a
unidade entre Deus e a Natureza.
nera. O núcleo celular é uma organela
partir de formas primitivas; nas próprias
O darwinismo então em voga teve
essencial às células de quaisquer
estruturas sociais.
muitos outros ferrenhos defensores;
outros seres vivos, pois sem ele as céentre eles, Herbert Spencer (1820Psicologia de um Vencido: cruzamento
lulas ficam incapazes de se reproduzir.
1903). Embora não fosse um especiados planos científico e poético
Devido às características da estrutura
lista em biologia, Spencer foi um dos
das moneras, Haeckel defendia que
mais importantes representantes do
A característica mais notável das
elas seriam as mais simples formas de
pensamento evolucionista do final do
poesias de Augusto dos Anjos é seu
QUÍMICA NOVA NA ESCOLA
Augusto dos Anjos: ciência e poesia
N° 11, MAIO 2000
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conteúdo científico e filosófico. Isto não
após a decomposição de sua carne
significa que Augusto dos Anjos estisão apenas cabelos na terra fria. Apevesse preocupado em fazer, investigar
sar de estarem de acordo quanto a esou mesmo divulgar ciência e filosofia.
se ponto, os enfoques de um e de
Sua peculiar visão de mundo, sua busoutro poeta são bem diferentes. Lucréca interior, é que foram encontrar no
cio expõe sua visão da morte para
materialismo, no monismo, no evolumostrar que não devemos temê-la, que
cionismo, os conceitos e o vocabulário
não há motivo para o homem sofrer
adequados para se expressar. Obsercom a incerteza acerca do futuro de
va-se em sua poesia a incorporação
seu espírito. Diz ele: “...o espírito nasce
das idéias, principaljuntamente com o cormente, de dois dos
po e cresce com ele e
O que Augusto dos Anjos
principais divulgaenvelhece ao mesmo
faz não é uma ‘tradução’
dores do evolucionistempo” 5 . O espírito
das idéias de Haeckel e
mo no final do século
não poderá lamentar a
Spencer para a forma de
19: Haeckel e Spenausência de situações
versos. O poeta buscava
cer (que chegam a ser
felizes passadas, ou a
expressar sua angústia
citados nominalmente
ausência de pessoas
diante da vida
em alguns poemas4).
queridas, ou a não
Recuando no tempo,
fruição plena da vida essa característica de cantar em versos
simplesmente porque o espírito se
uma filosofia materialista nos permite
extingue junto com o corpo, e nada
estabelecer, sob alguns aspectos, um
resta que possa sofrer ou lamentar-se.
Augusto de Carvalho Rodrigues
paralelo entre Lucrécio e Augusto dos
O que transparece no poema de
dos Anjos (1884-1914)
Anjos.
Augusto dos Anjos, entretanto, é uma
Tito Lucrécio Caro (96-55 a.C.), em
postura muito mais pessimista e angens grotescas, horríveis, repugnantes
seu De rerum natura, cantou em forma
gustiada. O poeta paraibano destaca
- que chocam o leitor. Na filosofia evode poesia alguns aspectos da filosofia
o sofrimento do homem ainda em vida,
lucionista Augusto dos Anjos enconde Epicuro (341-270 a.C.). Não se trata
como agrupamento de matéria à
trou uma visão de mundo que entrou
mercê de forças sobre as quais ele não
de uma exposição rigorosa do sistema
em ressonância com seu próprio pestem controle. A morte, sendo o fim de
epicurista, visto que sequer atinge seu
simismo: uma doutrina que concebia
tudo, desfaz qualquer esperança de
âmago, que é a teoria do prazer.
a vida como originária de uma comconsolação e alívio em outro plano de
Lucrécio busca enaltecer a figura de
binação de moléculas por geração esexistência. Lucrécio convida a desfrutar
Epicuro, e destaca algumas de suas
pontânea; que via o homem como um
da vida, sem preocupação com a
idéias. Aqui, interessa-nos observar
estágio na evolução da vida, a partir
imortalidade que não existe; para
que, buscando respostas sobre a natude microrganismos simples e pasAugusto dos Anjos só há desgosto em
reza da alma e da morte, Lucrécio
sando por plantas e animais sucessivida, que se há de encerrar em
também descreve uma “cosmologia”
vamente mais complexos. Assim, a filopodridão.
materialista em que a morte é o fim de
sofia e a ciência evolucionista deram
tudo.
Conforme dissemos, o que Augusa forma intelectual e os signos lingüísPara Lucrécio, como para Epicuro,
to dos Anjos faz não é uma ‘tradução’
ticos que Augusto dos Anjos precisava
a criação do universo não teria sido
das idéias de Haeckel e Spencer para
para expressar seus
obra dos deuses. Tudo o que existe a forma de versos. O
Os poemas de Augusto dos
sentimentos. O poeta
fosse o céu, a Terra, as plantas, os anipoeta buscava exAnjos são recheados de
acumulou conhecimais, o homem - teria origem no movipressar sua angústia
palavras incompreensíveis
mentos num nível cogmento de átomos que não teriam início
diante da vida. Seu
para a maioria dos leitores,
nitivo consciente - o da
nem fim. Seria esse mesmo movimento
tema não era o amor:
e assim adquirem uma aura
ciência - e foi capaz de
de partículas minúsculas que produem seu livro Eu, amor
de mistério, de
transmutá-los para um
ziria todos os fenômenos da Natureza,
e erotismo são temas
musicalidade quase pura
plano diferente, o da
psicológicos e sociais. Segue-se - despraticamente ausenexpressão lírica, do
se absoluto materialismo que rejeita a
tes; ou então apareefeito estético, da emoção.
existência de qualquer poder sobrecem para serem repelidos pelo poeta.
Assim, o uso que Augusto dos Annatural a influir sobre a vida humana Tampouco era a busca de Augusto dos
jos faz de termos técnicos familiares
que a morte significaria apenas a disAnjos pela divindade, ou pela transcenao cientista, mas estranhos a outros
persão dos átomos constituintes de um
dência da alma. Os sentimentos que
poetas - ou mesmo ao leitor comum -,
ser. Essa visão da morte encontra eco
ele expressa são o pessimismo, uma
pode ser enfocado sob várias facetas.
séculos depois em Psicologia de um
visão materialista e perplexa da vida.
Um aspecto que chama a atenção é a
Vencido, onde o que resta do homem
Seus poemas são construídos de imaQUÍMICA NOVA NA ESCOLA
Augusto dos Anjos: ciência e poesia
N° 11, MAIO 2000
nitrogênio - constituinte essencial das
também por ser um dos gases que
sonoridade destas palavras. Elas conproteínas e dos ácidos nucléicos. Na
emanam dos corpos em putrefação.
ferem aos poemas musicalidade e
década de 1920, o cientista russo A.I.
E, no entanto, em seus átomos reside
ritmo inusitados, por sua própria fonéparte do segredo da vida.
Oparin viria a propor que o amoníaco
tica e estranheza. Estas características
O soneto principia descrevendo as
e outros gases (metano, vapor de
são realçadas quando participam da
origens da vida - filho do carbono e do
água, hidrogênio), expostos à energia
rima; em Psicologia de um Vencido,
amoníaco - e termina descrevendo
de relâmpagos ou de raios ultravioletas
Augusto dos Anjos produz surpreenqual a destinação final do ser humano
provenientes do sol, teriam reagido na
dente rima com as palavras amoníaco
- restos lançados na frialdade inorgâprimitiva atmosfera terrestre para
/ zodíaco / hipocondríaco / cardíaco
nica da terra. O poema se estrutura,
formar aminoácidos e outros composAlém disso, empresta da ciência as
pois, numa forma cíclitos precursores da
palavras carbono, epigênese e inorgâPsicologia de um Vencido
ca: o homem provém
matéria viva. Quiminica. Há críticos que apontam o vocaé
um
excelente
exemplo
do mundo inorgânico e
camente falando,
bulário ‘difícil’ de Augusto dos Anjos
da
rara
habilidade
com
a ele retorna. É o próportanto, era justo
como um dos motivos para sua popuque
Augusto
dos
Anjos
foi
prio ciclo da vida e da
atribuir ao carbono e
laridade. São poemas recheados de
capaz
de
transmutar
morte retratado no soao amoníaco a “papalavras incompreensíveis para a
ciência
em
expressão
neto. O que acontece
ternidade”, não só
maioria dos leitores, e assim adquirem
poética
de permeio? Dor, sofrido homem, mas de
uma aura de mistério, de musicalidade
mento, e a presença
todos os seres vivos.
quase pura (porque destituídas de
constante
e
ameaçadora
da morte
Dos
quatro
elementos
mais
abundansignificado) e - por conseqüência - de
inevitável.
Augusto
dos
Anjos
se clastes
na
matéria
viva,
Augusto
dos
Anjos
encantamento.
sifica
como
um
‘monstro’
no
segundo
só
não
faz
referência,
neste
poema,
ao
Podemos, então, imaginar diferenverso; mas um monstro de escuridão
oxigênio - mas o que se espera aqui
tes níveis de leituras para os poemas
e rutilância. Neste paradoxo de claronão
é,
evidentemente,
o
rigor
de
um
de Augusto dos Anjos, e para a Psicoescuro caracteriza-se o ser humano,
bioquímico.
O
que
se
deve
ressaltar
é
logia de um Vencido em particular. Um
que guarda dentro de si o bem e o mal,
o
extraordinário
talento
do
poeta
em
leitor pouco versado em ciências poo anjo e o demônio simultaneamente.
resumir
a
origem
química
da
vida
em
derá não entender muito bem porque
Essa bipolaridade que atormentava
apenas
um
verso.
o poeta se declara filho do carbono e
Augusto dos Anjos foi manifestada
Além
disso,
o
verso
retrata
a
origem
do amoníaco; nem por isso deixará de
também em outros poemas, como em
da
vida
em
seu
absoluto
materialismo.
se impressionar com a sonoridade da
Vítima do Dualismo:
Augusto
dos
Anjos
poderia
falar
do
hopalavra amoníaco, e com suas rimas
mem
como
amontoado
de
carne,
osPsique biforme, o Céu e o Inferno
com zodíaco, etc. Este leitor também
sos,
sangue
entidades
que
por
si
sós
absorvo ....
não deverá ter dificuldade em apreennão
são
vivas.
Mas
esses
conceitos
Criação
a um tempo escura e corder o tom pessimista do soneto, e a
são ainda portadores de uma carga
de-rosa.
visão materialista em que a morte se
vital muito forte, e talvez ainda lhes posEm outro soneto, Contrastes, o
resume a ter o corpo roído pelos versamos atribuir algum valor espiritual ou
mesmo tema:
mes - conforme os dois tercetos deianímico. Poderia falar de proteínas ou
O Amor e a Paz, o Ódio e a
xam bastante claro. Por outro lado, um
carboidratos, mas ainda assim esses
leitor que conheça um pouco de quíCarnificina,
termos estariam muito associados a
mica e de biologia fará ainda outras
O que o homem ama e o que o
um organismo vivo “em funcionamenleituras. Este leitor verá resumido já no
homem abomina,
to”. Ao falar, entretanto, em carbono e
primeiro verso, de maneira magistral,
Tudo convém para o homem ser
amoníaco, Augusto dos Anjos desce
o materialismo de Augusto dos Anjos.
completo6.
ao limite inferior da mateO carbono é, efetiEsse homem dividido é um prisiorialidade biológica. Pen‘Eu, filho do carbono
vamente, o princineiro
das contingências do mundo; nos
sando em termos dos
e do amoníaco’
pal elemento consversos
seguintes, Augusto dos Anjos
átomos (carbono) e motituinte das moléCom apenas uma frase o
descreve
seu implacável destino. A
léculas (amoníaco) que
culas dos organistalentoso poeta pôde
menção
à
influência má dos signos do
são estudados pela químos vivos. Graças
resumir a origem química
zodíaco
poderia
ser interpretada como
mica, estaremos numa
à capacidade dos
da
vida...
alusão
supersticiosa
do poeta, que
dimensão onde não exisátomos de carboestaria
manifestando
sua
crença num
te qualquer resquício de
no formarem capoder
sobrenatural
das
estrelas.
Acrealma ou de espírito. Não há nada que
deias é que são possíveis as grandes
ditamos,
porém,
que
o
poeta
está
metalembre um espírito num monte de carmoléculas de carboidratos, proteínas,
forizando seu determinismo. Ou seja,
vão ou grafita (formas mais comuns de
lipídios, ácidos nucléicos,... que consdesde sua formação, o homem teria já
carbono
elementar).
Como
enxergar
tituem as células. O amoníaco é um
seu destino implacavelmente traçado,
vida no malcheiroso e sufocante gás
composto dos elementos hidrogênio como se isso estivesse escrito nas
companheiro fiel do carbono na estruamoníaco? Antes o associaríamos ao
tura de qualquer cadeia carbônica - e
fim de toda vida, por ser tóxico - e
estrelas. A terrível sina do poeta é desQUÍMICA NOVA NA ESCOLA
Augusto dos Anjos: ciência e poesia
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crita como sofrimento físico, um malestar semelhante ao de um doente; mas
trata-se de uma repugnância ao próprio
mundo, decorrente da consciência acerca da miserável condição humana.
Os vermes representam a iminência
e a onipresença da morte. A eles cabe
fechar o ciclo da Natureza, fazendo
com que a matéria humana retorne às
formas mais simples da matéria inorgânica. Em De rerum natura, Lucrécio
afirmou que a alma residente no corpo do homem, após a morte, não sobrevive: subdivide-se em outras
pequenas almas que animarão os vermes. Se a alma abandona o corpo no
momento da morte, indaga Lucrécio,
“...donde vem que uma tão grande
abundância de animais sem ossos e
sem sangue se agite por entre os
membros tumefactos?”7 Augusto dos
Anjos reinterpreta o tema, colocando
o verme como operário das ruínas, à
espera do momento em que intervirá
no ciclo natural dos átomos. O último
terceto retrata a inexorabilidade da
morte: o verme há de deixar-me apenas
os cabelos / Na frialdade inorgânica da
terra! Não se fala em alma ou espírito
imortal, não há transcendência. Nada
resta após a morte senão cabelos,
alimento de vermes - átomos, enfim.
Psicologia de um Vencido é um
Notas e referências bibliográficas
1. Isto é, o dióxido de carbono - CO2 dos químicos de hoje.
2. Apud IHDE, A. J. The Development
of modern chemistry. Nova Iorque: Dover,
1984. p. 181.
3. Apud MAYR, E. The growth of biological thought, p. 386.
4. Vide os poemas “Agonia de um filósofo”, “Mater originalis” e “Os doentes I”, in: Eu e outras poesias, 40ª ed. p. 81,
101, 106.
5. LUCRÉCIO CARO, T. Da natureza,
livro III, versos 445 - 446.
6. ANJOS, A. dos, op. cit. (nota iv), p.
excelente exemplo da rara habilidade
com que Augusto dos Anjos foi capaz
de transmutar ciência em expressão
poética.
Paulo Alves Porto ([email protected]), bacharel
e licenciado em química pela USP, mestre e doutor
em comunicação e semiótica pela PUC-SP na área
de história da ciência, é docente do Instituto de
Química de São Carlos da USP.
190 e 126.
7. LUCRÉCIO CARO, op. cit. (nota v),
livro III, versos 720-724.
Para saber mais
ANJOS, A. dos. Eu e outras poesias, 40ª
edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
BROCK, W.H. The Norton history of
chemistry. Nova Iorque: Norton, 1993.
LUCRÉCIO CARO, T. Da natureza. Trad.
de A. da Silva. In: Os pensadores. São
Paulo: Editora Abril, 1973. v. 5.
MAYR, E. The growth of biological
thought. Cambridge: The Belknap Press,
1982.
34
Resenha
(Re)visitando a escola e seu ensino de
ciências
É muito grato para Química Nova
na Escola convidar para uma visitação
à escola e ao seu ensino de ciências
conduzidos por um texto denso mas
entusiástico. Nosso condutor nesta
visita é Renato José de Oliveira, já conhecido das leitoras e dos leitores desta revista, professor do Departamento
de Fundamentos da Educação da Faculdade de Educação da UFRJ. Quem
o vê escrevendo, lecionando, pesquisando e envolvido com temas como
Ética e humanização do homem não
imagina que este filósofo seja licenciado em química e teve uma profícua
trajetória como professor de química
no ensino médio.
Aventuro-me em afirmar que em A
escola e o ensino de ciências Renato
volta a ser um professor de ciências,
pois sem deixar de irrigar o texto com
aquilo que é próprio do filosofar - a permanente crítica -, temos um texto enriquecido com a experiência do fazer.
Aflora ainda no livro uma continuada
preocupação de mostrar quanto a hisQUÍMICA NOVA NA ESCOLA
tória da ciência é produtora de alfabetização científica. Os três grandes capítulos do livro são independentes nas
suas propostas e nas possibilidades
de leitura. Mas são muito interconectados, especialmente no quanto os
dois primeiros preparam o terceiro, que
aflora quase como um gran finale - até
não tão feliz - para olhar a Escola no
mundo de hoje.
Augusto dos Anjos: ciência e poesia
No primeiro capítulo, cinco ícones
da filosofia moderna (Descartes, Bacon, Hume, Kant e Comte) se fazem
presentes em uma muito bem apanhada análise-síntese. No segundo capítulo, aflora a sólida afiliação do Renato
a Bachelard, onde há quase um aplainamento dos obstáculos bachelardeanos. No capítulo 3, chegamos à Escola
conduzidos pelas análises críticas de
Renato, quer o tenhamos como o filósofo professor ou o professor filósofo.
Mesmo sem se pretender um historiador da educação, o autor olha a educação que se fazia 22 séculos antes
do presente para chegar àquilo que é
o ensino de ciências hoje no Brasil.
Acreditamos que A escola e o ensino
de ciências contribua para mais fecundas transformações na vida das mulheres e dos homens agora e nos tempos que se anunciam com tantas modificações para a Escola.
(Attico Chassot - UNISINOS)
A escola e o ensino de ciências.
Renato José de Oliveira. São Leopoldo: Editora da UNISINOS, 2000. 139
p. ISBN 85-7431-041-7.
N° 11, MAIO 2000
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