Revista Eletrônica de Educação de Alagoas - REDUC ISSN 2317-1170 Vol. 02, Nº 01, Maio - 2014 A IMPORTÂNCIA DE UM ENSINO DE FILOSOFIA SIGNIFICATIVO: DESAFIOS EM SALA DE AULA Pércia Alves SILVA1 Elizabete Amorim de Almeida MELO2 Resumo Este artigo é o resultado de um trabalho de campo realizado na disciplina de Estágio Supervisionado em Filosofia 3, o qual proporcionou aos graduandos do Curso de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL),a primeira oportunidade (para alguns) de observar aulas da disciplina de Filosofia no ensino médio, no primeiro semestre de 2013, com o objetivo de ofertar a seus licenciandos não apenas o conhecimento teórico, mas um conhecimento mais próximo da realidade. Neste período de observação e análise de aulas, eu segui um roteiro preestabelecido pela professora supervisora/orientadora do Estágio: conteúdos, métodos, material didático utilizado, relação professor-aluno, dentre outros aspectos. Neste sentido, para a construção deste trabalho, contei com o suporte teórico de autores como Rodrigo (2009), Gallo (2012) e Lorieri (2002) e de documentos do MEC (2006), para fundamentar e esclarecer os questionamentos aqui apresentados. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Filosofia. Estágio Supervisionado. Desafios. ______________________________ Pércia Alves Silva Graduanda no curso de Filosofia, UFAL. Monitora de Filosofia da Rede . Estadual de Ensino/AL. Email: [email protected] Elizabete Amorim de Almeida Melo. Graduada no curso de Filosofia, UFAL. Mestra em Educação pela UNICAMP/SP. Professora do Centro de Educação/CEDU/UFAL. E-mail::[email protected] /1 Introdução O presente artigo foi construído a partir de evidências empíricas sobre dez(10) aulas observadas no ensino médio, na disciplina de Filosofia, em uma escola pública na cidade de Maceió. Esta atividade foi proposta e proporcionada pela disciplina de Estágio Supervisionado 3, do curso de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), entre os meses de Junho e Julho de 2013, com o objetivo de fornecer ao graduando não apenas o conhecimento teórico dos conteúdos específicos dessa área do saber, mas também a oportunidade de ver de perto o que é necessário ser ensinado em relação à Filosofia, assim como, refletir sobre a melhor forma de transmitir (ou trabalhar)o que é preciso ser apreendido por aqueles que estão em sala de aula. Contudo, no decorrer deste artigo, tentarei mostrar que a sala de aula se apresentou como um desafio filosófico, no que se refere ao professor e as suas práticas pedagógicas e aos conteúdos trabalhados. Outro aspecto que observei foi a dificuldade de compreensão de boa parte dos estudantes que, segundo Rodrigo(2009), pode ser consequência da má formação do professor. A importância de um professor mediador em sala de aulaque estimule seus alunos para o gosto filosófico, não permitindo que os conteúdos específicos da filosofia fiquem ausentes das salas de aulas e dos estudantes (MEC, 2006), é outro ponto de reflexão que levantarei durante este trabalho. O Ensino de Filosofia em Sala de Aula: Relato de Experiência É fundamental o contato com as salas de aulas do ensino médio para o graduando/licenciando em formação. Através desta experiência teórico-empírica, é possível observar e analisar aqueles profissionais que estão atuando na área, ministrando conteúdos ou apenas fazendo das aulas de Filosofia uma desordem educacional, mesmo que sua intenção seja o contrário. Infelizmente, o que tenho a falar do relato da minha experiência de observação, das dez (10) aulas na disciplina de Filosofia no ensino médio, não é muito animador. /2 O professor que pude acompanhar tem formação acadêmica em Psicologia e é professor efetivo da rede estadual de ensino. Ele está lecionando a disciplina de filosofia no ensino médio há quase dez (10) anos. O professor não contestou em nenhum momento me ter como estagiária em suas aulas. Pelo contrário, ele foi bastante receptivo em nosso primeiro contato, me sugerindo assumir algumas aulas em algumas turmas. Com relação a substituí-lo em algumas aulas, na verdade, nunca foi meu interesse, até porque eu estava ali, naquele momento, para observá-lo ensinando e aos estudantes aprendendo, e, assim, aprender um pouco mais sobre a atuação docente. Fui, também, disposta a ajudá-lo no que fosse preciso e foi o que fiz em alguns momentos, ao perceber os estudantes precisando de ajuda. Em outros momentos ,o professor solicitou a minha opinião a respeito dos conteúdos a serem trabalhados; eu o sugeri trabalhar com algumas temáticas filosóficas, introduzindo algum filósofo para fazer a relação com o assunto discutido. Essa sugestão está baseada nos teóricos estudados sobre o ensino de filosofia como Rodrigo (2009), Gallo (2012) e Lorieri (2002), e os próprios documentos oficiais do MEC, como as Orientações Curriculares Para o Ensino Médio (2006). Essa sugestão que dei foi baseada nas aulas observadas. Percebi que boa parte dos estudantes é dispersa em relação às aulas. Assim, o trabalho com alguns temas filosóficos poderia ser uma forma de envolver os alunos com a disciplina, fazendo-os interagir com os colegas e com o próprio professor. Entretanto, o professor observado não apresentou interesse. Imagino que, talvez, tenha sido pela questão de ter que preparar as aulas e pesquisar os filósofos para tratar das questões, o que levaria tempo e trabalho. Um fato me chamou a atenção: o professor observado tem muitas turma se cada uma delas com mais de cinquenta (50) alunos. Na maioria das aulas que observei, ele chegava a dar aula em três (03)turmas ao mesmo tempo, ou seja, em uma hora/aula, ele ministrava aula para três turmas do ensino médio. Este fato é resultado da falta de condições adequadas para o trabalho do professor do Estado de Alagoas: faltam professores (ou concurso para professor?) nas escolas. É importante ressaltar, que o professor observado só fez isso a pedido das turmas que estavam sem professor ou com aulas vagas. Assim, os alunos solicitavam ao professor de filosofia para adiantar o assunto, pois caso contrário, eles iriam embora. /3 Eu perguntei para alguns alunos se isso era frequente e eles responderam que sim, embora esta escola seja considerada um modelo no Estado de Alagoas. Assim, na primeira oportunidade, perguntei e o professor me falou que, ou adiantava o assunto, ou eles (os alunos) iam embora, ficando sem aula de Filosofia. Então, ele escrevia na lousa o assunto da aula, a página do livro, e exigia que os estudantes respondessem a atividade e o glossário que vinham logo após o texto que era retirado do livro didático “Filosofando: Introdução á Filosofia” (2009) adotado pela escola. É importante frisar, que esta forma de o professor não deixar o aluno sem aula ou adiantar o conteúdo não se constitui efetivamente uma aula, apesar da boa vontade do professor. Além disso, os alunos não tinham acesso ou auxílio de texto filosófico ou de qualquer outro recurso. Ou melhor, eles não tinham aula de filosofia, apenas era passada a leitura de um texto e um exercício no livro didático. O professor procedia assim: ele escrevia no quadro e saia para as outras turmas. Eu o acompanhava e via que nas outras turmas acontecia tudo do mesmo jeito, o que mudava era que, dependendo das séries, os assuntos eram diferentes, ou seja, para cada série do ensino médio, o professor passava um conteúdo diferente. Pude notar que o professor modificava os conteúdos de acordo com as séries, mas faltava tempo para explicar e ler os textos em sala. Neste caso, seria mais viável, e mais adequado, que o professor ficasse em apenas uma turma, ministrando os conteúdos de maneira significativa para os alunos que ali estavam. No entanto, o contexto escolar não permitia isso. Diante desta situação caótica, indagamos: Como o ensino de filosofia neste contexto será significativo? Como levar o texto filosófico para os alunos, quando o professor não tem formação específica e não tem que “dar aula” em três turmas ao mesmo tempo? Segundo Rodrigo (2009), os alunos das escolas públicas, normalmente, apresentam dificuldades na leitura de textos filosóficos, mas, mesmo assim, eles (os textos filosóficos) têm que estar presentes nas salas. Sabemos todos que o texto filosófico apresenta grande dificuldade para ser trabalhado no nível médio. Para começar, as deficiências culturais e linguísticas dos estudantes, especialmente dos menos privilegiados socialmente, são de tal ordem que muitas vezes eles sequer sabem ler, ou melhor, não compreendem aquilo que leem. /4 Nesse caso, como esperar que sejam capazes de enfrentar os obstáculos inerentes ao texto filosófico? Não sendo possível alimentar essa expectativa, é preciso criar condições para que isso se torne viável, ou seja, desenvolver, no interior do próprio ato de leitura, as habilidades e competências requeridas para tanto (2009, p. 74). Mas, como fazer isso se o professor não pode trabalhar de forma adequada com uma turma? Outros educadores também tratam dessa questão, como é o caso de Sílvio Gallo (2012), que aponta paraa importância do professor como mediador entre esses conteúdos e os estudantes e à necessidade de se criar “estratégias” para as leituras dos textos filosóficos, esclarecendo tudo o que for preciso, para que se possa existir, realmente, a compreensão daquilo que é trabalhado (2012, p.103). No entanto, a realidade que presenciei é bem distinta. Os exercícios eram respondidos nos cadernos dos estudantes e as leituras dos textos não eram de textos filosóficos, mas de textos didáticos ou complementares. Essas atividades valiam pontos (talvez por isso, os alunos não iam embora antes do professor anotar o conteúdo e a atividade no quadro). Por sua vez, outro fato que chamou a minha atenção foi que a correção das atividades dos alunos correspondia a um visto do professor, ou seja, na hora de corrigir os exercícios, o professor dava apenas um visto no caderno, sem ao menos verificar se as atividades foram respondidas corretamente ou se existia alguma dúvida na compreensão dos conteúdos. Este fato também tem que ser analisado de acordo com o contexto educacional: o professor analisado tem várias turmas, com aproximadamente cinquenta (50) alunos cada. Assim, indagamos: Como o professor pode efetivamente corrigir as atividades de aproximadamente cinquenta (50) alunos em apenas uma hora aula semanal? E às vezes, tendo que assumir três turmas ao mesmo tempo? Isso parece o “Inferno de Dante”. Nos textos estudados na Universidade (LORIERI, 2002; RODRIGO, 2009; GALLO, 2012), observei que os autores, ao se referirem a respeito da leitura e da compreensão, eles estavam se referindo ao texto filosófico, por ser esse algo próprio da Filosofia. Mas, independente do material que é trabalhando em sala de aula, o /5 livro didático ou o texto filosófico (este sendo o recomendável), é necessário queo professor faça a leitura junto com os alunos, pois, como é possível cobrar aquilo que não se deu, tal como é o caso do professor observado? Ele exige as questões respondidas, porém, não dava mecanismo aos estudantes para que estes pudessem atingir o aprendizado, para que os mesmos começassem a adquiriras habilidades e capacidades fundamentais para se trabalhar a disciplina, de forma que eles pudessem, progressivamente, se tornar aptos às leituras de modo significativo. Neste contexto, como se dá o processo de ensino-aprendizagem? Efetivamente, não há a efetivação desse processo, pelo que eu observei. O professor observado, mesmo nos momentos em que ficavam os cinquenta (50) minutos em uma única turma, também não fazia a leitura complementar do texto, apenas perguntava quem estava precisando de ajuda, o que não era suficiente para chamar a atenção dos que ali se encontravam, uma vez que não existia, previamente, nenhuma forma de estimular e aguçar a curiosidade dos discentes, e assim, aproximá-los para a matéria, o que é fundamental para um ensino filosófico significativo. Segundo o MEC: A tarefa do professor, ao desenvolver habilidade, não incluir valores, doutrinas, mas sim, ‘despertar os jovens para a reflexão filosófica, bem como transmitir aos alunos do ensino médio o legado da tradição e o gosto pelo pensamento inovador, crítico e independente’. O desafio é, então, manter a especificidade da disciplina, ou seja, o recurso ao texto sem ‘objetivá-lo’. O profissional bem formado em licenciatura não reproduzirá em sala de aula a técnica de leitura que o formou [...] tendo sido bem preparado na leitura dos textos filosóficos, poderá, por exemplo, associar adequadamente temas a textos, cumpridos a difícil tarefa de despertar o interesse do aluno para a reflexão filosófica e de articular conceitualmente os diversos aspectos culturais que então se apresenta (2006, p. 33). O trecho acima se refere às atribuições do professor formado em filosofia licenciatura. Logo, o que pensar de um professor que não tem sua formação na área específica? E ainda, que não passou por nenhuma etapa de preparação para a aquilo que é exigido pela disciplina que ele leciona, como, por exemplo, uma boa formação docente, ter o mínimo de conhecimento a respeito dos conteúdos específicos para relacioná-los aos acontecimentos que nos cercam o tempo todo, ou não induzir os estudantes a sua opinião, uma vez que isso não é filosofia? /6 Apesar de o docente ter a formação em psicologia, o mesmo não apresentava nenhum controle da turma, pois, o que acontecia era um descontrole total. Os estudantes faziam muito barulho durante as aulas, ficavam rindo do professor, como se ele não merecesse respeito algum. Esse desrespeito ao professor é um absurdo. O pior de tudo é que esta situação está se tornando uma regra e não uma exceção. Como podemos ter uma educação de qualidade neste contexto? No meu primeiro dia de observação, o professor entregou os resultados das avaliações feitas pelos estudantes de duas turmas, sendo um 1º ano e um 2º ano. O mesmo questionava o mau desempenho da turma e falava que a maioria não havia conseguido adquirir a nota mínima. A prova valia de zero (0) a dez (10) e muitos tinham deixado algumas questões em branco. Os alunos alegavam ter esquecido a resposta no momento da prova, epor sua vez, o professor fala que eles pelo menos deveriam ter tentado fazer, pois ele (o professor) teria considerado a resposta somente pelo esforço. Alguns estudantes respondiam em voz alta as respostas certas a pedido do professor, enquanto outros riam e ficavam perguntando qual era as respostas certas. É importante ressaltar, que o professor me forneceu uma prova para que eu o acompanhasse na correção. A mesma tratava do surgimento da Filosofia na Grécia Antiga, no século VI a. C. Este foi o único momento, durante as observações, em que eu o vi ler e explicar, tirando as dúvidas dos alunos, enquanto fazia a correção da prova. Mas, infelizmente, essa leitura era apenas da prova e não do material de estudo. Antes desse momento, nessa turma, eu não tive a oportunidade de vê-lo, antes da prova, explicando o assunto, visto que eu cheguei à escola no período de entrega das notas. No momento da correção da avaliação na turma do 1º ano, o professor perdeu o controle e começou a argumentar em voz alta: Professor: “Estou aqui com a melhor das intenções e o que espero de vocês, é que consigam assimilar o conteúdo que foi trabalhado em sala”. Estudantes: Silenciam durante alguns segundos e logo voltam a fazer barulho. Professor: “Como vocês pretendem ter uma profissão? Como pretendem casar? Ter uma família e sustentar os filhos?”. /7 “O conhecimento é algo que ninguém pode roubar de nós. O ouro alguém chega e leva da gente, mas o conhecimento não”. “O conhecimento liberta. O que vocês pretendem com esse comportamento?” “Um dos motivos para tanto erro foi não terem lido a prova com atenção. Eu deixo vocês bem à vontade para fazer a prova e, mesmo assim, vocês não fazem muita coisa”. “Eu já penso (elaboro) a prova de acordo com o livro, já que vocês preferem decorar o assunto, a ter que pensar”. Estudantes: Ficam rindo e não dão valor algum ao que o professor fala! Esse tipo de discurso era algo que fazia parte da metodologia do professor observado e que o acompanhava na maioria das aulas, embora os alunos não demonstrassem interesse ou preocupação. Como foi dito pelo próprio professor, em um dos seus discursos, ele não trabalhava a questão do pensar “por si só” dos estudantes, já que pedia que eles respondessem de acordo com o pensamento do autor. Segundo Lorieri (2002): O pensar é necessário; precisa ocorrer com as características apontadas e pode correr o risco de não acontecer a contexto. Daí a atenção que a reflexão filosófica dá a essa atividade da consciência humana. Em tal atenção, muitas indicações são fornecidas, especialmente para que o processo educativo se empenhe, também, no desenvolvimento de um “pensar bem”; isto é, garanti-lo com um pensamento hábil e não inábil. Fala-se, hoje, insistentemente, em uma “educação para o pensar’, que oferece subsídios para que os alunos “pensem por si mesmo”; ou seja, tenham um “pensamento autônomo” e, além disso, tenham um pensamento que seja reflexivo, crítico, profundo, contextualizado e criativo (2002, p. 95). Como, então, pensar em um “pensar por si só”, se aquele que deveria ser o mediador entre os conteúdos filosóficos e estudantes, assume uma posição totalmente contrária à esperada, não estimulando os alunos a desenvolverem um pensar inovador, autônomo, crítico, reflexivo, que são indissociáveis da Filosofia? Porém, diante dessa indagação, me deparo com a realidade concreta: o professor não é formado em filosofia; tem uma carga horária desumana; não tem condições de trabalho adequadas; os alunos têm dificuldades de ler, interpretar e /8 escrever, mesmo estando no ensino médio (nível de ensino que não deveria apresentar tais dificuldades) Na turma do 2º ano, a situação foi a mesma. Os alunos, mais ou menos cinquenta (50), faziam muito barulho. Com relação às notas das avaliações, a situação também vai parecida e o discurso do professor foi o mesmo da turma anterior. Nessa turma, o professor não me forneceu a avaliação, mas pude acompanhá-lo fazendo a correção. A mesma tratava do Dogmatismo, Ceticismo e Sociabilidade (direitos e deveres) em Marx e Nietzsche. Pelo que pude perceber, o recurso utilizado foi o livro didático. Em alguns momentos, durante a correção da prova, alguns estudantes fizeram perguntas sobre alguns termos e o professor respondeu, como, por exemplo: ele explicou sobre a maiêutica, a hermenêutica, a epistemologia; os termos “a prior” e“a posteriori”; e explicou a diferença entre cosmogonia e cosmologia. No entanto, percebi que essas questões estavam diretamente relacionadas ao conteúdo didático do livro. Assim, o professor não buscou fazer uma relação clara entre o conteúdo e o cotidiano. E quando tentou fazer isso, acabou se atrapalhando. Por exemplo: um aluno perguntou a respeito do significado da dialética; o professor respondeu mais ou menos assim: “É uma técnica de leitura filosófica”. Na tentativa de fazer a relação de um conceito filosófico com o cotidiano, ele respondeu da seguinte forma: “Quem tinha a prática da dialética era como alguém que bebe cerveja SKOL... e essa desce redonda. Mas, quem não a tem, seria alguém que bebe outro tipo de cerveja e essa desce quadrada”. No meu segundo dia de observação, no momento do intervalo, o professor apresentou interesse, perguntando-me e a outra colega do curso de Filosofia, que também estava fazendo o estágio, a respeito do conteúdo que era visto por nós na Universidade. Respondemos que, no começo do curso, estudávamos sobre a Filosofia Antiga, em seguida, Filosofia Medieval, Filosofia Moderna e que, no momento, estávamos cursando Filosofia Contemporânea. Além disso, explicamos que, em cada período, a grade curricular (Matriz Curricular) nos oferecia as ramificações filosóficas, como, por exemplo: Ética, Estética, dentre outras. Em outra oportunidade, eu perguntei se ele trabalhava com textos filosóficos. Ele falou que não, pois ficaria ainda mais difícil para os estudantes entenderem. /9 Nesse momento, eu disse que eu tinha aprendido nas aulas de estágio, que não existe aula de Filosofia sem conteúdo filosófico. O mesmo ficou calado. Nas aulas seguintes, o professor se comportou de modo diferente comigo, isto é, já não demonstrava a mesma recepção do primeiro contato. No geral, o que eu pude observar referente à prática docente do professor foi que não existia conteúdo filosófico, tão pouco uma prática pedagógica, visto que todo profissional precisa ter uma formação continuada, principalmente, quando este está atuando no terreno que não é o seu. Que reação esperar dos estudantes diante desse processo de ensinoaprendizagem? Em alguns momentos, em que tive a oportunidade de conversar com alguns estudantes a sós, aproveitando a saída do professor para as outras turmas, perguntei se eles gostavam de Filosofia; eles começaram a rir, com vergonha de responder. Eu insisti, e todos com quem falei e perguntei foram unânimes na resposta: “Não”. Porém, argumentaram que a disciplina de filosofia era melhor do que a de matemática, que exige raciocínio. E então, os questionei, dizendo que a Filosofia também exigia raciocínio, caso contrário, seria impossível compreender seus conteúdos. Eles me respondem que, mesmo assim, ainda era melhor do que a disciplina de matemática, porque não precisavam fazer cálculos. Neste momento, fiquei sem reação, pois, diante da situação, não era de se esperar outra resposta. Ainda, alguns alunos que estavam reunidos em grupo, para responder as atividades, me chamaram e me pediram ajuda, pois não estavam conseguindo compreender o que o autor estava pedindo na questão. A atividade se dividia em dois textos. O primeiro era “A tortura, a memória” e o segundo era “Os trotes de calouros”. As autoras do livro didático pediam, na primeira questão, que se identificasse o que os dois textos tinham em comum. Eu fiz a leitura dos textos com eles, apontei os pontos principais e expliquei o que as autoras estavam pedindo. Esse problema foi algo frequente nas turmas. Alguns alunos, com ajuda, conseguiam entender logo a questão; outros precisavam de uma ajuda especial; outros ainda ficavam com vergonha de falar que não tinham entendido o assunto, talvez porque eu fosse estagiária. /10 Em outro momento, um grupo pediu minha ajuda para uma das questões que tentavam responder. A questão pedia o seguinte: Reescreva sucintamente o texto. Uma das meninas me perguntou: “O que significa reescrever sucintamente?”. Eu expliquei para ela que era reescrever de forma resumida, breve. Então, ela disse: “Como posso reescrever, mesmo que de forma resumida, se não entendi nada?”. Então, eu li o texto com o grupo. O texto tratava de “Dois sistemas de instrução” e falava da educação destinada à classe operária e da educação da classe erudita. Este fato ilustra a importância do trabalho com a linguagem, que deve existir nas aulas de filosofia no ensino médio, para que, assim, o aluno adquira uma instrumentalização para ler e entender os textos (RODRIGO, 2009). Em outro dia de estágio, perguntei a uma das meninas, se ela queria ajuda e ela me falou que não. Eu perguntei se ela já tinha concluído a tarefa e a mesma me respondeu que não e que estava fazendo uma redação solicitada pela professora de Biologia. Isto é, a aula era de filosofia, tinha uma atividade para fazer, mas a aluna estava realizando a atividade de outra disciplina. Existe prova maior do desinteresse do aluno em sala de aula? Os exercícios eram feitos quase sempre em grupo, a pedido do próprio professor. Mas, mesmo assim, a falta de compreensão se fazia presente e a falta de interesse pela disciplina também. Segundo Rodrigo: O desinteresse pelas aulas de filosofia deriva, em boa parte, da falta de compreensão dos conteúdos ou do fato de que, muitas vezes, o estudante não consegue encontrar significação nesses conhecimentos. O professor pode ter certa cota de responsabilidade nisso, se os procedimentos de ensino que adota contribuem para alimentar o desinteresse e a indiferença (2009, p. 37). No meu último dia de estágio, um grupo de meninas me chamou e me perguntou: “A atividade era para ser respondida com as palavras do texto ou com a nossa?”. Eu li o enunciado com elas e expliquei que era para ser respondido com as palavras delas, até porque, é papel da Filosofia trabalhar a autonomia dos indivíduos. Vale ressaltar, que todos os estudantes ganharam os livros didáticos, porém, durante todas as aulas que eu observei, percebi que a grande maioria dos estudantes de todas as turmas não trazia o livro para a aula. Perguntei para alguns /11 alunos o porquê deles não trazerem os livros, e eles alegaram que o livro era pesado e ainda disseram algumas indelicadezas em relação ao professor. Para realizar as atividades em sala de aula, o professor sempre pega alguns livros didáticos na biblioteca. No entanto, nem todos os alunos se preocupam em pegar também um exemplar. Um aluno disse: “Tenho o livro, mas não trago e também não vou pegar esse aí”. Ainda, o professor começou a reclamar, alegando que os alunos tinham o melhor livro de todos os que foram aprovados pelo MEC. Mas, percebi que muitos alunos não se importavam em aprender filosofia. No meu quarto (4º) dia em uma das turmas, um aluno me perguntou: Aluno: “A senhora gosta do professor?”. Eu respondo que sim. O aluno pega no meu ombro e rir. Eu pergunto: “E você não gosta?”. Aluno: “O problema é que ele é muito sem moral”. Eu pergunto: “Porque você acha que ele é muito sem moral?”. Aluno: “A senhora não vê que toda aula é assim, a gente mais faz resenha do que estuda”. A maioria dos estudantes não tem respeito algum pelo professor e deixam isso bem claro. Então, como pensar um ensino-aprendizado nessas condições? Como podemos afirmar, do jeito que se encontra a disciplina de Filosofia, que as práticas pedagógicas e os conteúdos oferecidos por aqueles que estão em sala de aula, estão trazendo algum tipo de contribuição para a educação do nosso Estado? Ainda, cabe refletirmos: Será que, diante de toda essa confusão, é possível falar que existia ali aula de Filosofia ou apenas existia alguém que passava algum material? Esses são questionamentos que todos os que estão na área da educação deveriamfazer a todo tempo, sendo necessário, assumirmos uma postura ativa, de ação, diante dos fatos empíricos que são diagnosticados e revelados a todo tempo por nossos estudantes nas aulas de Estágio Supervisionado, sem falar de outros relatos que costumamos ouvir. É preciso buscar mudanças, mesmo sabendo que isso não pode acontecer de uma hora para a outra. Sabemos que cinquenta (50) minutos semanais não são /12 suficientes para ministrar bem uma aula filosófica, pois esse saber é complexo e necessita de carga horária suficiente, principalmente, quando se trata das escolas de massa, onde os estudantes se deparam com dificuldades de aprendizado, resultado da deficiência educacional que vem desde os seus primeiros anos de formação. Neste sentido, Alejandro Cerletti, em uma nota de rodapé de um de seus artigos esclarece: Sabemos também que uma parte importante da legitimidade que possa ter nosso campo deverá ser, em última instância, uma autolegitimação (somos conscientes de que são cada vez mais frequentes as tentativas de excluir progressivamente a filosofia dos currículos obrigatórios, substituí-las por outras disciplinas supostamente mais úteis ou práticas para o mundo de hoje) (2004, p. 22). Lutar para que a disciplina Filosofia possa permanecer no currículo escolar não é suficiente. É preciso lutar, também, por um aprendizado de qualidade, no qual os próprios estudantes possam reconhecer a sua importância e, assim, esse saber permanecerá sem correr o risco de se perder. Um dos principais motivos pelo descaso educacional envolvendo a disciplina de filosofia é a falta de profissionais bem qualificados. Assim, indagamos: Como pensar um ensino de filosofia significativo sem conteúdo filosófico e sem metodologia filosófica apropriada? Portanto, é fundamental a contribuição e o esforço de cada educador para mudarmos a situação da disciplina de filosofia em nosso país e, principalmente, em nosso Estado. A reconstrução racional da Filosofia, assim como, a formação de indivíduos críticos, reflexivos, autônomos etc., devem ser colocadas em prática. Considerações Finais À princípio considerei que a experiência vivenciada por mim, nas salas de aulas, durante as Observações do Estágio Supervisionado 3, não iria ajudar na minha formação como futura professora; mas, ao escrever este artigo, tive que fazer uma análise de todo o processo e pude entender que, por mais que as aulas não tenham sido como eu esperava que fossem, cheias de conhecimento, interação /13 produtiva e construtiva entre professor e estudantes, como é de se esperar, a mesma me fez refletir a respeito do processo de ensino-aprendizado, no sentido das práticas pedagógicas e dos conteúdos específicos adotados pelo professor ecomo tudo isso pode ou não influenciar na formação dos estudantes e, também, do próprio professor, uma vez que este é também um aprendiz e deveria considerar-se e comportar-se como tal. Daí, eu pude entender que, mesmo que as coisas não tenham saído como eu esperava, a mesma me proporcionou a oportunidade de aprender com a falta de preparação daquele que observei, isto é, tudo me servirá como lição para que eu não faça o mesmo, futuramente, em sala de aula. Também, servirá para que eu possa me preparar cada vez mais, se eu realmente quiser ser uma boa profissional, com uma boa formação e contribuir efetivamente para a formação dos meus futuros alunos. Diante dos fatos apresentados, a forma que os alunos trataram o professor começou a me incomodar. Não quero justificar este fato por sua má formação ou formação inadequada para ensinar filosofia, até porque, em minha opinião, ele deveria buscar se aperfeiçoar na área de filosofia. Mas, será que devemos colocar toda a culpa nele, pela falta de um conhecimento mais profundo na área filosófica, ou pela falta da didática necessária que um professor deve ter, ou pela falta de controle com os estudantes? Ou, devemos olhar também para as políticas educacionais que permitem a entrada em sala de aula de profissionais com formação em outras áreas de conhecimento, como é o caso do professor que tem graduação em psicologia. Ainda, temos casos de professores com formação na área, mas que não conseguem realizar um bom trabalho, devido ao tempo insuficiente para preparar as aulas. Não têm tempo e nem acesso a uma formação continuada; não têm salários dignos; não têm materiais didáticos para serem utilizados em sala; falta segurança dentro das escolas, dentre outras carências e dificuldades. Portanto, é preciso uma análise ampla sobre tudo o que torna o ensino de Filosofia um desafio para o século XXI no contexto educacional. /14 Referências LORIERI, Marcos Antonio. Filosofia: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção Docência em Formação). CERLETTI, Alejandro A. Ensinar filosofia: da pergunta filosófica à proposta metodológica. In: KOHAN, Walter O. (Org.). Filosofia: caminhos para seu ensino. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2004, pp. 19-42. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC. Conhecimento de filosofia. In: Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Ciências humanas e suas tecnologias. Brasília, 2006. RODRIGO, Lídia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino médio. Campinas: Autores Associados, 2009. GALLO, Silvio. Metodologia do ensino de filosofia. Campinas: Papirus, 2012. /15