Engenheiro agrônomo fala sobre
Desenvolvimento sustentável no Brasil.
Betina Sarue
Cid Simões é engenheiro agrônomo, formado em 1998 pela Earth
University, na Costa Rica, América Central. Junto com sua esposa, que se formou
na mesma universidade, ele desenvolve projetos com os compromissos que
assumiram na universidade: ser líder de vanguarda, promover projetos com
valores éticos e humanos, com consciência ambiental, social, e empresarial,
sempre estando a serviço da coletividade e comprometido com as futuras
gerações.
Ainda como estudante na EARTH, em 1997, Cid deu início a projetos de
desenvolvimento sustentável na Bahia, baseados na criação de alternativas de
agribusiness altamente lucrativas para pequenos produtores (PPs), com o objetivo
de brindar uma oportunidade socioeconômica justa e indiretamente reduzir o
impacto no desmatamento da Mata Atlântica do Sul da Bahia. O desafio de Cid
era permitir que o PP pudesse obter uma alta renda em uma pequena área,
evitando assim o desmatamento de novas áreas para o plantio de culturas
extensivas de baixa renda como mandioca e banana-da-terra. Na época ele pode
identificar um grande potencial nas helicônias (planta ornamental, subfamília das
bananeiras, que produzem flores exóticas) como flor-de-corte para arranjos florais,
algo muito sugestivo para uma Bahia totalmente tropical. A helicônia requeria 10
vezes menos área que a mandioca ou banana para produzir a mesma receita
econômica para o PP, além disso, a produção poderia ser consorciada com outras
plantas como cacau, a mesma banana, e até mesmo ser plantada no meio da
mata sem a necessidade do desmatamento. O projeto piloto começou em Ituberá BA na fazenda Piauí. Hoje as helicônias são famosas na Bahia e fazem parte do
Programa Flores da Bahia, desenvolvido pela secretaria de agricultura do Estado.
Já formado Cid retornou á Bahia e, em 1999, e concluiu o projeto das
helicônias e os trabalhos na fazenda Piauí no mesmo ano. Logo iniciou os projetos
com frutas e plantas ornamentais exóticas. Esses dois projetos tiveram início
como projetos pessoais enquanto trabalhava "fora", e hoje ele dedica 70% do seu
tempo a eles.
Em entrevista exclusiva, Cid fala sobre seus projetos mais recentes,
explicando sua importância em âmbito regional e mundial. Ele fala ainda de sua
trajetória na luta pela conscientização da necessidade de projetos sustentáveis
para o mundo inteiro, e, em especial, para o Brasil.
Quais foram os seus projetos depois de sua volta ao Brasil? Qual a
importância de cada um deles à preservação das florestas brasileiras?
Entre 2000 e 2005, busquei desenvolver trabalhos relacionados ao
Desenvolvimento Sustentável (DS) no Brasil, integrando os conceitos e a filosofia
de minha formação. Fui consultor do FUNBIO no desenvolvimento de três projetos
na Amazônia, que foram bem sucedidos. Os projetos tinham como objetivo
explorar os recursos naturais não madeiráveis e gerar renda para a população
local ao passo que reduzia a pressão do desmatamento. Estes projetos foram os
seguintes:
1. Couro Vegetal: foi desenvolvida uma tecnologia inovadora para se fazer couro a
partir do uso da borracha natural e tecido, o que se chamou de "couro-vegetal", o
qual teve agregação de valor ao se confeccionar bolsas, roupas, carteiras,
sapatos, etc.
2. Óleo Vegetal: um estudo de mercado identificou um grande potencial na
exploração de óleos vegetais de espécies de árvores nativas. Os óleos tinham
uma variedade enorme de usos, que iam de repelente a cicatrizante e terapêuticomedicinal e cosmético. A extração dos óleos resultou muito mais lucrativa e
sustentável que a simples venda da madeira. 3. Castanha do Brasil ou Pará:
conseguiu-se agregar valor à castanha produzida pelas comunidades quilombolas
do Pará, evitando os intermediadores locais, com a simples organização das
comunidades e a aplicação de energia solar para secar as castanhas. O valor
agregado à comunidade resultou no fomento de reflorestamento com
castanheiras.
Você acredita no ecoturismo como uma forma alternativa de obtenção
de renda que possa contribuir para a redução do desmatamento?
Fui Secretario de Desenvolvimento Sócio-econômico do Município de
Ituberá, no Sul da Bahia. Como secretário, tentei conciliar os projetos de
desenvolvimento com a conservação ambiental. Um dos resultados mais
interessantes foi a valorização do potencial turístico do município. Para lograr esse
resultado foi necessário comprovar em termos econômicos que o turismo e a
valorização cultural das atividades rurais (únicas no Brasil como cravo-da-índia e
piassava) eram mais importantes que investimentos privados diretos como a
construção de uma hidroelétrica numa cachoeira única no Brasil, e a mineração de
titânio numa área de restinga repleta de palmeiras piassava que poderiam ser
exploradas sustentavelmente por tempo indeterminado.
Colaborei também com a Tropical Nature Foundation como Diretor
Executivo de sua filial no Brasil, a Fundação BioBrasil, no estabelecimento de 2
projetos pioneiros de conservação ambiental através de ecoturismo. Logramos
conservar mais de 15,000 ha de cerrado no sudoeste do Piauí através de um
inovador sistema de ecoturismo com o envolvimento das comunidades locais. A
estratégia consistiu na aquisição de áreas potenciais e na valorização da fauna e
flora local associado ao conhecimento único dos "mateiros". Como resultado, os
ex-traficantes de animais silvestres se transformaram em cotizados guias
turísticos, a comunidade passou a ser administradora do projeto, e um plano de
marketing garantiu clientes e receitas suficientes para manter conservados e
protegidos os 15,000ha e sua fauna e flora. O modelo atualmente está sendo
replicado no Pantanal - MT, e eu continuo envolvido no projeto, mas como
consultor externo.
Atualmente, está envolvido em quais projetos?
Desde 2004 e até a presente data, somos consultores a nível latinoamericano na área de "outsourcing" para desenvolvimento de projetos, não diria
sustentáveis, mas "ambientalmente amigáveis" para os seguintes grupos com os
respectivos focos:
- Sustainable Markets Intelligence Center, em Costa Rica: uma instituição
dedicada à agregação de valor e preço justo de mercado para produtos
provenientes de projetos sustentáveis, como agricultura orgânica.
- MADECOR, em Filipinas: consiste num grupo de consultores especializados em
desenvolvimento de projetos sócio-ambientais
- EMRO, EM Research Organization, em Costa Rica e USA: é uma organização
destinada ao desenvolvimento da tecnologia EM (Effective Microorganisms)
arredor do mundo. A tecnologia é totalmente sustentável e se baseia no uso de
microorganismos benéficos, em sua maioria bactérias, que são altamente
eficientes na decomposição de matéria orgânica, descontaminação ambiental e
fixação de gás metano, recuperação de solos degradados, substituição de
detergentes e agentes químicos e produção de substancias benéficas. Seu uso vai
do doméstico ao industrial. Está muito bem difundido na agricultura orgânica e
natural.
- BroadSpan Capital - uma instituição financeira sediada em RJ e Miami
especializada na capitalização de fundos para projetos de desenvolvimento
sustentável.
Além de consultores temos os nossos projetos pessoais com as frutas e
plantas ornamentais exóticas. Esses projetos estão sendo executados em
pequenas unidades pilotos que refletem a realidade de um pequeno produtor (PP).
O objetivo central é gerar uma alternativa viável de produção sustentável para o
PP à medida que auxilia no reflorestamento nacional permanente, e promove
resultados ambientais tangíveis como recuperação e conservação de solos
degradados, proteção das águas freáticas. A nível global, estocar energia em
forma de alimento e óleos, e contribuir à redução do efeito estufa.
A estratégia é que estas unidades pilotos possam ser replicadas por todos
os lados em pequenas propriedades, ao invés de grandes propriedades isoladas.
A pequena propriedade é muito mais sustentável que as grandes, posto que
demanda muito menos o uso de agrotóxicos e componentes químicos, e é mais
passível de se instalar uma produção sustentável em longo prazo.
Como se dá o funcionamento desses projetos? Quais os seus
resultados?
Os projetos já estão em andamento desde 2001, e em forma resumida
seria o seguinte: plantas ornamentais exóticas: possuem um alto valor agregado
por unidade de área, o que permite gerar uma receita competitiva com receita de
negócio urbanos. Igual às helicônias, ajudam na redução da pressão sobre o
desmatamento, pois não há a necessidade de se desmatar para produzir, uma vez
que os projetos em grande escala são inviáveis pela alta demanda de mão-deobra. Os impactos locais geram aumento na renda do PP, redução do
desmatamento, redução do uso de agrotóxicos, absorção de mão-de-obra familiar
e externa, auto-estima dos produtores, e felicidade, frescor e saúde para os
clientes, entre outros impactos globais.
Este projeto está em andamento na área metropolitana de Salvador, e
resultados indicam o potencial de se obter aproximadamente R$ 4.000 reais por
mês em uma área de 1.000m².
Existem projetos ligados ao reflorestamento? Como é possível
garanti-lo?
Sim, o “Reflorestamento com Frutas” é um projeto tem dois componentes,
A) alimento e B) energia renovável. Dizer que se faz reflorestamento com
eucaliptos e pinos é errado, e o termo reflorestamento vêm sendo mal utilizado.
Não se pode reflorestar algo que a curto prazo será desmatado. Nossa visão é de
reflorestamento permanente, mas viável a médio e longo prazo.
O reflorestamento com frutas (A) tem como objetivo produzir alimento e estocar
madeira para o futuro. As frutas protegem e recuperam o solo à medida que criam
condições perfeitas para reflorestamento consorciado com espécies nativas. Por
exemplo, eu planto frutas e colho frutas, meu filho colhe frutas e planta madeira,
meu neto colhe frutas e cuida da madeira, meu bisneto colhe frutas e madeira, e
assim sucessivamente. Meio romântico, não é mesmo?
Por outro lado, o reflorestamento para energia renovável (B) tem como objetivo
estocar energia. É quase evidente para o mundo que o problema não está na
geração de energia e sim em como estocar esta energia. É muito difícil e não é
viável estocar a energia de hidroelétricas, energia do sol, energia eólica, e
infelizmente a única energia estocada no planeta é o petróleo, mas todos sabemos
que este estoque está acabando aos poucos. Neste sentido, nossa visão é de que
se pode estocar energia em forma de óleo nas plantas (biodiesel). Entretanto, não
se pode estocar essa energia em qualquer planta, exemplo mamona e soja, pois
são culturas anuais, todos os anos é necessário replantar. A primeira instância,
nosso foco está voltado para a Palmeira Africana ou Dendê. O dendê é capaz de
produzir e estocar grandes quantidades de óleo, inclusive superior à mamona e à
soja, e a vida útil de um dendezeiro é indeterminada. Qualquer pessoa pode ter no
quintal de sua casa uma palmeira de dendê.
Os impactos locais desse projeto são garantia de receita a médio e longo
prazo, reflorestamento permanente, recuperação e conservação do solo, estoque
de energia renovável, produção de alimento saudável, entre outros. Impactos a
nível global são quase os mesmos, fixação de CO2, diminuição do efeito estufa,
etc.
Este projeto está em andamento em Salvador, no Sul da Bahia, em Passa QuatroMG, em Niterói-RJ e em Cruzeiro-SP.
E a organização e componentes políticos destes projetos?
Bom, a organização é simples: criação de pólos para cada tipo de planta,
por exemplo, na Bahia são plantas totalmente adaptadas à Bahia, em SP são
plantas adaptadas a SP, isso evita a necessidade infraestrutura e reduz custo e
uso de insumos. Uma vez comprovada a viabilidade de cada projeto piloto, esse
se replica arredor, e expande fronteiras. Ao se optar por PP, não há restrições de
tamanho de área. O projeto repassa ao interessado as mudas e instruções
técnicas para cultivar e, em retorno, ele recebe e comercializa a produção.
Sistemas parecidos são bem sucedidos no Chile, Tailândia e Costa Rica.
Já a parte política não é nossa especialidade, e estamos atualmente "quebrando a
cabeça" com esses detalhes. Porém acreditamos que em breve conseguiremos
um parceiro que se comprometa.
De maneira geral, qual a importância do Desenvolvimento Sustentável
(DS) para o Brasil e para o Mundo?
É vital! Que DS é como os "10 mandamentos", que inclusive poderia ser
uma filosofia de vida, como religião e capitalismo. Infelizmente o
conceito/termo/definição, ou como queira nomeá-lo, de DS vêm sendo dilacerado,
e acredito envergonham aos seus idealizadores.
Em que sentido isso ocorre? Você pode citar um exemplo?
A maioria dos projetos/programas/ações de DS arredor do mundo estão
muito mais a serviço do capitalismo e das grandes corporações do que da
coletividade e do planeta em si, muito longe das gerações futuras. Um exemplo
claro disso são os famosos "reflorestamentos" de eucalipto e pinos associados à
venda de créditos de carbono. Por um lado se ganha dinheiro com a madeira e os
créditos de carbono, as grandes corporações "lavam as mãos" de seus problemas
de contaminação e se "fixam" toneladas de CO2; por outro lado, PPs foram
expulsos de suas terras para ir desmatar em outro lado, o dinheiro volta de onde
veio, a floresta hora plantada já não existe mais, e solo agora está totalmente
degradado, pois as arvores que foram cortadas levaram consigo todos os
nutrientes e água disponíveis. Como se pode chamar de reflorestamento algo que
se planta e em um período de 5 a 8 anos é totalmente desmatado outra vez? Os
principais recursos que deveriam ser protegidos (solo e água) apenas serviram
para gerar mais dinheiro e "tapar o sol com a peneira". O que as futuras gerações
ganharão com isso?
O que, na sua opinião, impede o sucesso de muitos projetos de DS?
O problema é que quando se fala em DS, geralmente se omite os esforços
para resultados em longo prazo, e se apresentam as alternativas imediatas.
Também, quem gostaria de recompor uma floresta e esperar 100 anos para
explora-la através de um Plano de Manejo Sustentável?
Qual instituição financeira, industrial ou morador de um Alphaville está preocupado
com a infância de um filho de um PP no Nordeste do Brasil, que em 17 ou 20 anos
poderá ser um potencial delinqüente urbano?
Na aleatoriedade de resultados em longo prazo, na intangibilidade dos resultados
em curto prazo, e no não comprometimento real com o futuro, o DS ficou a mercê
de especuladores que realmente poderiam promover mudanças significativas no
destino do planeta, mas ao contrário, estão enriquecendo cada vez mais, às
custas das futuras gerações.
Como promover uma mudança a favor dos verdadeiros projetos de
DS?
Obviamente é muito mais fácil criticar que agir, pois o problema não é
simples. Promover o DS envolve problemas econômicos, sociais e ambientais em
diversos níveis da sociedade, depende da ação de uma dona de casa a de um
Presidente de uma corporação ou país. E os resultados tangíveis e efetivos não
serão vistos por seus criadores, o que mexe profundamente com a vaidade do ser
humano. Infelizmente, promover DS exige sacrifício (diminuir dependência) e
ações presentes para resultados futuros. O grande desafio está na busca do
equilíbrio destas ações presentes e a demanda atual dos recursos (naturais e
financeiros) da sociedade. Entretanto, a chave para estes problemas é muito
simples, é o comprometimento de cada indivíduo com seus sucessores e o futuro
deles. Se cada unidade específica (indivíduo/empresa/estado/país, etc) se
comprometer e colaborar localmente, o impacto com toda a certeza será global.
De que maneira a sua formação contribui aos projetos de DS?
Para nós, DS é sinônimo de equilíbrio. Sendo assim, é como dizem: "cada
macaco no seu galho". Somos agrônomos e nossa visão de DS se baseia na
busca do equilíbrio social, ambiental e econômico do agronegocio. Nossos
projetos visam a busca de alternativas que possam promover este equilíbrio, com
ações locais e impactos globais em três diferentes planos:
Social - acreditamos que é necessário equilibrar a população rural com a urbana.
A população urbana depende diretamente da população rural. Deve haver
igualdade social entre estas populações.
Ambiental - o planeta, quando estava em equilíbrio, estava totalmente coberto por
vegetação e a energia estava estocada nesta vegetação. Acreditamos que é
necessário compensar os desertos, cimentos e asfaltos com florestas. É
necessário recobrir/reflorestar áreas permanentemente. Este reflorestamento
permanente deve produzir resultados tangíveis e estocar energia e fixar CO2.
Econômico - os resultados econômicos atuais desequilibram o Social e o
Ambiental. Nossa visão é de que o bem Econômico é responsável por equilibrar o
Social e o Ambiental. No Social, por exemplo, para fixar o homem no campo e
equilibrar o rural com o urbano, a renda de um PP deve ser competitiva com a
renda de um comerciante urbano. No Ambiental, o reflorestamento com frutas
permite renda a médio e longo prazo por um tempo indeterminado, o
reflorestamento com palmeiras pode estocar energia em forma de óleo (biodiesel),
a madeira pode ser explorada no futuro, e todas as culturas fixam CO2.
Então esses projetos contribuem com o equilíbrio geral do planeta?
Bom, é dessa visão que derivam nossos projetos e planos com o
reflorestamento com frutas e com dendê, e com a exploração de plantas
ornamentais exóticas. Pode ser que sejamos pretensiosos quanto aos resultados
futuros, mas dentro de nossas limitações e de nosso ramo, acreditamos que
mesmo sendo "uma gota d'água no oceano", estamos contribuindo com a
redução do efeito estufa, com a redução dos problemas sociais, com a
conservação dos recursos naturais, enfim, com o equilíbrio do planeta.
Você poderia citar algum exemplo relevante de concretizações neste
sentido?
Eu poderia mencionar o País Costa Rica. Acredito que é o único no mundo
que realmente está no caminho da sustentabilidade. Sua população, não diria
toda, mas a maioria, está comprometida com seus sucessores. Muitos dos
projetos sérios de desenvolvimento sustentável no mundo tiveram inspirações na
Costa Rica.
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