2º Encontro para Conselheiros
Painel 02
Assuntos ligados a pessoas que devem estar na pauta dos Conselhos de
Administração
Neste painel, os convidados destacaram os desafios de inserir esse tema de forma plena
dentro da agenda dos colegiados
O conselho de administração (CA), órgão central do sistema de governança, tem a função
de monitorar e definir o direcionamento estratégico de uma organização, portanto,
carrega consigo a responsabilidade de decidir a favor do melhor interesse da companhia.
Mas nem sempre este objetivo é alcançado em sua plenitude pelo fato de alguns
assuntos não receberem a devida atenção nas discussões desses colegiados. Dentre os
quais, um importante alicerce de uma companhia: as pessoas. Este foi um dos pontos
debatidos pelos convidados deste painel, moderado pela presidente do Instituto, Sandra
Guerra.
Segundo a conselheira, consultora e professora Betania Tanure, este cenário é mais
comumente encontrado nos conselhos de administração de empresas brasileiras do que
se imagina. Para ela, grande parte desses colegiados têm se focado basicamente em
itens de natureza objetiva, como a estratégia, processos e a estrutura da organização, e
deixado de lado questões relacionadas às pessoas, liderança e cultura. Tanure defende
que a interligação desses eixos objetivos e subjetivos seria a agenda ideal para CAs
eficientes e um desempenho empresarial sustentável.
Além disso, ela afirma que a maior parte dos conselhos tem o olhar voltado ao passado,
sem foco na construção do futuro, na busca pelo propósito. “Olha-se e analisa-se muito o
que aconteceu. O passado deve sim ser considerado, mas o presente e o futuro também
são dimensões essenciais”, avalia. Mas Tanure observa que não basta ter esta fórmula
em mãos se esses preceitos não estiverem enraizados, de fato, na filosofia empresarial
da organização.
Os conselhos e as crises
Para o sócio-diretor da G|xtrat-Consultoria em Governança e Estratégias Corporativas e
da GC|Capital, Geraldo Carbone, o cenário traçado por Tanure a respeito da ausência de
foco
nos
CAs
em
temas
relacionados
às
pessoas
pode
ser
justificado
pelo
recrudescimento de normas e atribuições legais sobre esses colegiados.
“Os conselhos, de forma geral, vêm sendo bombardeados com conjunto de novas regras
de governança nos últimos 15 ou 20 anos. Desde a crise do final da década de 90,
começou a surgir um conjunto de regras de Compliance e controle. Depois com a crise da
Enron (2001), outro conjunto de regras e, em seguida, com a quebra do Lehman
Brothers (2008), outra safra. Então, os conselhos ficaram bastante afogados em
conseguir lidar com as novas atribuições legais e o assunto ‘pessoas’ foi ficando de lado”,
analisa.
Para Carbone, a questão dos recursos humanos começou a ganhar espaço nas empresas
recentemente, em meados da primeira década desse século, quando as organizações
perceberam que estava faltando pessoas qualificadas no mercado e dentro de suas
próprias companhias.
Comitê de pessoas
Segundo ele, o comitê de pessoas do CA possui um papel voltado a Compliance, que se
refere a questões relacionadas à compensação dos executivos, à remuneração variável,
por exemplo, e outro papel com viés estratégico, onde se deveria começar a discussão
sobre cultura, monitoramento de clima e a análise de gap (lacuna) entre o que a empresa
quer e o que tem em termos de recursos humanos.
“O comitê de pessoas deve aprofundar-se nesses temas para dar conforto ao conselho. A
grande maioria dos conselhos é formada por ex-executivos, que são bons em correr atrás
de resultados, mas nem tanto em gerir pessoas e processos”, observa Carbone.
Outro tema que, segundo ele, deve ser tratado com afinco pelo conselho e o comitê de
pessoas é a sucessão dos membros executivos da empresa. “Não cabe ao Conselho
definir quem serão os sucessores, mas garantir que a empresa tenha candidatos
suficientes para cada posição”.
Mudanças de controle, aquisições e fusões
Betania Tanure observa que há alguns cenários em que temas relacionados a pessoas e à
cultura da empresa deveriam ser ainda melhor acolhidos nos conselhos de administração.
Um deles são os processos de mudança de controle, aquisição e fusão, que hoje seriam
tratados dentro de preceitos mais racionais pelos CAs. Segundo ela, uma das razões para
alguns desses processos darem errado seria, justamente, o fato desses temas não serem
devidamente cuidados por conselheiros e executivos.
Para ilustrar a importância disso, Carbone conta que, como executivo, vivenciou algumas
mudanças de acionista controlador. “Quando era presidente do Bank Boston, foram três
mudanças. Depois vivenciei a fusão do Unibanco com o Itaú, quando era executivo do
Itaú. São processos dramáticos, porque uma pessoa que era um bom profissional ontem,
de repente, deixa de ser um bom profissional, porque no processo a cultura muda, os
objetivos, o contexto, o apetite da empresa também”, observa.
Em vista disso, para ele, outro desafio a lançar aos CAs e comitês de pessoas é o
monitoramento contínuo deste tipo de cenário, que pode ocorrer por mudança de
ambiente regulatório, competitivo ou abertura de determinado mercado. “É complexo,
pois vai exigir uma participação intensa e presente do conselho”, afirma.
O CA como tema
Mas falar de pessoas dentro de um conselho de administração também significa inserir o
papel dos próprios membros do colegiado na discussão. “Os conselhos e conselheiros
precisam de processos estruturados de avaliação e a maioria não o tem. Como parte
desse processo vem o feedback, a orientação e o limite. Todo ser humano precisa”,
analisa Carbone.
Para ele, na agenda do conselho, também é preciso ter um tempo a ser despendido com
a empresa, “divididos na interação entre conselheiros e executivos, conselheiros e o CEO,
e conselheiros e conselheiros”. “Separar esses tempos é fundamental”, completa.
Tanure endossa essa opinião e completa que é necessário ter um olhar especial para a
composição dos CAs. Para ela, é importante dar a devida atenção no alinhamento de
expectativas em relação aos membros do colegiado, que se estabelece através de
relações de confiança.
“Gostaria de enfatizar o papel do presidente do conselho de fazer a adequada contratação
de papéis e expectativas com cada conselheiro e com o time jogando junto. Porque não
adianta ter um membro competente, se o time não joga bem conjuntamente. Acredito,
portanto, que seja disfuncional o presidente do conselho e o presidente-executivo serem
a mesma pessoa”, avalia. Para ela, atualmente, “a maioria não contrata de maneira
clara, explicita, e não faz o acompanhamento ao longo do tempo”.
Empresas e pessoas mudam
Tanto Carbone como Tanure vêem a necessidade de temas relacionados às pessoas
estarem mais presentes nos conselhos de administração não apenas de maneira
conceitual, mas de forma efetiva e plena.
Assim como é preciso observar as mudanças de rumos no mundo externo dos negócios,
as empresas precisam olhar para si mesmos, dentro de suas próprias estruturas. Sob
este ponto de vista, Carbone deixa uma reflexão aos conselheiros e executivos.
“Devemos nos debruçar sobre o tema de gestão de pessoas, mas mais ainda sobre o jeito
de funcionar de uma empresa, pois ela vai mudar o tempo inteiro e exigir pessoas
também o tempo inteiro. Portanto, isso precisa ser melhor discutido e monitorado no
âmbito de um conselho de administração e, especificamente, dentro de um comitê de
pessoas”. Um exercício aparentemente simples, mas que exige tempo, dedicação e clara
consciência de que as pessoas, de fato, são essenciais para trazer mais resultados à
organização.
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