14 Capítulo 1 – A Cibercultura e a Educação a Distância O movimento social californiano do fim dos anos 1970 permitiu que a informática fosse para as mãos dos indivíduos comuns, liberando-os da “ditadura” dos informatas. Paralelamente, os preços dos computadores começaram a cair, tornando-os acessíveis à classe média, e leigos podiam aprender a usá-los sem uma formação técnica mais sofisticada. No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, um novo movimento sociocultural originado pelos jovens profissionais das grandes metrópoles e das universidades norte-americanas tomou rapidamente uma dimensão mundial. As PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA diferentes redes de computadores formadas a partir da década de 1970 juntaramse umas às outras, enquanto o número de pessoas e de computadores conectados à Internet começou a crescer rapidamente. Uma corrente de informação espontânea impôs um novo rumo ao futuro. As tecnologias digitais desenvolveram-se, bem como a infraestrutura do ciberespaço, interconexão dos computadores mundiais, o que acabou criando uma nova arena de comunicação, de convívio social, de organização e, conseqüentemente, um novo mercado de informação e aprendizado. Dados a amplitude e o ritmo das transformações ocorridas, ainda nos é impossível prever plenamente as mutações sociais, culturais e tecnológicas que afetarão o universo digital no futuro. Quando a capacidade de memória dos computadores e a velocidade de transmissão de dados aumentam, quando são inventadas novas relações com o ser humano, quando se traduz a linguagem de antigas mídias, quando o digital cria um ciclo de comunicação entre processos anteriormente separados, as implicações culturais e sociais devem ser continuamente reavaliadas. Será que os fatos acima podem nos levar a afirmar que a Cibercultura é um movimento de origem social quando ele é habitualmente considerado como um movimento meramente técnico? Segundo Lévy (1999), sim. A emergência do ciberespaço seria fruto de um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder, 15 suas palavras de ordem (interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes. A partir desta afirmação, podemos concluir que a principal função do ciberespaço é permitir o acesso remoto aos diversos recursos de um computador. Torna-se possível, então, que pessoas dispersas possam comunicar-se facilmente, trocar seus conhecimentos, saberes e experiências. Os três principais fatores que nortearam o crescimento da Cibercultura até os nossos dias foram: a interconexão entre equipamentos, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. Parece-nos claro que estes três componentes unidos apontam para uma civilização que tenha uma telepresença permanente e contínua. Podemos afirmar que, na Cibercultura, os novos processos sociais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA atualizam a relação que se tem com o conhecimento. Aprendizagens permanentes e personalizadas, orientação dos estudantes através de uma supervisão constante e aprendizagens cooperativas são alguns dos elementos que fazem parte desse contexto. As ferramentas hoje disponíveis permitem que cada membro de uma comunidade virtual tenha suas competências reconhecidas e trocadas com outros membros. Através dos dispositivos de correio eletrônico, conferências online e ferramentas de colaboração tais como grupos de discussão e teleconferências, os indivíduos estão cada vez mais interligados, conectando-se e interagindo, independentemente de sua posição geográfica. No contexto tecnológico da Cibercultura, incluem-se os sistemas avançados de aprendizagem em grupo que são especialmente projetados para usar os meios disponíveis no ciberespaço. Estes dispositivos podem permitir-nos uma discussão coletiva, a troca de conhecimento e de saberes entre pessoas e o acesso à informação online através de ferramenta comunicacional de um-todos ou todostodos, possibilitando a constituição progressiva de uma estrutura de comunicação integrada, digital e interativa. Os mundos virtuais para diversos participantes, os sistemas para ensino ou trabalho cooperativo, ou até mesmo, em escala maior a própria World Wide Web, podem enquadrar-se nesta categoria. Podemos afirmar também que, no seu desenvolvimento, a Cibercultura tem aberto novos planos de observação e existência nos modos de adquirir 16 conhecimento e aprendizagem, através de simulações, navegação, inteligência coletiva e utilização de tutores permanentes. Isto não significa dizer que as características tecnológicas da Cibercultura levarão à plena substituição dos modos de aprendizagem anteriores, mas é muito provável que eles sejam fortemente revisados. Concordamos com Lévy (1999) quando ele afirma que o melhor uso possível das tecnologias digitais implica permitir que os seres humanos conjuguem suas imaginações e inteligências a serviço da sua emancipação. Esse ponto de vista de uma comunicação comunitária apoiada por uma ferramenta planetária para a inteligência coletiva encontra eco em alguns autores e estudiosos. Outros mais céticos, tais como Virilio, afirmam que o ciberespaço não PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA deve passar de um imenso mercado planetário de bens e serviços. Qualquer reflexão sobre o futuro dos sistemas de educação e de formação na Cibercultura deve ser lastreada em uma análise prévia das modificações atuais da relação com o saber. Neste início de século, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa durante a sua carreira profissional torna-se rapidamente obsoleta, o que faz com que os indivíduos e grupos não estejam mais conformados com saberes estáveis. Ao invés disso, as pessoas estão sempre em busca de um fluxo contínuo de conhecimento. Isso leva-nos a refletir a respeito da nova natureza do trabalho, cuja parte de transação de conhecimentos não pára de crescer. Trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos. Podemos constatar também que o ciberespaço suporta tecnologias que aumentam, exteriorizam e modificam numerosas funções sensoriais humanas: memória, imaginação, percepção e raciocínios. Temos também que ter em mente que estas novas tecnologias, permitem novos estilos de raciocínio e de conhecimento, tais como a simulação, proveniente da experiência do pensamento, que não é proveniente nem da dedução lógica nem da indução a partir da experiência. Como essas experiências intelectuais, sobretudo as memórias dinâmicas, são armazenadas em documentos digitais ou programas disponíveis no ciberespaço, podem ser compartilhadas entre numerosos indivíduos, 17 independentemente da sua localização geográfica, o que supostamente aumentaria, portanto, o potencial da inteligência coletiva dos grupos humanos. Devemos ter em mente que as novas tecnologias da inteligência individual e/ou coletiva parecem estar modificando profundamente os dados do problema da educação e formação. Neste contexto, parece surgir uma certa preferência por imagens de conhecimento emergentes, contínuas, em fluxo, que se organizam de acordo com objetivos e contextos singulares. Ao lado da tecnologia ligada à mecânica e à energia, o homem sempre desenvolveu sofisticadas tecnologias de inteligência: a escrita foi uma destas tecnologias, como bem aponta Levy (1993), cuja expansão transformou toda a cultura. A representação impressa, mais precisa, mais exata e mais objetiva quebrou o mistério do conhecimento reservado a poucos homens e permitiu o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA esclarecimento das atividades humanas nos seus aspectos mais secretos. O desenvolvimento científico contemporâneo tornou frágil o saber narrativo típico das sociedades modernas, fazendo surgir um novo tipo de saber. De acordo com Lyotard (1988 p. 4): “Nesta transformação geral, a natureza do saber não permanece intacta. Ele não pode se submeter aos novos canais, e tornar-se operacional, a não ser que o conhecimento possa ser traduzido em quantidade de informação. Pode-se prever que tudo o que no saber constituído não é traduzível será abandonado, e que a orientação das novas pesquisas se subordinará à condição de tradutibilidade dos resultados eventuais em linguagem de máquina. Tanto os produtores do saber como seus utilizadores devem e deverão ter os meios de traduzir nestas linguagens”. Por mais que possa parecer arrebatadora, a transcrição acima equivale a dizer que o conhecimento que não possa ser digitado, escaneado, colocado em meio eletrônico de alguma forma, tende a desaparecer dos meios acessáveis. Como ocorreu com a invenção da imprensa, a informática de nossos dias possui um arrebatamento supostamente libertador ainda maior, pois, apesar de a escrita e de a imprensa serem tecnologias da inteligência, elas não possuem recursos tão elaborados de recuperação e transmissão da informação quanto a informática que, através de linguagens de computador, integra uma multiplicidade de signos: binários, musicais, alfabéticos, icônicos, sonoros e imagéticos, entre outros. Por outro lado, a informática também pode fazer desaparecer preciosidades num único 18 segundo, o que deve nos fazer pensar muito cuidadosamente sobre o assunto. Consultar catálogos de fichas de papelão na biblioteca é hoje tão obsoleto quanto datilografar na velha Olivetti. Há poucos anos, os editores de texto dos microcomputadores tornaram obsoletas as máquinas de escrever. Hoje, as facilidades da Internet tornam obsoletos os acessos tradicionais às informações e ao saber, como, por exemplo, recorrer aos fichários de bibliotecas. Há muito tempo a Física, a Matemática e a Engenharia já haviam abraçado a Informática como meio e infra-estrutura para pesquisa. Também a Química entendeu ser mais fácil conhecer as moléculas por simulação em computador do que em experimentos empíricos. Mais impressionante é a ressonância existente entre Informática e Biologia. Na pesquisa biológica, os processos de identificação de seqüências de genes são feitos por programas e bancos de dados acessados via PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA rede. Sabemos que é necessário e fundamental considerar que algumas reformas devem ser propostas nos sistemas de educação e formação e, nesse caso, talvez se forem incorporadas doses maiores do espírito e dos recursos da EaD ao cotidiano da educação, tenhamos alguns problemas resolvidos. Este seria um primeiro passo importante. Hoje a EaD tende a incluir as redes de comunicação interativas, hipermídia e todas as demais tecnologias intelectuais da Cibercultura, mas o essencial não se encontra nos meios utilizados; encontra-se em entender um novo estilo de pedagogia, em que são favorecidas, ao mesmo tempo, as aprendizagens personalizadas e a aprendizagem coletiva. Nesse contexto, o professor deve tornar-se um “animador da inteligência” de seus grupos em detrimento de ser simplesmente um fornecedor direto do saber. Paulo Freire, há décadas, já pontuava a este respeito quando mencionava a “educação bancária” e seus inconvenientes. Um segundo passo diria respeito ao reconhecimento da importância das experiências e competências adquiridas ao longo da vida, das quais cada um possui uma coleção particular. Organizando a comunidade entre empregadores, indivíduos e recursos de aprendizagem de todos os tipos, com a Internet parece haver a possibilidade de se poder propor a criação de um novo sistema de 19 transmissão de conhecimento. Potencialmente, as ferramentas do ciberespaço criam amplos sistemas de avaliações automatizadas acessíveis a qualquer momento, em qualquer lugar, que, dependendo da destreza com que são organizados e implementados, podem ensejar a aferição do grau de troca das competências acadêmicas, ou as experiências não-acadêmicas. Entre os novos modos de conhecimento trazidos pela Cibercultura, a simulação ocupa um lugar central. A simulação tem hoje um papel crescente nas atividades de pesquisa, de gerenciamento e aprendizagem, constituindo um modo especial de conhecimento, próprio da Cibercultura nascente. O conhecimento encontra-se, nesse contexto, acessível online em hipertextos alimentados em tempo real, em aulas interativas e em simulações em tempo real. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA O ciberespaço tende, assim, a tornar-se o principal instrumento coletivo da memória, pensamento e comunicação. Ele, através de seus recursos tecnológicos (imagens, simulações, banco de dados etc) já começa a ser o articulador fundamental da inteligência coletiva da humanidade. Com esse novo suporte de informação e comunicação, emergem gêneros de conhecimento inexplorados, formas de avaliações apresentadas de modos diferentes para orientar o saber e a troca de conhecimento. Qualquer política de educação terá que levar isso em conta. Os sistemas educativos tradicionais encontram-se hoje submetidos a novas restrições no que diz respeito à quantidade, diversidade e evolução do conhecimento. Se analisarmos quantitativamente, a demanda por conhecimento é, hoje, maior do que em qualquer outro momento da história do homem. Os alunos transbordam nas escolas e universidades. A demanda por cursos de pós-graduação jamais foi tão intensa. As instituições tradicionais de formação técnica estão saturadas. Grande parte da sociedade está ou pretende estar na escola. No que concerne à formação de novos professores e às instalações físicas para novos centros de ensino, o fator custo é um limitador a ser considerado. Parece ser, desta forma, necessário buscar novas soluções que utilizem técnicas capazes de multiplicar o esforço pedagógico dos educadores. Material audiovisual, multimídia, ensino assistido por computador, TV educativa, cabo, 20 técnicas de EaD utilizando materiais escritos, tutoriais por telefone, fax ou Internet, são instrumentos que se articulam neste esforço. Tanto no plano do suporte material como no de custos de funcionamento, as escolas técnicas e universidades existentes no ciberespaço têm menor custo operacional do que as instituições de ensino que fornecem um ensino presencial, descontados, a bem da exatidão dos cálculos, os custos de implementação, que envolvem desde a geração de materiais veiculáveis pela Internet à infraestrutura tecnológica e de telecomunicações. Esta inevitável parcela de custos fixos torna as soluções educacionais telemáticas adequadas principalmente nos contextos em que se pode obter ganhos de escala e atender uma quantidade grande de educandos. A necessidade de formação deve ser analisada também sob o ponto de vista qualitativo. Esta sofre uma espécie de mutação crescente no que diz respeito PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA à necessidade de diversificação e, principalmente à personalização na formação. Como vimos em páginas anteriores, os cursos uniformes e rígidos que, ao seu término, não irão corresponder a necessidades reais e perspectivas futuras de vida, não atendem mais a comunidade de educandos. Conteúdos aplicados pela Internet, em meio eletrônico, e pedagogicamente mediados, têm maior potencial de atualização do que os conteúdos impressos, podendo-se tirar partido desta característica para prover experiências de aprendizagem mais significativas. Levando em conta essas necessidades, uma das soluções parece residir na prática da aprendizagem cooperativa que se faz no ciberespaço, podendo ser uma via de acesso a um conhecimento que concilia massificação e personalização. A aprendizagem cooperativa através de videoconferências e correio eletrônico pode, em tempo real, ser conciliada com a orientação do estudante pelo seu tutor. Os suportes hipermídia permitem acessos intuitivos, rápidos e atraentes a grandes conjuntos de informações. Parece que os “novos educadores” da Cibercultura pretendem deslocar-se de modo diferenciado no sentido de incentivar a aprendizagem e o pensamento, levando o estudante no caminho do “aprender a aprender”. Sua atividade deve estar voltada para o acompanhamento e gestão das aprendizagens. Eles devem incitar seus estudantes à troca de conhecimentos e incentivá-los a percorrer, por conta própria, os caminhos do aprendizado. Neste ponto, cabe enfatizar que as ações citadas acima supostamente fazem parte da 21 proposta de qualquer educador que preze sua atuação profissional, não constituindo privilégio daqueles que adotam o ciberespaço como mídia. No entanto, a Internet e a tecnologia podem muito bem contribuir para o aprimoramento do processo de descoberta do indivíduo e do grupo. Na verdade, este percurso espontâneo sempre foi possível, mesmo antes da Internet e da Cibercultura, quando a expressão física do conhecimento se concentrava nas bibliotecas. No entanto, ele agora parece facilitado sobremaneira. No contexto tecnológico e social aqui abordado, o compartilhamento de recursos materiais e de informação entre professores e estudantes ganha uma nova dimensão. Os professores ampliam seus conhecimentos ao mesmo tempo em que os estudantes o fazem, atualizando-se continuamente, assim como os primeiros podem manter suas competências pedagógicas em constante evolução, um dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA principais objetivos qualitativos da EaD. Através da rede mundial de informações, por meio de bancos de dados, os estudantes têm acesso potencial a videoconferências, independentemente de localização geográfica, nas quais podem interagir com especialistas nas diversas disciplinas. Contando com esta gama de possibilidades, a principal função do educador pode evoluir para a de orientador. Tal como já estabelecido no início do trabalho, um dos objetivos dessa dissertação é discutir como, ou se, o uso crescente e contínuo das tecnologias digitais e das redes de comunicação interativas provocam modificação na relação com o saber, e como (ou se) o uso das tecnologias intelectuais com suporte digital prolonga as capacidades cognitivas, no que diz respeito à memória, imaginação e percepção, como dogmatizam os autores que a defendem. Assim sendo, não é hora de discutirmos se os computadores serão substitutos incansáveis dos educadores na visão clássica, Nem tampouco é momento de se avaliar o quanto os computadores são considerados apenas instrumentos de comunicação e de pesquisa a serem colocados nas mãos dos estudantes. As novas possibilidades de criação coletiva e aprendizagem cooperativa, oferecidas pelo ciberespaço, parecem colocar em questão o funcionamento das instituições empresariais e acadêmicas, no que diz respeito aos modos habituais de divisão de trabalho. 22 De acordo com Virilio (1997), devemos tentar discutir mais profundamente a respeito da velocidade e do trajeto da informação. Acreditamos que este seja um dos pontos essenciais para o entendimento dos fenômenos de emissão e recepção na comunicação, iniciando a construção de uma teoria social de informação. O significado da informação, da aprendizagem e da troca de conhecimento entre os indivíduos, e como estes são compreendidos pelos receptores é um processo de extrema importância para o entendimento da sociedade de nossos dias, na qual o poder da informação e das novas tecnologias tem um peso fundamental. Talvez a grande questão da EaD, tanto no plano de redução dos custos como no acesso democrático à educação, não seja tanto a passagem do presencial à distância, nem do escrito e do oral tradicional à multimídia. É a transição de uma educação e uma formação estritamente PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA institucionalizada para uma situação de troca anárquica e generalizada de conhecimentos, quase como postulou Illich na sua defesa da “desescolarização”. Novamente com base em Lévy (1999), estes fatos levam-nos a pensar sobre a real extensão em que a aprendizagem à distância, considerada por muito tempo apenas como um suporte ao ensino tradicional, irá de fato tornar-se a ponta de lança do sistema educacional. Mesmo pesando prós e contras, parece-nos que no futuro iremos tratar muito mais de gerenciar processos do que sermos reconhecidos por nossos diplomas e/ou postos de trabalho que ocupamos. Seremos julgados pela nossa competência em organizar trajetos e cooperações. As diversas habilidades e capacidades adquiridas pelos indivíduos ao longo da vida irão alimentar as memórias coletivas. Acessíveis no ciberespaço, essas memórias dinâmicas servirão às necessidades concretas de indivíduos e de grupos em uma situação de aprendizagem, o que nos poderá levar à virtualização da relação com o conhecimento. Soa-nos válido afirmar que é para esse novo universo da educação que o educador da virada do século deve estar preparado para trabalhar e, conseqüentemente, é para este contexto que ele deve preparar seus alunos. Pode parecer simples dizer que a toda aprendizagem que é decorrente de uma soma de competências deve poder gerar uma qualificação e uma validação 23 socialmente reconhecida. Na prática, porém o quadro é outro. Um grande número de saberes adquiridos ao longo das experiências dos indivíduos não gera nenhum tipo de qualificação. Deveria caber aos sistemas educacionais implementar processos de reconhecimento das experiências pessoais e profissionais, adquiridas ao longo da vida. Novamente, Lévy (1999) entende que a descentralização e abertura dos processos de reconhecimento e validação dos processos e dispositivos de aprendizagem, mesmo aqueles menos formais, poderiam ser sancionados para a qualificação dos indivíduos. Não seria o caso de usar todas as novas tecnologias na educação sem em contrapartida alterar os mecanismos de validação, qualificação e homologação de novos cursos. Um processo de reorganização e desregulamentação controlada dos atuais mecanismos de validação profissional, que priorizasse o aspecto da formação explícita, poderia PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA aumentar o aspecto social das funções clássicas dos educadores, admitindo que qualquer experiência de vida, assim como, os saberes adquiridos, devem poder levar a um grau de reconhecimento e qualificação. Hoje em dia, ter a Internet como aliada é uma ajuda indispensável para qualquer educador ou responsável por treinamento que atue em qualquer universidade ou grande empresa. Trata-se do maior acervo de informações disponível para qualquer pessoa que possua uma simples conexão. São 365 dias por ano, 24 horas por dia de informação. Não existem barreiras físicas como distância ou tempo. Para que estes benefícios possam ser mais bem aproveitados, foram criados ambientes de aprendizagem e treinamento virtual que potencializam toda a gama de conhecimento e vivências disponíveis na rede. Entretanto, deve-se ter cuidado com a saturação de informação, que provocaria o que Lévy (1999) chama de “segundo dilúvio”. Neste momento, as informações estariam disponíveis numa torrente e numa velocidade tão intensas que não seria possível captá-las e percebê-las integralmente. Nesta corrente de raciocínio, há que se mencionar o ponto de vista de Virilio (1993), que afirma serem os avanços tecnológicos responsáveis por um intenso processo de aceleração da sociedade, no qual esta poderia criar formas de dominação a partir disto. A velocidade da informação seria uma forma de domínio, que esteve presente tanto na revolução ocorrida nos transportes, no século passado, quanto atualmente no desenvolvimento das tecnologias virtuais. O autor relaciona a crença na 24 democratização da sociedade através dos meios de comunicação com a mesma idéia ocorrida no século passado, com o desenvolvimento dos sistemas de transportes. Ambos os fenômenos criaram a perspectiva de que estaria emergindo uma sociedade mais justa, com os indivíduos mais próximos. É importante ressaltar que, mesmo que estes acontecimentos não formem uma sociedade mais justa e democrática, as pessoas realmente têm a possibilidade de estar mais próximas, através do incremento de novas tecnologias. A questão é que este processo não é tão expansivo quanto parece, pois, em países menos desenvolvidos como o Brasil, isto pode alcançar somente uma pequena parcela da população. Apesar de existirem opiniões divergentes sobre a validade da EaD baseada na Internet, os benefícios podem ser mensurados através da diminuição de custos, normalmente vinculados ao processo de aprendizagem tradicional, como viagens PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA e hospedagens, instalações físicas e professores viajantes. Com a redução de custos, o retorno dos investimentos ocorrerá de forma mais acelerada para os envolvidos com a implantação e utilização deste sistema de aprendizagem. Outro fator a ser destacado é a maior rapidez em disponibilizar o conteúdo, tornando-se mais curtos os ciclos de treinamento, o que poderá ser um diferencial importante diante da alta competitividade em determinados mercados. É importante que se tenha uma visão crítica para que toda esta perspectiva de benefícios não nos leve a esquecer alguns cuidados. É inegável que estes últimos anos marcaram o atingimento de estágios de progresso nunca antes imagináveis. Porém, Virilio afirma que não podemos criar uma visão romântica do progresso, sem uma consciência mais plena de seus efeitos. É sabido que todas as áreas de conhecimento em desenvolvimento, inclusive a científica, geram perdas e danos. Basta considerar os efeitos da tecnologia nuclear para não ter dúvida a respeito. Em toda criação, estão intrínsecos o aparecimento de fatores positivos e negativos. As novas tecnologias da informação, incluindo a cibernética, podem criar uma expectativa de homogenização da humanidade. Os grupos sociais tendem a ser tratados como uma massa pasteurizada, desconsiderando-se diferenças 25 importantes. Mesmo levando em conta o processo de globalização, as particularidades e a diversidade continuam a existir, devendo ser ressaltadas. Embora estejamos vivendo em um mundo cada vez mais veloz, em que as distâncias são menos relevantes, os mais céticos não acreditam que este processo esteja relacionado com a democratização da sociedade. Virilio, por exemplo, aponta a virtualidade como problema em nosso mundo atual, já que ela criaria um tempo sem relação alguma com o tempo histórico, mundial, o que causaria uma perda do corpo real, concreto. A corrente oposta, influenciada por Lévy, afirma que o mundo atual é quase totalmente virtual, por vezes desconsiderando que, apesar disto, a realidade material continua a existir. Virilio acabou desenvolvendo uma visão extremamente cética a respeito PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA dos usos das novas tecnologias em nossa sociedade, como ilustra a passagem transcrita a seguir: “As novas tecnologias são portadoras de um certo tipo de acidente e um acidente que não tem lugar prontamente assinalado, como o naufrágio do Titanic e o descarrilamento de um trem, e sim um acidente generalizado, um acidente que afeta imediatamente a totalidade do mundo”.(Virilio, 1997, p. 14-15). A ocorrência de um acidente geral, que afetasse todo o mundo ao mesmo tempo, faria a sociedade pensar na ação indiscriminada das novas tecnologias. Trata-se de uma idéia algo catastrófica, pois, embora os avanços da revolução cibernética possam criar inúmeros problemas, os seus aspectos positivos não devem ser desprezados. Pode-se notar que Virilio possui uma visão bastante pessimista da questão, o que é de fundamental importância para o equilíbrio da análise. Ele é um dos poucos autores que desenvolvem uma análise mais crítica dos efeitos da chamada Cibercultura e de seus resultados. Mesmo que não se concorde com uma visão saudosista da humanidade, ao mesmo tempo que não se negue os benefícios que o progresso da cibernética tem trazido à sociedade, é necessário que se esteja atento a todos os fenômenos que estão relacionados com esta evolução. Talvez seja possível usar a arquitetura e a ocupação contemporâneas das cidades para investigar os efeitos sobre a consciência ética de um mundo que se 26 organiza cada vez mais em sintonia, dependente das transformações tecnológicas no que tange a produção e difusão de imagens e informação. Ocupado por telas – de computador, de vídeo, de cinema – o espaço público clássico tenderá a transformar-se em uma “imagem pública” asséptica, na qual redefine-se toda uma realidade coletiva. Neste universo high-tech do imediatismo das imagens, a geopolítica cede lugar à política em que o acesso aos fundamentos da administração da velocidade e do tempo – e não mais do espaço – muitas vezes nos são impelidos pelos especialistas em tecnologia, que tendem a consolidar a impermeabilidade da tecnologia à grande massa de leigos. No entender de Virilio (1993), as performances do aparato técnico de última geração dialogam com a história da física, da geometria, da arquitetura, do cinema e da filosofia. Ele afirma que quanto mais a sociedade sofistica-se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA tecnologicamente, mais ela torna-se militarizada, passando a viver em constante preparação logística para batalhas imperceptíveis, abstratas ou concretas, como demonstram os recentes conflitos. Ele utiliza uma comparação entre o acesso aos nossos centros urbanos e o acesso ao nosso mundo digital contemporâneo, afirmando que os acessos às nossas cidades deixaram de ser portais físicos, para transformarem-se em sistemas de audiência eletrônica. A ruptura de continuidade que ocorre neste momento, não se dá tanto no limite de um setor urbano, mas principalmente na duração das atividades urbanas, atividades estas que as tecnologias avançadas não cessam de modificar através de uma série de interrupções e ocultações, que desorganizam a sociedade a ponto de provocar o declínio e a degradação de alguns de nossos hábitos e costumes, e até mesmo, nossas relações coletivas. As interfaces existentes hoje em dia – de todas as ordens – modificam profundamente as nossas noções de limite. Com a interface entre o homem e a tela, a videoconferência, o que se encontrava privado em função da distância, ganha espessura. Temos uma nova visibilidade muitas vezes sem face, na qual apagam-se as antigas fronteiras geográficas e dos parâmetros de distância. A partir deste momento, ninguém pode considerar-se separado de qualquer obstáculo físico ou por grandes distâncias. Sobre esta questão, Virilio (1993, p. 10) afirma que: 27 “esta súbita reversão dos limites introduz, desta vez no espaço comum, o que até o momento era da ordem da microscopia: o pleno não existe mais, em seu lugar uma extensão sem limites desvenda-se em uma falsa perspectiva que a emissão dos aparelhos ilumina.” Com base nesta afirmação, pode-se entender que o espaço desaparece no tempo real e que o tempo passa da cronologia e da história para um tempo que se expõe instantaneamente. Com os meios de comunicação e informação instantânea (satélite, TV, telemática...) a chegada dos saberes e do conhecimento suplantam a partida. Tudo chega ao homem contemporâneo, sem limites, toda a sociedade torna-se uma interface, não existem mais as individualidades, não há fronteiras, tudo é tomado por uma atividade constante. Virilio dá uma nova definição da noção de limites e superfície em que fica demonstrada a contaminação das vias de troca de informação (1993), quando afirma que “A superfície-limite torna-se uma PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA membrana osmótica, um simples mata-borrão, sem consistência. O que até então era a fronteira de uma matéria, torna-se agora simplesmente, uma via de acesso”. Virilio baseia-se nesta afirmação para constatar uma total desorganização da relação entre espaço e tempo. A distância é abolida no seu sentido de dimensão física. Não existem mais domicílios, as cercas e as divisórias não são mais obstáculos físicos, temos uma região de ocupação eletrônica. Temos os equipamentos e os sistemas de informática substituindo os muros e cercas. Os espaços, limites e distâncias caem por terra. No momento em tela o homem perde a sua individualidade e torna-se mero participante de uma rede tecnológica. Neste contexto podemos afirmar que corremos o risco de uma superexposição do ser humano. Esta superexposição atrai a nossa atenção na medida em que define a imagem de um mudo sem faces ocultas, sem segredos (lembrando o conceito de segundo dilúvio, proposto por Lévy). Observemos, no entanto, que a ilusão de proximidade não dura muito. Seguindo a visão dos mais céticos, hoje nada resta além de uma tela catódica ou de cristal líquido, somos uma comunidade em vias de desaparecer. As sensações cognitivas cedem lugar ao impacto televisual e tecnológico. Este impacto está presente nos meios de comunicação a distância, permitindo que as pessoas se comuniquem, negociem e aprendam sem precisar encontrar-se fisicamente com seus parceiros sociais ou comerciais. Onde anteriormente existia uma proximidade física imediata, hoje 28 temos o desvio de linguagem, o anonimato e a agressividade telecomandada. Ainda de acordo com Virilio (1993), isto resultaria na co-produção da realidade sensível na qual as percepções diretas e imediatas se confundem para construir uma representação instantânea do espaço, do meio-ambiente. Termina a separação entre a realidade das distâncias (de tempo, de espaço) e o distanciamento das representações videográficas. A observação direta dos fenômenos visíveis é substituída por uma tele-observação na qual o observador não tem mais contato com a realidade observada. Se este distanciamento oferece abranger as mais vastas extensões jamais percebidas (geográficas ou temporais), ao mesmo tempo revela-se arriscado, já que a ausência da percepção imediata da realidade concreta pode originar um desequilíbrio perigoso entre o cognitivo e o perceptível intelectualmente, uma separação entre o sensível e o inteligível. Este PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA desequilíbrio pode provocar erros de interpretação tanto mais fatais quanto mais os meios de telecomunicação e teleinformação forem performáticos, ou melhor: vídeoperformativos. Baseados no quadro acima, podemos compreender porque Virilio (1993) afirma que hoje temos uma imagem sintética, resultante das propriedades codificadas dos sistemas de informática, mas também e, sobretudo da velocidade na realização. Isto leva-nos a crer que a telemática não é a resultante simplesmente de uma associação da informática com a transmissão imediata à distância, mas sim um dos efeitos instantâneos da emissão local de uma figura, de um movimento ou de uma extensão aparente na interface de uma tela; uma figura digital que, com uma nova dimensão, resulta da ausência de profundidade e superfície, já que esta dimensão é inócua e transparente, apenas performática. A noção de interface, esta nova superfície, com uma nova dimensão, anula a separação clássica de posição, de momento, assim como a tradicional divisão do espaço em dimensões físicas, em benefício de uma configuração instantânea, em que o observador e o observado são acoplados e ligados por uma linguagem digital. O desequilíbrio entre a informação direta de nossos sentidos e a informação imediata das tecnologias avançadas é hoje tão grande que terminamos 29 por transferir nossos julgamentos de valor, nossa medida das coisas, do objeto para sua figura, da forma para sua imagem, assim como dos episódios da história para sua tendência estatística, onde incorremos no grande risco tecnológico de um delírio generalizado. Virilio (1993) reafirma a sua opinião que a profundidade oriunda das transmissões instantâneas de dados, informações e conhecimentos, afeta não só a consciência dos usuários, como também as figuras, os movimentos, a extensão representada, provocando um distúrbio na consciência individual do observador. Podemos deduzir que a inércia começa a renovar o antigo sedentarismo dos habitantes das metrópoles, cidadãos de direito para quem a liberdade de ir e vir é subitamente substituída pela liberação de uma recepção a domicílio. Quando assistimos hoje ao desenvolvimento da informática empresarial e educacional PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA ligadas ao progresso da tele-informática, podemos verificar a veracidade destes fatos, que afeta, assim como o aumento do sedentarismo, o próprio desenvolvimento das relações humanas. Se a inércia dos centros urbanos é sucedida pelo sedentarismo dos espectadores a domicílio é porque a concentração no tempo real da emissão e da recepção renova a antiga concentração no espaço real da coabitação, a unidade de vizinhança, até então propriedade exclusiva da arquitetura urbana. Desta forma, compreende-se melhor que a materialidade da arquitetura a que Walter Benjamin (cv. Virilio, 1993, p.78) se referia esteja menos ligada às paredes, aos tetos, do que à primazia do protocolo de acesso da porta, da ponte, mas igualmente dos portos e de outros meios de transporte. É tudo isto que tende a desaparecer atualmente com as tecnologias avançadas, a teledistribuição a domicílio. Se a tela matricial substitui a um só tempo as portas e os meios de comunicação física, é porque a própria representação cinemática tende a substituir a realidade da presença efetiva, a presença real das pessoas e das coisas. Não há porque nos surpreendermos, portanto, diante dos cenários pós-modernos em que o caráter ambíguo da Cibercultura atinge também o espaço íntimo, a própria natureza do domicílio, com o desenvolvimento da teledistribuição. 30 Virilio (1993) afirma ainda que “De que serve a um homem ganhar o mundo inteiro se ele termina por perder sua alma?” Lembremos que ganhar significa tanto “chegar” e “alcançar” quanto “conquistar” e “possuir”. Perder sua alma, ou seja, o seu próprio movimento. Historicamente nos encontramos, portanto, diante de uma espécie de divisão do conhecimento: de um lado, o nômade das origens; de outro, o sedentário, para quem prevalece o sujeito e o objeto, movimentando-se em direção ao imóvel, ao inerte. É urgente a necessidade de repensar esta lei do menor esforço que desde sempre esteve nas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0015628/CA origens de nossas tecnologias.