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Capítulo 1 – A Cibercultura e a Educação a Distância
O movimento social californiano do fim dos anos 1970 permitiu que a
informática fosse para as mãos dos indivíduos comuns, liberando-os da “ditadura”
dos informatas. Paralelamente, os preços dos computadores começaram a cair,
tornando-os acessíveis à classe média, e leigos podiam aprender a usá-los sem
uma formação técnica mais sofisticada.
No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, um novo movimento
sociocultural originado pelos jovens profissionais das grandes metrópoles e das
universidades norte-americanas tomou rapidamente uma dimensão mundial. As
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diferentes redes de computadores formadas a partir da década de 1970 juntaramse umas às outras, enquanto o número de pessoas e de computadores conectados à
Internet começou a crescer rapidamente. Uma corrente de informação espontânea
impôs um novo rumo ao futuro. As tecnologias digitais desenvolveram-se, bem
como a infraestrutura do ciberespaço, interconexão dos computadores mundiais, o
que acabou criando uma nova arena de comunicação, de convívio social, de
organização e, conseqüentemente, um novo mercado de informação e
aprendizado.
Dados a amplitude e o ritmo das transformações ocorridas, ainda nos é
impossível prever plenamente as mutações sociais, culturais e tecnológicas que
afetarão o universo digital no futuro. Quando a capacidade de memória dos
computadores e a velocidade de transmissão de dados aumentam, quando são
inventadas novas relações com o ser humano, quando se traduz a linguagem de
antigas mídias, quando o digital cria um ciclo de comunicação entre processos
anteriormente separados, as implicações culturais e sociais devem ser
continuamente reavaliadas.
Será que os fatos acima podem nos levar a afirmar que a Cibercultura é um
movimento de origem social quando ele é habitualmente considerado como um
movimento meramente técnico? Segundo Lévy (1999), sim. A emergência do
ciberespaço seria fruto de um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder,
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suas palavras de ordem (interconexão, criação de comunidades virtuais,
inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes.
A partir desta afirmação, podemos concluir que a principal função do
ciberespaço é permitir o acesso remoto aos diversos recursos de um computador.
Torna-se possível, então, que pessoas dispersas possam comunicar-se facilmente,
trocar seus conhecimentos, saberes e experiências. Os três principais fatores que
nortearam o crescimento da Cibercultura até os nossos dias foram: a interconexão
entre equipamentos, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva.
Parece-nos claro que estes três componentes unidos apontam para uma civilização
que tenha uma telepresença permanente e contínua.
Podemos afirmar que, na Cibercultura, os novos processos sociais
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atualizam a relação que se tem com o conhecimento. Aprendizagens permanentes
e personalizadas, orientação dos estudantes através de uma supervisão constante e
aprendizagens cooperativas são alguns dos elementos que fazem parte desse
contexto. As ferramentas hoje disponíveis permitem que cada membro de uma
comunidade virtual tenha suas competências reconhecidas e trocadas com outros
membros. Através dos dispositivos de correio eletrônico, conferências online e
ferramentas de colaboração tais como grupos de discussão e teleconferências, os
indivíduos estão cada vez mais interligados, conectando-se e interagindo,
independentemente de sua posição geográfica.
No contexto tecnológico da Cibercultura, incluem-se os sistemas
avançados de aprendizagem em grupo que são especialmente projetados para usar
os meios disponíveis no ciberespaço. Estes dispositivos podem permitir-nos uma
discussão coletiva, a troca de conhecimento e de saberes entre pessoas e o acesso
à informação online através de ferramenta comunicacional de um-todos ou todostodos, possibilitando a constituição progressiva de uma estrutura de comunicação
integrada, digital e interativa. Os mundos virtuais para diversos participantes, os
sistemas para ensino ou trabalho cooperativo, ou até mesmo, em escala maior a
própria World Wide Web, podem enquadrar-se nesta categoria.
Podemos afirmar também que, no seu desenvolvimento, a Cibercultura tem
aberto novos planos de observação e existência nos modos de adquirir
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conhecimento e aprendizagem, através de simulações, navegação, inteligência
coletiva e utilização de tutores permanentes. Isto não significa dizer que as
características tecnológicas da Cibercultura levarão à plena substituição dos
modos de aprendizagem anteriores, mas é muito provável que eles sejam
fortemente revisados. Concordamos com Lévy (1999) quando ele afirma que o
melhor uso possível das tecnologias digitais implica permitir que os seres
humanos conjuguem suas imaginações e inteligências a serviço da sua
emancipação.
Esse ponto de vista de uma comunicação comunitária apoiada por uma
ferramenta planetária para a inteligência coletiva encontra eco em alguns autores e
estudiosos. Outros mais céticos, tais como Virilio, afirmam que o ciberespaço não
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deve passar de um imenso mercado planetário de bens e serviços.
Qualquer reflexão sobre o futuro dos sistemas de educação e de formação
na Cibercultura deve ser lastreada em uma análise prévia das modificações atuais
da relação com o saber. Neste início de século, a maioria das competências
adquiridas por uma pessoa durante a sua carreira profissional torna-se
rapidamente obsoleta, o que faz com que os indivíduos e grupos não estejam mais
conformados com saberes estáveis. Ao invés disso, as pessoas estão sempre em
busca de um fluxo contínuo de conhecimento. Isso leva-nos a refletir a respeito da
nova natureza do trabalho, cuja parte de transação de conhecimentos não pára de
crescer. Trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir saberes e
produzir conhecimentos. Podemos constatar também que o ciberespaço suporta
tecnologias que aumentam, exteriorizam e modificam numerosas funções
sensoriais humanas: memória, imaginação, percepção e raciocínios. Temos
também que ter em mente que estas novas tecnologias, permitem novos estilos de
raciocínio e de conhecimento, tais como a simulação, proveniente da experiência
do pensamento, que não é proveniente nem da dedução lógica nem da indução a
partir da experiência.
Como essas experiências intelectuais, sobretudo as memórias dinâmicas,
são armazenadas em documentos digitais ou programas disponíveis no
ciberespaço,
podem
ser
compartilhadas
entre
numerosos
indivíduos,
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independentemente da sua localização geográfica, o que supostamente
aumentaria, portanto, o potencial da inteligência coletiva dos grupos humanos.
Devemos ter em mente que as novas tecnologias da inteligência individual e/ou
coletiva parecem estar modificando profundamente os dados do problema da
educação e formação. Neste contexto, parece surgir uma certa preferência por
imagens de conhecimento emergentes, contínuas, em fluxo, que se organizam de
acordo com objetivos e contextos singulares.
Ao lado da tecnologia ligada à mecânica e à energia, o homem sempre
desenvolveu sofisticadas tecnologias de inteligência: a escrita foi uma destas
tecnologias, como bem aponta Levy (1993), cuja expansão transformou toda a
cultura. A representação impressa, mais precisa, mais exata e mais objetiva
quebrou o mistério do conhecimento reservado a poucos homens e permitiu o
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esclarecimento das atividades humanas nos seus aspectos mais secretos. O
desenvolvimento científico contemporâneo tornou frágil o saber narrativo típico
das sociedades modernas, fazendo surgir um novo tipo de saber. De acordo com
Lyotard (1988 p. 4):
“Nesta transformação geral, a natureza do saber não permanece intacta.
Ele não pode se submeter aos novos canais, e tornar-se operacional, a não
ser que o conhecimento possa ser traduzido em quantidade de informação.
Pode-se prever que tudo o que no saber constituído não é traduzível será
abandonado, e que a orientação das novas pesquisas se subordinará à
condição de tradutibilidade dos resultados eventuais em linguagem de
máquina. Tanto os produtores do saber como seus utilizadores devem e
deverão ter os meios de traduzir nestas linguagens”.
Por mais que possa parecer arrebatadora, a transcrição acima equivale a
dizer que o conhecimento que não possa ser digitado, escaneado, colocado em
meio eletrônico de alguma forma, tende a desaparecer dos meios acessáveis.
Como ocorreu com a invenção da imprensa, a informática de nossos dias possui
um arrebatamento supostamente libertador ainda maior, pois, apesar de a escrita e
de a imprensa serem tecnologias da inteligência, elas não possuem recursos tão
elaborados de recuperação e transmissão da informação quanto a informática que,
através de linguagens de computador, integra uma multiplicidade de signos:
binários, musicais, alfabéticos, icônicos, sonoros e imagéticos, entre outros. Por
outro lado, a informática também pode fazer desaparecer preciosidades num único
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segundo, o que deve nos fazer pensar muito cuidadosamente sobre o assunto.
Consultar catálogos de fichas de papelão na biblioteca é hoje tão obsoleto
quanto datilografar na velha Olivetti. Há poucos anos, os editores de texto dos
microcomputadores tornaram obsoletas as máquinas de escrever. Hoje, as
facilidades da Internet tornam obsoletos os acessos tradicionais às informações e
ao saber, como, por exemplo, recorrer aos fichários de bibliotecas. Há muito
tempo a Física, a Matemática e a Engenharia já haviam abraçado a Informática
como meio e infra-estrutura para pesquisa. Também a Química entendeu ser mais
fácil conhecer as moléculas por simulação em computador do que em
experimentos empíricos. Mais impressionante é a ressonância existente entre
Informática e Biologia. Na pesquisa biológica, os processos de identificação de
seqüências de genes são feitos por programas e bancos de dados acessados via
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rede.
Sabemos que é necessário e fundamental considerar que algumas reformas
devem ser propostas nos sistemas de educação e formação e, nesse caso, talvez se
forem incorporadas doses maiores do espírito e dos recursos da EaD ao cotidiano
da educação, tenhamos alguns problemas resolvidos. Este seria um primeiro passo
importante. Hoje a EaD tende a incluir as redes de comunicação interativas,
hipermídia e todas as demais tecnologias intelectuais da Cibercultura, mas o
essencial não se encontra nos meios utilizados; encontra-se em entender um novo
estilo de pedagogia, em que são favorecidas, ao mesmo tempo, as aprendizagens
personalizadas e a aprendizagem coletiva. Nesse contexto, o professor deve
tornar-se um “animador da inteligência” de seus grupos em detrimento de ser
simplesmente um fornecedor direto do saber. Paulo Freire, há décadas, já
pontuava a este respeito quando mencionava a “educação bancária” e seus
inconvenientes.
Um segundo passo diria respeito ao reconhecimento da importância das
experiências e competências adquiridas ao longo da vida, das quais cada um
possui uma coleção particular. Organizando a comunidade entre empregadores,
indivíduos e recursos de aprendizagem de todos os tipos, com a Internet parece
haver a possibilidade de se poder propor a criação de um novo sistema de
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transmissão de conhecimento. Potencialmente, as ferramentas do ciberespaço
criam amplos sistemas de avaliações automatizadas acessíveis a qualquer
momento, em qualquer lugar, que, dependendo da destreza com que são
organizados e implementados, podem ensejar a aferição do grau de troca das
competências acadêmicas, ou as experiências não-acadêmicas.
Entre os novos modos de conhecimento trazidos pela Cibercultura, a
simulação ocupa um lugar central. A simulação tem hoje um papel crescente nas
atividades de pesquisa, de gerenciamento e aprendizagem, constituindo um modo
especial de conhecimento, próprio da Cibercultura nascente. O conhecimento
encontra-se, nesse contexto, acessível online em hipertextos alimentados em
tempo real, em aulas interativas e em simulações em tempo real.
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O ciberespaço tende, assim, a tornar-se o principal instrumento coletivo da
memória, pensamento e comunicação. Ele, através de seus recursos tecnológicos
(imagens, simulações, banco de dados etc) já começa a ser o articulador
fundamental da inteligência coletiva da humanidade. Com esse novo suporte de
informação e comunicação, emergem gêneros de conhecimento inexplorados,
formas de avaliações apresentadas de modos diferentes para orientar o saber e a
troca de conhecimento. Qualquer política de educação terá que levar isso em
conta.
Os sistemas educativos tradicionais encontram-se hoje submetidos a novas
restrições no que diz respeito à quantidade, diversidade e evolução do
conhecimento. Se analisarmos quantitativamente, a demanda por conhecimento é,
hoje, maior do que em qualquer outro momento da história do homem. Os alunos
transbordam nas escolas e universidades. A demanda por cursos de pós-graduação
jamais foi tão intensa. As instituições tradicionais de formação técnica estão
saturadas. Grande parte da sociedade está ou pretende estar na escola.
No que concerne à formação de novos professores e às instalações físicas
para novos centros de ensino, o fator custo é um limitador a ser considerado.
Parece ser, desta forma, necessário buscar novas soluções que utilizem técnicas
capazes de multiplicar o esforço pedagógico dos educadores. Material
audiovisual, multimídia, ensino assistido por computador, TV educativa, cabo,
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técnicas de EaD utilizando materiais escritos, tutoriais por telefone, fax ou
Internet, são instrumentos que se articulam neste esforço. Tanto no plano do
suporte material como no de custos de funcionamento, as escolas técnicas e
universidades existentes no ciberespaço têm menor custo operacional do que as
instituições de ensino que fornecem um ensino presencial, descontados, a bem da
exatidão dos cálculos, os custos de implementação, que envolvem desde a geração
de materiais veiculáveis pela Internet à infraestrutura tecnológica e de
telecomunicações. Esta inevitável parcela de custos fixos torna as soluções
educacionais telemáticas adequadas principalmente nos contextos em que se pode
obter ganhos de escala e atender uma quantidade grande de educandos.
A necessidade de formação deve ser analisada também sob o ponto de
vista qualitativo. Esta sofre uma espécie de mutação crescente no que diz respeito
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à necessidade de diversificação e, principalmente à personalização na formação.
Como vimos em páginas anteriores, os cursos uniformes e rígidos que, ao seu
término, não irão corresponder a necessidades reais e perspectivas futuras de vida,
não atendem mais a comunidade de educandos. Conteúdos aplicados pela Internet,
em meio eletrônico, e pedagogicamente mediados, têm maior potencial de
atualização do que os conteúdos impressos, podendo-se tirar partido desta
característica para prover experiências de aprendizagem mais significativas.
Levando em conta essas necessidades, uma das soluções parece residir na prática
da aprendizagem cooperativa que se faz no ciberespaço, podendo ser uma via de
acesso a um conhecimento que concilia massificação e personalização.
A aprendizagem cooperativa através de videoconferências e correio
eletrônico pode, em tempo real, ser conciliada com a orientação do estudante pelo
seu tutor. Os suportes hipermídia permitem acessos intuitivos, rápidos e atraentes
a grandes conjuntos de informações. Parece que os “novos educadores” da
Cibercultura pretendem deslocar-se de modo diferenciado no sentido de incentivar
a aprendizagem e o pensamento, levando o estudante no caminho do “aprender a
aprender”. Sua atividade deve estar voltada para o acompanhamento e gestão das
aprendizagens. Eles devem incitar seus estudantes à troca de conhecimentos e
incentivá-los a percorrer, por conta própria, os caminhos do aprendizado. Neste
ponto, cabe enfatizar que as ações citadas acima supostamente fazem parte da
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proposta de qualquer educador que preze sua atuação profissional, não
constituindo privilégio daqueles que adotam o ciberespaço como mídia. No
entanto, a Internet e a tecnologia podem muito bem contribuir para o
aprimoramento do processo de descoberta do indivíduo e do grupo. Na verdade,
este percurso espontâneo sempre foi possível, mesmo antes da Internet e da
Cibercultura, quando a expressão física do conhecimento se concentrava nas
bibliotecas. No entanto, ele agora parece facilitado sobremaneira.
No contexto tecnológico e social aqui abordado, o compartilhamento de
recursos materiais e de informação entre professores e estudantes ganha uma nova
dimensão. Os professores ampliam seus conhecimentos ao mesmo tempo em que
os estudantes o fazem, atualizando-se continuamente, assim como os primeiros
podem manter suas competências pedagógicas em constante evolução, um dos
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principais objetivos qualitativos da EaD. Através da rede mundial de informações,
por meio de bancos de dados, os estudantes têm acesso potencial a
videoconferências, independentemente de localização geográfica, nas quais
podem interagir com especialistas nas diversas disciplinas. Contando com esta
gama de possibilidades, a principal função do educador pode evoluir para a de
orientador.
Tal como já estabelecido no início do trabalho, um dos objetivos dessa
dissertação é discutir como, ou se, o uso crescente e contínuo das tecnologias
digitais e das redes de comunicação interativas provocam modificação na relação
com o saber, e como (ou se) o uso das tecnologias intelectuais com suporte digital
prolonga as capacidades cognitivas, no que diz respeito à memória, imaginação e
percepção, como dogmatizam os autores que a defendem. Assim sendo, não é
hora de discutirmos se os computadores serão substitutos incansáveis dos
educadores na visão clássica, Nem tampouco é momento de se avaliar o quanto os
computadores são considerados apenas instrumentos de comunicação e de
pesquisa a serem colocados nas mãos dos estudantes. As novas possibilidades de
criação coletiva e aprendizagem cooperativa, oferecidas pelo ciberespaço,
parecem colocar em questão o funcionamento das instituições empresariais e
acadêmicas, no que diz respeito aos modos habituais de divisão de trabalho.
22
De
acordo
com
Virilio
(1997),
devemos
tentar
discutir
mais
profundamente a respeito da velocidade e do trajeto da informação. Acreditamos
que este seja um dos pontos essenciais para o entendimento dos fenômenos de
emissão e recepção na comunicação, iniciando a construção de uma teoria social
de informação. O significado da informação, da aprendizagem e da troca de
conhecimento entre os indivíduos, e como estes são compreendidos pelos
receptores é um processo de extrema importância para o entendimento da
sociedade de nossos dias, na qual o poder da informação e das novas tecnologias
tem um peso fundamental. Talvez a grande questão da EaD, tanto no plano de
redução dos custos como no acesso democrático à educação, não seja tanto a
passagem do presencial à distância, nem do escrito e do oral tradicional à
multimídia. É a transição de uma educação e uma formação estritamente
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institucionalizada para uma situação de troca anárquica e generalizada de
conhecimentos, quase como postulou Illich na sua defesa da “desescolarização”.
Novamente com base em Lévy (1999), estes fatos levam-nos a pensar
sobre a real extensão em que a aprendizagem à distância, considerada por muito
tempo apenas como um suporte ao ensino tradicional, irá de fato tornar-se a ponta
de lança do sistema educacional. Mesmo pesando prós e contras, parece-nos que
no futuro iremos tratar muito mais de gerenciar processos do que sermos
reconhecidos por nossos diplomas e/ou postos de trabalho que ocupamos.
Seremos julgados pela nossa competência em organizar trajetos e cooperações. As
diversas habilidades e capacidades adquiridas pelos indivíduos ao longo da vida
irão alimentar as memórias coletivas. Acessíveis no ciberespaço, essas memórias
dinâmicas servirão às necessidades concretas de indivíduos e de grupos em uma
situação de aprendizagem, o que nos poderá levar à virtualização da relação com o
conhecimento.
Soa-nos válido afirmar que é para esse novo universo da educação que o
educador da virada do século deve estar preparado para trabalhar e,
conseqüentemente, é para este contexto que ele deve preparar seus alunos.
Pode parecer simples dizer que a toda aprendizagem que é decorrente de
uma soma de competências deve poder gerar uma qualificação e uma validação
23
socialmente reconhecida. Na prática, porém o quadro é outro. Um grande número
de saberes adquiridos ao longo das experiências dos indivíduos não gera nenhum
tipo de qualificação. Deveria caber aos sistemas educacionais implementar
processos de reconhecimento das experiências pessoais e profissionais, adquiridas
ao longo da vida. Novamente, Lévy (1999) entende que a descentralização e
abertura dos processos de reconhecimento e validação dos processos e
dispositivos de aprendizagem, mesmo aqueles menos formais, poderiam ser
sancionados para a qualificação dos indivíduos. Não seria o caso de usar todas as
novas tecnologias na educação sem em contrapartida alterar os mecanismos de
validação, qualificação e homologação de novos cursos. Um processo de
reorganização e desregulamentação controlada dos atuais mecanismos de
validação profissional, que priorizasse o aspecto da formação explícita, poderia
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aumentar o aspecto social das funções clássicas dos educadores, admitindo que
qualquer experiência de vida, assim como, os saberes adquiridos, devem poder
levar a um grau de reconhecimento e qualificação.
Hoje em dia, ter a Internet como aliada é uma ajuda indispensável para
qualquer educador ou responsável por treinamento que atue em qualquer
universidade ou grande empresa. Trata-se do maior acervo de informações
disponível para qualquer pessoa que possua uma simples conexão. São 365 dias
por ano, 24 horas por dia de informação. Não existem barreiras físicas como
distância ou tempo. Para que estes benefícios possam ser mais bem aproveitados,
foram criados ambientes de aprendizagem e treinamento virtual que potencializam
toda a gama de conhecimento e vivências disponíveis na rede. Entretanto, deve-se
ter cuidado com a saturação de informação, que provocaria o que Lévy (1999)
chama de “segundo dilúvio”. Neste momento, as informações estariam
disponíveis numa torrente e numa velocidade tão intensas que não seria possível
captá-las e percebê-las integralmente. Nesta corrente de raciocínio, há que se
mencionar o ponto de vista de Virilio (1993), que afirma serem os avanços
tecnológicos responsáveis por um intenso processo de aceleração da sociedade, no
qual esta poderia criar formas de dominação a partir disto. A velocidade da
informação seria uma forma de domínio, que esteve presente tanto na revolução
ocorrida
nos
transportes,
no
século
passado,
quanto
atualmente
no
desenvolvimento das tecnologias virtuais. O autor relaciona a crença na
24
democratização da sociedade através dos meios de comunicação com a mesma
idéia ocorrida no século passado, com o desenvolvimento dos sistemas de
transportes. Ambos os fenômenos criaram a perspectiva de que estaria emergindo
uma sociedade mais justa, com os indivíduos mais próximos. É importante
ressaltar que, mesmo que estes acontecimentos não formem uma sociedade mais
justa e democrática, as pessoas realmente têm a possibilidade de estar mais
próximas, através do incremento de novas tecnologias. A questão é que este
processo não é tão expansivo quanto parece, pois, em países menos desenvolvidos
como o Brasil, isto pode alcançar somente uma pequena parcela da população.
Apesar de existirem opiniões divergentes sobre a validade da EaD baseada
na Internet, os benefícios podem ser mensurados através da diminuição de custos,
normalmente vinculados ao processo de aprendizagem tradicional, como viagens
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e hospedagens, instalações físicas e professores viajantes. Com a redução de
custos, o retorno dos investimentos ocorrerá de forma mais acelerada para os
envolvidos com a implantação e utilização deste sistema de aprendizagem. Outro
fator a ser destacado é a maior rapidez em disponibilizar o conteúdo, tornando-se
mais curtos os ciclos de treinamento, o que poderá ser um diferencial importante
diante da alta competitividade em determinados mercados.
É importante que se tenha uma visão crítica para que toda esta perspectiva
de benefícios não nos leve a esquecer alguns cuidados. É inegável que estes
últimos anos marcaram o atingimento de estágios de progresso nunca antes
imagináveis. Porém, Virilio afirma que não podemos criar uma visão romântica
do progresso, sem uma consciência mais plena de seus efeitos. É sabido que todas
as áreas de conhecimento em desenvolvimento, inclusive a científica, geram
perdas e danos. Basta considerar os efeitos da tecnologia nuclear para não ter
dúvida a respeito. Em toda criação, estão intrínsecos o aparecimento de fatores
positivos e negativos.
As novas tecnologias da informação, incluindo a cibernética, podem criar
uma expectativa de homogenização da humanidade. Os grupos sociais tendem a
ser tratados como uma massa pasteurizada, desconsiderando-se diferenças
25
importantes. Mesmo levando em conta o processo de globalização, as
particularidades e a diversidade continuam a existir, devendo ser ressaltadas.
Embora estejamos vivendo em um mundo cada vez mais veloz, em que as
distâncias são menos relevantes, os mais céticos não acreditam que este processo
esteja relacionado com a democratização da sociedade. Virilio, por exemplo,
aponta a virtualidade como problema em nosso mundo atual, já que ela criaria um
tempo sem relação alguma com o tempo histórico, mundial, o que causaria uma
perda do corpo real, concreto. A corrente oposta, influenciada por Lévy, afirma
que o mundo atual é quase totalmente virtual, por vezes desconsiderando que,
apesar disto, a realidade material continua a existir.
Virilio acabou desenvolvendo uma visão extremamente cética a respeito
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dos usos das novas tecnologias em nossa sociedade, como ilustra a passagem
transcrita a seguir:
“As novas tecnologias são portadoras de um certo tipo de acidente e um
acidente que não tem lugar prontamente assinalado, como o naufrágio do
Titanic e o descarrilamento de um trem, e sim um acidente generalizado,
um acidente que afeta imediatamente a totalidade do mundo”.(Virilio,
1997, p. 14-15).
A ocorrência de um acidente geral, que afetasse todo o mundo ao mesmo
tempo, faria a sociedade pensar na ação indiscriminada das novas tecnologias.
Trata-se de uma idéia algo catastrófica, pois, embora os avanços da revolução
cibernética possam criar inúmeros problemas, os seus aspectos positivos não
devem ser desprezados. Pode-se notar que Virilio possui uma visão bastante
pessimista da questão, o que é de fundamental importância para o equilíbrio da
análise. Ele é um dos poucos autores que desenvolvem uma análise mais crítica
dos efeitos da chamada Cibercultura e de seus resultados. Mesmo que não se
concorde com uma visão saudosista da humanidade, ao mesmo tempo que não se
negue os benefícios que o progresso da cibernética tem trazido à sociedade, é
necessário que se esteja atento a todos os fenômenos que estão relacionados com
esta evolução.
Talvez seja possível usar a arquitetura e a ocupação contemporâneas das
cidades para investigar os efeitos sobre a consciência ética de um mundo que se
26
organiza cada vez mais em sintonia, dependente das transformações tecnológicas
no que tange a produção e difusão de imagens e informação. Ocupado por telas –
de computador, de vídeo, de cinema – o espaço público clássico tenderá a
transformar-se em uma “imagem pública” asséptica, na qual redefine-se toda uma
realidade coletiva. Neste universo high-tech do imediatismo das imagens, a
geopolítica cede lugar à política em que o acesso aos fundamentos da
administração da velocidade e do tempo – e não mais do espaço – muitas vezes
nos são impelidos pelos especialistas em tecnologia, que tendem a consolidar a
impermeabilidade da tecnologia à grande massa de leigos.
No entender de Virilio (1993), as performances do aparato técnico de
última geração dialogam com a história da física, da geometria, da arquitetura, do
cinema e da filosofia. Ele afirma que quanto mais a sociedade sofistica-se
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tecnologicamente, mais ela torna-se militarizada, passando a viver em constante
preparação logística para batalhas imperceptíveis, abstratas ou concretas, como
demonstram os recentes conflitos. Ele utiliza uma comparação entre o acesso aos
nossos centros urbanos e o acesso ao nosso mundo digital contemporâneo,
afirmando que os acessos às nossas cidades deixaram de ser portais físicos, para
transformarem-se em sistemas de audiência eletrônica. A ruptura de continuidade
que ocorre neste momento, não se dá tanto no limite de um setor urbano, mas
principalmente na duração das atividades urbanas, atividades estas que as
tecnologias avançadas não cessam de modificar através de uma série de
interrupções e ocultações, que desorganizam a sociedade a ponto de provocar o
declínio e a degradação de alguns de nossos hábitos e costumes, e até mesmo,
nossas relações coletivas.
As interfaces existentes hoje em dia – de todas as ordens – modificam
profundamente as nossas noções de limite. Com a interface entre o homem e a
tela, a videoconferência, o que se encontrava privado em função da distância,
ganha espessura. Temos uma nova visibilidade muitas vezes sem face, na qual
apagam-se as antigas fronteiras geográficas e dos parâmetros de distância. A
partir deste momento, ninguém pode considerar-se separado de qualquer
obstáculo físico ou por grandes distâncias. Sobre esta questão, Virilio (1993, p.
10) afirma que:
27
“esta súbita reversão dos limites introduz, desta vez no espaço comum, o
que até o momento era da ordem da microscopia: o pleno não existe mais,
em seu lugar uma extensão sem limites desvenda-se em uma falsa
perspectiva que a emissão dos aparelhos ilumina.”
Com base nesta afirmação, pode-se entender que o espaço desaparece no
tempo real e que o tempo passa da cronologia e da história para um tempo que se
expõe instantaneamente. Com os meios de comunicação e informação instantânea
(satélite, TV, telemática...) a chegada dos saberes e do conhecimento suplantam a
partida. Tudo chega ao homem contemporâneo, sem limites, toda a sociedade
torna-se uma interface, não existem mais as individualidades, não há fronteiras,
tudo é tomado por uma atividade constante. Virilio dá uma nova definição da
noção de limites e superfície em que fica demonstrada a contaminação das vias de
troca de informação (1993), quando afirma que “A superfície-limite torna-se uma
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membrana osmótica, um simples mata-borrão, sem consistência. O que até então
era a fronteira de uma matéria, torna-se agora simplesmente, uma via de acesso”.
Virilio baseia-se nesta afirmação para constatar uma total desorganização
da relação entre espaço e tempo. A distância é abolida no seu sentido de dimensão
física. Não existem mais domicílios, as cercas e as divisórias não são mais
obstáculos físicos, temos uma região de ocupação eletrônica. Temos os
equipamentos e os sistemas de informática substituindo os muros e cercas. Os
espaços, limites e distâncias caem por terra. No momento em tela o homem perde
a sua individualidade e torna-se mero participante de uma rede tecnológica.
Neste contexto podemos afirmar que corremos o risco de uma
superexposição do ser humano. Esta superexposição atrai a nossa atenção na
medida em que define a imagem de um mudo sem faces ocultas, sem segredos
(lembrando o conceito de segundo dilúvio, proposto por Lévy). Observemos, no
entanto, que a ilusão de proximidade não dura muito. Seguindo a visão dos mais
céticos, hoje nada resta além de uma tela catódica ou de cristal líquido, somos
uma comunidade em vias de desaparecer. As sensações cognitivas cedem lugar ao
impacto televisual e tecnológico. Este impacto está presente nos meios de
comunicação a distância, permitindo que as pessoas se comuniquem, negociem e
aprendam sem precisar encontrar-se fisicamente com seus parceiros sociais ou
comerciais. Onde anteriormente existia uma proximidade física imediata, hoje
28
temos o desvio de linguagem, o anonimato e a agressividade telecomandada.
Ainda de acordo com Virilio (1993), isto resultaria na co-produção da
realidade sensível na qual as percepções diretas e imediatas se confundem para
construir uma representação instantânea do espaço, do meio-ambiente. Termina a
separação entre a realidade das distâncias (de tempo, de espaço) e o
distanciamento das representações videográficas. A observação direta dos
fenômenos visíveis é substituída por uma tele-observação na qual o observador
não tem mais contato com a realidade observada. Se este distanciamento oferece
abranger as mais vastas extensões jamais percebidas (geográficas ou temporais),
ao mesmo tempo revela-se arriscado, já que a ausência da percepção imediata da
realidade concreta pode originar um desequilíbrio perigoso entre o cognitivo e o
perceptível intelectualmente, uma separação entre o sensível e o inteligível. Este
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desequilíbrio pode provocar erros de interpretação tanto mais fatais quanto mais
os meios de telecomunicação e teleinformação forem performáticos, ou melhor:
vídeoperformativos.
Baseados no quadro acima, podemos compreender porque Virilio (1993)
afirma que hoje temos uma imagem sintética, resultante das propriedades
codificadas dos sistemas de informática, mas também e, sobretudo da velocidade
na realização. Isto leva-nos a crer que a telemática não é a resultante
simplesmente de uma associação da informática com a transmissão imediata à
distância, mas sim um dos efeitos instantâneos da emissão local de uma figura, de
um movimento ou de uma extensão aparente na interface de uma tela; uma figura
digital que, com uma nova dimensão, resulta da ausência de profundidade e
superfície, já que esta dimensão é inócua e transparente, apenas performática. A
noção de interface, esta nova superfície, com uma nova dimensão, anula a
separação clássica de posição, de momento, assim como a tradicional divisão do
espaço em dimensões físicas, em benefício de uma configuração instantânea, em
que o observador e o observado são acoplados e ligados por uma linguagem
digital.
O desequilíbrio entre a informação direta de nossos sentidos e a
informação imediata das tecnologias avançadas é hoje tão grande que terminamos
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por transferir nossos julgamentos de valor, nossa medida das coisas, do objeto
para sua figura, da forma para sua imagem, assim como dos episódios da história
para sua tendência estatística, onde incorremos no grande risco tecnológico de um
delírio generalizado. Virilio (1993) reafirma a sua opinião que a profundidade
oriunda das transmissões instantâneas de dados, informações e conhecimentos,
afeta não só a consciência dos usuários, como também as figuras, os movimentos,
a extensão representada, provocando um distúrbio na consciência individual do
observador.
Podemos deduzir que a inércia começa a renovar o antigo sedentarismo
dos habitantes das metrópoles, cidadãos de direito para quem a liberdade de ir e
vir é subitamente substituída pela liberação de uma recepção a domicílio. Quando
assistimos hoje ao desenvolvimento da informática empresarial e educacional
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ligadas ao progresso da tele-informática, podemos verificar a veracidade destes
fatos, que afeta, assim como o aumento do sedentarismo, o próprio
desenvolvimento das relações humanas. Se a inércia dos centros urbanos é
sucedida pelo sedentarismo dos espectadores a domicílio é porque a concentração
no tempo real da emissão e da recepção renova a antiga concentração no espaço
real da coabitação, a unidade de vizinhança, até então propriedade exclusiva da
arquitetura urbana.
Desta forma, compreende-se melhor que a materialidade da arquitetura a
que Walter Benjamin (cv. Virilio, 1993, p.78) se referia esteja menos ligada às
paredes, aos tetos, do que à primazia do protocolo de acesso da porta, da ponte,
mas igualmente dos portos e de outros meios de transporte. É tudo isto que tende a
desaparecer atualmente com as tecnologias avançadas, a teledistribuição a
domicílio. Se a tela matricial substitui a um só tempo as portas e os meios de
comunicação física, é porque a própria representação cinemática tende a substituir
a realidade da presença efetiva, a presença real das pessoas e das coisas. Não há
porque nos surpreendermos, portanto, diante dos cenários pós-modernos em que o
caráter ambíguo da Cibercultura atinge também o espaço íntimo, a própria
natureza do domicílio, com o desenvolvimento da teledistribuição.
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Virilio (1993) afirma ainda que “De que serve a um homem ganhar o
mundo inteiro se ele termina por perder sua alma?” Lembremos que ganhar
significa tanto “chegar” e “alcançar” quanto “conquistar” e “possuir”. Perder sua
alma, ou seja, o seu próprio movimento. Historicamente nos encontramos,
portanto, diante de uma espécie de divisão do conhecimento: de um lado, o
nômade das origens; de outro, o sedentário, para quem prevalece o sujeito e o
objeto, movimentando-se em direção ao imóvel, ao inerte. É urgente a
necessidade de repensar esta lei do menor esforço que desde sempre esteve nas
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origens de nossas tecnologias.
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Capítulo 1 – A Cibercultura e a Educação a Distância